domingo, 17 de setembro de 2017

Contos escoteiros. O sonho não acabou.


Contos escoteiros.
O sonho não acabou.

                    Naquela tarde, ao findar a reunião ele me procurou: - Chefe, e o Jamboree? – Eu sabia o que ele queria dizer. Não só ele, mas toda a tropa sonhava em ir. No último alguns que ainda estavam na tropa me disseram que eu devia fazer uma arregimentação de pais e com eles montar uma promoção social visando levar a todos ao Jamboree que iria se realizar dali a dois anos. Pensei no assunto. Convidei pais e vi nos olhos deles que poderiam ajudar, mas não acreditavam que ia dar certo. Descrevi a viagem até o local, o preço de alugar um ônibus e a taxa de cada um a ser paga sem alimentação. Eles riram baixinho.

                   Vi que conseguir aquela quantia para levar toda a tropa seria quase impossível. Mas não disseram que o possível eu faço agora e o impossível daqui a pouco? Bom ver estas metáforas. Sinceramente eu não acreditava nelas. Nosso grupo era de uma comunidade pobre, onde a maioria dos pais quando tinham trabalho não recebiam mais que um ou dois salários mínimos. A maioria deles desempregada vivia a custa de trabalhos esporádicos. Toquinho que me perguntou sempre sonhou em participar de um. Dizia a todos que um dia seria “doutor” e iria pagar a taxa de cada um para ele participar.

                   Quando Toquinho foi levado às pressas para o Hospital Samaritano, eu fui correndo para saber seu estado. Uma hemorragia interna estava levando meu escoteiro para o céu. Na UTI ele me acenou. Seus olhos brilharam quando em posição de sentindo dei a ele meu Sempre Alerta! Vi que ele queria responder, mas não conseguiu. Morreu uma semana depois. Não foi o primeiro. Sempre pensei porque fui fazer um Grupo Escoteiro em uma comunidade como aquela. Gente humilde, simples, meninos esfarrapados a perambular pelas ruas muitos gazeteando para não estarem nas salas de aula. 

                     Sempre fora uma aventura sair com eles para acampar. Usava o sistema de ração A, B e C. Cada letra significava uma ou duas refeições em que eles deveriam levar um pouquinho em suas mochilas. Mochilas? Fizemos com uma lona velha ganha de um caminhoneiro. Eram batutas e quando ficaram todas prontas foram sorrisos aos montões. O material de sapa a gente ganhava, uma panela aqui outra ali e assim fomos formando a tralha de Patrulha. Para acampar ou excursionar enfrentávamos quilômetros a pé até a estação de trem. Viajamos de segunda classe e descíamos naquelas de cidades pequenas onde podíamos descobrir algum local onde acampar.

                     Tentei acompanhar pelas redes sociais os apelos, os pedidos de muitos chefes para que nossa Liderança Nacional sentisse que a programação de taxas não ia caber no bolso de muitos. Não vi nada em que ela pelo menos deu uma resposta. Seria um Jamboree no estado mais rico da federação. Quando foi escolhido seu dirigente disse que os preços seriam de acordo com a condição de cada um. Nem vou comentar quanto estão cobrando sem alimentação. Só esta taxa já seria absurdamente impossível à maioria ou todos escoteiros da tropa participarem.

                      Toquinho se foi. Seu sonho não irá tirar o sono de muitos. Sempre teremos aqueles que estarão presentes. Eles tiveram a sorte de nascerem em famílias de posse. Muitos chefes já alardeiam seu programa para estar presente. Parabéns a eles. Nunca desisti. Eu sabia que a tropa nunca iria poder participar. Porque não fazer o Jamboree deles? Um belo acampamento. Os pais sorriram quando contei a eles minha ideia de acampar próximo a Serra da Mantiqueira. Prometeram ajuda. Não seria difícil conseguir um ônibus na prefeitura. Nem tão difícil também ver que alguns supermercados poderiam contribuir com a alimentação.

                      Faremos nosso Jamboree. Taxas? Cinco reais por escoteiro! Afinal sigo a instrução do nosso Chefe Geral BP. Não foi ele quem disse que o escotismo foi criado para os meninos humildes, para uma juventude que moravam em bairros simples e assim pudessem receber outro tipo de educação? Tem hora que quase desanimo. Dá vontade de largar tudo, dá vontade de cobrar promessas de candidatos a cargos escoteiros que quando eleitos esqueceram que os pobres também tem direitos.

                     O tempo é o senhor da razão. Um dia nossa liderança irá ver que o escotismo não é para ricos. Os direitos do pobre e do rico no escotismo são iguais. Compete a eles dar todas as condições para que os sonhos de jovens como Toquinho possam se realizar. Não culpo ninguém. A vida é assim uns podem e não tem outros que tem e podem nem agradecem ao senhor. Nosso escotismo não pode visar lucros. Quem faz e pensa assim nunca será lembrado na história escoteira.    

                     Eu farei minha parte. Se puder ajudar o farei onde os jovens precisam de mim. Nunca esqueço o que nosso mestre disse: - Primeiro tive uma ideia, depois vi um ideal. “Agora temos um movimento, e se alguns de vós não tiverdes cuidado acabaremos por ser uma simples associação”! – Que nossos lideres reflitam sobre isto.



Nota de rodapé: - Apenas um conto. Uma história tirada da minha imaginação. Pode haver histórias como estas em tropas escoteiras em nosso Brasil? Tem hora que me pergunto se este é o escotismo que queremos. Eu sempre sonhei em uma associação que se preocupasse com seus associados. De todos, não importando sua classe social e fazendo tudo para conseguir os meios necessários para dar a cada um a mesma possibilidade de outro mais abastado. Sei que meu conto poderá resultar para muitos como “piegas”, mas estas são minhas armas. E da minha escrita eu não abro mão.

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