quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Lendas Escoteiras. Tarde demais para esquecer.


Lendas Escoteiras.
Tarde demais para esquecer.

                         Eu não tinha história. Fiz uma do qual não me arrependo há mais de oito anos. Não fosse o Chefe Mascarenhas meu destino teria sido outro. Será? Sei que Deus me fez passar por isto porque devia meu destino. Chefe Mascarenhas apareceu em Águas Calientes para consertar um moinho que comprei com a poupança do meu pai falecido. A herança me permitiu viver trabalhando e nada me faltava. Não me dei mal.

                       Chefe Mascarenhas ficou na minha casa. Gente boa, com seus cinquenta e poucos anos bom de papo e muito simpático. Era escoteiro. Falava maravilhas da organização. Quem o ouvisse ficava deslumbrado em ser um deles. Acampavam, faziam sua comida, tinham técnicas mateiras, exploravam grutas, faziam boas ações ajudando as pessoas e tinham um código de honra sagrado.

                Interessei-me. – Chefe Mascarenhas! Será que poderíamos fazer um escotismo aqui em Águas Calientes? – Claro que sim ele disse. Se você quiser ser um chefe eu lhe ajudo. Não faltou ajuda. Alberto o Prefeito, o Doutor Lanes Juiz de direito todos encantados com a ideia. A Rádio local dizia que tudo ia mudar com a juventude de Águas Calientes. Chefe Mascarenhas me aconselhou: - Comece com poucos. Máximo de oito. Treine-os. Serão seus Monitores. Depois de três meses vá aceitando e formado as patrulhas. Os lobinhos podem começar com até 24 meninos e meninas. Veja alguém para dirigir a Alcateia. Forme a Diretoria. Consiga um local para as reuniões onde será sua sede. Eufórico eu sorria de felicidade.

                        Adorava meus Monitores. Nas horas vagas ficavam conversando na minha loja. Aprendíamos juntos, acampávamos quase todos os fins de semana. Chefe Mascarenhas me mandou uma boa biblioteca. Em dois meses fui a capital fazer um curso. A Patrulha de Monitores vivia para o escotismo. Escolheram como símbolo o Tuiuiú! Virou tradição a patrulha Tuiuiú dos Monitores. A Promessa foi feita dois meses depois. Lurdinha a professora aceitou meu convite para os lobinhos. O grupo foi crescendo e apareceram pais para ajudar. No desfile de Sete de Setembro eu há vi. Milena. Amor à primeira vista. Linda, cabelos loiros, curtos uma época que Grace Kelly enfeitava as telas de cinema.  

                      Cinco meses depois fiquei noivo. A mãe de Milena me preveniu: – Muito possesiva Chefe. Tome cuidado. Mas quem segura o amor? No meu casamento a escoteirada toda na igreja. Queria casar de uniforme, ela foi contra – Nem pensar Mario Montes já mandei vir da capital um legitimo terno inglês da melhor casimira! Começou assim. Sempre decidindo a minha vida, e eu aceitava. Criticava meu modo de viver com os escoteiros. Aos poucos minha vida se transformou em um inferno. Por ela quase deixei o escotismo. Ela ria e dizia que o escotismo afasta as pessoas e a família. Dizia que com ela isto não iria acontecer. Eu ia para as reuniões Escoteiras angustiado. Sentia que tudo ia aos poucos acabando. Já não era belo como antes. Milena se interpunha a tudo.

                      Um dia ela se queixou de dores no seio. Alguns exames e acharam dois tumores enormes. Ela teria que operar. Chorou muito. Perder os seios para ela seria o fim do mundo. Não teve jeito. Operou. Em casa só chorava. Meu coração partia de dó. Ver a pessoa que a gente ama sofrer não é fácil. Minha vida meu trabalho e o Grupo Escoteiro Já não eram como antes. Coloquei um ajudante no meu lugar na minha pequena fábrica. Os meninos sentiam minha falta, mas precisava olhar Milena. Cada dia mais sofrimento.

                     As dores pioraram. Fomos para a capital. Os médicos não deram esperança. Mais dia menos dia Milena iria partir. Eu nunca fui espiritualista e culpava Deus por tudo. Milena um dia me disse: – Mario Montes me prometa que quando eu morrer você não vai mais para o grupo escoteiro. – Porque meu amor? Ela nada dizia. Parecia estar possuída. – Meus olhos ficaram vermelhos. Não sabia o que pensar. E o escotismo? Oito anos e tinha de deixar tudo para trás? Eu a amava, mas iria trair minha consciência? Enganar a vida e a morte?

                 Um dia ela não andou mais. Morreu dois meses depois. Cumpri seus desejos. As exéquias foram simples. Duas semanas e resolvi abandonar a cidade. Peguei minha mochila, coloquei na porta da minha loja um aviso que ficaria fechada por algum tempo. Precisava pensar. Raciocinar. Fui acampar sozinho nos Montes Pirineus próximo à fazenda Além Mar. Armei a barraca e nem fogo fiz. Não tinha fome. Olhava para o céu, para as árvores, ouvir o cantar dos pássaros. Meus olhos vermelhos. De madrugada acordava e me punha a chorar. Nunca Milena falou comigo. Nunca me deu um sinal. Resolvi voltar à cidade.

                  Na rua caí desfalecido. Alguém me ajudou e caminhando devagar passei em frente à igreja aonde casei. Estava aberta. Entrei. Sentei próximo a uma imagem de Santa Terezinha. Entre os bancos vi uma bíblia, aberta em uma página. Com curiosidade comecei a ler: - “O amor é paciente, o amor é bondoso”. Não inveja, não se vangloria não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor nunca perece... Assim, permanecem agora estes três: a fé, a esperança e o amor. O maior deles, porém, é o amor. – Meus olhos encheram-se de lágrimas.


                    Um padre sentou ao meu lado. – O que houve filho? - Contei tudo como se fosse em confissão. Ele sorriu me abençoou e falou baixinho: - Disse-lhe Tomé: “Senhor, não sabemos para onde vais; como então podemos saber o caminho?” – Respondeu Jesus: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, a não ser por mim”. Passaram dez anos. Nunca esqueci de Milena. Tenho lembranças felizes dos nossos doces momentos que passamos juntos. Ainda continuo viúvo. Houve pretendentes, mas nada que me fizesse voltar a casar. Quer saber? – tinha medo. Medo de que a nova mulher dos meus sonhos fosse exigir de mim o que não posso prometer. O meu escotismo sempre morou em meu coração! Para mim é uma chama que marca e ficará para sempre dentro da minha alma.

Nota: - “O amor é paciente, o amor é bondoso”. Não inveja, não se vangloria não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor nunca perece... Uma história que podia ter sido real.

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Lendas da Jângal. O Vale das Flores Cinzentas.


Lendas da Jângal.
O Vale das Flores Cinzentas.

                     Para ela os dias de reuniões eram dias de sorriso. Na escola Dona Florência sempre lembrando: Tininha! Volte para seu mundo! Estamos na sala de aula! – Tininha gostava de sonhar. Não importa onde estivesse. Via-se na Bandeira, no Grande Uivo, na Matilha e cantando com a Akela. Sonhava em ser chamada para hastear ou harrear a Bandeira. Ela tremia de alegria. Seu coraçãozinho batia mais forte. Mas precisava prestar atenção na aula. Seu espírito assustava quando Dona Florência cobrava e era melhor tomar cuidado.

