terça-feira, 31 de outubro de 2017

Lendas Escoteiras. A sombra de um passado.


Lendas Escoteiras.
A sombra de um passado.

            Eu não sabia o seu nome. Nunca perguntei. Passava em frente a minha morada de cabeça baixa, ofegante com uma bengala bem trabalhada a mão. Era linda. Vez ou outra ouvia o toc. Toc. que ela fazia quando ele estava muito cansado e a bengala servia a ambas as pernas. Ele não era metódico, às vezes passava pela manhã bem cedo, outras à tarde quando o sol estava se pondo. Tipo caladão, barba por fazer, um boné cinza puído na cabeça, uma sandália nordestina nos pés e uma roupa simples sem afetação. Calculei que estava chegando aos oitenta ou mais que isto de anos de idade.

             Um dia tropeçou em sí mesmo e quase caiu. Fui até ele perguntando se podia ajudar. – Posso assentar um pouco? Perguntou-me. Claro, e o levei até uma cadeira em minha varanda. – Desculpe, falou. – Não há o que desculpar disse. – Ele me olhou nos olhos e senti ali nos seus uma profundidade grande, uma história de vida e muito sofrimento mais que alegrias. – Você é escoteiro não? Disse ele. – Sorri, e disse que sim. – Eu passei por aqui um dia que você estava com uma mochila ajeitando sua carretinha atrás do seu carro e cheia de tralhas. – Pois é, disse fui acampar com a tropa. Ele balançou a cabeça e ficou em silêncio.

             Corri até a cozinha e lhe trouxe um copo com água. Bebeu devagar, calmamente tentando manter a respiração normal. Agradeceu-me. – Eu também já fui um escoteiro, disse. – Que bom saber, posso apertar sua mão? Ele sorriu e me deu à esquerda. Cumprimentamo-nos sem forçar. Ele me olhou e disse: - Quanto tempo? – De escotismo? Perguntei. Ele balançou a cabeça. – 40 anos. Entrei como lobo. – Ele fechou os olhos e vi que uma tristeza enorme se apoderava dele. – Eu também fui lobinho, escoteiro e sênior, depois saí e não voltei mais, completou.

              Olhou-me nos olhos e vi pequenas gotas de lágrimas correrem por sua face. Será que estava chorando? Pensei. – Foi a mais bela fase da minha vida. Quando passei para os escoteiros era um jovem forte, disciplinado, bom aluno com boas notas. Meu pai se orgulhava de mim. Pensava que seria escoteiro para sempre, mas fiz quinze anos e o Chefe disse que eu teria de fazer a Rota Sênior. Nem me perguntou se eu queria. Eu sabia que mais cedo ou mais tarde tinha de deixar minha Patrulha que amava. O mesmo já havia acontecido com minha Matilha.

              Na Patrulha fiz muitos amigos. Foi nela que eu e Polônio juramos uma amizade eterna. Foi na beira da Pedra do Sal, lá para os lados da Fazenda Córregos Negros onde sempre acampávamos que fizemos nosso juramento de sangue. Isto mesmo de sangue. Ele cortou um pouco dos pulsos, o sangue jorrou, fiz o mesmo e colamos nossos antebraços jurando uma amizade eterna para todo o sempre. Não foi fácil estancar o sangue, mas conseguimos.

              A vida para nós era uma festa, uma alegria. Eu ia a casa dele e ele na minha onde dormíamos, almoçávamos e nossas mães sorrindo por ver tão bela amizade. Paulo, Wantuil e Darcy da mesma Patrulha entendiam que eu e Polônio éramos mais que irmãos. Poucos acreditavam no que fazíamos nos campos de Patrulha. Pioneirías tiradas da imaginação. Inventávamos tudo que vinha na mente. Um dia, um dia... Ele parou e voltou a chorar. Não sabia o que fazer. Melhor deixar que ele terminasse ou viesse outro dia para contar.

              Ele tirou um lenço branco da algibeira enxugou os olhos, me olhou e pediu desculpas. Chefe, muitas saudades, tantas que sei que os tempos de felicidade nunca mais voltarão. – Foi Polônio quem me convidou a fazer uma esticada (corda grossa) sobre o Rio Pedroso, e depois treinarmos um pouco de comando Crow. Ele gostava de se exibir. Não era um rio largo, quem sabe 20 ou 25 metros. Mas tinha uma correnteza forte e quando tínhamos de ir do outro lado, subíamos até a baixada da Codorna para atravessar.

             Os outros seniores vieram para ver o que íamos fazer. Darcy o Monitor nos alertou para o perigo de cair nas águas profundas. Polônio riu. Ele foi o primeiro. Era “cobra” no Crow. Eu sabia que ele sempre seria um campeão. No meio da travessia ele olhou para trás piscou o olho e gritou: - quem não passar é mulher do Padre! E foi então que ele despencou nas corredeiras como um pássaro abatido por um tiro. Só vimos às águas se abrirem e ele desaparecer. Eu sabia nadar muito bem e Polônio também. Mesmo assim mergulhei atrás dele. Fiquei horas procurando e não o achei.

              Wantuil pegou sua bicicleta e foi buscar o Chefe e mais ajuda. Fiquei lá a noite toda gritando por ele nas barrancas e nada. Vieram dezenas de pais, dos bombeiros, da policia e procuraram pelo corpo por vários dias. Foram embora. Eu não fui. Não podia. Não podia voltar e enfrentar a mãe e o pai de Polônio. Um dia meu pai e o pai dele foram me buscar. Eu chorava não querendo sair dali. O tempo passou, eu passei com o tempo sem pensar nas horas e quando devia parar. Machuquei-me para sempre Chefe. Sai do escotismo e nunca mais voltei.

               Olhei para ele, chorava como se fosse um menino. Levantou-se, me olhou nos olhos e partiu sem dizer adeus. Eu não disse nada. Não havia o que dizer. Uma amizade de sangue não pode ser desfeita. Mesmo na morte. Ele sabia disto. Daquele dia em diante esperava na varanda sua passagem. Nunca mais passou. Foi Dona Ana quem me perguntou um dia se era amigo dele. - Quem dona Ana? Aquele que um dia passou e ficou com você contando causos e causos. Olhei para ela. – Sabe quem ele era?


                Ela sorriu me olhou e disse. Polônio! Fiquei estupefato. – Dona Ana, ele não era o Polônio! Ela rindo disse até logo e falou: - Quem sabe seu Osvaldo quem sabe? Espirito vem e vai, outros não querem partir e outros querem ficar! Deus do céu! Seria ele o Polônio que caiu no rio Pedroso? Até hoje me fico a perguntar...

Nota de rodapé: - Se tiveres de chorar por algum motivo que consideres justo, chora trabalhando, para o bem, para que as lágrimas não se te façam inúteis. Nos dias de provação, efetivamente, não seriam razoáveis quaisquer espetáculos de bom humor, entretanto, o bom ânimo e a esperança são luzes e bênçãos em qualquer lugar. Chico. Polônio ou apenas um espírito que ainda não foi para o céu?

domingo, 29 de outubro de 2017

Lendas da Jângal. Assim falou Zaratustra.


Lendas da Jângal.
Assim falou Zaratustra.

                     Ela estava sorrindo para mim. Faltavam dois dentes da frente e seu sorriso era gostoso demais. Ela tinha um nariz fininho, seus cabelos encaracolados faziam o amarelo sumir na sombra de um castanho claro. Estava com sete anos e deste os cinco infernizava a vida de sua mãe para ser uma Lobinha. Eu mesmo perguntei por que o nome, já que Zaratustra um romance de Friedrich Nietzsche era um homem. Comecei a ler o livro um dia e desisti. Nietzsche se baseou em uma personalidade histórica que viveu entre os séculos XII e VI Antes de Cristo. Perguntei a sua mãe se ela conhecia a história. Ela sorriu também sem dentes na frente (mais tarde soube que estava fazendo uma dentadura). Nunca Chefe Osvaldo, nem sei quem é. Comprei umas bananas no mercadinho quando estava grávida e no jornal enrolado vi este nome. Nem prestei atenção à notícia, só no nome. Gostei, quando minha filha nasceu a registrei assim.

