quinta-feira, 31 de maio de 2018

Lígia.



Lígia.

Ouvia sem ser indiscreto atrás do biombo da sede, a Guia dizer para sua Chefe: - Não sou capaz. Tentei e não consegui – Ligia, você é capaz de coisas que nem imagina. Quem diria a muitos anos atrás que algum dia o homem seria capaz de voar? Quem arriscaria a dizer que o ser humano conseguiria pisar na lua? Tudo é impossível até alguém sonhar mais alto. – Um silêncio surgiu no ar. Nem ela e nem a Chefe nada diziam. O que teria acontecido? Prendi a respiração. Eis que a guia falou baixinho quase sussurrando: - Chefe não tenho ninguém, minha mãe não me entende e eu me sinto só, procuro carinho e não tenho, procuro amor e não encontro. 

Dialogo difícil pensei. Chefes são assim, fazem jogos e muitas vezes não sabem explicar as regras do jogo. Afinal nem todos estão preparados para resolver temas individuais além de suas possibilidades normais. – Mas eis que a Chefe respondeu baixinho: - Quando uma pessoa transforma seu sonho em um objetivo de luta com determinação, está dando o passo certo para conseguir. Muitos duvidarão inicialmente se o plano for ousado demais, mas a fé é mais forte que qualquer receio e quem não se deixa amedrontar ganha sempre alguma coisa - Novo silêncio. O que a Guia pensava? Eu mesmo ainda não tinha colocado ordens nos meus pensamentos.

Não ouvi soluços e nem pedidos de perdão. Ligia parecia ter dado um breve sorriso. Sua Chefe sorriu também. Ambas saíram abraçadas para a reunião que ia começar. Eu escondendo minha intimidade de presença olhei ambas e o olhar de felicidade que portavam. Pensei comigo o quanto vale um bom conselho. Quanto vale uma confiança. Eu sabia que por pior que fizermos chegaremos ao objetivo final. Nunca duvidei da capacidade em superar as melhores expectativas. Temos sempre que ser o primeiro a acreditar para conquistar algo de valioso. Só não conseguirá alcançar determinada meta se não se propuser a lutar por ela. Parta e corra pela sua felicidade, sem receios nem hesitações. Aconteça o que acontecer, a maior vitória será saber que deu o seu melhor em todos os momentos da sua batalha.

Fui também para a reunião da minha tropa mais alegre, mais confiante. Ao longe Ligia sorria junto a sua patrulha e eu ali bem distante sorria também.

quarta-feira, 30 de maio de 2018

Lendas Escoteiras. “Flor do Campo”. O sonho não acabou.



Lendas Escoteiras.
“Flor do Campo”. O sonho não acabou.

           Essa é uma história verdadeira. Quem sabe alguma nuances fora do contexto mas nada que prejudicasse o conteúdo.  Faz tempo, muito tempo! Eu era Chefe de um Grupo Escoteiro, um grupo simples, amigo, fraterno onde só existia a felicidade no coração. Chefes que se confraternizavam, trocavam ideias e faziam de suas horas sociais visitas aceitando convites de amigos para bailar na casa de alguém. Éramos próximo de cem membros, eu sabia o nome de todos e até muitos pais que vinham se confraternizar. Muitos daqueles jovens ainda me dizem alô, como vai. Bom demais.

          Todo sábado depois de receber amigos e pais interessados, eu ia para o pátio ver a movimentação das alcateias e tropas. Sem interferir, só para ver o adestramento e se alguém precisava de alguma coisa, um conselho e coisa e tal. Em um deles avistei uma menina magrinha, vestida com simplicidade, sempre com a mesma roupa, um sorriso ingênuo e cativante, mostrava ser uma jovem que prezava sua humildade na apresentação pessoal. Cabelos castanhos compridos, com uma pequena trança pendendo para frente, escondendo um pouco de si própria.

          Olhava com olhos brilhantes a movimentação das escoteiras em uma atitude cautelosa, olhando de soslaio, com receio de ser chamada a atenção. Seus sentidos estavam nas jovens escoteiras que brincavam, riam, cantavam e vi que ela de longe sonhava em ser uma delas como se estivesse em uma patrulha participando. Naquele sábado em uma promessa eu vi que ela tinha os olhos cheios de lágrimas. Queria se transportar para a cerimonia, ser ela, sentir o lenço no pescoço, o grito da Patrulha e a amizade sem par. Para ela aquele momento era prodigioso que transpunha no seu imaginário, a ser mais uma que achava nunca poderia ser.  

                        Vi com surpresa sua expressão quando a chefe perguntou se ela poderia participar de um jogo. Das três patrulhas duas estavam com sete e uma com seis. Completar seria mais lógico para haver igualdade de competição. Acreditem, não tenho palavras para descrever sua alegria. Incrível! Nunca vi ninguém participar de um simples jogo com tanta energia e vibração. Ao final do jogo um agradecimento e vi que ela conseguiu ficar mais próxima, ouvindo, tentando entender o que as patrulhas faziam, com cabos pequenos, bandeirolas, e uma parafernália de trecos misteriosos.  

                     Naquele dia me aproximei e fiz o convite: - Quer ser escoteira? Ela não me respondeu. Seus olhos de novo encheram-se de lágrimas e saiu correndo. Não entendi. No sábado seguinte lá estava ela. Olhou para mim e saiu correndo. Pedi a Chefe da Tropa que fizesse o convite, quem sabe ela se abriria para explicar porque chorava e saia correndo. Ficamos sabendo de seu padrasto, homem mau, não trabalhava e exigia tudo que sua mãe ganhava como faxineira para beber e gastar o único sustento da casa. Contou que quando falava sobre ser escoteira levava uma surra do padrasto. Ela não chorava, nunca chorou. Era ponto de honra para ela.

                    A sua história parecia a historia da Cinderela sem sapatinhos de cristal e com um final triste sem o príncipe encantado. Nada podíamos fazer. É impossível o escotismo ajudar neste processo, pois ele depende muito dos pais. Um dia observei na porta da sede um homem dos seus 50 anos, meio grisalho, semblante arrepiante uma cicatriz no queixo, vestido de maneira desleixada com um olhar nem tanto amistoso. Dirigiu-se ao meu encontro e levantou levemente sua blusa mostrando estar armado. O nervosismo apareceu mesmo tendo alguma experiência no assunto.