                   Tininha adorava ir para o campo e ver as flores silvestres. Quando acantonava amava sentir o perfume que elas soltavam. Admirava os pássaros, as árvores enormes, o vento que soprava levantando seus cabelos castanhos. Quem viu seu olhar admirava seu sorriso. Na Alcateia todos gostavam dela.  A Akelá Norminha, o Balu Gilberto e a Bagheera Francisca para ela era um sonho que virou realidade. Nas reuniões ela vibrava. Cantava, sorria, pulava. E os amigos? Não eram amigos, eram irmãos lobos, pois não foi assim quem disse Kaá? – Somos do mesmo sangue tu e eu?

                      Mas um dia notaram uma mudança. Não havia mais sorriso, a alegria de Tininha desapareceu. Era como se seu jardim cheio de flores coloridas tivessem se tornadas cinzentas. A chefia da alcateia ficou preocupada. Notaram a tristeza de Tininha. Era uma Alcateia unida, com seus dezoito lobinhos e lobinhas. Oito meninas e dez meninos. A alegria de participar era tão grande que dificilmente alguém saia e faltar então? Os pais vinham até a sede para pedir aos chefes ajudarem, pois precisavam fazer uma viagem ou então umas férias e eles não queriam de forma alguma abandonar as reuniões, as excursões e os acantonamentos.  


                      O que tinha acontecido com Tininha? Esperaram duas reuniões para investigar. A Baguira conversou com Tininha. Ela abaixava os olhos e não dizia nada. Só dizia que iria sair dos lobinhos. Tentaram tudo para saber dela o que aconteceu. O que a fez mudar. A Bagheera Francisca que morava mais perto da casa dela ficou encarregada de ir lá. Estava passando da hora. Uma função de chefes escoteiros e eles não podiam fugir. Tinham de saber o que estava havendo. Dona Helena, mãe de Tininha não foi muito educada no telefone. Alegou falta de tempo. Mesmo assim a Baguira Francisca insistiu. – Tininha não tem nada – respondeu. Ela anda meio triste e taciturna, mas vai ser por pouco tempo.

                    – Ela disse para a Bagheera que toda criança é assim. Não havendo abertura na mãe a Baguira Francisca ligou para o Senhor Wantuil seu pai. Ele foi mais simpático. – Olhe deve ser por que eu e a Helena vamos nos divorciar. Infelizmente não temos mais condição de ficar juntos. – Pronto. Alí estava o motivo do procedimento de Tininha. A Bagheera Francisca sabia como era. Tinha sofrido na própria pele a dor da separação. Seu marido a deixou por outra. Não brigou, não gritou. Dizia para sí própria que tinha de levar sua vida sem ficar se lamentando. Era difícil, mas a vida era dela e de seu filho agora escoteiro.

                     Ela sabia que as crianças são as mais vulneráveis nestes casos. Nunca entendem as situações mais complexas e ficam confusas perante o que acontece na família. Emocionalmente a consciência desabrocha e tendem a culpar-se pela ruptura familiar. Ela sabia que Tininha pensava que se tivesse se portado bem, o seu pai não teria saído de casa. A Baguira Francisca sabia que nem todas as crianças reagiam assim. Mas este devia ser o caso de Tininha.

                      Conversou longas horas com a Akelá Norminha e o Balu Gilberto. Interferir? Dizer para Tininha que o mundo era assim, que ela precisa aceitar a separação, que seu pai e sua mãe a amavam e outras explicações os chefes tinham duvidas. O melhor era deixar o tempo passar. Não podiam de maneira alguma imiscuir no problema da família. Não deviam nunca. O pai e a mãe dela eram adultos, sabiam o que iriam fazer. Muitos parentes e amigos já devem ter interferido e não resolveu. Sabiam que o escotismo colabora e não substitui a família. O melhor era dar a Tininha o mesmo tratamento, mas aconselhando quando se fizesse necessário.

                        Aos poucos o sorriso voltou nos lábios de Tininha. Aos poucos ela começou a sorrir e a ser aquela Tininha de sempre. O Balu Gilberto disse que tinha visto ela com o pai em um parque de diversões e ela gritava de alegria nos brinquedos. A separação houve. Cada um sofreu muito, mas o tempo cura feridas. No dia que Tininha recebeu o Cruzeiro do Sul só sua mãe compareceu. Mas quando ela passou para as escoteiras seu pai estava lá. A vida continuou. Tininha cresceu. Soube mudar quando preciso. Os chefes souberam agir. Sabiam que não poderiam nunca ser pai e mãe de lobos. Não era a função deles. Isto é que fez da Alcatéia uma família feliz. Todos os lobos se respeitavam, pois seus chefes eram mais que chefes, eram seus irmãos e amigos por todas as horas.

                       Nem sempre todas as situações são assim. Tem aquelas que não se muda a trilha que foi determinada pelo destino. Mas não podemos pensar em termo de desânimo em tudo. Como dizia Day Anne, planto flores no caminho, para que não me falte borboletas. Foram elas que me ensinaram que o casulo não é o fim. É o começo!



Nota – Muitas vezes quando somos chefes queremos resolver problemas que não compete a nossa responsabilidade. Somos um movimento de formação de caráter, mas ajudamos os pais à escola e a religião se for o caso. Nunca substituímos nenhum deles. Pai é pai, mãe é mãe e nos somos Chefes por um curto período na vida da criança. Esta é uma história que pode estar acontecendo bem perto de nós. A vida nos ensina o melhor caminho. Melhor Possível! 

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Um grande amor para recordar.


Lendas Escoteiras.
Um grande amor para recordar.

                      A patrulha não tinha simpatia por ele. Por qualquer motivo fazia desafios, queria brigar, falava palavrões e Joshua o monitor da Coruja perdeu a conta de quantas vezes o levou a Corte de Honra. Theo não se importava, para ele tanto faz ficar como sair. Sabia que no fundo amava o escotismo. Era uma válvula de escape para seu estilo belicoso e sua própria Avó sempre o aconselhara, mas ele nunca prestou atenção. Aos doze anos se tornou um dos mais perfeitos e perfeccionista construtor de pioneirías. Parecia que sempre fizera o mesmo, mas sabiam que ele nunca foi de Grupo Escoteiro algum. No campo era o lugar onde se sentia bem. Não ligava muito para o espírito de patrulha. Queria ter liberdade de ir e vir, buscar um bambu, uma vara de qualquer madeira nas matas ao redor. As demais patrulhas admiravam o campo da Coruja. Sempre perfeito. Chegavam e em pouco tempo tinham um fogão suspenso, uma mesa e bancos para sentar.

                     Theo tinha seu próprio facão, sua própria machadinha e não gostava de usar sisal. – Melhor um bom cipó trançado ou não, verde ainda, pois daria mais segurança e um aspecto mateiro – Dizia. Quem sabe era isto que salvava Theo de ser desligado do grupo. Para o Chefe Volante tanto fazia ele ficar ou não. Fazia seu trabalho com os rapazes e não era daquele de se interessar por um individualmente. Theo era bom em artimanhas e engenhocas. Suas fossas com tampas fáceis de abrir eram conhecidas por todos que acamparam com ele. Um dia retirou em um pequeno poço que fez atrás do campo água potável através de encanamentos de bambus e uma pequena bomba d’água feita com madeira de lei. Foi um sucesso. Isto deu aos Corujas uma fama que poucos tinham nos campos de patrulha.