                    Nietzsche justifica da seguinte maneira a escolha desse personagem: “Zaratustra foi o primeiro a ver na luta entre o bem e o mal a roda motriz na engrenagem das coisas - a transposição da moral para o plano metafísico, como força, causa fim em si, é obra sua”. Mas isto não interessa o fato não se sobrepõe a história e a história agora era a menina de sete anos, filha de uma faxineira que sonhou por dois anos ser uma Lobinha. Sua mãe não tinha meios financeiros para mantê-la, não podia comprar seu uniforme, pagar taxas nada. Olhou para mim com aqueles olhos molhados de lágrimas para dizer que era pobre e não sabia se sua filha podia ser uma Lobinha. Não seria motivo de uma recusa, nunca para mim. Escotismo foi idealizado por B.P. para ser um movimento que abrangesse todas as camadas sociais. – Sorri para ela. - Não se preocupe, aqui ela terá tudo que as outras lobinhas tiverem. Uma promessa difícil para um assalariado, mas Zaratustra seria Lobinha custe o que custar!

                     Nunca em minha vida vi uma alegria tão grande. Se o mundo quisesse sorrir devia estar ali naquela tarde de sábado quando Zaratustra foi apresentada ao Grupo Escoteiro. Sua mãe junto chorava de alegria. Quando o final da reunião chegava, ela não queria ir embora. Com muito custo dava suas mãozinhas a sua mãe e iam para casa com Zaratustra contanto tudo que ela viveu naquele dia. No dia da sua promessa ela chegou correndo a sede sem a mãe. – Chefe! Gritou para mim. Minha mãe não quer acordar! Ela não pode vir, mas eu preciso fazer a promessa! Chamei Solange a Akelá e disse para ela tomar conta de Zaratustra. Expliquei o que acontecia. Se ela insistisse e eu demorasse que ela fizesse a promessa. Sai correndo até a casa dela.

                  No barraco da Rua Sete já havia muita gente na porta. Pensei no pior. Que situação meu Deus. Zaratustra no dia mais importante da sua vida perder a mãe? – Uma vizinha me contou que o SAMU a tinha levado. Viva? Perguntei. Não sei Chefe, não sei. Deveria ter sido levada para o Hospital Municipal. Peguei um taxi e voei até lá. De uniforme e chapelão um médico correu para me atender. Achou que mal maior acontecia com escoteiros. Disse que não. Expliquei, ele me mandou esperar para ver se ela estava lá. Voltou em seguida – Chefe, ela teve uma parada cardíaca. Está entre a vida e a morte! – Quando posso ter novas notícias doutor? Ele me mandou voltar à noite. Agora era voltar ao Grupo Escoteiro. Falar o que para Zaratustra?

                 Como psicólogo sou uma negação. Não tenho jeito para lidar com isto. Sempre notícias honestas sem rodeios. Acho que a noticia se não for direta a pessoa sofre muito mais. Solange veio ao meu encontro. – Chefe ela se recusou a fazer a promessa. Sem sua mãe não quer fazer de jeito nenhum! Ela não estava na matilha Cinza? Perguntei. – Está na sede Chefe, Dona Silvana a levou para lá. Não para de chorar. – Quando ela me viu chegar correu para me abraçar. Soluçava, queria perguntar sobre sua mãe e engasgada não conseguia. A abracei como se fosse minha filha. Eu também chorava baixinho e ela com uma voz doce e suave me disse – Não chore Chefe, não chore. Só crianças podem chorar. O Senhor não! Dizer o que? Falar o que? A frase fatal não vinha na minha mente. Mentir eu não iria mentir.

               Zaratustra, sua mãe foi para o hospital. Está nas mãos de Deus! – Ela me olhou com aqueles olhos grandes como a perguntar: - Por quê? – Teve um infarto, Vamos rezar. Deus tenho certeza tem a solução do que vai acontecer. A levei para minha casa. Minha esposa e filhos fizeram de tudo para distraí-la sem sucesso. Lá pelas tantas da noite dormiu. Assustei-me com seu sono. Ela sorria. Falava alguma coisa que não entendia. Ela se assentou na cama, olhou para mim de olhos abertos e disse: - Vovó Linda, obrigada. Isto me deixa feliz. Eu vovó Linda? Ela deitou de novo. No domingo acordou sem chorar. Tomou café comeu biscoitos e bolos. Eu disse a ela que iria ao hospital ver como estava sua mãe. – Ela riu, está boa Chefe. Vovó Linda me disse. Ela já está pronta para ir para casa. Posso ir com o Senhor?

              Estávamos no mês de junho, um frio enorme, mas aquele sábado um lindo sol apareceu no céu. Para minha surpresa a mãe de Zaratustra chegou acompanhada de um homem que eu não conhecia. Zaratustra como sempre correu para me abraçar, meu deu um beijo suave no rosto, ficou séria e em posição de sentido gritou alto “Melhor Possível” Chefe. Olhei para Dona Antônia mãe de Zaratustra. – Ela sorria. – Chefe este é Marcelo meu marido. Tinha seis anos que não o via. Ele saiu de casa quando Zaratustra fez um ano. Agora veio me buscar. Disse que tem bom emprego, uma casa e pode nos sustentar. – Zaratustra não quer ir, mas não quer ficar sem mim e o pai. O que devo fazer Chefe?

                De novo queriam que eu fosse Salomão. Fechei os olhos buscando uma palavra, uma maneira de dar um conselho. Lembrei que um dia um Padre amigo me disse: - Chefe lembre-se de Deus em tudo o que fizer e ele lhe mostrará o caminho certo. E quando a sabedoria entrar no teu coração, e o conhecimento for agradável a tua alma, o bom siso te guardará e a inteligência de conservará. Sorri para mim mesmo. Parece que um anjo estava ali para me ajudar. Conversei com Zaratustra por algum tempo. Prometi a ela descobrir um Grupo Escoteiro perto de sua nova morada. Eles partiram e por muitos anos nunca mais ouvi falar de Zaratustra e nem sua família. Um dia lendo uma revista perdida em um ônibus, lá estava ela, linda, com dentes novos, um sorriso encantador, com seu uniforme Escoteiro a dizer: - Escotismo é uma maneira de ser feliz. Venha participar conosco, seja bem vindo. E ela fazia aqueles gestos com sua mãozinha dizendo: - Venha, esperamos por você!


Nota de rodapé: - Confia no Senhor de todo o teu coração, e não te estribes no teu próprio entendimento. Reconhece-o em todos os teus caminhos, e ele endireitará as tuas veredas. Quem procura ter sabedoria ama a vida, e quem age com inteligência encontra a felicidade. (Salomão). Uma história, uma emoção. Um amor no coração de uma menina que se chama Zaratustra. Vale a pena conhecer...

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

A incrível paixão de Lourenço Malenkaia.


Lendas escoteiras.
A incrível paixão de Lourenço Malenkaia.

                     Todos gostavam de Lourenço Malenkaia. Querido na tropa e no Grupo Escoteiro. Todos sabiam dos seus feitos nos grandes acampamentos e nas jornadas incríveis que fizeram com ele. Havia um orgulho em ser amigo de Lourenço Malenkaia. Na Patrulha Leão era o mais motivado na hora do grito. Alto, magro, cabelos louros encaracolados Lourenço Malenkaia sabia como fazer amigos. Com quinze anos pediu ao Chefe Para fazer sua jornada sozinho. Vou terminar minha Primeira Classe com chave de ouro. Disse. - Chefe preciso fazer minha jornada antes de ir para Sênior. Pretendo ficar três dias, levando minha faca, meu facão, uma manta, sal e óleo e mais nada. Seria seu desafio. Preciso provar que sei sobreviver.  As outras patrulhas assustaram. Como? – Isto é possível? De Lourenço Malenkaia nada era impossível.