              Não gostei da maneira com que me interpelou. Perguntou brutamente onde estava “Flor do Campo” e eu disse não saber quem era. Com o dedo em riste disse que ela queria ser escoteira, mas ele nunca a deixaria entrar. – Vocês são uma turma de riquinhos. Agora ela fugiu de casa moço, e se até amanhã não aparecer o senhor é o culpado, falou cutucando o revolver na cintura. Fiquei sabendo depois que ela jogou uma chaleira de água fervendo em seu rosto quando ele tentou agarrá-la e saiu correndo.  – Ela fugiu de casa, se não aparecer o senhor me deve satisfações!

                      Fiquei calado, não era hora e nem adiantava retrucar. Dois pais da Comissão Executiva presentes ficaram atemorizados e sobressaltados. Eu também estava espantado e assustado. Não era nenhum herói, de karatê e de luta livre não entendia nada. Pelo sim ou pelo não, ele saiu praguejando e fazendo ameaças. Durante dias fiquei pensativo sem saber como agir. No sábado seguinte, ainda preocupado fiquei de olho no portão para ver se o padrasto de “Flor do campo” podia aparecer. Não veio, a mãe dela surgiu com ela pelas mãos. Chorando vez sim vez não, contou sua história: Chefe ele é um bandido perigoso e foi morto na tentativa de um assalto a banco. Olhei para “Flor do Campo” cujo sorriso era contagiante.

                    Ela agora acreditava que seu sonho de ser Escoteira seria real. De um padrasto violento via que seu mundo mudou para melhor. “Flor do Campo” foi uma surpresa agradável. Sua promessa foi inesquecível. Chorou de alegria como se estivesse vivendo um conto de fadas. Ficou conosco por 6 anos. Foi escoteira e guia. Sempre conseguindo todas as insígnias e distintivos possíveis. Orgulhosa na apresentação fazia tudo para ajudar e com suas boas ações incentivava as demais amigas da Patrulha e da tropa.

                    Quando fez dezoito anos voltou para a terra onde tinha nascido. Sua mãe recebeu uma pequena herança de um sítio de sua avó no norte do país. Na rodoviária nos despedimos com a Canção da despedida. Muito choro, mas todos orgulhosos de “Flor do campo”.  Cinco anos depois, uma surpresa - recebemos na sede sua visita e acompanhada de seu marido e dois filhos. Apresentou-nos a todos com orgulho. Estava a passeio e contou que era Akelá de lobinhos em um Grupo Escoteiro na cidade onde morava. Sorria nos encantando a todos.

                Havia ainda muitas jovens que eram de sua época. Uma grande confraternização e lembranças amigas. De vez em quando recebia uma cartinha. Hoje não mais. O tempo apaga o tempo. Nem tudo pode ser como sonhamos. Lembro que me pedia sugestões de programas, enviava fotos e sempre contando como era seu Grupo Escoteiro. Eu um Velho Escoteiro sempre tive um grande orgulho em ser amigo dela. São coisas impossíveis que se tornam possíveis pela obstinação de um movimento incrível. Sempre digo que o escotismo é uma filosofia muito linda, uma maneira de sorrir e viver feliz para sempre!

Nota - Nunca mais ela deu notícias. Espero que ainda esteja com aquele sorriso, com aquela simplicidade, com aquela vontade de ser escoteira e de lembrar da sua promessa e sua Lei que um prometeu cumprir. São fatos que nos fazem acreditar que o Movimento Escoteiro tem tudo para dar uma nova vida um novo destino a quem dele se aproxima. Sempre Alerta!

terça-feira, 29 de maio de 2018

Um poema de boa noite... Nada mais...



Um poema de boa noite... Nada mais...

Despedida de Vital.

Lua cheia... Na choça a que se apega,
Morre Vital, velhinho, olhando o morro...
Por prece, escuta a arenga do cachorro,
Ganindo nas touceiras da macega.

Pobre amigo!... Agoniza sem socorro,
Chora lembrando o milho na moega...
Oitenta anos de lágrimas carrega
Na carcaça jogada ao chão sem forro.

Suando, enxerga um moço na soleira,
- “Eu sou leproso...” – avisa em voz rasteira,
mas diz o moço, envolto em luz dourada:

- “Vital, eu sou Jesus! Venha comigo!...”
E o velho sai das chagas de mendigo
Para um carro de estrelas da alvorada.
(Cornélio Pires).

- Daqui a pouco vou repousar. Saudades de uma barraca, saudades de uma sopa do meu cozinheiro Fumanchu. Saudades do Rael Pescador, saudades do Tãozinho, do Chico e Rildo. Saudades do Luizinho com seu violão, saudades da fogueira, de uma lua cheia saudades de ouvir histórias. Saudades de um café na brasa, saudades de canções saudades do zumbido da cigarra que a noite procurava à namorada. Saudades da minha gaita de fole que tão mal eu tocava.

- Melhor dizer até logo, até quarta até quinta ou até no ano que vem. Ele decide até quando, pois eu e você sabemos que na vida tudo passa, eu passei nas sombras do passado com imensa vontade de ficar. Durmam com Deus!
Boa noite.

domingo, 27 de maio de 2018

Lendas Escoteiras. Topázio.



Lendas Escoteiras.
Topázio.

             O trem noturno deslizava lentamente pelas montanhas e vales do Rio das Sombras. Topázio de olhos fechados não dormia. Não apreciava a paisagem que descortinava pela janela escura sem lua num lusco fusco das estrelas brilhantes no céu. Desistira de pensar e de sonhar. Perdeu a vontade de viver. O que poderia esperar? Acreditar nas velhas frases de autoajuda que dizia sempre tentar e não desistir? Sonhou acreditando que teria um lar uma família, uma mulher amada, filhos um trabalho honesto. Onde ficaram seus sonhos? Qual estrada não tinha a ponte para ligar o sonho à realidade?

             Um balanço no seu vagão sentiu que o trem se aproximava de uma estação. Ali? Naquele fim de mundo? Bem que ele fizesse o que deveria fazer. Recolher aqui e ali os viajantes sem destino ou com passagem só de ida. Ouviu um cantarolar de uma jovem com uma voz maravilhosa. Seus olhos e ouvidos ficaram alerta para tentar saber quem era a jovem que atraiu sua curiosidade. Na luz bruxuleante da estação pouco dava para ver além de sua imaginação. O ruído incessante das caldeiras era como um aviso que a qualquer hora o trem iria partir.