                   Theo continuou mal educado. Nunca foi prestativo. Quando lhe diziam da Lei do Escoteiro sorria e dizia: - Ela não enche barriga! Pelo que os seus amigos de patrulha sabiam ele nunca fez uma boa ação. Na formatura não respeitava o garbo, se mexia, fingia dormir e escorar no Escoteiro da frente. Nonô o Cozinheiro nunca teve sua ajuda. Ele só se importava com suas pioneirías e mais nada. Ficava o tempo todo com o facão na mão a imaginar o que construir. Seu Catavento foi sucesso. Seu WC é comentado até hoje.  Ao quatorze anos Theo pensou em sair do Escoteiro. Não estava mais motivado. Nesta época fundaram a primeira Tropa feminina no Grupo Escoteiro. No primeiro dia todos acorreram para ver as novas Escoteiras. Ficaram sorrindo quando a Chefe formou as patrulhas e deu liberdade para elas escolherem o grito e o nome. Theo de longe nem olhava. Não tinha nada contra, mas também não iria paparicar ninguém.

                       No término da reunião ia pensativo pela Rua das Acácias quando sentiu uma mão em seu ombro. Olhou surpreso, pois nunca deu esta liberdade a ninguém. Era Jovita, uma menina morena que acabara de se matricular na Tropa Feminina. Jovita não era bonita, simpática talvez, mas tinha uma voz encantadora. – Posso ir com você? Moramos no mesmo quarteirão. Eu já o vi várias vezes ela disse. Theo não disse nada e continuou seu caminho. Jovita ao seu lado falava, falava e falava. Parecia uma maritaca a matraquear. Queria saber de tudo, queria conhecer um acampamento, queria fazer as provas e deu um belo sorriso quando disse que em breve seria Lis de Ouro. Theo sem perceber sentiu que estava gostando da companhia dela. Nunca fora amiga de nenhuma menina, nunca pensou em namorar apesar dos seus quatorze anos.

                     Agora eles se encontravam todos os dias. Depois da escola, a noite no bairro, ficou amigo de Dona Aurora mãe de Jovita. Em pouco tempo estavam namorando e ele nem sabia o que era isto. Nunca deu um beijo em Jovita. Quando pegou em sua mão pela primeira vez sentiu um calafrio na espinha. Não quis lavar a mão. Só queria sentir o perfume que ela deixou. Uma mudança radical se deu em Theo. A patrulha não estava acreditando. – O que houve? Pensava Joshua o monitor da Coruja. Theo agora era educado, prestativo, sempre se oferecendo para ajudar. No primeiro acampamento com as Escoteiras pediu ao monitor se podia ensinar e colaborar com as Escoteiras nas pioneiras de campo. Consultado o Chefe Volante disse não. Theo não se revoltou. Um amor incrível surgiu entre Theo e Jovita. Um dia depois da reunião na Praça Santo Antonio eles se sentaram em um banco e ele deu seu primeiro beijo.

                       Foi demais para ele. Não sabia que o primeiro beijo com amor é como provar uma fruta sem saber o gosto e sentir o sabor incomparável querendo prová-la cada vez mais até que ela se tornasse seu sustento. Não dormiu naquela noite. Sentado em sua cama não parava de sonhar. Sonhava com uma casinha pequenina, branca, janelas azuis, portão de madeira e cheia de flores em volta. Ah! Estes meninos escoteiros quando descobrem o primeiro amor. Ele e ela sempre juntos, a cidade admirava aqueles jovens ainda imberbes sem nenhuma experiência, mas respeitosos e aprendendo o que o verdadeiro amor pode fazer na vida de cada um. A vida, no entanto não é um mar de rosas. Da noite para o dia o Pai de Jovita apareceu. Estava desaparecido e ninguém sabia que passou uma boa temporada na prisão.

                      Não gostou do que viu. Ameaçou Theo. Se ele não se afastasse alguém iria encontrá-lo cheio de cupim em uma cova rasa qualquer no Morro do Avestruz. O que fazer? Resolveu fugir. Com dezesseis anos não tinha nada. Nem dinheiro para ônibus trem tinha. Combinou com Jovita fugirem para longe. Ela preparou sua mochila, roubou alguns víveres e ele fez o mesmo. No sábado despediu de sua patrulha e ninguém entendeu nada. Só dois dias depois a cidade ficou sabendo que os dois fugiram. O pai de Jovita correu céus e terra atrás deles. Jurou matar a ambos. Dois meses depois o encontram morto na estrada do Chapecó com uma lança de madeira no coração. Quem foi e porque nunca souberam. Ninguém nunca mais ouviu falar dos dois. Sumiram no mundo como se fossem nuvens que se desmancham no ar.

                       A vida nos reserva surpresa. Uns dizem que é destino outros que são escolhas e os mais religiosos que são histórias de Deus. Joshua agora com 25 anos, formado como engenheiro civil um dia recebeu a visita de um alto diretor de uma empresa nova que se destacava pelos preços baixos de materiais de construção. Na sala de reunião havia um homem e uma mulher. Ele olhou bem, sorriu e fingiu não reconhecer. Falaram por horas, discutiram preços e na saída dos dois Joshua quando os dois alcançavam a porta de saída gritou sem ser impertinente: - Obrigado Theo e Jovita. Sempre Alerta, que Deus faça de vocês o casal mais feliz deste mundo!


                         Escotismo é assim, um caminho que se bem escolhido leva a felicidade. Se me disserem que o que o que se faz aqui se paga, Theo e Jovita pagaram pouco para serem felizes. Que eles consigam continuar assim por toda a vida afinal, a gratidão é a memória do coração!

Nota:Precisamos aprender que o tempo cura, que mágoa passa, que decepção não mata que hoje é reflexo de ontem, que os verdadeiros amigos permanecem e que os falsos, graças a Deus, vão embora. Devemos compreender que as palavras tem força, que o olhar não mente e que viver é aprender com os erros. Aprendamos que tudo depende da vontade, que o melhor é sermos nós mesmos e que o segredo da vida, é viver!

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Contos de Fogo de Conselho. Doninha.


Contos de Fogo de Conselho.
Doninha.

              Não tive dúvidas. Era Doninha sem tirar nem por. Pois é, as voltas que o mundo dá estavam agora vivas na minha mente. Era normal. Mais cedo ou mais tarde eu iria sentir o efeito delas. Pensei em fugir dali. Afinal eu era culpado? Aproximei-me. - Posso sentar ao seu lado Doninha? Ele me deu um sorriso triste, apagado, sem vida. – Sente-se Monitor. – Assustei. Ele ainda se lembrava de mim? – Não disse nada, calado me sentei ao seu lado no banco verde, naquela praça florida local de muitas idas e vindas na minha jornada da vida. Ficamos ali os dois calados sem nada dizer um ao outro. Ele envelheceu. Afinal tinha passado mais de 60 anos, mas para mim era como se fosse ontem.

              – Como vai Monitor, ele repetiu.  – Vivendo Doninha disse com a voz engasgada. – Porque está triste Monitor? – Doninha usava uns óculos escuros e ao seu lado uma bengala bem trabalhada, tendo desenhado no cabo uma flor de lis. – Não estou triste Doninha. Faz parte da minha vida. – Pois é Monitor, quanto tempo se passou e vejo que você nunca esqueceu. Eu peguei minhas tristes lembranças empacotei e despachei para o Pico da Tristeza. Doninha riu mais alegre.