                 Em uma sexta partiu atraindo olhares rumo a Mata do Roncador. Mochila, um bastão a tiracolo cantava o “Avançam as Patrulhas” sorridente. Todos o virão seguindo rumo à trilha do Cardim para atravessar o Rio Jambreiro na parte alta da fazenda Santa Cecília. Era um fato inédito. Uma jornada sozinho? Nunca aconteceu. No domingo a tarde ele retornou na curva do Urubu Rei, próximo à porteira do seu Nonato. Cantando, sorrindo, chapéu jogado para trás, mechas de cabelos louros caindo na testa com passadas que dava inveja, foi direto para a sede se apresentando ao seu Chefe. - Pronto Chefe! Jornada realizada. O Chefe o saudou respeitosamente.

                 Lourenço Malenkaia era filho do médico Doutor Arthur Malenkaia e de Dona Arminda Malenkaia. Não era um aluno brilhante, mas muito querido. Nunca tivemos uma grande amizade. Até hoje não entendi porque ele me procurou naquela manhã de domingo. Não fui acampar com minha Patrulha nas margens do Rio Barão Vermelho. Meu pai adoecera e eu fiquei na sapataria a seu pedido. Ele adentrou na sapataria com os olhos tristes e chorosos. Sozinho engraxando alguns pares de sapato, que me daria uns trocados, me cumprimentou sem nenhuma alegria.

                    Preciso falar com você – disse. Fiquei calado. – Você conhece a Dorita Valverde? – Assustei. Conheço disse. – Estou perdidamente apaixonado por ela, disse de supetão.  Não sei o que fazer. – Falar o que? Dorita Valverde não era bem vista e um dodói da garotada sedenta de amor. Sua fama de namoradeira e outras “cositas más” corriam longe. Muitos diziam que era a única que deixava beijar com beijos de “língua”. Eu mesmo nem sabia o que era isto. Vi que Lourenço soluçava baixinho. – Não sei o que fazer! Não quero conselhos. Acho que estou louco. Nunca pensei em ficar assim. Amor para mim sempre foi uma bobagem que em escoteiros como nós nunca pode acontecer. Quer saber? – Se amar pode nos deixar loucos então estou louco. – Deus do céu! O que aconteceu com Lourenço Malenkaia?

                  Eu sempre fui bom ouvinte. Ficamos horas conversando na sapataria. Nada demovia seu intento. Disse que ela o beijou sem ele esperar no muro atrás do Colégio das Irmãs Caritas. – Fui pego de surpresa – Mas que beijo! Senti sua língua na minha boca. Sensação incrível! Nunca imaginei que isto pudesse acontecer. Tornei-me seu escravo na hora! – Porque não procura o Chefe? Falei. – Não, ele não vai me ajudar. Vai ficar falando, falando dando conselhos e ele nem sabe o que é um amor de verdade. – Mas você só tem dezesseis anos! – Ainda nem sabe o que é a vida! – Sei sim disse, sei que agora minha paixão por ela é única. Sei que ri de mim, fala de mim como se fosse um bobão, mas eu sei que a amo. Meu amor é a essência de minha alma.  Nunca vou deixar de amar Dorita Valverde.

                Já entrando nos meus dezessete anos eu não sabia como aconselhar. Naquela época era inocente destas coisas. Beijo? Nem pensar. De língua então me assustava. Sua vida mudou. Seu pai o deixou preso em casa. Não quis estudar mais. Um desastre na família. O tempo foi passando. Lourenço Malenkaia foi definhando. Quem viu aquele belo Escoteiro não acreditava no que via. O internaram no famoso Hospício que hoje não existe mais. Muitos anos depois estava em Capistrano Ferreira onde tentava vender uma colheitadeira para um fazendeiro. Á noite, cidade pequena, sem cinema, sem TV fui tomar uma cervejinha gelada no “Vale das Flores”. Com trinta e dois anos, casado, era só uma fugidinha. Entrei na Boate da Rosinha. Uma “Minina” me procurou. Não me leve a mal disse. Só uma cerveja, mais nada.

                  Bebia devagar ouvindo um Xaxado e eis que aparece do nada Lourenço Malenkaia! Espantado ele disse: - Vado! O Escoteiro engraxate da Patrulha Lobo? – Sorri. Eu mesmo Lourenço Malenkaia. Nunca pensei em encontrá-lo ainda mais aqui. Ele sentou. Sorrindo me contou em poucas palavras sua vida. – Olhe meu amigo, fugi do manicômio, corri atrás dela. Meu amor por Dorita Valverde era doentio, era demais. Nunca a deixei. Hoje sou seu escravo. Dizem meu amigo que o amor é como o vento. Não podemos ver, mas podemos sentir.

                   Ela é dona desta boate. Pouco liga para mim. De vez em quando me dá um pouco de seu carinho. Aprendi a aceitar as migalhas que ela me dá. Sou louco mesmo. Louco de amor. Fiz da minha vida um sonho imperfeito. Só vivo a me arrastar por esta mulher. Se amar é um afeto, uma ilusão eu a amo demais. Pediu um guaraná. Uma mulher meio gorducha, toda “embonecada”, mas com feições belas se aproximou. Deu para reconhecer. Era Dorita Valverde. Deu um beijo na testa de Lourenço Malenkaia e se foi entre as dezenas de clientes da boate que pediam sua companhia. Nem me olhou. Claro não me conhecia - E o escotismo? Perguntei. - Nunca mais. Era um amor que tinha no peito e foi substituído por esta paixão avassaladora. Falar o que? Tomei o último copo e parti. Nunca mais o vi. Vida é vida, história é história. Destino é destino. Escolhas são escolhas e o livro arbítrio de cada um não pode ser alterado ou ignorado.

                    O sonho de um menino Escoteiro fugiu em uma nuvem que se espalhou no céu. Não dá para segurar a brisa e o orvalho da manhã ao mesmo tempo. O melhor é esperar o raiar do dia para ver se conseguiu. São recordações que sumiram como o vento forte que pegou de jeito uma Patrulha em uma ravina qualquer. Nem deu tempo de alertar para fincar os chapéus. Afinal escoteiros também amam? Amor é uma palavra que poucos ainda souberam explicar com exatidão. Mas a felicidade não é a minha. A felicidade é a de quem achou um dia ter encontrado uma razão para viver. Lourenço Malenkaia e Dorita Valverde encontraram seu verdadeiro amor. Que eles sejam felizes para sempre!


Nota de rodapé: Uma história tirada da minha imaginação. Afinal escoteiros também amam? Dizem que sim. Eles não são robôs não são animais irracionais. Amam o campo, os vales floridos, os belos tombos das cascatas que caem em pedras brancas.  Dizem que seus amores são forte, muitas vezes não aceitos. Mas e amor de alguém que se tornou uma paixão para nunca mais esquecer? Meu amigo, quem não tem o direito de ser feliz? 

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Lendas escoteiras. O Mistério do Corvo da pena dourada.


Lendas escoteiras.
O Mistério do Corvo da pena dourada.

                 O Chefe Lávio em uma noite sem luar, reunidos em volta de uma fogueira perdida na margem do Rio Travesso, nos contou esta história que tirou da imaginação. Pareciam palavras magicas tentando esquecer aquela noite gostosa, e um vento sul que soprava o sudoeste do acampamento. Uma Indaba só de chefes. O terceiro que participava. Uma vez por ano. Cada um levava sua tralha e a comida. Chegamos a ter 35 chefes presentes. A cada ano um nome diferente para a Indaba. Neste ano seria o III Kalapalo. Tribo da região do Alto Xingu no Mato Grosso.

                   Eu conhecia o Chefe Lávio há tempos de outras plagas. O típico Chefe que não ri. Discreto um olhar profundo e muito ponderado. Deitei em minha manta, o céu lindo estrelado, sorria a passagem de uma estrela cadente. A aragem vinda da margem do rio era gostosa e saudável. E ele começou: – Foi a muito, há muito tempo. Escoteiro em Monte Azul. Uma pequena cidade esquecida de Mato Grosso do Sul. Vida simples, meninada solta nas ruas a soltar suas pipas, a brincarem com suas bolinhas de gude, saudar educadamente a dona Marly ou dona Noêmia nossas professoras quando passavam. Na missa de domingo a melhor roupa.