              Um zum, zum e um roçar de pano deixou ver meninos e meninas entrando no seu vagão de segunda classe. Foi um susto, sentiu um calafrio na espinha... Os sentimentos do passado se transformam em emoções quando se quer lembrar que ouve sim uma pequena luz de felicidade em sua vida. Sorriu para si mesmo ao ver que eram escoteiros. Quanto tempo! Tinha saudades? Ele nem sabia mais. Tinha se esquecido de tudo e sempre tentou afastar de sua mente a alegria que já aconteceu e não acontece mais. Todo mundo deveria ter uma lembrança verdadeira para durar até o fim de sua vida. O escotismo foi um acontecimento que nunca deveria esquecer.

               Onze? Doze meninos e meninas? Pode ser. Algumas meninas sorridentes. Qual delas cantava como um sabiá ou um Uirapuru nas noites de luar? Olhou disfarçadamente para todas elas. Belas, meninas moça que aprendiam a vida na sua melhor forma com a natureza. Elas e eles garbosos, chapelões, mochilas esverdeadas, bastões e sorrisos em profusões. Ele sempre soube que nem todo mundo que chegou em sua vida veio com a intenção de ficar. O escotismo teve seu auge, seu momento e que agora o passado trazia de novo e ele não queria se machucar duas vezes. Cada um educadamente sentou em um banco de madeira conversando alegremente sem incomodar os demais.

                Tentou dormir e afastar as belas lembranças dos campos floridos, dos vales escondidos no seio de uma montanha que envergonhada não queria mostrar o mais belo que tinha dentro de si. Quantos acampamentos, quantas aventuras. Deus! Tentar afastar de mim este belo momento nunca vai me fazer diminuir o que sempre senti naquela ocasião. Eis que ela finalmente se revelou, tinha um pequeno banjo e com ele fez o arranjo mais bonito que já ouvi. Ah o amor... Que nasce não sei aonde, vem não sei como e dói não sei por quê. Mas seus versos não eram assim. Falavam de coisas lindas que só os escoteiros sabem cantar...

              O tempo foi passando, o burilar de uma saudade corria entre serpentes próximo ao rio das sombras. Ele semicerrou os olhos para fingir que não via o seu passado. Jovens amantes da aventura, dos sonhos dourados, das canções de ninar... Sabia que devia aproveitar a companhia de quem trouxe recordações de sua vida. Afinal nunca sabemos o quando podemos partir. Um apito, outra estação na volta do adeus chegava ao fim. Eles desceram, a mocinha escoteira do banjo cantou a ultima estrofe: - “Coisas impossíveis melhor esquecê-las que desejá-las”.

               Um silêncio sepulcral. Seu passado chegou em forma de meninos e meninas Escoteiras e partiram como se o vento os levassem para onde ele não podia mais ver. Olhou de novo pela janela. Ele sabia que se um poeta consegue expressar a sua infelicidade com toda a felicidade, como é que ele poderia ser infeliz? Afinal a vida é muito curta prá ser pequena. Uma resolução foi tomada. Partir para outra. Levantar, seguir a pista até que encontre o fim de pista. E se o encontra-se veria também o voltei ao ponto de reunião. Adeus passado, bem vindo futuro. Se for para recomeçar chegou a hora. E ele sabia que sua hora tinha chegado.

“Amor é fogo que arde sem se ver; É ferida que dói, e não se sente; É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer”.

Nota - A verdade no fundo, é que você sempre sabe a coisa certa a fazer. A parte mais difícil é fazê-la. Não devemos ter medo dos confrontos... Até os planetas se chocam e do caos nascem às estrelas!  

sábado, 26 de maio de 2018

Onde anda você meu amor?


Onde anda você meu amor?

                                 Faz tempo. Muito tempo. Hoje eu me lembrei dela. Quase cinco anos que a vi. Juro que nunca a esqueci. Esteve sempre presente em minha mente e sempre abraçada ao meu corpo. Não a busquei mais. Deixei-a por aí sem saber onde foi. Afinal enquanto o tempo passa, vamos lutando com a vida conforme ela é e outras lutas vão aparecendo em nossas vidas. Mas não dá para fugir da saudade. Mesmo quando a noite chega, quando uma garoa fria cai no asfalto são as horas que as tristezas resolviam aparecer.

                                São tantas coisas arvoradas no pensamento que não separamos as prioridades. Sempre foi assim. Mas ela não poderia ter ficando escondida num cantinho do meu cérebro. Não podia. Era demais para mim. Machucava. Doía. Acho que errei. Quem não soubesse do meu passado poderia me culpar. Se assim for, que o céu me condene!

                              Culpa? Será que tenho? Afinal não estivemos sempre juntos por anos e anos? Não há tratei condignamente? Ela não foi minha companheira inseparável? Quem sabe a responsabilidade não é só minha pelo seu desaparecimento. Mas se for eu mereço ser castigado. Quanta saudade... Não sei se mereço isto. Não a culpo, ela é o que é. Não dá para mostrar outros erros se a gente não observa os seus. E o meu erro não tem perdão. Deixei-a ao Deus dará! As consequências são minhas. Não posso fugir. Tenho que encontra-la novamente.  

                             Documentos, boné, sandálias e sai perguntando primeiro ao vento: - Onde ela foi meu amigo vento? O vento me olhou com cara de mau e me desprezando não me deu resposta. Parei e sentei na minha varanda e o orvalho começou a cair: – Orvalho! Por favor, você sabe onde ela está? O orvalho sorriu e não disse nada. Ele sempre foi assim, nos presenteia com sua gota ínfima na face e não se incomoda se após vai cair ao chão.

                              Um vagalume passou piscando e nem me deu bola. Sinal que não ia me dizer nada. Duas borboletas douradas passearam nas flores da minha varanda, sorriram para mim e foram embora. Que noite cruel. Fiquei pensando porque ela me abandonou e ninguém me dizia nada. Vontade de chorar. A cigarra matreira pousou em uma planta e cantou uma canção de amor. Ao terminar disse-me para não me preocupar. Não chore. Aceite. Ela está com seu novo amor!

