terça-feira, 1 de maio de 2018

Lendas Escoteiras. “Tocata” – Heitor Villa-Lobos.



Lendas Escoteiras.
“Tocata” – Heitor Villa-Lobos.

                Maria Quitéria nos seus quinze anos se apaixonou. Perdidamente. Sentiu as pernas tremerem, seu coração bateu forte algum brotou na sua alma e seu pensamento marcou para sempre João Bento como seu único amor. Lavava a roupa dela e de sua Avó no Açude Baité, bem no centro do Sertão Central do Ceará no Maciço do Baturité. Levantou cedo, pretendia ir até a vendinha do Seu Moscoso, comprar açúcar e sal e se desse umas bolachas que ela adorava.

               De cócoras próxima a bacia de alumínio ouviu um cantarolar diferente. Nada que conhecia. Seu radinho de pilha só pegava a Estação do arraial de Itapiúna e quando Zé do Prado tocava Luar do Sertão com Pena Branca e Xavantinho ela fechava os olhos e sonhava um dia conhecer Fortaleza, suas praias suas avenidas... “Juntos caminhemos a montanha altiva, juntos escalemos o seu pico azul”! Que musica era essa? De onde vinha?

              Levantou e viu ao longe uns meninos junto a um homem vindo na estrada do Boi Galego. Parecia que iam em direção ao Vale do Porema. Ficou cismada. Nunca viu ninguém ir para lá com meninos. Foi então que ela olhou melhor e viu João Bento pela primeira vez. Meu Deus! Era lindo demais. Cabelos grandes, escondidos por um chapéu de abas largas, uma roupa caqui, uma meia comprida, calção curto e quando passou por ela e deu um sorriso, Maria Quitéria achou que ia morrer!

              Já virando a curva do Sarduá Maria Quitéria largou o que fazia e foi atrás. Ela precisava, ela não ia deixar seu amor partir assim. Eles pararam na nascente do Córrego das Dores e ela viu quando João Bento tirou o chapéu e seus cabelos esvoaçaram com os ventos da Lagoa, tirou o lenço à camisa e sorrindo e cantando ajudou os meninos a montar barraca, fazer barro, cozinhar e tantas coisas que Maria Quitéria ficou deslumbrada. Nunca viu coisa e tal, nunca!

             Voltou para casa correndo preocupada com sua Avó Cacilda. Passou da hora dela se alimentar. Pediu desculpas, fez uma sopa de mingau de couve, um pedaço de pão feito no dia anterior. Contou as novidades. Vó Cacilda apenas sorria. Nunca falava, mas naquele dia disse: Quitéria, cuidado com seu coração, quando ele bater esquisito é sinal que algo de bom ou ruim pode acontecer!

             Escurecia e ela pé ante pé chegou bem perto de onde eles estavam. Sentados em uma mesa de madeira que construíram, jantavam e contavam causos. Foi lá que ela ouviu um menino chamar João Bento. Disse Chefe João Bento. Amou o nome. Amou João apaixonou-se pelo Bento. Só foi embora lá pelas tantas, depois do fogo que fizeram das canções do boa noite: - Boa noite Touros! Boa noite Touros! Agora eu vou dormir! Lindo demais!

              Ficaram três dias. Três dias que Maria Quitéria se aboletou na pedra rala amando, olhando e vendo tudo que fazia os escoteiros e o seu príncipe o Chefe João Bento. Tudo tem seu tempo, sua hora seu lugar. Maria Quitéria viu quando partiram. Queria correr atrás, abraçar seu amado, dizer que sem ele ela não poderia viver. Ao chegar na Estrada Asfaltada rumo a Fortaleza, eles embarcaram em um ônibus e sumiram para sempre na estrada do adeus.

               Durante dias, meses e anos Maria Quitéria chorou. Um dia parou de chorar e nunca mais sorriu. Fechou seu coração e pedia a Deus que a levasse desse mundo. Sua Avó Cacilda morrera antes das águas de março chegarem. As luas viraram no céu e a cada tantos dias apareciam cantante com seu esplendor. Maria Quitéria envelheceu. Os cabelos embranquecendo, olheira nos olhos pele gelatinosa. Nunca foi bonita e nem catita para conquistar um novo amor.

               Nunca esqueceu os dias e os anos que amou João Bento. A ele entregou seu coração e mesmo vinte anos depois que apareceu Luvercino na sua Mula Caçamba, ela mal deu um sorriso pela primeira vez. Deu a ele água e um pouco do seu feijão com torresmo, mas seu amor seu corpo e sua vontade ela não deu. Nunca soube o que eram escoteiros, nunca mais viu uma barraca armada, mesa de tronco de pique em pé com eles em volta cantando e sorrindo.

                Nas noites escuras sem lua, Maria Quitéria sentava na porta de sua choupana, de pau a pique, barro entre bambus, sozinha cantava o que não entendia. Um dia ouviu e amou uma melodia de um tal Villa-Lobos que Zé do Prado da Rádio de Itapiúna tocou. Demais. Zé do Prado devia estar bêbado para tocar uma tal de Tocata, Trenzinho Caipira, Bachianas Brasileiras número 5 de um tal Villa Lobos. Naquela noite Maria Quitéria chorou... De saudades... Muitas de João Bento seu único amor...

Nota – Ontem à noite, eu ouvia Villa-Lobos Bachianas Brasileiras, Número 2 – IV Tocata – “O trenzinho do Caipira” e me veio na memoria uma história que um dia ouvi nas margens do Rios das Velhas próximo a Barra do Guaçuí de uma mulher que morrera por amor. Porque morrer de amor? Pego na pena, digito e escrevi esta história. Não sei se vão gostar, eu como sempre embevecido com o que escrevi amei!

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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