                    Na missa daquele domingo uma surpresa. Padre Lemos anunciou a fundação do Grupo de Escoteiros. Um calafrio correu na espinha da meninada presente – Amigos! Nossa cidade vai organizar um grupo de Escoteiros. Inscrições abertas no Clube Remanso todo sábado à tarde!

                    Acordei às três da manhã. Papai! Vamos! - Onde? Fazer minha inscrição. Nem almoçamos. Uma fila enorme. Chefe Noel risonho cumprimentava a todos. A inscrição está feita. Agora é aguardar. Iremos treinar alguns para serem os lideres e daqui a três meses vamos chamar todos ele disse. Na fila mais de duzentos meninos. Quatro meses depois um Escoteiro uniformizado bateu em nossa porta avisando. A vaga do Lávio está aberta. Comparecer sábado às duas da tarde. As onze almocei e as doze lá fui e papai rumo ao grupo escoteiro. Leones o Monitor sorriu para mim. Na semana seguinte já havia um acampamento em Águas Cantantes. Fiquei maravilhado. Nunca me senti herói como agora. Não falava outra coisa. Leones me sugeriu para ir à biblioteca conhecer a vida do Corvo, a minha Patrulha.

                     Seis meses depois me considerava um veterano. Quando fiz um ano de Patrulha fizemos um acampamento em Morro Sião. Várias cascatas em toda subida. Uma delas lá no alto formava um lago ideal para uma boa pescada. Eu gostava de pescar. Quatro dias de campo. No terceiro estava programada uma jornada de seis quilômetros onde deveríamos encontrar uma Mina do Fantasma. Deu a cada Patrulha um croqui, uma bussola, e uma carta prego. Nela as instruções eram claras. Duas horas de caminhada rumo NNE, encontrar uma grande seringueira e depois seguir a WSE por mais um quilometro. A Patrulha era boa nisto. 

                   Ao procurarmos a bússola ela sumiu. Eu era o responsável. Não achei em meus bolsos na mochila e nem no bornal. Deu vontade de chorar. Leones me olhou calado. Jair nem falou. Até Nonato o cozinheiro meu amigo não disse nada. – E agora? – Pense Lávio. Tente lembrar onde pode ter esquecido! – Resolvemos voltar pela trilha. No Barranco onde passamos parte dele cedeu. Toda a patrulha foi arrastada para o fundo do despenhadeiro. Mais de oitenta metros de queda. Ainda bem que não foi queda livre. No fundo da ravina caímos em vários arbustos cheios de espinhos. Uma dor terrível. Todos sentindo dores enormes. Tínhamos de sair dos espinheiros. Para onde ir? Ouvimos um grasnado de um Corvo. “Croc, Croc, Croc.” O avistei a uns cem metros em uma árvore. Voou em cima de nossas cabeças.

                   Não sei por que falei para o Leones que devíamos seguir o corvo. – Por quê? Ele disse. – Ele não é o guia de nossa Patrulha? Ninguém riu. Com dificuldade conseguimos sair do espinheiro e seguimos o Corvo que voava a nossa frente indo e voltando. Paramos a beira de uma pequena nascente para retirar os espinhos. Começou a escurecer. O corvo sempre grasnando seguindo em uma direção. Perdemos a noção, mas sempre seguindo o Corvo. Escureceu. Não dava para andar mais. O Chefe e as demais patrulhas deviam estar aterrorizados com nosso sumiço. Fazer o que? Um frio forte trazia uma bruma da ravina que nos pegou em cheio.

                    Na ravina avistamos o céu cheio de estrelas. Dormir com aquele frio? Melhor acender um fogo. Catamos uns gravetos e duas boas achas de madeira. Olhei para um galho na árvore e lá estava o corvo. Ele desceu voando e pousou no meu ombro. Todos dormiam ninguém viu. Interessante que uma pena sua era dourada e as demais pretas. Ele parecia me conhecer. Dormi e acordei com a alvorada e o fogo apagado. Leones começou a cantar e dançar a musica dos cavalos trotando. Todos nos o acompanhamos. Deu para esquentar. O corvo de novo voando sobre nossas cabeças e seguindo em uma direção. Lá fomos nós. Duas horas depois avistamos o acampamento. Obrigado Deus. Todos se abraçaram emocionados.

                   Até o último dia o corvo ficou próximo ao nosso campo sempre voando e grasnando. Croc. Croc. Croc. Na partida ele nos acompanhou por muitos quilômetros. Da janela do ônibus eu o avistava. Várias vezes bicou os vidros querendo dizer alguma coisa. Um sono pesado e dormi feito um anjo. Nunca mais achamos a bússola. Ofereci-me pagar e o Chefe não aceitou. – No sábado seguinte a Tropa formada para o Cerimonial de Bandeira. Ao final do hasteamento fiz a oração: - Senhor ensinai-me a ser generoso, a servir-vos como mereces... Parei. O corvo estava voando em círculos sobre nós. Desceu até onde estava. Pousou no meu ombro. Tinha preso no bico uma pena dourada. Vou para cima do meu chapéu de três bicos. Colocou lá a pena e saiu voando e grasnando rumo sul. Sumiu no céu azul daquela linda tarde de primavera.


                  Ninguém acreditava no que via. Até o Chefe estava extático com o fato. Ele sabia da história do corvo. Tirei meu chapéu. Coloquei a pena dourada do corvo entre a correia e meu chapéu. A pena dourada fez historia. – Olhei para o Chefe Lávio. Todos olhavam para ele com um ar de incredulidade. Ele se levantou e foi até sua barraca voltando em seguida. No topo do seu chapéu de três bicos lá estava a pena dourada. Linda, nunca tinha visto igual. Ah! Histórias são historias. - E como diz um Velho Chefe Escoteiro: A vida tem muitas histórias. Nosso livro da vida é longo e sem final. Verdade!

Nota de Rodapé: -  O Corvo. - “Ave ou demônio que negrejas! Profeta, ou o que quer que sejas! Cessa ai, cessa! Clamei levantando-me! Regressa ao temporal, regressa À tua noite, deixa-me comigo. Vai-te, não fica no meu casto abrigo pluma que lembre essa mentira tua, Tira-me ao peito essas fatais Garras que abrindo vão a minha dor já crua”. - E o Corvo disse: "Nunca mais.”. E o Corvo aí fica; ei-lo trepado No branco mármore lavrado Da antiga Palas; ei-lo imutável, ferrenho. Parece, ao ver-lhe o duro cenho, Um demônio sonhando. A luz caída Do lampião sobre a ave aborrecida No chão espraia a triste sombra; e fora Daquelas linhas funerais Que flutuam no chão, a minha alma que chora Não sai mais, nunca, nunca mais! (Edgar Alan Poe).

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Lendas Escoteiras. A passagem!


Lendas Escoteiras.
A passagem!

               Havia muitos dias e muitas noites que Giovanna chorava. Ela não queria acreditar, pensava uma maneira de fugir e ficar ali para sempre na Alcateia. A Akelá, o Balu, a Bagueera sempre ao seu lado acalentando. – Chefe! Eu não quero sair daqui! – ela dizia. Eu quero ser lobinha para sempre. Não adianta me dizer que Mowgly um dia foi para a Alcateia dos homens, eu não sou Mowgly, eu sou uma lobinha da Alcateia de Seeonee que ele um dia participou! Chefe! Ela repetia, eu não sou o Shery Khan, não sou um tigre manco covarde e nem sou o Tabaqui aquele que permuta a própria honra para sua proteção. Não sou covarde e nem aduladora!  Um dia eu serei Hathi que se se fez respeitado pela sua experiência e sabedoria! – Nada, mas nada mesmo fazia Gigi mudar de ideia. Todos os chefes sabiam que ela tinha de passar para a tropa, sua idade e sua maturidade estavam chegando. Diversas vezes eles contaram as maravilhosas histórias de Mowgly, de Akelá o lobo cinzento forte e altaneiro. Do Baloo um urso pesado e grandalhão inofensivo, mas que era um amigão. De Bagheera a Pantera Negra de pelagem linda de seda. Astuta, intrépida, corajosa uma das poucas que compreendia bem Mowgly.