               Não tinha voz e nem assunto para responder a ele. Minha mente voltou no tempo, naquele fatídico dia que tudo aconteceu. Porque aceitei aquele jogo? Aquela fama de durão? Não devia ter sido amigo de todos e irmãos dos demais? – Monitor, ninguém irá embora da sua vida sem apagar as memórias até ensinar tudo àquilo que você precisa aprender! Olhei para ele atônito. Estava lendo meus pensamentos? – Doninha permaneceu calado. Olhava para longe como se estive no Pico do Redentor naquele inverno que eu e ele esperávamos ansioso o nascer do sol.

              – Para mim Monitor foi o dia mais bonito em minha vida, ele disse. - A minha também, remendei. – Ainda Escoteiro Doninha? - Não Monitor, depois daquela suspensão resolvi nunca mais voltar. Você sabia que eu tinha o escotismo no meu coração. Vibrava com tudo, era o primeiro a chegar e o último a sair. Hoje tenho saudades dos nossos acampamentos, excursões e nunca esqueci aquela jornada no Vale da Redenção. Meus olhos estavam vermelhos e as lagrimas começaram a cair.

                 Meu Deus! O que eu fiz? Voltei no tempo. Achava que era um Salomão, e por voto de minerva aprovei sua suspensão. Cinco meses! Porque tanto? Ele não era um criminoso, não era um malfeitor. Lembro-me de tudo como se fosse hoje. A patrulha se reuniu e decidiram que Doninha não podia mais ficar na Touro. Sempre me perguntava se ele era culpado ou se outro Escoteiro por sentir inveja de suas qualidades não tentou incriminá-lo.

                 Porque o Chefe Zafir não investigou melhor? Afinal nós éramos crianças, tomar tal decisão era demais. Afinal a Corte de Honra tem essas prerrogativas? E porque os pais de Doninha não procurou a chefia para saber o que ouve? Eram tantos porquês que eu sempre tive dúvida de quem estava com a razão. – Condenamos por uma simples traquinagem e eu depois fiquei sabendo que não foi ele. Trocou o sal pelo açúcar e deixou a intendência aberta onde perdemos todos os mantimentos trazidos. Duas ferramentas desapareceram. Porque ele não se defendeu? – Monitor, por que acusar alguém? Não seria ele mesmo que devia se declarar culpado?

              - Monitor, não se sinta responsável. Vocês eram oito e com os dois chefes dez participantes da corte. Mesmo com você me acusando os demais não precisavam segui-lo como seguiram. Poderia dizer sem necessidade de mentir que nossa historia foi mal contada. Não fui eu! Poderia dar minha palavra escoteira, mas fiz isto e ninguém acreditou em mim. – Eu estava calado. Ajoelhei-me perante Doninha. Com meus setenta e oito anos eu chorava a cântaros. Pedi perdão a ele.


                Ele me levantou, me abraçou e disse: Monitor, o tempo não volta mais, eu sei dos seus sentimentos e quer saber? Sempre tive você em meu coração. Muitas pessoas que passavam pela praça não entendiam o que se passava. Dois velhos de cabelos brancos se abraçando e um chorando. – Vamos tomar um café e relembrar os velhos tempos? Era demais para mim. Doninha me mostrou o verdadeiro caminho do perdão. Saímos abraços e fomos de bengala em punho a procura de uma nova redenção.

Nota de rodapé: - Tenha sabedoria para escolher suas batalhas – é essencial aprender definir pelo que vale a pena lutar e pelo que se deve desistir – por uma vida de mais equilíbrio e bom senso! Uma história que não foi contada. Uma corte de honra mal preparada, uma vida acusada de algum que não cometeu. Bem vindos à história.

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Contos de Fogo de Conselho. Entre o céu e a terra.


Contos de Fogo de Conselho.
Entre o céu e a terra.

                  Um silêncio sepulcral na sala de aula. Se entrasse uma mosca pela janela seria como o barulho de um avião levantando voo. Dona Nena de olhos semi-serrados em sua mesa lia um livro comum. Os meninos e meninas calados fazendo uma redação. “Como evitar Escorpiões”. Ela tinha dado uma aula sobre o tema. De vez em quando passava os olhos pela sala. Uma austeridade que era reconhecida em toda cidade. Seus ex-alunos tremiam quando encontravam com ela. Um grito estridente assustou todo mundo – Escorpiões na sala. Corram! Uma correria e uma gritaria sem fim. Dona Nena também assustou. Viu que a sala esvaziou em segundos. Olhou de novo. Só Ruanito sentado, compenetrado fazendo a redação. Dona Nena o pegou pelas orelhas e o levou ao Diretor. Não era a primeira vez.

                 Aniversário da cidade. Na praça um enorme palanque. Várias festividades programadas. O Prefeito Paredes discursando. Ao seu lado Dona Eufrásia sua esposa. Muitas autoridades juntos. O povo em pé na praça. Alguém gritou alto! – Uma cobra! Uma cobra! É uma cascavel! Ela atravessava o palanque devagar rumo às escadas. Um reboliço. O delegado Marcondes esvaziou seu revolver na cobra. Pá, pá e pá! Ela não parou. Gente gritando, caindo, o palanque quebrando. Dona Eufrásia caiu sobre a multidão. Seu vestido novo subiu até as orelhas. O Povo viu tudo. Ela adorava azul com bolinhas amarelas. A multidão dá praça correndo pela Avenida Tiradentes. A praça vazia. Muitos de pernas e braços quebrados foram para o pronto socorro. Só o Zé Bedeu um bêbado ria sem parar e gritava: “Viva Ruanito, o único gente boa da cidade!”. Sentado no banco da Praça Ruanito olhava sério para tudo aquilo. Na sua mão a linha de pesca que usou para puxar a cobra morta.

              Todos sabiam que onde havia estripulias tinha a mão de Ruanito. Seu pai já fora intimado várias vezes na delegacia. Alfredão adorava o filho. Sua mulher fora internada na casa de repouso Santo Angelo há muitos anos. Diziam que ela era louca. Ele não achava. Ela só gostava de se divertir. A cidade não tinha ninguém capaz de ajudar seu filho. Naquela época falar em psiquiatras ou analistas seria um palavrão. Chefe Cleyde era assistente de Tropa. Sempre soube de Ruanito. Tinha pena dele. Um dia tentou com todos os chefes do grupo a aceitá-lo. Ninguém quis. Convenceu o Chefe Manollo a dar uma oportunidade ao menino. – Ele quer se um de nós? – Não sei disse – Se ele quiser vamos tentar por seis meses.  Ela foi a sua casa. O pai de Ruanito gostou da ideia. Ele não disse nem sim e nem não. Olhou indiferente para a Chefe Cleyde.

               Quando foi apresentado à tropa todos se assustaram. Já conheciam sua fama. Romerito da Patrulha Peixe Boi era o Monitor mais antigo. Com quinze anos ainda não tinha ido para os seniores. A pedido do Chefe Manollo ficou até os dezesseis. Era considerado o guia da tropa.  Ficou responsável por Ruanito. Ele o pegou pela mão e o levou até um grande abacateiro que dava sombra no pátio onde se reuniam. – Está vendo aquela formiga? Ela está a “Escoteira” significa aquela que anda só. Você vai ficar aqui e observar quando ela encontrar uma folha e levar para sua morada. Marque o tempo e quantas vezes ela deixa cair à folha! Ruanito olhou para Romerito, olhou para a formiga e não disse nada. Sentou na grama de olho na formiga. A reunião terminou às seis e meia da tarde. Ruanito sentado. Romerito o viu quando ia saindo. Romerito foi embora. O deixou lá. Nem até logo disse. A sede vazia. Ruanito firme sentado no pé do abacateiro.