                          Celia minha esposa querida, só ela para me ajudar. Chamei-a e ela prestativa e prestimosa, vendo meu desespero e sem me avisar saiu à procura daquela a quem amava. Doce Celia. Sabia do meu amor por ela. Sua busca foi frutífera. Finalmente a encontrou. Escondida no fundo do baú. Minha linda e adorada capa negra que eu amava. Aquela que me deu calor nos acampamentos, nas lides nas montanhas que escalei. Nos frios gelados das noites de inverno. Aquela que me cobriu de nuances que nunca revelei para ninguém.


                           Quanto tempo juntos! Peguei-a no colo. Beijei-a de leve e a abracei com carinho. Lágrimas de alegria surgiram nos meus olhos. E naquela friagem de um entardecer bolorento nem liguei para o vento que resolveu soprar forte para o norte. Joguei-a aos ombros. Agora sim. Vivia a verdadeira felicidade. Enfim a busca terminou. Não havia mais passado. Só o presente. Os dois amantes estavam unidos de novo e agora para sempre!

quinta-feira, 24 de maio de 2018

“Juvenal”.



“Juvenal”.

                    Era bom ser da turma. Foi bem recebido e mesmo olhado como um principiante ou noviço ele sabia que um dia seria como todos eles. Disseram que era o sexto Escoteiro, o penúltimo da fila na frente do Submonitor. Não entendia porque o segundo mandante da patrulha era o último. Disseram que depois da Promessa teria um cargo importante. Sabia que iria demorar ser um monitor ou sub. Almoxarife ele tinha que aprender muito. Cozinheiro nem pensar.

                     Quem sabe poderia ser um bombeiro aguadeiro ou lenhador. Construtor de Pioneiras nem sabia o que era. Socorrista também não. Se aprendesse poderia ser um escriba. Ele escrevia bem e tirou dez várias vezes em redação. Quando soube que ia haver um acampamento vibrou. Já tinha ouvido falar. Campo de patrulha como sua casa, comida mateira, pioneirías, jogos que duravam o dia inteiro. Ficou sabendo do Fogo de Conselho. Sonhava com ele dia e noite.

                     Pediu ao monitor para fazer o Pórtico da Patrulha. O Monitor educado disse que sim. Seu Chefe tinha dito que deveria dar liberdade só assim eles aprenderiam a fazer fazendo. Foi à biblioteca, pesquisou na internet, desenhou, aprendeu com dois pedaços de eucaliptos a amarra Quadrada, a Diagonal, a paralela e a Tripé. Juntou vários gravetos e aprendeu dois tipos de costura de arremate.

                   Um Escoteiro antigo de outra patrulha lhe disse para levar uma luva. Ela seria primordial para acochar e dar o nó final se não os calos iriam aparecer. “Melhor duas, pois irá usar a pá, e se a patrulha tivesse uma picareta dobrável precisaria de mesmo de duas luvas”. Custava caro, mas ele comprou. Iria usar também um Sacho duas pontas, mas achou que só tinham uma cavadeira articulada. Tudo bem, melhor que nada.

                     Planos a pleno vapor. Desenhou. Procurou seu tio engenheiro. Fizeram juntos vários croquis de como seria. No dia do acampamento seu pai lhe disse que a família ia para a Fazenda do seu Avó em Xapuri. Ele lembrou quando lá esteve na ultima vez. Das viagens de barco no Rio Acre, dos grandes felinos que via na foz do rio Grande, das onças, dos lobos, da Águia que morava na Serra do Roncador. Não se esqueceu da lua cheia que parecia cair no terreiro da casa sede da fazenda.

                   Lembrou-se dos Búfalos que seu Avô criava. Lembrou-se do Apaiari e do Cachara que pescou com Seu Leonel o Administrador da fazenda. Lembrou-se do Cavalo Andarilho seu amigo por todo o tempo que esteve lá. Da busca da Jiboia uma cobra gigante que ele viu na Margem do Rio Acurauá e pensou. O que fazer? Aonde ir? No Acampamento ou voltar na Fazenda do meu Avô? Ah! Juvenal... E sua Pioneiría? Seu pórtico tão duramente preparado nas asas de sua imaginação? E os amigos da Patrulha o que iriam dizer?

Nota - Difícil escolha. Eu mesmo não saberia aconselhar. Alguém pode ajudar o Juvenal? Se no acampamento escreva sim, se na fazenda escreva tudo bem, se em nenhum dos dois não escreva nada... Deixe Juvenal aprender a... Pensar... Pensando!

quarta-feira, 23 de maio de 2018

Julia.



Julia.

- Chefe, vou sair! - Porque Julia? - Não me sinto bem, não me enquadro, acho que não nasci para ser escoteira. - O que dizer para ela? – Julia, nunca desista de algo que você não consegue passar um dia sem pensar. Vai esquecer tudo assim jogando fora um sonho que acabou? Se nada dura para sempre, pense se você é um nada, por favor!

- Julia não esperava o meu silêncio. Foi somente um momento, uma ilusão pensando que tinha as palavras bonitas para fazer com que ela mudasse de pensar. - Três meses, participando, dizendo que amava que nunca mais iria esquecer e agora vai partir? – Falei baixinho: - Por quê? - Chefe é a Lei. Artigos difíceis de cumprir. Como olhar uma bandeira, lembrar-se de Deus e a pátria e prometer? Tenho medo Chefe, muito medo!

- Poucos como ela raciocinavam assim. – Julia, faça o que é certo, não o que é fácil. Lembre-se que seu sacrifício se houver fica entre o intervalo e seu objetivo que será sua gloria! Nunca ande pelo caminho traçado pelos outros, ele te conduz somente até onde os outros já foram... – Poderia ter acrescentado que chega um tempo na vida que a gente aprende que ninguém nos decepciona, nós que colocamos expectativa demais sobre as pessoas. Cada um é o que é e oferece aquilo que tem para oferecer.

- Julia não quer dar um tempo? Pensar melhor? Nada na vida é fácil e afinal mesmo sendo uma promessa você vai sim fazer o melhor possivel. - Julia me olhou. Sabia que eu era seu amigo. Sabia que podia contar sempre comigo. Eu disse isso para ela quando nos procurou sorrindo dizendo que seria mais uma de nós. – Ela levantou a cabeça e repetiu a frase que eu mesmo disse a ela naquela primeira jornada: - Chefe eu me lembro do que disse que a dor nos faz mais forte, que o medo nos faz mais corajosa e a paciência nos faz mais sábio. Vou continuar!