               Não tinha jeito. Gigi se tornou uma menina amarga em casa, na escola e na Alcateia. Tudo porque tinha chegado sua hora. Todos sabiam que este dia haveria de acontecer. No seu intimo ela achava que era Raksha uma loba valente e vigorosa que dava a vida pelos demais lobos. Contam nas alcatéias que os meninos e meninas ao entrarem na Jângal não sabem o que os espera. Eles vão atrás apenas das belezas e aventuras que a floresta oferece. Quando chegam aprendem que ali tudo é organizado, que existe leis a cumprir protegem-se uns aos outros e sabem que na matilha o primo é um irmão mais Velho que deve sempre ser consultado. Ela aprendeu que os erros acontecem na selva, e sabe também que todo erro será julgado, aconselhado ou se receberá uma punição, pois só assim a paz entre os lobos voltará a reinar. Tudo isto martelava a mente de Gigi. Ela lembrava como Naty chorou quando foi embora para a Alcateia dos homens. Ela chorou desde que foi obrigada a fazer a trilha. – Chefe! Ela contava, Naty me disse que não gostou da patrulha, não gostou dos Escoteiros!

                     A mãe de Gigi várias vezes procurou a Akelá para conversar. Ela sabia que um dia isto iria acontecer, as reuniões dos pais na Alcateia era uma gostosa vivência que fazia de todos eles lobos da Alcateia de Seeonee. Ela soube da história de Naty, pois Gigi lhe contou chorando. Chefe! Alguma coisa precisa ser feita. Quem sabe conversar melhor na tropa, tentar mostrar aos meninos e meninas que ali se encontravam que uma passagem significa muito. Gigi sabia que Tininho era para ela o Lobo Gris, seu melhor amigo na matilha verde. Sempre a avisava quando Shery Kaan estaria de volta. Era um irmão de verdade e ele sempre lhe disse isto. Eles eram um povo livre e na Alcateia a alegria reinava para todos sob a liderança de Akelá. Gigi adorava a Dança de Bagheera, a Dança de morte da Shery Khan: - ¶Mowgly está caçando, Mowgly está caçando, matou o Shery Khan,  esfolou o come gado, Rá Rá Rá!¶ Ela adorava esta. Quando a Akela a escolhia para ser a líder e dizer melhor, melhor, melhor e melhor no Grande Uivo ela sabia que seria o dia mais alegre de sua vida.

                       Foi Kaa quem um dia contou o por que Mowgly foi embora para a Alcateia dos homens. Contou tão bonito que ela ficou impressionada. - Gigi, ela dizia um dia Mowgly se cansou. O que os lobos faziam ele achava infantil. Tudo aquilo que para ele significava muito já não era como antes. Mesmo amando seus amigos ele se sentia do lado de fora da Jângal. Embora ele amasse seus amigos e os tivesse na mais alta consideração ele sabia que agora era importante para ele. Ele cresceu, viu na cidade dos homens um motivo para aprender a conviver e aprender como adulto uma nova vida. Sabe Gigi, o lobo ou a lobinha sabe que viveu e aprendeu os ensinamentos da selva. Mas agora crescido já tem maturidade para ver que precisa seguir adiante. A vida é assim, ela nos ensina a prosseguir sempre não podemos estacionar e pensar que aqui o vento sopra todos os dias com a mesma velocidade. Precisamos um dia ser o Mowgly, seguir com os outros para aprender a ser mais que um lobo. Se aqui na selva você se preparou, se amou seus irmãos se aprendeu a se defender do Shery Khan então chegou sua hora de partir. Isto nós chamamos de responsabilidade para com sua própria vida, a seguir as outras trilhas fora da floresta.

                       Gigi ouvia o Baloo e não chorava. Ela estava tentando entender. Ela olhou um pouco seu passado e viu que muitas das coisas que fazia era muito infantil. Quantas vezes pediu para a Akelá novos jogos, novas descobertas e até novos acampamentos mais fortes dormindo em barracas, subir em árvores, atravessar rios e tantas coisas que os lobinhos não faziam? Quando foi para casa Gigi conversou com sua mãe. Ela a abraçou e disse: - Olhe Gigi, você vai crescer, um dia vai-me dizer que precisa ter seu espaço, não vai mais querer morar aqui. Isto não vai significar que não me ama que não ama sua família. Vai chegar a hora de sair da sua segunda ou terceira floresta. Vai chegar a hora de você fazer nova passagem para sua vida adulta, para ter seu própria vida e o seu livre-arbítrio. No sábado Gigi disse para a Akelá que ela podia combinar com o Chefe Escoteiro sua trilha.


                       Naquele sábado ela estava preparada. A passagem foi linda e Gigi sabia que nunca mais iria esquecer aquele dia. Apertou a mão de cada lobo com um sorriso. Dizia para si própria que ia em busca de uma nova vida. Uma vida de descobertas para que ela pudesse assimilar mais seu crescimento interior. Todos fizeram a cadeia da fraternidade e uns poucos choraram. Ela não. Sabia que ia voltar sempre para estar um pouco junto deles. Quando vestiu seu uniforme de Escoteira Gigi sentiu orgulho e tristeza. Tristeza pequena por deixar o uniforme que amava, mas ela sabia que o novo ela o amaria também. Abraçou fortemente aos seus antigos chefes e se apresentou ao novo Chefe na tropa. Uma patrulha se aproximou e a convidou a dar o grito. Foi gostoso demais, foi formidável. Gigi agora sorria, Ela iria viver uma nova vida na cidade dos homens. Sabia que nunca desistiria de prosseguir a jornada que ela escolheu, ela sabia que tinha o escotismo na mente, junto dela e no seu coração Escoteiro!

Nota de rodapé: - “A Lei da Jângal vai lhe ensinar a dominar-se a ter segurança entre os novos amigos que irá fazer. Vai aprender que as Leis da sua nova morada que não conhecia vai te ensinar a amar a todos seus novos irmãos para o seu próprio bem”. E quando chegar a hora lembre-se a uma nova Promessa a sua espera. Tão sublime como a Promessa do Lobo e ela também tem traços de verdade que o farão feliz por toda a vida.

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Histórias que os escoteiros não contaram. “Juvenal”


Histórias que os escoteiros não contaram.
“Juvenal”.

                    Ele se sentia bem nos escoteiros. Gostava de ser da turma. Foi bem recebido e mesmo sendo considerado um noviço no início ele sabia que um dia seria como todos eles. Disseram que era o sexto Escoteiro, o penúltimo da fila na frente do Submonitor. Não entendia porque o segundo mandante da patrulha era o último. Disseram que depois da Promessa teria um cargo importante. Sabia que iria demorar ser um monitor ou sub. Almoxarife ele tinha que aprender muito. Cozinheiro nem pensar. Quem sabe bombeiro ou lenhador. Construtor de Pioneiras nem sabia o que era. Socorrista também não. Se aprendesse poderia ser um escriba.

                     Ele escrevia bem e tirou dez várias vezes em redação. Sua professora o elogiava muito. Quando soube que ia haver um acampamento vibrou. Já tinha ouvido falar. Rodinhas na praça onde os escoteiros iam ver as “meninas” passearem o assunto era só acampamento. Campo de patrulha como sua casa, mesa, bancos, WC, comida mateira, pioneirías que os que fizeram faziam os outros sonhar. Ele imaginava os Grandes jogos que duravam o dia inteiro. Ficou sabendo do Fogo de Conselho. Sonhava com ele dia e noite.

                     Pediu ao monitor para fazer o Pórtico da Patrulha. O Monitor educado disse que sim. Seu Chefe sempre ensinava que todos deviam ter liberdade de criar e fazer. Só assim eles aprenderiam a fazer fazendo. Foi à biblioteca, pesquisou na internet, desenhou, aprendeu com três galhos eucaliptos à amarra Quadrada, a Diagonal, a paralela para Tripé. Juntou vários gravetos e aprendeu dois tipos de costura de arremate. Sorria, estava ficando um “bamba” em pioneiras.