              Às duas da manhã alguém bateu na porta da casa de Romerito. Ele com sono levantou-se e ao abrir a porta viu Ruanito todo molhado. Chovia a mais de quatro horas. O mandou entrar. Foram para a cozinha onde preparou um café forte.  – “Foram nove horas, vinte e quatro minutos e trinta segundos”. A folha caiu vinte e três vezes e vinte e três vezes a formiga repetia fazendo tudo de novo. Sempre com uma nova tentativa. Pensei em ajudá-la. Mas será que serviria para ela aprender como deveria fazer? Quando ela conseguiu entrou em um buraquinho no tronco do abacateiro não apareceu mais. Romerito olhou para Ruanito. Não disse nada. Pegou dois guarda chuva e o levou até sua casa. Seu pai dormia sono solto.

             No sábado seguinte pela primeira vez Ruanito foi apresentado a Patrulha. Romerito perguntou: - Algum de vocês conseguiram seguir a formiga do abacateiro? Cada um olhou para o outro e não disseram nada. Uma prova muito difícil. Apertem a mão de Ruanito. Ele conseguiu! Os escoteiros olharam espantados. Três meses depois Ruanito fez a promessa. A tropa feliz. Muitos seniores e chefes preocupados. Chefe Cleyde acreditava na mudança. Chefe Manollo era outro que sorria. A cidade se assustou quando viu Ruanito de Uniforme andando garboso pela Avenida Tiradentes. O delegado tirou o boné da cabeça. O Prefeito veio à janela da prefeitura para vê-lo. Zé Bedeu na sua bebedeira dava risadas e gritava: - Viva Ruanito, o maior Escoteiro do Brasil!


           E assim termina a história. Aquela cidade passou a ser uma feliz morada da felicidade. Ela ficava bem ali, bem próxima entre a terra e o céu!

Nota de rodapé; -  Ele era apenas um menino que ninguém acreditava que poderia ser bom. Uma sina do destino fez dele um Escoteiro e para espanto da patrulha cumpriu as ordens do monitor sem reclamar. Um exemplo de perseverança e exemplo e respeito às ordens do monitor. 

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Lendas Escoteiras. Quem for limpo de corpo e alma atire a primeira pedra.

Lendas Escoteiras.
Quem for limpo de corpo e alma atire a primeira pedra.

                      - Não sei se é uma boa ideia July. E se o pior acontecer? – Minha querida, eu sei que é errado, eu mesmo no meu consciente não quero fazer, mas veja: - Vamos fazer daqui a cinco dias nossas bodas de ouro. Uma vida Janice. Uma vida juntos. Todos os aniversários de casamento eu quis lhe dar um presente e nunca consegui! Sempre uma panela de pressão um jogo de talher, coisas que você queria, mas não o presente que merecia. – Mas nós podemos ir para a cadeia July. Você já pensou nesta idade ir presos? – July riu. Seria mesmo uma festa de arromba passar os cinquentas anos de casado na cadeia. July pensou e pensou. A rotina estava presente em suas vidas. A ideia lhe agradava. Tudo levava a sair dela e sorrir novamente. Seus filhos nem se lembraram da data, ele sabia que iria receber um telefonema e nada mais. Há anos ninguém lhe convidava para um passeio, para um jantar, e em suas férias eles iam para as praias, para outras plagas e o casal de velhos em casa. Afinal o que fazer com dois salários mínimos?

                         - Amanhã cedo, pegamos o ônibus do centro, e vamos naquela loja que aluga roupas. Quero um lindo smoking e para você o mais lindo vestido longo do mundo! Vai ficar por menos de cem reais por um dia. – Janice sorriu. Pensou em vestir um longo. Quanto tempo ela não usava mais. A última vez foi no casamento de sua filha há vinte anos. Sabia que do que tinham recebido no mês e pagando o aluguel iriam sobrar cento e cinquenta reais. Guardados a sete chaves. Precisavam para o leite e o pão de cada dia. Dormiu preocupada, mas sorrindo. Seria uma aventura e tanto. Quantas aventuras fizeram no escotismo? Ela tinha boas recordações. Quantos acampamentos, quantas amizades, mas hoje eram menos de que um punhado de nada. Ela dormiu. Dormiu sonhando com o que iriam fazer. Não houve anjos ou demônios para dizer se era certo ou errado. No ônibus abraçados os passageiros olhavam com inveja o casal de velhos abraçados e sorridentes.

                             Ele ficou bem no smoking. Ela linda, quanta beleza mesmo com a idade ela tinha. Ele tinha orgulho de sua mulher. Aonde eles chegavam sempre diziam de sua beleza. Saíram pelo portão da casa como dois príncipes encantados. Um taxi os levou ao Vicolo Nostro. - Era o melhor restaurante da cidade. Um primor que ficava no último andar do Hotel Palace dos Príncipes. Diziam que um apartamento ali custava mais de cinco mil reais. Janice sorriu. Nunca poderia conhecer um deles. Nunca. E a suíte então? Subiram no elevador sob os olhares complacentes de alguns hóspedes e de duvida de alguns funcionários. Domenico o Maitre quando os viu sabia que eram uns pobretões. Ele conhecia a realeza. Trabalhava há anos ali. Deu a eles uma mesinha de canto. Olhou com atenção para Janice. Nunca vira uma mulher naquela idade tão linda. Escolheram os pratos mais caros, a champanhe mais cara, a sobremesa mais cara. – Quando ele apresentou a conta sorriram – Desculpe senhor. Não temos como pagar!    

 

                            Domenico sorriu. Sempre tinha alguém querendo comer de graça. – Senhor, se não pagar vou chamar a polícia! – Mas não vamos lavar pratos? Falou July. – Neste caso é cadeia Senhor! – Juny explicou que iam fazer aniversário de casamento, bodas de ouro e queria presentear a mulher. Domenico no alto de sua importância pegou o celular e chamou a policia. O segurança do restaurante os levou a uma saleta na entrada. Na cadeia o Delegado Francoso os olhava com raiva. Sempre assim, sempre tinha os aproveitadores. A farola de aniversário não colou para ele. Já era tarde, sua mulher o esperava para um coquetel na mansão do Conde Teodorico II. Queria ser promovido a delegado geral e o conde era amicíssimo do Governador. – Ponham eles no xilindró até que paguem a conta disse.

 

                           Pica Pau um repórter sem eira nem beira estava naquele dia na delegacia. Ouviu tudo. Chegou perto de July e perguntou o que ouve. July sorridente contou. – Ninguem pode pagar? – Não responderam. E seus filhos? – Não vamos incomodá-los. – Escreva aí, no seu tabloide e na sua radio. – Quem se achar inocente que atire a primeira pedra. – Deodato um engraxate que procurava alguém para uns trocados na delegacia viu os dois. – Chefe! É você? July tentou fingir. Não queria que soubessem que era um Escoteiro aposentado. – Sempre alerta Chefe! Disse Deodato. Pica Pau sorriu. Agora sim tinha uma matéria de primeira. Ligou para a rádio e ela o pôs no ar. A noticia começou a se espalhar. Duas horas depois escoteiros de todos os lugares começaram a chegar. A rua não cabia mais ninguém. A policia foi chamada e nada pode fazer. Um zum, zum no ar – Prenderam o Chefe July e a Chefe Janice! – solta, solta, solta era o que todos gritavam na rua.