- Ela me deu um Sempre Alerta, um sorriso e voltou para sua patrulha que amava. Pensei comigo: - Comece onde você está, use o que você tem e faça o que você pode. As pessoas mais felizes não tem o melhor de tudo, elas apenas fazem o melhor com tudo o que têm.

E finalmente voltando para casa pensei o que sempre dizia a mim mesmo: - Independente do que estiver sentindo, levante-se, vista seu uniforme e saia para escoteirar! Vale a pena, pois trás bons resultados ao coração e a mente. Sempre Alerta!

terça-feira, 22 de maio de 2018

Lendas Escoteiras. A lenda do Pássaro Preto.


Lendas Escoteiras.
A lenda do Pássaro Preto.

“Tudo em vorta é só beleza sol de abril e a mata em frô
Mas assum preto, cego dos óio não vendo a luz, ai, canta de dor”.

             Zito Francesco não era faroleiro e nem mal educado. Almoxarife na Patrulha Gralha fez história. Uma história que até hoje é contada pelos Escoteiros do sertão do Piaui. Poderia dizer que Zito Francesco era um cavalheiro de maneira tal que alguns se incomodavam. Mas ele tinha um defeito, defeito que muitos jovens ainda não aprenderam que fazer o bem sem olhar a quem é vida dentro do Espírito Escoteiro.

             Tinha um hobby adorava ouvir o cantar dos pássaros. Sabia de cor e salteado quando algum cantava. Ninguém mais se surpreendia quando em marcha de estrada ele parava e dizia: Ouçam, é um Rouxinol da montanha! A Patrulha batia palmas. Se eles conheciam o cantar dos pássaros foi graças a Zito Francesco. Conhecia o canto do Uirapuru, do Rouxinol, do Curió, de um Sabiá Laranjeira ou um Pintassilgo. Ficou dias na Mata do Roncador a procura de um Inhapim, que diziam estar em extinção. Depois foi para a Mata do Azulão e ficou lá dez dias só para ouvir o Tuiuiú cantar.

            Todos gostavam muito dele. Seus pais sentiam uma vibração boa quando estava à família toda reunida. Não foi um Escoteiro que fez carreira. Mal chegou a Segunda Classe. Poucas especialidades. O cantar dos pássaros o prendiam mais que o sonho de ser um Correia de Mateiro ou mesmo um Cordão Dourado. Vieram as chuvas de verão e os acampamentos diminuíram. Zito Francesco não se incomodava. Ele sabia onde encontrar seus pássaros cantadores. Gostava da chuva, e elas lhe faziam muito bem. Ele sabia que logo viria à primavera e era a época onde os pássaros cantavam melhor.

           Quando passava mochilado, um bastão um bornal e sua faca escoteira, com seu Chapelão torto de lado, Todos sabiam que ia para a Mata do Jaú. Dois ou três dias lá vinha ele sorrindo e imitando algum pássaro que ouviu por horas e dias.

             A história que aconteceu é difícil de explicar. Juan Maneco o Monitor contou que ao passar em frente à Barbearia do Fagundes uma das poucas existentes em Barra da Garça, viu uma aglomeração de gente na porta. Assustou quando ouviu um canto triste de um Pássaro Preto. Triste, choroso, aflito em sua gaiola azul a olhar para o nada. Zito Francesco viu os seus olhos opacos, sem destino, com dois buracos negros como se tivesse sido furados, sem olhar para ninguém. Ele estava cego.

            Seus olhos ficaram marejados de lágrimas. Era penoso, era angustiante ver que existia alguém capaz de furar os olhos de um lindo pássaro como aquele só para vê-lo cantar diferente. Zito Francesco não ficou ali a ouvir o cantar do Pássaro Preto. Foi para casa penalizado e chorou noites seguidas. Ficou dias sem falar com ninguém. Na reunião do sábado todos estranharam sua tristeza. – O que foi Zito? Ele não disse nada. Se coração doido pela maldade que fizeram ao Pássaro Preto.

             Lembrou-se do Chefe Zezé quando disse que matar alguém é tirar tudo que ele tem e o que ele poderia ter um dia. O Pássaro Preto perdeu tudo que tinha ao perder a visão e nunca mais teria nada na vida. Seu cantar era choroso por não poder mais ver a floresta, as campinas e as águas cristalinas do Riacho dos Anjos. Ele agora nunca mais poderia voar pelos céus.

               Uma tarde a mãe de Zito Francesco foi à casa do Monitor a procura dele. Sumiu e nem avisou aonde ia – Não sei Dona Mercedes. Ela procurou o Delegado Tonhão. Cidade pequena impossível sumir assim. Uma semana, um mês, dois três. Zito Francesco o Escoteiro nunca mais apareceu. Quem sabe estaria ligado ao sumiço do Pássaro Preto do Barbeiro Tobias? Ninguém sabia explicar. O pássaro desaparecera da noite para o dia de sua gaiola azul.

               Enfim a vida passa, as nuvens passam, e as histórias continuam a ser contadas. Muitos juraram que o viram com o Pássaro Preto na Floresta Negra. Reviraram a floresta e nada. Outros estranharam porque uma nuvem de pássaros pretos saia pela manhã e voltava à tarde para a Floresta Negra. À noite ninguém se arriscava a entrar lá. Histórias, ah! Quantas histórias fizeram de Zito Francesco.

              Veio o outono e a patrulha Pico da Neblina passou por Barra da Garça. Seguiam para o Pico do Jaú acampar com uma Patrulha desta cidade. Ficaram uma noite na cidade. À noite na sede escoteira outras patrulhas se juntaram a eles e ficaram noite adentro contando causos e causos. São coisas de Escoteiros quando se encontram pela primeira vez. Foi Neco Sartano Sub Monitor da Gralha quem contou a história de Zito Francesco. Dois anos sumido. Evaporou-se. Nunca mais ouviram falar dele. Corria um boato que ele virou um fantasma da Floresta Negra. A conversa foi até lá pelas tantas. Dormiram no salão da sede. Bem de madrugada partiram. A patrulha decidiu passar pela Floresta Negra para tirar tudo a limpo. Tem fantasma? Vamos lá!

              Tinham tempo. Perder um ou dois não faria diferença. Partiram cedo. Tralhas amarradas nas bicicletas e lá foram eles. Após o Morro do Sultão avistaram a Floresta Negra. Não era grande, mas era linda. Montaram um acampamento na clareira do Sargaço. Era notável o silencio da floresta e nenhum cantar dos pássaros nativos. Quando a noite chegou ouviram um pio angustiado de um Pássaro Preto. Choroso, plangente e tristonho se fez ouvir. Ficaram estáticos. Ninguém falava nada.

