domingo, 18 de março de 2018

Uma historia para recordar. Livres para amar até na eternidade.



Uma historia para recordar.
Livres para amar até na eternidade.

             O sepultamento seria às 17 hs no Cemitério Jardim da Colina no Bairro Paulo Afonso. Um recado de um amigo do meu grupo escoteiro. Estive lá uma vez. Sinto-me constrangido quando me obrigo a ir a um enterro qualquer mesmo de um amigo. Tinha que ir e depois contar sua história. Maravilhosa, para mim eterna, pois sabia que o Chefe Tonho e sua Esposa Francisca nunca seriam esquecidos... Jamais!

              Era meninote quando soube que iriam se casar. Não a conhecia e nunca tinha ouvido falar. Foi Calango um Sênior da Patrulha Estrela do Oriente quem me contou. – Vado Escoteiro, ela é lelé! Vive sorrindo e não fala! – Não entendi Calango. – É muda Vado, muda! Eu estava vivendo um amor que ia durar para sempre e achava que entendia todas as paixões do mundo. Lembrei-me do Chefe Pestana: - Patrulha! – Geralmente aqueles que sabem pouco falam muito e aqueles que sabem muito falam pouco.

              Não era preciso falar para ver a alegria dos dois. Ele a levou em quase todas as reuniões e acampamentos. Fazia um banco de lona ou mesmo um tripé com forro de cipó e ela ficava horas olhando a movimentação das patrulhas. Zé Cristino reclamou com Pai Lilico Chefe do Grupo que aquilo não era certo. Mas perder o Chefe Tonho? Ele não tinha coragem e olhe só de olhar sabia que aquele amor seria eterno.

             A escoteirada a princípio ficou “matreira”. Muitos achavam que ela podia atrapalhar. Mas era um fogo apagado depois da chuva que ela surgia com seu jeitinho gostoso de agradar e acendia virando logo uma fogueira. E quando o Cozinheiro Tibúrcio em vez de sal meteu açúcar na sopa? Ela tinha um truque de coar e colocar o sal no ponto certo. Um dois três um punhado. A cada nova leva de escoteiros lá estava ela querendo agradar. Não falava tudo bem, mas sua expressão era demais.

              Eu só fiquei sabendo que ela era portadora do TEA (transtorno do Espectro Autista) muitos anos depois. E não foram os chefes do grupo que me contaram. Foi mamãe amiga de Dona Flor que conhecia a família de Francisca. Sem dinheiro ela quase não pode tratar. Afirmaram-me que alguém autista pode desempenhar as funções rotineiras com atividades definidas e repetitivas. Poderia não se dar bem nas atividades sociais e se interagir com pessoas. Mas o escotismo deu a ela outra vida mesmo não tendo feito sua promessa.

              Já rapaz, pensava por que não. Se ela ajudava dentro de suas possibilidades não poderia ser promessada? Bem ela nunca reclamou e nem o Chefe Tonho. Um dia Zequinha vinda dos lobinhos a chamou de Chefe. Gente! Que sorriso! Lindo demais. Juro por tudo que é santo que quando tomaram dela a promessa foi o dia mais feliz ade sua vida. Com as mãos em sinais cantadas em prosa pelo Chefe Tonho ela sorria, seus olhos rasos d’água, mostraram até que ponto aquela promessa valeu para ela.

                  Nas reuniões a gente nem sentia que ela estava ali, mas quando faltava era só pergunta: - Por quê? Chefe Tonho, por favor, onde está Francisca? - Diferente dos apaixonados de hoje não diziam, amor, querido, te amo, te adoro e tantos mais. Só sorriam um para o outro. Andavam sim de mãos dadas, firmes, e todos da Rua do Cinema Palácios e do Clube Ilusão admiravam-se com aquela paixão silenciosa que durou por toda uma vida na terra. Quando o Chefe Tonho fez setenta anos pediu licença e se afastou. Havia outros para assumir no seu lugar. Ela também o acompanhou.

                Confesso que fiquei surpreso com a noticia. Calango me telefonou. Vado Escoteiro, Chefe Tonho e Francisca morreram nesta madrugada. Sozinhos foram encontrados na varanda de sua morada. Branca, portas e janelas azuis, bromélias, rosas, antúrios e violetas faziam a volta na casa que vivia sempre florida. Não tiveram filhos. Não sei se o Doutor Ronaldo aconselhou.

                Por via das dúvidas levei meu clarim. Se a família dela e dele deixasse, eu iria tocar o Silêncio, para mostrar em nome da Tropa Escoteira que tanto os amou quanto seriam lembrados e queridos. Nunca vi tanta gente, tantos escoteiros. Ninguém gritava, falava alto e em cada rosto um sorriso. Ambos em seus esquifes sorriam também. Já deviam estar na eternidade, de mãos dadas e sorrindo... É claro!

                Molusco estava com seu clarim, Clodô também. Iriamos tocar não restava a menor dúvida. Quando ambos baixaram sepultura o toque dos três pegou todos de surpresa. Todos deram as mãos e acompanhavam o toque com o corpo prá lá e prá cá... Não sei por que e não entendo. Eles ficaram para sempre no meu coração. Quando faz aniversário de sua passagem para outra vida me dá uma saudade enorme. Pego o Meu Clarim, chamo Clodô e Molusco e embarcamos para o Cemitério Jardim da Colina.

                 Curiango o Coveiro me garantiu que já os viu sentados na grama onde foram enterrados de mãos dadas e sorrindo. Já faz muitos anos que não voltei na Colina. Um cemitério que nunca mais esqueci. Lá está Molusco que também se foi e Clodô nunca mais ouvi falar. Um conto resumido, difícil contar tudo que passou. Para quem acompanhou a história de um grande amor é muito difícil um simples adeus!

Nota - Em cada gesto, olhar, pensamento, cada vez que o coração batia mais forte, as mãos se entrelaçavam, a felicidade tomava conta, aquela necessidade de estar perto que sem nenhuma cerimônia florescia entre eles... A cada sorriso, sem palavras, noites em claro, era o amor tão fácil de compreender que não precisa de palavras nem de nome e sobrenome. Saudosas lembranças do Chefe Tonho e Francisca.

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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