                    Zito Mosqueteiro, um Escoteiro antigo de outra patrulha o aconselhou a levar uma luva. Ela seria primordial para acochar e dar o volta de fiel ou arnês para terminar as amarras. Ele riu e disse que os “pata-tenra” sempre voltam do acampamento com as mãos cheias de calos. “Melhor duas, pensou, pois irá usar a pá o facão e o serrote, e se a patrulha tivesse uma picareta dobrável precisaria mesmo de duas luvas”. Custava caro, mas ele comprou. Iria usar também um Sacho duas pontas, mas achou que com a cavadeira articulada daria para quebrar o galho. Sorriu.

                     Planos a pleno vapor. Desenhou. Procurou seu tio engenheiro. Fizeram juntos vários croquis de como seria. No dia do acampamento seu pai deu a notícia que ele não esperava. – Filho, no sábado que vem vamos para a Fazenda do seu Avó em Xapuri. Assustou. E o acampamento? Ele lembrou quando lá esteve na ultima vez. Das viagens de barco no Rio Acre, dos grandes felinos que via na foz do rio Grande, das onças, dos lobos, da Águia que morava na Serra do Roncador.

                    Não se esqueceu da lua cheia que parecia cair no terreiro da Casa Sede da fazenda. Lembrou-se dos Búfalos que seu Avô criava. Lembrou-se do Apaiari e do Cachara que pescou com Seu Leonel o Administrador da fazenda. Lembrou-se do Cavalo Andarilho seu amigo que o levava por todos os lados enquanto esteve lá. Da busca da Jiboia uma cobra gigante que ele viu na Margem do Rio Acurauá e pensou. O que fazer? Aonde ir? No Acampamento ou voltar na Fazenda do meu Avô? Ah! Juvenal. Difícil escolher.

                    Foram dias de angustia. O que dizer para seu pai? Seu Monitor? Seu Chefe? O que todos iriam pensar? Foi para a praça sozinho para ver as meninas passearem e pensar. Pensou e pensou. Deveria chamar Zito Mosqueteiro para lhe aconselhar? Ele era Primeira Classe, experiente, quem sabe iria saber qual solução ele devia tomar. Foi a sua casa, ele não estava sua mãe disse que tinha ido para a sede Escoteira. Era dia de Reunião da Corte de Honra.
                      

                  Foi até lá, viu luzes acesa na sala Pequena que pertencia a Corte de Honra. Sentou em um banquinho no seu canto de Patrulha no pátio. Parecia reviver seus dias, suas horas sua história desde que se materializou ali quando entrou para os escoteiros. Mesmo escuro viu o sol forte na subida da Montanha do Sino e a Patrulha rindo e cantando. Viu o sorriso de Pecos o Monitor, viu Donato o sub que o tratava tão bem. Levantou, voltou para sua casa. Ele sabia que iria acampar. Sabia que o escotismo estava no seu sangue, e falou consigo próprio: Sempre haverá outro dia para fazer tudo que eu possa realizar. Seu pai iria entender!

Nota de rodapé: - Nada como uma história de Patrulha, de um noviço que devia tomar uma decisão. Era fácil? Todos entenderiam? Ele sabia que tinha o escotismo no coração, mas o que seu pai lhe disse e aonde iriam no feriado o deixou em pânico. Acampar ou ir para a fazenda era difícil decidir. Leiam a história, simples, apenas um conto escoteiro para mostrar meninos que chegam querendo viver seus sonhos e faziam questão de realizar. 

O 1º (primeiro) Grupo de Gilwell.


Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
O 1º (primeiro) Grupo de Gilwell.

                Desde que comecei a escoteirar lá pelos idos de 1947 que tenho uma queda pelas místicas e simbolismo escoteiros. Fui de um Grupo Escoteiro humilde, sem “grandes chefes” motivo pela qual só fui tomar conhecimento de muitas místicas criadas por Baden-Powell muitos anos depois. Fora o Guia do Escoteiro do Velho Lobo e um Escotismo para Rapazes nossa literatura era escassa. Naquela época criávamos místicas e simbolismo da promessa, da passagem, e não esqueço a Caverna do Dragão (nós que apelidamos) do Rio Doce. Alguns quilômetros acima de São Raimundo onde fazíamos nossas promessas, recebíamos distintivos ou então o ingresso em cerimonial em uma Patrulha escoteira ou sênior.

                Só fui conhecer a Insígnia de Madeira por volta de 1953, quando engraxava sapatos na Estação ferroviária, e vi um senhor com um distintivo da flor de lis na lapela descendo do Noturno. Para nós era como se tivéssemos aberto o mundo da fraternidade e eu logo o interpelei. Soube que era um Chefe de São Paulo, e o convidei a ir ao grupo. Agora? – perguntou. Sim, em menos de quinze minutos todos os escoteiros e lobos estarão lá. Foi divertido ouvi-lo. Contou sobre muitas coisas. Explicou que era um Insígnia da Madeira e narrou à história de Gilwell Park.

               O tempo foi passando e eu atrás de cursos e literatura fui aprendendo sobre as tradições místicas e simbolismo. Em 1966 recebi das mãos do Chefe Darcy Malta minha IM. Ele com lenço suavemente me bateu três vezes em cada ombro e quando me colocou o lenço disse que agora eu pertencia ao 1º Grupo de Gilwell. Quando soube que iria haver uma reunião de Gilwell cuja presença era permitida somente aos IMs foi uma alegria. Não sei quem me disse que estas reuniões são confidenciais e não devem ser contadas a ninguém. Pena eu contei para Deus e o Povo Escoteiro! Rs.

                Hoje entrando nos meus quase setenta anos de escotismo me pergunto sobre muitas das místicas e simbolismo escoteiros. Havido em conhecer vou pesquisando seja em livros ou na internet. Sei que tem literaturas específicas, sei que muitos poderiam contar inúmeras delas, mas o que aprendi ainda deixa muito a desejar. Que o 1º Grupo de Gilwell surgiu após o primeiro curso em Gilwell Park é fato notório. Ele teria alguma mística quando realizado? Como seria seu programa?

   John Thurman Chefe de campo de Gilwell Park escreveu sobre Gilwell: - “Talvez pareça um contratempo dizer que o espírito de um homem permaneça depois que ele tenha desaparecido”. Porem no caso de B-P e a forma que ele influiu em Gilwell, constituem-se em uma grande verdade. É o espírito da tolerância, da alegria e camaradagem, de reflexão de preparação e generosidade, que se esboçou em seu livro Escotismo para Rapazes e que através dos anos tem se espalhado de Gilwell para o mundo... Portanto o lugar trata de manter vivo o espírito do melhor ensinamento de B-P. que se manterá vivo não por sentimentalismo, mas sim porque uma mensagem eterna, e todo mundo atual precisa da medicina que ele nos forneceu de forma tão generosa.  

                  Infelizmente a nossa associação no seu afã de ser a única escreveu que todos os escotistas que conquistaram a Insígnia de Madeira em qualquer pais passam a ser membros do 1º Grupo de Gilwell. Ela, entretanto frisa que só aqueles países pertencentes à Organização Mundial Escoteira (WOSM). Isso é contraditório. Se surgiu em Gilwell, se a IM foi conquistada de maneira legal, seria uma obrigação inócua. Se eu não me registro, tenho a IM e estiver em uma solenidade onde poderia haver uma Reunião de Gilwell não teria direito em participar?

                Baden-Powell sempre foi reconhecido como Chefe Perpétuo do primeiro Grupo de Gilwell. Sabemos que é um grupo único, bastante original, que rompe todas as regras e normas do mundo, não possuindo Assembleias, Diretoria, Conselheiros e Programa. Reúne-se  formalmente uma vez ao ano em Gilwell no primeiro ou segundo fim de semana de setembro. Muito de seus membros nunca participaram ou visitaram e talvez nunca o façam, porém se sentem orgulhosos em integrar este grupo.  Não são seres superiores e nem devem se sentir como tais, mas sim por terem despendidos esforços significativos na participação de um esquema de capacitação e experimentando uma forma impar de vida no campo. (É comum quando em alguma atividade se reúnem vários chefes portadores da IM realizarem um encontro do Primeiro Grupo de Gilwell).