 

                            Advogados sorriram ao verem a noticia. Nem na delegacia foram. Correram para a Sexta Vara Criminal a procura de um habeas corpus. Sabiam que isto os levaria a glória. Seriam reconhecidos. – Doutor Pavone assinou centenas. – O delegado irredutível. Prisão preventiva. Não sei quando podem sair e podem recorrer à vontade. – Luiz Antônio Escoteiro da Patrulha Pavão filho do Governador Kalmim chorava com seu pai. Tem de soltá-lo pai! – Filho não posso! – Pode sim, o senhor é o governador. – Emissoras de TV começaram a chegar a frente à delegacia. Centenas de repórteres. Lá dentro Juny e Janice dormiam sorrindo em um pequeno catre apertado. Era para eles uma aventura e tanto. Nem sabiam o que se passava lá fora. Dora, Joviel, Tonho e Caledônio os filhos viram a noticia na TV. Correram para a delegacia. Lá fora uma balburdia. Nunca se viu tantos escoteiros. Eram milhares. Todos exigindo a soltura dos Velhos Lobos que estavam presos.


                          Doutor Pancrácio o Presidente da Região não sabia o que fazer. Ligou para a Direção Nacional, ninguém lá de plantão. – Que eles paguem pela vergonha escoteira que estamos passando. A escoteirada miúda pagou em juízo as despesas dos dois velhos lobos. Na porta da delegacia fizeram uma “vaquinha”. Nunca se viu tantas moedas e notas de um real. O delegado sumiu. Agora só no dia seguinte. Uma noite na cadeia não faz mal a ninguém. Pensou o Delegado. No dia seguinte alguém entrou com uma petição no Supremo Tribunal Federal. O assunto foi parar no congresso. – O almirante Jacarta dos Escoteiros do Mar se prontificou a mandar uma esquadra. – “Mas quá almirante, lá não tem mar” – O brigadeiro Jalusko dos Escoteiros do Ar enviou doze caças que sobrevoaram a delegacia. General Sukarno amigo de July colocou doze tanques na porta da cadeia.

                           July e Janice foram soltos ao meio dia do dia seguinte. O Maitre Domenico sorria. Recebeu seu rico dinheirinho. Nunca houve um bravôo como o dado pelos escoteiros na porta da Delegacia. Parecia que os prédios iriam cair. July e Janice foram carregados no ar. Escoteiros são assim podem esquecer hoje, mas sabem que seus velhos escoteiros vivem eternamente em seus corações. Em casa eles sentaram na poltrona abraçados. Seus filhos sorriam. – sabiam que eles também tinham direitos de cometer pelo menos um erro na vida. Mas seria um erro? Cinquenta anos não podia passar assim como tudo que passa pela vida. Mereciam muito mais.  July e Janice viveram sua aventura que tanto esperavam. E agora? Se você os culpa e se tem o corpo e a alma escoteira em paz, atire a primeira pedra!  

Nota de rodapé: - Eram antigos Velhos Lobos. 50 anos de casados. Ele queria dar a ela um jantar no melhor restaurante da cidade. Não tinha dinheiro. Viu que ela sorriu quando disse que iam comer de graça. É só dizer que não temos dinheiro e o Maitre ou nos manda lavar panelas ou nos manda para a cadeia. Uma divertida história de dois velhos Escoteiros que sabiam viver afinal estavam fazendo 50 anos de casados! Leia e me diga: Você atira a primeira pedra?

                           

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Rosas Brancas e perfumadas para Dona Noêmia


Rosas Brancas e perfumadas para Dona Noêmia 
            
- Ela nunca seria escolhida por nós para ser nossa Chefe. O destino mudou tudo e lá estava ela elegantemente vestida à Escoteira. Para muitos até aquele sábado o escotismo era um e depois dele se transformou em outro. Rosas Brancas e perfumadas para Dona Noêmia que até hoje me traz belas recordações.
                      Ela morava no final da minha rua. Sua casa tinha fundos para o Rio Mimoso. Lembro que no final da cerca havia um belo pesqueiro. Mas ninguém tinha coragem para pescar ali. No quintal havia pés de manga, goiaba e chumaços de pés de cana Caiana. Na frente de sua casa centenas de rosas brancas. Só rosas brancas. Porque não outras cores ninguém sabia. Enfrentar o olhar de Dona Noêmia? Nunca. Um medo danado. Não era só eu e sim a cidade inteira. Morava sozinha, acho que tinha mais de sessenta anos, não sei. Diziam que era viúva, mas ninguém conheceu seu marido. No Grupo Escolar Mascarenhas de Moraes ela era a diretora. Ali ninguém dava um pio. Respeito é bom e eu gosto ela dizia. Todos entravam em silêncio e saiam calados. Onde ela passava se fazia silencio. Alguns adultos diziam – Boa tarde Dona Noêmia. Ela olhava e seus olhos pareciam sair chamas de fogo.

                    A escoteirada passava longe. Os lobos endiabrados ouviam sempre da Akelá Maísa – Querem que chame Dona Noêmia? Era uma maneira de assustar a lobada indisciplinada. Quem fala muito paga pecado, assim dizia minha mãe. Chefe Onofre naquele sábado disse que infelizmente ia mudar de cidade. Estava tentando achar alguém para ficar no seu lugar. A tropa ficou chorosa. Todos gostavam dele. A semana inteira o comentário correu em todas as patrulhas. As reuniões se sucediam na Touro, nos Morcegos, na Águia e durante o dia na loja do Martinho. Seu filho da Raposa trabalhava com ele. – Quem seria o novo Chefe? Será o Nonato pipoqueiro? O Sacristão Isaias? Ou o Professor Clementino? Ninguém sequer imaginava. O jeito era esperar o sábado.

                   Interessante, uma hora antes todos estavam na sede. Nem nos cantos de Patrulha foram. Estavam a espreita na porta da sede, no portão e vi dois apinhados em um abacateiro enorme olhando a rua da sede. Chefe Onofre chegou sozinho dez minutos antes do horário. Chamou para a bandeira.  Ninguém com ele. Um frenesi corria de um para o outro. Depois do cerimonial fizemos um jogo estupendo. E assim a rotina da reunião continuou. Até esquecemo-nos do Chefe novo. Quem sabe ele desistiu e vai ficar conosco? A surpresa veio no arreamento. – Chefe Onofre assumiu uma pose de “pobre coitado” e apresentou o novo chefe. Ou melhor, a nova Chefe. Dona Noêmia!

                  Incrível! Ninguém estava acreditando. Ela chegou séria com seu cabelo branco amarrado em um coque, um chalé em cima de uma blusa de manga comprida marrom, uma saia azul simples abaixo do joelho e um sapato aberto em cima de uma meia fina que parecia tirada do fundo do baú. Nunca em minha vida olhei para Dona Noêmia. Aquele foi à primeira vez. Um medo danado. Era magra. Magra mesmo. Um palito em pé. Alta pelo seu porte. Nariz afilado pontiagudo, uma boca pequena e entre o nariz e a boca um bigode ralo.