              Milhares de pássaros pretos começaram a cantar acompanhando a melodia triste de quem já não enxergava mais. Foi então que viram um vulto brilhante e logo desapareceu. Devia ser Zito Francesco. Assustados nem dormiram naquela noite e partiram tão ao amanhecer. De novo aquele silêncio de quando chegaram. Ninguém dizia nada e pedalando não viram um menino com um pássaro nos ombros seguindo suas pegadas para onde foram.

              Nunca mais esqueceram aquela noite. Nunca esqueceram o canto de morte e choroso. Seria Tiger Joy o pássaro Preto cego? Ou seria Zito Francesco que incorporou o pássaro para poder sentir sua dor? Ninguém soube explicar. A lenda foi contada por muitos anos. Verdade ou não, isso aconteceu no passado. Hoje não sei.  

Nota - “Assum Preto veve sorto Mas num pode mais avuá
Mil vez a sina de uma gaiola desde que o céu, ai, pudesse oiá. 
Assum Preto, o meu cantar. É tão triste como o teu
Também roubaro o meu amor que era a luz, ai, dos óios meus
Também roubaro o meu amor que era a luz, ai, dos óios meus”.

Um conto em homenagem aos pássaros pretos vitima das maldades dos homens.
Musica e letra de Humberto Teixeira/ Luiz Gonzaga

domingo, 20 de maio de 2018

Lembranças em volta do fogo. Chefe Heitor.



Lembranças em volta do fogo.
Chefe Heitor.

                - Chefe, o senhor é feliz? – Ele não me respondeu. A melodia de Paganini tocava The Best of Tchaikovsky. Seus olhinhos pequenos tentavam me ver e eu sabia que sua catarata eram sombras a perscrutar naquela saleta pequena quem era eu. – Sua voz em tom melodioso me disse: - Sabia que Paganini era capaz de tocar à espetacular velocidade de doze notas por segundo? Eu não sabia. Só tinha lido que foi o violinista italiano que revolucionou a arte de tocar violino. – Ele riu com meus pensamentos.

                  - Ele sempre me surpreendia. Meu Chefe, meu herói. - Pois é Paganini dizem seus críticos vendeu a alma ao Diabo em troca da perfeição musical. E eu? Ele completou. Eu não vendi para ninguém e você me pergunta da felicidade. Sabe que a vida me ensinou que chorar alivia, mas sorrir torna tudo mais bonito. Olhei para ele. No fim da vida, sozinho naquela saleta sem ninguém para o acompanhar. – Menino escoteiro! Não estou sozinho! Rosinha sempre esteve comigo e nunca me abandonou. – Quem era Rosinha? Lancei a pergunta no ar.

                - Não sabes? Minha eterna companheira que Deus a levou sem me perguntar. Mas eu entendi. Fazia parte do meu destino, escrito no meu livro da vida. Eu sempre soube que ser feliz não é viver apenas momentos de alegria. É ter coragem de enfrentar os momentos de tristeza e sabedoria para transformar os problemas em aprendizado. Eu recebia uma lição de vida.

                - Eu sabia que ele fora um grande Chefe, daqueles chamados Velho Lobo, que deu sua vida por um movimento que acreditou. – Dei minha vida? Ele parecia ler minha consciência. – Não dei e sim recebi. - E continuou - Quantas vezes nos acampamentos eu dizia para mim: - Chefe que o vento leve, que a chuva lave que a alma brilhe que o coração acalme que a harmonia se instale e a felicidade permaneça. Eu conversava com as arvores, com o vento, e as estrelas me contavam histórias. Isto não é felicidade?

                 – Mudei de tema. Chefe o Senhor ainda recebe muitos amigos escoteiros do passado? – Ele sorriu. Tentou levantar da cadeira e não conseguiu. Disseram-me que passava dos noventa anos e que sempre fora Escoteiro desde os seis. – Ele tentou me ver através daqueles olhos opacos, seus ombros caídos tentavam se levantar para dar uma aparência mais digna e garbosa. – Amigos? Ele sempre parecia adivinhar o que eu pensava. – Menino Escoteiro amizade verdadeira não é ser inseparável. É estar separado, e nada mudar.

                  - E continuou: - Eu entendo. Cada um tem sua vida. Não podemos fazer da nossa a deles. Se a vida te vira do avesso só para provar que a felicidade vem de dentro para fora temos que aprender que as crises não afastam os amigos. Apenas selecionam. Nada mais havia a dizer. – Ele em tom fraterno me disse: Me ajude a vestir meu uniforme? – Assustei. Por quê? Perguntei. – Saudades. Muitas. Ainda quero me ver dentro do meu verdadeiro eu. Um Escoteiro tem de aprender que ser forte é a única escolha.

             O espelho mostrava um homem cuja idade era demais para viver. Olhinhos opacos, sulcos na face, mas ele fazia questão de colocar seu chapéu galhardamente. Admirei seu estilo do lenço. Ele se virou olhou dentro dos meus olhos e disse: - Sempre Alerta menino Escoteiro, lhe dedico minha saudação, meu aperto de mão. Ser humilde não é ser menos que alguém. É saber que não somos mais que ninguém!

              Parti com olhos cheios de lágrimas. Conheci alguém que sempre sonhei em ser. Agora eu sabia que minha vida seria outra. Eu sabia que a bondade é a língua que o surdo pode ouvir e o cego pode ver. Chefe Heitor era meu herói. Como a blefar em minha mente, ele na porta escorado em uma bengala falou calmamente: - Para toda malícia, tem uma inocência. Para toda chuva, tem um sol. Para toda lágrima, tem um sorriso. Seja quem você é e viva feliz! Os últimos acordes do violino de Paganini tocavam harmoniosamente no lusco fusco daquela tarde inesquecível.

Nota – Assim como gosto do jovem que tem dentro de si algo do velho, gosto do velho que tem dentro de si algo do jovem: quem segue essa norma poderá ser velho no corpo, mas na alma não o será jamais. Cícero.

sexta-feira, 18 de maio de 2018

Lendas escoteiras. O Escoteiro Mulçumano.



Lendas escoteiras.
O Escoteiro Mulçumano.