               O 1º Grupo de Gilwell peca pela simplicidade. Suas reuniões na maioria são fraternas, onde lembranças acontecem, onde um dirigente conta a história de Gilwell ou algumas lendas ou mesmo algum interessante que BP escreveu. Nela se canta algumas canções oriundas de Gilwell Park. Existem várias delas. Canto com saudades aquela que diz: - Em meus sonhos volto sempre a Gilwell, onde alegre e feliz eu acampei! Vejo os fins de semana com meus velhos amigos, e o campo em que eu treinei. É mais verde a grama lá em Gilwell, onde o ar do Escotismo eu respirei, e sonhando assim... Vejo B.P que sempre viverá ali! Não esqueço também “Nos campos de Gilwell” cuja saudades aflora de bons acampamentos onde tudo começou.

              Mas a canção mais tradicional acontece no final do encontro do 1º Grupo de Gilwell onde cada um dos IMs relembram com saudade de suas patrulhas ou matilhas e todos acompanham saudosos dos tempos reunidos em algum curso avançado na face da terra. – “Volto a Gilwell, terra boa, lá um curso assim que eu possa vou tomar...” E cada um diz alegre com voz cantante: - Eu era um bom Touro, um bom Touro de lei, não estou mais toureando o que fazer não sei. Me sinto velho e fraco, não sei mais tourear... Logo a Gilwell assim que eu possa eu vou voltar!


“Ah! Que vontade de voltar a Gilwell, um belo curso, rever amigos, pisar na grama, sentir no ar o espírito de B.P que sempre viverá ali”!

Nota de rodapé: - Nos campos de Gilwell... Eu vou voltar a acampar Com meus amigos. E, junto ao fogo poder cantar. Nos campos lá em Gilwell como eu quero voltar. De mochila e cantil a acampar e com o peito transbordando de alegria. E com meus amigos juntos da fogueira nossas vozes reunidas, mil canções vamos cantar... Nos campos de Gilwell! 

sábado, 21 de outubro de 2017

Contos de Fogo de Conselho. Eu peguei um pé de vento para ser feliz!


Contos de Fogo de Conselho.
Eu peguei um pé de vento para ser feliz!

                   Olhei pela janela e um pé de vento passou por mim. Não podia perder esta carona. Já tinha colocado meu uniforme, meu chapéu de abas largas meu lenço e meu cantil. Até cantava a canção que dizia que meu chapéu tem três pontas. Soube que um Chefe cantava dizendo que tinha três bicos. Não importa. Corri até o quarto amochilei a supimpa às costas peguei meu bastão encantado e parti. O pé de vento ia longe. Consegui alcançá-lo entrando na poeira mágica que passava. A poeira me levou a cantos e recantos e com aquele seu “jeitão” escoteiro sorriu dizendo: - Corra, vamos atrás, e se alcançar ela lhe dará uma carona até o Vale da Felicidade.

                  Eu sonhava me perdia em devaneios pensando ir um dia conhecer o Vale. Um Pintassilgo me disse que no vale só entra escoteiros uniformizados. Uma borboletas dourada colhendo néctar das flores foi logo me dizendo: - Escoteiro para entrar no Vale, tem que ter autorização. Quem sabe consegue uma na terra dos anciãos? Não perguntei onde eles moravam, eu sabia que a vida nos leva a lugares nunca imaginados e eu era forte o suficiente para mudar o mundo. Eu queria ser feliz e precisava entrar no vale da Felicidade para alcançar o meu desejo. Eu sabia que os momentos em nossas vidas são mágicos e cabe a cada um de nós, deixa-los mais marcantes fazendo o que precisamos fazer.

                  Na esquina da esperança encontrei o pé de vento. Ele não se fez de rogado. - Suba se acredita que isto o fará feliz e que poderá fazer alguém feliz aí sim a carona é sua. Na viagem pelo céu azul, o pé de vento me dizia sorrindo: Escoteiro todos nós estamos à busca do mesmo sonho. Muito amor, amizade, paz, esperança, afeto tudo porque pensamos que assim seremos felizes. Embarcamos no vento sul e partimos para Sudoeste. Era lá que iria encontrar os anciãos para me autorizar a entrar no Vale da Felicidade.

                 Eu acreditava que curtir o que de melhor a vida oferece seria como viver o ultimo dia de nossas vidas. Eu sabia que a vida é curta e seu caminho é longo. Já me contaram que às vezes precisamos aprender a sorrir, chorar, amar, sofrer e a renascer. Só assim poderíamos encontrar os nossos sonhos. Poetei um sonho lembrando que o ontem passou e o amanhã talvez nunca chegue.

                Ao passar em uma constelação linda e cheia de luzes coloridas o pé de vento naquele espaço infinito gritou para mim: - Pegue três estrelas, coloque no bolso da vida. Se a lua passar não deixe que ela se vá. Use seu cabo trançado e a leve com você. Lá na curva do caminho para o espaço sideral salte e siga no rumo da constelação zodiacal. Vais encontrar os anciãos que poderão lhe dar permissão ou não. Fui em frente. Estava equipado.

                No bolso eu levava três estrelas, na mochila guardei a lua. Se encontrasse o sol ele iria me acompanhar, pois sempre foi meu amigo nas andanças e caminhadas que fiz por aí. Se precisasse de barraca o céu estaria à disposição. Se a chuva viesse eu seria Escoteiro para dizer: Bem vinda, as plantas agradecem. Como se fosse uma nau sem rumo o pé de vento me soltou e rodopiei no ar caindo sem perceber em um universo cheio de brilho e faíscas que me lembravam das noites de inverno à beira de uma fogueira em um acampamento qualquer.

                Avistei ao longe a Montanha dos Sete Desejos. Linda, maravilhosamente atraente para qualquer Escoteiro sonhador. Passou por mim uma nuvem branca em forma de amor. Saltei e ela me conduziu ao destino que tinha escolhido. Era lindo demais. Não podia ser uma miragem ou uma visão incompleta do que pensava ser a felicidade. Como se materializasse em minha frente, uma senhora de idade indefinida, trazida quem sabe pelo vento, de extraordinária beleza, cabeços prateados em coque, sorriso maravilhoso, um lenço azul brilhante preso por um anel dourado e com o colar da Insígnia me olhava docemente. Com uma voz meiga, simples, sem afetação me olhou e disse:

               - Quer entrar no vale da Felicidade? Tem maturidade suficiente para dizer – Eu errei? Tem ousadia escoteira para dizer – Me perdoe? Tem sensibilidade para expressar a todos dizendo: - Eu preciso de você? Seria capaz de dizer com simplicidade ao seu irmão Escoteiro: Eu te amo? E por acaso quando errar o caminho saberá começar tudo de novo? Se disser sim sei que é um Escoteiro merecedor, apaixonado pela vida e assim vai descobrir que ser feliz não é ter uma vida perfeita. Mas saberá usar as lagrimas para irrigar a tolerância. Usará as perdas para refinar a paciência. Irá corrigir suas falhas para esculpir a serenidade e quem sabe vai usar a dor para lapidar o prazer. Se fizer assim se usar os obstáculos para abrir às janelas da inteligência as portas do Vale da Felicidade estarão abertas para você!

                     Foi então que descobri que tudo fora um sonho. Acordava com o sol a pino em minha barraca no meu acampamento imortal. Lá fora meus amigos de todos os tempos trabalhavam para limpar o campo, fazer o café, na subida da montanha vi o Lobo Guará uivando como a dizer:


- Escoteiro parte do dia já se passou, mas ainda há muitos dias pela frente. Levante, avante, faça sua boa ação! Se ainda não fez, faça se ainda não foi, vá! Não deixe para logo ou para amanhã o que você acha que precisa ser feito, procurado, encontrado. Este é o momento para viver, para ser feliz, não depois, logo ou amanhã, pois agora você pode, mas o depois ninguém pode garantir como será. Então agarre o momento, as oportunidades, crie o que não existe e seja feliz!

Nota de rodapé: - Nunca troque o que mais quer na vida por aquilo que mais quer no momento. Momentos passam, a vida continua. Um ótimo domingo.

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Rick e sua fantástica viagem ao Mundo da Jangal.