                   A cidade em peso não acreditou. Ninguém acreditava. Ela só disse oi e que nos veríamos na próxima reunião. Bragg! Que medo. Achei que ninguém ia aparecer na reunião. Até “sapo de fora” estava lá para ver. Ela chegou. Deus do céu! De uniforme caqui calça curta acima das canelas secas, sem o lenço e um chapéu que parecia ser maior que sua cabeça. Dirigiu o cerimonial com perfeição. Depois foi até ao meio da ferradura, chamou Dondinho Monitor da Águia para lhe tomar a promessa. Todos espantados a viram fazer a saudação, disse a Promessa colocou o lenço e virou para tropa dizendo – Confiem em mim como eu irei confiar em vocês. Foi o início. Chamou os Monitores. Falou com eles por cinco minutos. Vou dizer uma verdade foi a melhor reunião de tropa Escoteira que já participei. Onde ela aprendeu? Era Escoteira? Onde? As mulheres não só eram autorizadas na Alcatéia? Um mistério.

                   Dois anos com a Chefe Dona Noêmia. Ninguém tirava o dona. Um medo danado. Mas aos poucos fomos aprendendo a admirá-la, a gostar dela. Uma noite em um Fogo de Conselho ela nos contou uma bela história. De uma menina perdida cuja mãe morrera e ela não tinha ninguém. Sua luta, sua vontade em acertar, criou em redor de sí uma aureola de rigidez, para que ninguém pudesse aproveitar dela. Uma história linda e triste. Só mais tarde é que a história se explicou para mim, era a história dela. A tropa passou a amar a Chefe Dona Noêmia. Todos tinham a maior admiração. Antes poucos sorrisos agora em profusão. A cidade não entendeu nada. Ainda no Grupo Escolar e entre seus alunos hoje crescidos o medo existia. Na tropa adorada pelos escoteiros.

                Dois anos e quatros meses de felicidade na tropa Escoteira. Cheguei a tirar minha Primeira Classe. Pensava triste quando fosse passar para os seniores. Não queria. Mas sabia que não podia continuar com quinze anos. Um sábado a Chefe Dona Noêmia não apareceu. Preocupação geral. Nunca faltou. Toda a tropa resolveu ir ver o que ouve. Fomos juntos a sua casa. Vinte e oito meninos Escoteiros singrando a Rua Dom Pepino. Medo de bater na porta. Mas eu fui. A porta estava encostada. Tremendo abri. Chefe Dona Noêmia caída no chão. Ainda respirava. Pedimos ajuda. Levada ao hospital foi constatado ataque cardíaco. Ficou entre a vida e a morte dois meses. Na tropa não sabíamos o que fazer. A Corte de Honra se declarou em sessão todos os sábados. Numa quinta Chefe Dona Noêmia se foi.

               O escotismo para mim nunca mais foi o mesmo. Mesmo nos seniores uma saudade “danada” de Chefe Dona Noêmia. Ainda lembro até hoje o mutirão que fizemos a procura de rosas brancas em toda a cidade para suas exéquias. Nunca vi tantas em seu tumulo. Todos os escoteiros acharam que eram suas preferidas. Ate hoje uma vez por mês ainda vou lá. Em frente ao seu tumulo coloco um buquê de rosas brancas. Em minha mente vem à frase do poeta: - “O que sinto por você é tão delicado como pétala de rosa branca desabrochando ao luar”. Dou um sorriso. Na minha mente faço uma oração. A única que aprendi e que me disseram ser Escoteira.


"Senhor, ensina-me a ser generoso, a servir-te como mereces, a combater sem temor das feridas, a dar sem contar, a trabalhar sem descanso. A sacrificar-me sem esperar. Outra recompensa, que há de saber que faço a tua santa vontade”.

Nota de rodapé: - - Ela nunca seria escolhida por nós para ser nossa Chefe. O destino mudou tudo e lá estava ela elegantemente vestida à Escoteira. Para muitos até aquele sábado o escotismo era um e depois dele se transformou em outro. Rosas Brancas e perfumadas para Dona Noêmia que até hoje me traz belas recordações.

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Gentil. Como se fosse ontem..


Gentil.
Como se fosse ontem...

                    - Quem é você? – Eu chefe? Um simples antigo Escoteiro. Visitando. – O que quer ver? Levantei as sobrancelhas. Suas palavras mudaram o vento do meu rumo. Francamente não esperava tal rebeldia por uma simples visita. – Trinta anos, passei trinta anos sem voltar. Quantos ainda restavam do lugar que ficou na memória? A voz parecia brotar machucando como se ele quisesse dizer que eu ali não fazia falta. – Você não pode crescer aprender e depois ir embora! Ele era mordaz. Eu pensei que sempre fui eu mesmo. – Não pode ser um destes chefes que ficam sentados falando o que pretendem fazer e nada fazem.

                  - Ele tinha razão. Ele esperava que eu tivesse dito: - Eu vou fazer e pronto. Vou imaginar o futuro sobre o prisma de um valente Escoteiro! Voltei no tempo, quanto tempo, não fiz minha história e nem sequer pensei no rumo que escolhi. – Olhei para ele, não o reconheci. Não era da minha época. Será que não era bem vindo? Perguntava-me também porque voltei. Deixei minha memória passear no tempo. Tempo? Sim naquela época os adolescentes se achavam invencíveis. Sempre com aquele sorriso malicioso e idiota estampado no rosto sempre se achando o melhor.

                 - Não posso ficar e ver a nova geração? – Ele sorriu desconfiado. Quem sabe pensou que era um daqueles que quase destruiu um trabalho feito por valentes oriundo de uma saga que hoje não tem mais. – Ele me perguntou: Você é uma pessoa escoteira? – Nossa! Que termo mais abstrato. O que significaria ser uma pessoa? Será que existimos no presente sem saber o que seremos quando deixarmos de existir? Quais seriam as regras do jogo agora e será que eu teria condições de aprender a jogá-las?

                 – Um lobo se aproximou. Dirigiu-se a ele me olhando pelo “rabo” de olho. – Akelá, faremos o melhor agora? – Me lembrei do Grande Uivo. Quantas vezes eu fiz? Quantas vezes fui eu convidado para representar a Alcateia? – Já vou serei breve rápido rasteiro. – Mas que diabos significava rápido e rasteiro? Arroz instantâneo leva cinco minutos e pudim instantâneo uma hora. Duvido que a velocidade seja medida desta forma.

                  O circulo na Roca do Conselho estava em posição. Acho que um cisco levado pelo vento resolveu pousar em meu olho. Lágrimas se fizeram instantaneamente. Como cresci meu Deus. Perdi parte da minha vida ali naquele circulo, ou melhor, será que perdi ou ganhei? Ao longe a canção se fez ouvir. Avançam as patrulhas! Que saudades. Pensei em Noal e Zezé. Ainda estão vivos? A quem perguntar? Ao chefão dos lobos ou o Grande Chefe da Tropa escoteira que adentrava na sede?

                  Eu queria ser uma pessoa dessas que tem uma vontade enorme de falar e contar as nuances do passado. Passei anos sem encontrar pessoas deste tipo. Ouve um tempo que acreditei que precisavam de mim como um cometa precisa da cauda! – Não nos conhecemos? Incrível volta no tempo. Era Noal sem tirar nem por. O Maestro dos Lobos se foi. Um abraço apertado um aperto de mão, uma saudação nos moldes militar. Cascos batidos de um calcanhar forte emplumado por um coturno que todos sempre sonharam ter.