             Abba Fayard nasceu em Zareh Sharan uma pequena cidade do Afeganistão. Recitava a Shahada, pois ensinaram a ele que não há outro Deus que não Alá e Maomé. Fazia as preces de manhã antes de ir para a escola e as preces do meio dia. Ao retornar ao anoitecer as preces da noite. Ia com sua família a mesquita toda sexta. Fazia as preces em língua árabe, sobre um tapete e voltado para a Meca. 

             Seu pai e seu tio o ensinaram a dar uma esmola legal. Eles sempre lhe davam uma moeda. Sua família fazia frequentemente doações para favorecer o Islã, construir mesquitas, escolas corânicas e beneficentes. O Ramadã, o jejum anual era cumprido à risca. Seu pai exigente não perdoava. Sempre sonhou em fazer uma peregrinação a Meca e por ser pequeno seu pai dizia que só quando crescesse.

             Aprendeu que ser muçulmano é acreditar num só Deus, incomparável, invisível, indivisível, poderoso, criador de tudo e de todos, não tem filho nem pai, não tem parceiro no seu reino. Ele acreditava piamente em tudo. Quando foram a Mesquita no sábado, ele foi ao banheiro do lado de fora. Quando saiu a Mesquita explodiu e morreram todos os presentes. Abba Fayard chorou a perda dos pais por anos.  

             Um amigo do seu pai contou que ele tinha um tio morando no Brasil. Passaram um telegrama e seu tio veio buscá-lo. Morava em Morro Vermelho uma pequena cidade no interior de São Paulo. Tudo era estranho para ele. A língua portuguesa era difícil e demorou anos para aprender. Não fez amigos, pois se achava um forasteiro entre eles. Não reclamava de sua nova família. Seu tio era um homem bom e sua tia também.

             Só no ano seguinte começou a frequentar a escola. Quase não acompanhava. Com seus doze anos não tinha amigos. Quase não iam a Mesquita. Seu tio era diferente do seu pai, mas se achava um bom mulçumano e seguia a risca sua religião. Um dia seu tio o levou a um desfile na cidade. Disse que era a data magna do país. O Sete de Setembro. Ele adorou os meninos e meninas uniformizados de caqui e com um chapelão lindo. Não tirou os olhos deles. Pediu ao tio para ir com eles marchando. Seu tio riu e balançou a cabeça dizendo sim. – Não demore, eles são escoteiros.

             Descobriu onde se reuniam e o que faziam. Voltou outros sábados. Um dos escoteiros o convidou: - Quer ser Escoteiro? Abba Fayard ficou vermelho porque nunca ninguém dirigiu a palavra a ele. Claro que queria, mas sendo muçulmano ele não sabia se iriam aceitá-lo e se o seu tio ia deixar. Dias depois contou para seu tio. Esperou a hora e o momento certo para comentar. Ficou feliz quando seu tio disse: - Porque não? Iremos no sábado conversar com o Chefe. Explicou ao Chefe que eram muçulmanos, tinham normas, horários e dias certos para cumprirem suas obrigações com Alá. O Chefe concordou, mas deveria antes conversar com os demais chefes.

             Telefonaram para ele dizendo que foi aceito. Abba Fayard ficou feliz. Seu tio foi junto para os transmites legais. Não se esqueceu de dizer para ele seus horários e a prece às dezoito horas. – Em língua árabe, ajoelhado e voltado para a Meca. Neste horário. As seis Abba pediu permissão ao Monitor. A Patrulha parou para ver. Ele com uma bussola viu em qual direção estava a Meca. Ajoelhou e começou a rezar. A Tropa surpresa. O Chefe chamou a todos e explicou que Abba Fayard era muçulmano e sua religião tinha rituais que nenhum deles poderia deixar sem fazer.

              No sábado seguinte a patrulha procurou Abba Fayard e pediu se podia rezar com ele. Ele só pediu que levassem a sério, pois esse ato não era uma brincadeira.  – Um bom muçulmano acredita em todos os Profetas de Deus, desde Adão até Muhammad incluindo Jesus. Acredita nas escrituras de Deus, nos seus anjos e que haveria um juízo final para prestar contas das ações praticadas.

               Na primeira vez foram oito escoteiros. Na segunda quase toda a tropa. As preces eram simples e não levavam mais que dez minutos. O Chefe da Tropa não se preocupou. Acreditava que seria bom todos conhecerem outra religião. A participação tomou vulto quando os lobinhos quiseram participar. O Pároco ficou sabendo. Foi lá e se horrorizou com o que viu. Chamou o presidente e o Diretor e proibiu. Nas missas contou o que viu e disse para aqueles pais dos escoteiros que eles não deviam participar.

             O tio de Abba Fayard o aconselhou a sair. A cidade inteira não entendia o que era ser muçulmano A maioria era católica. Abba Fayard se sentiu fora do ninho. Chorou por muitos dias. Amava o escotismo, não queria abandonar seus amigos, mas ele amava sua religião. No sábado avisou o Chefe que não voltaria mais. A patrulha ficou revoltada. Um absurdo disseram. Discutiram em Corte de Honra e no Conselho de Chefes. A maioria a favor de Abba Fayard, mas se sentiram sem ação. O Diretor Técnico convocou extraordinariamente uma Assembleia do Grupo. Dos oitenta e seis votantes setenta foram a favor da sua permanência.

              Uma comissão foi conversar com o padre e ele irredutível. Procuraram o Bispo e ele disse que era problema do padre. Em um domingo o Grupo Escoteiro quase completo saiu em passeata pelas ruas da cidade. Cartazes com dizeres explicavam. – Abba Fayard tem direitos dizia um – Abba Fayard é muçulmano e nosso irmão. A maioria dos católicos ficaram contra o pároco.

               O assunto foi parar nos jornais. O Bispo preocupado Voltou atrás. Agora dizia que os muçulmanos eram bem vindos. Num ato que ninguém esperava foi à mesquita rezar com eles. O Padre mudou. Abba Fayard voltou ao grupo. Recebido com abraços por todos. O Prefeito querendo mostrar caridade dou um local para a futura sede. Ninguém amigo de Abba Fayard mudou de religião. Quem era católico continuou católico. Quem era evangélico continuou evangélico.