Lendas Escoteiras.
Rick e sua fantástica viagem ao Mundo da Jangal.


                Conheci Rick desde que ele entrou para a Alcateia. Rick chamava atenção pelo seu porte, estilo e maneiras, diferente dos outros lobos. Ele era daqueles que vivia a mística e sua alegria e companheirismo. Rick era negro. Olhos enormes e um corpo bem desenvolvido para seus oito anos. Seus pais eram educados e prestativos e sempre presentes em tudo que a Alcateia solicitava. Foi na escola que Rick ouviu falar nos escoteiros pela primeira vez. Nonô o Diretor Técnico e os pais de Rich ficaram amigos. Na Alcateia foi bem recebido. Lobos são sempre amigos, não guardam rancores e nem olham posição social.
                 
                            Quando Rich conheceu a Gruta da Alcateia, disseram que ali morava Mowgly. Viu que a entrada era baixa e os chefes tinham que se abaixar para entrar. Notou também que tinha uma linda decoração, desenhos de animais da floresta, do Balu da Bagheera e muitos outros. Assustou-se com o Bastão Totem, mas lhe explicaram o que significava. Aprendeu o que era a Roca do Conselho, assistiu sem participar do Grande Uivo. A Akelá explicou que quando fizesse a promessa ele teria a honra de participar.  Em três meses fez sua promessa. Amava a Alcateia e sempre demonstrou estar feliz juntos aos lobos de Seeonee. No primeiro acantonamento Rick divertiu demais. Foi à tardinha que tudo aconteceu. Os lobinhos brincavam e viram Rick sentado embaixo de uma frondosa árvore com os olhos fechados.

                    Balu foi chamá-lo e notou que ele falava como se estive sonhando. Narrava partes da História da Jangal: - Não me temam, disse Mowgly, eu sou amigo de vocês. Quando estive com Bagheera na encosta do morro frente à Waiganga, fim de inverno vi um vale semi-deserto. Vi um pássaro cantando notas incertas tentando aprender para quando viesse à primavera. Bagheera lembrou que o tempo das Falas Novas está próximo e disse que precisava recordar o seu canto e se pôs a ronronar. Mowgly adorava as mudanças das estações. Ficava triste, porém porque os outros corriam para longe o deixando sozinho.

 – O Balu sentiu que ali estava um ótimo programa para os lobos. Chamou a todos e Rick continuou: - Impossível não gostar como ele narrava. Se ali estivesse um Contador de historia Rick sem sombra de duvida seria seu professor. Em silêncio Rick continuou: - Senhor da Jângal, sabe que tenho que viver sozinho – disse Bagheera olhando para Mowgly. Sabe que é na primavera que vou para todos os lugares, fazer coro com os outros animais, onde posso correr até o anoitecer e voltar ao amanhecer. – Sabe que é o tempo das Falas Novas, e eu faço parte de tudo. - Mowgly sabia que naqueles tempos, via-os rosnando, uivando, gritando, piando, silvando e eram tão diferentes! Uma sensação de pura infelicidade o invadiu da cabeça aos pés. Mas se arrependeu. Tratei mal a Bagheera e aos outros. Esta noite cruzarei as montanhas, e darei também uma corrida em plena primavera até os pantanais.

              - Todos já haviam partido. Só Mowgly ficou. Saiu sozinho aborrecido. Correu naquela noite, às vezes gritando, às vezes cantando. Correu até que o cheiro das flores no pantanal ao longe chegou a suas narinas. Avistou uma estrela bem baixa e lembrou-se do touro que lhe deu a Flor Vermelha. Akelá e os lobos da Alcateia ouviam hipnotizados pelo conto de Rich, ninguém queria sair. Foi uma tarde maravilhosa. Rick ficou um bom tempo narrando a historia da Jangal. Onde tinha lido? Onde aprendeu tudo aquilo? - Mowgly ouviu latido de cães. Ele emitiu um profundo uivo de lobo, que fez os cães calarem e tremerem. Ouviu uma voz. Conhecia aquela voz. Entendeu o que ela dizia. Lembrava bem. Quem está aí? Quem está aí? Mowgly gritou baixinho: - Messua! Messua! – Quem chama? Respondeu a mulher com voz trêmula. – Nathoo! Respondeu Mowgly. – Vem meu filho. Ela se lembrou. O acolheu, deu-lhe de beber e comer. Cansado Mowgly deitou-se e dormiu sono profundo.

                  Rick levantou-se e olhou todos a sua volta. – Conte mais gritaram os lobos! – Rick sorriu e voltou para a casa onde dormiam. Depois do jantar na varanda da casa Rick continuou a contar: - Mowgly mandou o Lobo Gris reunir o Conselho na Aroca para explicar o que sentia. Mas naquela estação do ano não era fácil reunir os lobos e o povo da Jangal. Quando Mowgly chegou a Roca encontrou apenas Baloo quase cego e a pesada Kaa. – Termina aqui teu caminho homenzinho? – Disse Kaa. Grita o teu grito! Afinal somos do mesmo sangue, tu e eu homens e serpentes! Viu Bagueera nos montes e viu-a gritando: Eu te amo Mowgly! Sempre terei você no meu coração.

                 Algum tempo passado Rick em uma reunião se sentou na escada da biblioteca e surpreendentemente começou a cantar musicas de um vasto repertório de Cantos Gregorianos (um gênero de música vocal monofônica, monódica muito utilizado pelo ritual da liturgia católica romana). Todos pararam. Sua voz retumbava em todo o pátio onde se realizava a reunião.

                  Cantou o “Veni Sancte Spiritus” o “Lauda Sion” a “Ave Maria... Et Benedictus” e por fim “Alleluia, psallite”. Eu fiquei pasmado. Conhecia os cânticos. Sua voz era maravilhosa, um verdadeiro Castrato, ou talvez um soprano, ou um mezo-soprano. Uma tarde seu pai explicou que Rick iria sair. Ele recebeu uma ótima proposta de emprego. Choro geral na Alcatéia. Rick partiu e por muitos e muitos anos ninguém nunca mais ouviu falar nele. Sempre lembrado em todas as reuniões marcou a todos que o conheceram. Seus feitos li são contados para os novos e alguns deles até acrescidos de outras histórias que não aconteceram. A Alcatéia o homenageou colocando sua foto em destaque na Gruta da Alcatéia.

                 Um dia ganhei dois ingressos para assistir a ópera o Elixir do Amor “Uma furtiva Lágrima” no Teatro Municipal. Um famoso tenor iria se apresentar. Surpresa. Era Rich com o nome de Boono Lastimer. Interpretou com tanto sentimento que apesar de não conhecer Enrico Caruso, o mais famoso interprete desta opera, Rich nada ficou a dever. Foi aplaudido de pé. Tentei me aproximar de seu camarim. Ele não reconheceu meu nome. Acompanhei por muitos anos a carreira de Rich. Sei que cantou no Teatro La Scala de Milão e sempre com muito sucesso onde fosse.


                Os que tiveram a honra de ouvir Rich, hoje um grande tenor não deixa de se orgulhar do seu passado Escoteiro. Fatos e acontecimentos são importantes. Eles nos trazem a vida real, nos marcam e fazem de nós o que somos. De volta ao presente, caminhamos com o passado pensando no futuro. Nunca me esqueci de Rich. Quando penso nele me lembro das palavras de Kaa que na sua nobreza de serpente sempre disse – Somos do mesmo sangue, tu e eu!  

Nota de rodapé:  Um dia visitando um Grupo Escoteiro, o Chefe me contou de um lobinho do seu grupo, hoje homem feito que é um tenor reconhecido internacionalmente. Peguei esta história, joguei para o ar e fui “catando” pedaços para fazer dela uma história, um conto. Se vocês quiserem conhecer a historia de Rick fiquem a vontade. Afinal ele foi um exímio contador de histórias principalmente a Embriaguez da Primavera. Como ele aprendeu não sei. Mas que era bom ouvi-lo isto era!

Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

Bem vindo ao Blog As mais lindas historias escoteiras. Centenas delas, histórias, contos lendas que você ainda não conhecia....