                   - É você? Não acredito. De volta as raízes? Confesso que comecei a chorar. As saudades eram demais. Eu sabia que não devemos perder a esperança, pois se acontecer seremos irremediavelmente feridos. A vida nos faz pensar que somos invencíveis o que realmente somos. Não nascemos, nem morremos. Como toda energia, nós simplesmente mudamos a forma de tamanho e manifestação. A Tropa surda ao passado olhava com atenção.

                  - E Zezé? – Morreu. Uma resposta fria e dita de forma direta. De longe o Chefe dos lobos espiava o encontro de dois Matusaléns que encarnou ali no pátio uma memorial que jazia há tempos na vastidão do passado. Olhei para ele dei um sorriso simples e pensei que às vezes precisamos de alguém que nos ouça, que não nos julgue que não nos subestime, apenas nos ouça.

                   Fui embora despedindo de todos. Uma volta no tempo, uma lembrança perdida e reencontrada no presente. Saudades de tudo do que foi e do que ficou preso na memória do tempo. Eu sabia que tinha perdido uma coisa importante e que nunca consegui achá-la. Era como se eu tivesse perdido os meus óculos, fosse até uma óptica e descobrisse que todos os óculos do mundo tinham se acabado e que, agora, eu teria de viver sem eles.


                 Foi bom retornar. Velhos sonhos, velhos amigos e pensei quantas palavras estavam ainda escritas nas árvores daquele pátio que nunca em tempo algum me saíram da lembrança.

Nota de rodapé: - Ontem? Mas não foi hoje que vesti minha calça curta ali naquele pátio? Primeiro a azul e depois a caqui? O que eu estava fazendo de volta ao passado? Ninguém me conhecia, ninguém sabia que era eu. Mas eis que chegou Noal, amigos de patrulha e agora de distância que só cabem nas lembranças do coração. Porque não fiquei? Sem explicação. Destinos são assim, uns fazem os seus outros aceitam o que foi destinado. Uma pequena história. Bem vindos!

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Lendas Escoteiras. Só o vento sabe a resposta.


Lendas Escoteiras.
Só o vento sabe a resposta.

                      Nada a ver com o romance de J.M. Simmel - por sinal, um livro que devia ser lido por todos. Esta história foi no final década de sessenta, eu era o Chefe de um Grupo Escoteiro por estes interiores do Brasil. Uma menina de uns doze anos se adentrou no pátio de reuniões (era um sábado à tarde) e ficou sentada observando a movimentação das tropas escoteiras. Ainda não havia a coeducação. Esta só foi iniciada na metade da década de oitenta.

                     Em dado momento me procurou. “Chefe, como faço para entrar nos escoteiros?”. Um olhar profundo, um sorriso espontâneo, um brilho de um sonho e uma vontade de ser e não poder ser. Expliquei a ela. Disse que só como bandeirante. “Mas aqui não tem?”. Só balancei a cabeça negativamente. “Não”, respondi. Seus olhos se encheram de lágrimas. Tentei consolar, mas ela me olhou e saiu correndo. Passaram-se alguns anos, acho que uns seis anos, se não me falha a memória.

                   Conversava com um chefe e vi uma mocinha adentrando a sede. Pediu para falar comigo e prontamente a atendi. “Chefe, agora eu tenho dezessete anos. Vou fazer dezoito daqui a três meses. Agora posso entrar?”. Eu não me lembrei dela e nem sabia se tinha falado alguma coisa. Perguntei a ela. “Não lembras quando estive aqui há cinco anos pedindo para ser escoteira? O senhor me disse que só poderia ser bandeirante. Em nossa cidade não tem. Esperei com calma e sonhando a cada dia em ser escoteira. Agora sou quase de maior, posso ou não?”.

                 Claro, eu disse que sim. Nossa Alcateia tinha 26 lobinhos. Dois chefes masculinos e duas femininas. Tinha que arrumar um lugar para ela. Uma perseverança em querer, em poder ser e depois de anos e anos nunca esqueceu seus sonhos. Claro que nunca poderia ser recusada. Eu jurei a mim mesmo que seus sonhos seriam realizados. Não foi bem recebida. Uma das chefes da Alcateia me procurou em particular e disse que não poderíamos aceitá-la no grupo. – Por quê? Disse eu. Porque ela mora no “Ferreirinho” e o senhor sabe, lá é um bairro de má fama. Sua mãe só pode ser uma prostituta. Não sei por que falou aquilo.

                   Era uma jovem educada e prestativa. Nunca deixou de ajudar ninguém. Infelizmente era uma época onde as mulheres que por um motivo ou outro foram parar ali naquele bairro não eram perdoadas facilmente. Não esperava aquela atitude. Pensei que não éramos assim. Éramos sim, uma fraternidade, cheia de compreensão para com o próximo. Ao encerrar a reunião ela pediu um Conselho de Chefes. Na reunião explicou o motivo.

                 Éramos doze. Claro que concordei. Ela expos suas razões. Pelo menos sete chefes concordaram com ela. Vamos colocar em votação disse? Não precisa. Estou entregando meu cargo. Estou envergonhado. Pensei que aqui teríamos outro pensamento. Mas me enganei. Se isso for acontecer novamente prefiro não estar presente.

                   Todos se assustaram com minha atitude e pediram um tempo para pensar. – Não precisa eu disse. Um dia vocês me disseram que o escoteiro é amigos de todos e irmão dos demais. Se não pensam assim, aqui não é o meu lugar! Procuraram-me no meio da semana, inclusive a chefe em questão. – Desculpe chefe. Agi mal. Muito. Peço perdão. Coloquei a mão em seu ombro. Nada de desculpas minha amiga. Estou orgulhoso de você e dos outros.

                  No sábado seguinte a mocinha que pediu para entrar não apareceu. No outro também não. Fiquei preocupado. Será que ele ficou sabendo do que aconteceu e desistiu? Não tinha seu endereço. Não tinha feito por escrito sua inscrição. Não sabia como achá-la. Dois meses depois avistei uma mocinha que achei parecidíssima com ela.

                  Parei e perguntei. Expliquei tudo. Ela com lágrimas nos olhos me contou a mais triste história que um dia ouvi. Sabe Chefe, Bea era minha irmã mais nova. Ela se chamava Beatriz. Contou as suas amigas e a todos lá em casa de sua alegria em ser agora uma escoteira. Seu sacrifício em esperar cinco anos agora fora reconhecido. Era seu sonho. Ano após ano ela só falava nisto. O dia inteiro rindo dizendo que um dia seria escoteira. Nós tivemos que ouvir todos os dias durante mais de seis anos. No sábado pela manhã se preparou para ir ter com vocês. Levantou cantando alto para todos ouvirem. Ao sair foi atropelada por um ônibus. Levada ao hospital faleceu horas depois.


                Fiquei pensando em tudo. Nosso destino, nossos sonhos. Perdidos em minutos. Em segundos. Por quê? Sem retorno. Acho que só o vento sabe a resposta

Nota de rodapé: - No escotismo vivemos em um mundo maravilhoso e muitas vezes não imaginamos quantas situações nos colocam na mão do destino. Se tivéssemos condições de escrever as histórias de cada Chefe do que passou durante sua participação daria para preencher milhares de páginas no livro da Vida. Posso dizer que também passei por isto. Hoje já velho me lembro se tudo poderia ter sido diferente. Não sei. Só o vento sabe a resposta.

Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

Bem vindo ao Blog As mais lindas historias escoteiras. Centenas delas, histórias, contos lendas que você ainda não conhecia....