               Um menino, uma patrulha, uma tropa e um Grupo Escoteiro mostrou que existe lugar para todos no escotismo. O final da história? Realmente não sei. Não me contaram mais nada, mas será que existe algum mais para contar? Eles sabiam que o escoteiro é amigo de todos e irmão dos demais escoteiros. Uma lição de vida. 

Nota – Uma pequena história. Verdadeira? Cada um pode analisar sim ou não. Será que você leitor escoteiro daria seu aval? Afinal somos ou não somos do mesmo sangue da mesma raça que Baden-Powell nos deixou como herança? Somos ou não somos amigos de todos e irmãos dos demais escoteiros? Você pode a palavra final.

quinta-feira, 17 de maio de 2018

Lendas de Seeonee. A lenda dos peixinhos dourados. (uma história para lobinhos).



Lendas de Seeonee.
A lenda dos peixinhos dourados.
(uma história para lobinhos).

               O tempo fechou. Pingos e ventos fizeram com que a Alcateia corresse para se proteger. Lana olhou para Moisés o Balu e ele sabia que era para contar uma história.  Com essa tempestade deveriam usar o Plano B. Outro programa para dias de chuva. A Alcateia foi levada para uma área coberta. Muitos lobinhos e lobinhos correram até Moisés e gritavam: Hoje tem! Hoje tem história! Moises sorria. – Todos sentados em minha volta em circulo – Ele disse. Olhou para a Akelá e disse: - Posso? – Ela sorrindo disse que sim. E ele na sua pose favorita de contador de histórias começou: Era uma vez, ou melhor, conta uma lenda...

                  - Que existia uma cidade pequena, muito e muito longe lá onde as nuvens se escondiam ao anoitecer. Em Harmonia era comum todos se saudarem sorrindo, semblantes alegres, cantantes, andar cadenciado como a mostrar suas alegrias de viver. Lá não havia ódio, não havia tristeza e seus habitantes viviam como irmãos. Foi lá que Ruth nasceu de parto natural. Conta à lenda que ela nasceu sorrindo e que Dona Sarah a parteira a “benzeu” dizendo – Ela vai ser nossa guia e a Santa de Harmonia. Ruth foi crescendo e todos admiravam sua beleza. Tinha cachos dourados e brilhantes, olhos verdes como as esmeraldas e distribuía onde passava seu sorriso que parecia trazer o aroma das flores, os pássaros esvoaçantes a seu redor e milhares de borboletas coloridas.

                     Todos olhavam o Balu com atenção. Ele se levantou olhou para o céu e continuou: Em Harmonia todas as noites havia lua cheia. Era uma lua diferente, grande e apesar de um branco harmônico em volta parecia ter uma coroa de flores das mais variadas matizes. Todos sabiam que na cidade havia o mais lindo céu de estrelas. De todos os tipos, vermelhas, brancas, verdes e não havia em nenhum lugar um brilho maior do que lá e que elas pipocavam no céu divinamente. - Ruth aos seis anos era uma lobinha da Alcatéia do Amor. Ali lobinhos e lobinhas viviam felizes juntos aos chefes da Alcateia. Dalila a Akelá era amiga de todos, Sarah a Baguera contava lindas histórias e Isaac o Balu brincava a mais não poder com todos os lobos da Alcateia do Amor.

                  Naquela Alcateia feliz todos faziam questão de seguir a lei do lobinho. Ruth era filha de Talita e David. Seus pais eram pessoas humildes e trabalhavam na loja do Senhor Levi. Muitas vezes Ruth ficava só e ela amava estas horas. Nos fundos da casa de Ruth, corria um pequeno riacho de águas cristalinas, límpidas e diziam que quem bebia daquelas águas não ficavam mais doentes. Era lá quando estava só que Ruth passava boa parte do tempo enquanto seus pais trabalhavam. Ela era amiga de muitos peixinhos dourados e conversava muito com Estrelinha, Pingo d’água e Gota de Chuva. Podia ter sol ou chuva que Ruth não saia do laguinho que as águas formaram.

                  Um dia Ruth viu chegando um Bagre cinzento. Ele era feio, muito feio. Os peixinhos dourados sempre corriam quando o Bagre chegava. Ruth ficou ali olhando para ele e ele olhando para ela. Não vai correr? Não vai fugir? Afinal sou um bagre cinzento e sou horrendo. Todos quando me veem fogem. Ruth sorriu para ele. - Seu bagre saiba que a beleza ideal está na simplicidade calma e serena. Sei que quando o conhecer melhor encontrarei em seu coração uma beleza que fará brilhar todas as luzes. Lembre-se que o valor das coisas não está na aparência ou no tempo que elas duram, mas na intensidade que você impõe a bondade em seu coração. Isto é tão verdade, pois a gente sabe que temos momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.

                 O Bagre Cinzento a olhou de tal forma que houve um balanço nas águas e ele se transformou em um Bagre dourado, de olhos azuis. Ele não estava acreditando e foi preciso que Ruth dissesse para ele – Saiba Seu Bagre Dourado a gente não julga ninguém pela aparência e sim por suas atitudes. São elas que irão comprovar o quão diferenciado você vai ser dos demais. Foi então que os peixinhos dourados se aproximaram e abraçaram com amor o Bagre Dourado. E assim graças a Ruth os peixinhos e os peixes maiores aprenderam que todos eram iguais, pois em cada coração existe uma beleza que ninguém pode ver, mas a gente pode sentir e mostrar como somos bons quando queremos ser.

                Ruth a Lobinha que tinha cachos dourados e brilhantes, olhos verdes como as esmeraldas e distribuía onde passava seu sorriso que parecia trazer o aroma das flores conseguiu que os peixes que moravam no lago dourado de Harmonia vivessem alegres e felizes para sempre.

                   E Moisés com aquele lindo sorriso, olhou a todos os lobos da Alcateia de Seeonee e disse: Ninguém deve julgar ninguém pela aparência, julga-se pela essência, pelo amor... E não havia mais nada a contar e a chuva terminou o sol brilhou e os lobos voltaram contentes para o pátio abraçando Moisés, o Balu.

Nota - É bom ser amigo de pessoas que admitem o erro, falam que estão com saudade e deixam de lado o orgulho. É bom ser amigo de gente que sabe dar valor ao que tem que faz por merecer e não finge ser o que não é. Divirtam-se com Moisés um Balu contador de histórias como eu.

Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

Bem vindo ao Blog As mais lindas historias escoteiras. Centenas delas, histórias, contos lendas que você ainda não conhecia....