sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Rosa Maria. Um anjo caiu do céu.


Rosa Maria.
Um anjo caiu do céu.

                      As estrelas brilharam como nunca quando ela nasceu. Em Espera Feliz as pessoas acorreram às ruas para ver um enorme clarão no céu. Na maternidade ela sorria. Piscou seus olhos grandes e negros para seu pai e sua mãe no segundo dia de vida. Uma semana depois uma revoada de pássaros se fazia presente todas as tardes no pé de figueira no quintal de seu lar. Uma arara verde e amarela passou a morar em sua janela a tagarelar enquanto ela viveu. Dizia que um anjo caiu do céu. O Padre Rosaldo teve uma visão. Lembrou-se do poeta que disse: - A esperança não murcha, ela não cansa, também como ela não sucumbe à crença. Vão-se os sonhos nas asas da descrença, voltam os sonhos nas asas da esperança. Rosa Maria se tornou uma santa que não era e nunca quis ser. Suas forças eram um nada e quase não podia andar. Ela tinha o mais lindo sorriso e dizia que sabia amar a todos sem esperar nada em troca.

                 Quando ela completou sete primaveras, o Grupo Escoteiro Estrela Verde foi fundado. Rosa Maria se inscreveu. Sua mãe não foi contra só preveniu os chefes sobre sua debilidade. Na primeira excursão seu Chefe tentou dissuadi-la para não ir. Seriam vários quilômetros a pé. Ela insistiu e foi. Estranho que ela parecia flutuar no ar, cantava canções Escoteiras e sorria como uma criança feliz. Os escoteiros amavam Rosa Maria. Na sua promessa um lindo casal de Tuiuiú, enormes, pousou no mastro da bandeira. Não era comum. Principalmente naquela região. Quando ela recebeu o distintivo, eles fizeram uma revoada e pousaram em seu ombro. Deste dia em diante uma serie de estranhos acontecimentos começaram a acontecer em Espera Feliz.

                  A filha de Dona Matilde com quatro anos estava entre a vida e a morte. Rosa Maria viu varias pessoas na porta. Entrou. Colocou sua mãozinha na dela e a beijou. A menina sorriu e sentou na cama. As duas começaram a cantar e brincar de roda. A cidade ficou sabendo. Sempre alguém querendo milagres de Rosa Maria. Espera Feliz sofria uma enorme seca. O gado nas fazendas morria de sede. Os rios estavam secando. Muitos abandonavam a cidade em busca de sonhos que ali não se realizaram. Pela manhã viram Rosa Maria, uniformizada, em pé e em cima de um banco da praça, mãos abertas, olhando para o céu. Nuvens negras apareceram. Uma chuva fina começou a cair. Os rios voltaram. Os pastos ficaram verdes. A cidade voltou a sorrir novamente.

                   O Padre Rosaldo escreveu para o Bispo. Anjo ou Demônio? Dizia para si que Amigos são anjos que não só nos ensinam a voar como também nos mostram a hora de pousar na realidade. Um padre de Roma chegou à cidade. Um pouco tarde. Uma tosse frenética tomou conta de Rosa Maria. Disseram que ela estava com leucemia. Ficou entre a vida e a morte por três meses. Um dia pediu sua mãe que lhe trouxessem seu uniforme. Com dificuldade o vestiu. Contra os desejos dos médicos foi à reunião. Deixaram. Seria sua ultima vontade. Na sede foi recebida com abraços e beijos. Ela pediu para falar no cerimonial de Bandeira. Não falou muito. Disse que ia para o céu. Disse que lá é lindo, muitos anjos são escoteiros e escoteiras. Eles acampam nas estrelas distantes. Fazem jornadas na Grande Nuvem de Magalhaes, dormem na Via Láctea e adoram passear em Andrômeda.

                   Todos estavam em silencio. Ela tossiu um pouco e continuou. – Deus um dia muito ocupado resolveu criar anjos pra auxiliá-lo. Esses anjos chamam-se amigos. Vocês são meus amigos. Eu confio que vocês escoteiros e escoteiras cumpram sua missão. Ajudem uns aos outros. Não chorem por mim, vocês são meus amigos e amigos são como anjos sem asas que não choram. Mas que com um único sorriso nos proporcionam tamanha alegria que nos levam até o céu. Eu vou embora e não quero que chorem. Devem sorrir e cantar canções alegres quando eu me for. As tristes machucam. Rosa Maria morreu numa tarde de dezembro. Dizem que foi no dia vinte e cinco de dezembro. Morreu sorrindo. Na Necrópole todos estavam lá. Os escoteiros e escoteiras foram dar seu último adeus. Não choravam a não pequenas gotas de lagrimas que insistiam e correr pela face e cair na terra abençoada.

                         Cantaram varias canções. Todas alegres como ela queria. Eles lembraram-se de suas últimas palavras no Grupo Escoteiro: - Quando alguém nos vê chorar é como se despencássemos de uma alta nuvem. Vocês são meus amigos. São anjos. Foram escolhidos por Deus. Devemos nos alegrar, consolar e compartilhar os momentos que criamos para nós mesmos. Amo todos vocês! Naquela noite milhares de cometas passavam brilhando no espaço sideral sobre a cidade deixando um rastro colorido com cores azuis, brancas, amarelas, alaranjadas e vermelhas. Foi à noite mais linda de Espera Feliz onde as estrelas superaram toda sua existência. Uma nova estrela nasceu bem no centro do universo. Brilhante, um brilho que ofuscava a lua quando aparecia. Ficou lá, no céu de Espera Feliz para sempre!



Nota de rodapé: - "Imagine um campo florido, uma cachoeira de água cristalina, o esplendor do verde de uma floresta e ponha-se a ouvir uma música calma e suave. Faça uma viagem interior e harmonize-se para a vida.”. Histórias muitas vezes deixam saudades, umas alegres e outras tristes. Rosa Maria trouxe a sina dos anjos escoteiros a Espera Feliz. Leiam sua história. Vale a pena!

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

As Sete Pragas do Rio Mimoso.


Lendas Escoteiras.
As Sete Pragas do Rio Mimoso.

                 Foi em Pocitos (Montevidéu) que encontrei Marco Emílio Lépido. O chefe Lépido. Gente fina. Ficamos amigos em um Seminário Internacional em São José na Costa Rica. Passaram quatro anos quando nos vimos pela última vez. Abraços, sorrisos e entre uma cerveja e outra os “causos ia acontecendo”. Lépido me disse que estava indo para a Cidade do Cabo na África do Sul. Contou-me uma história inacreditável. A principio duvidei, mas o escoteiro não tem uma só palavra?

                  Olha Chefe estive o ano passado em Mimoso. Cidade pequena menos de vinte mil habitantes. No Grupo Escoteiro da cidade fiz muitos amigos. Após o término da Reunião diversos chefes e escoteiros sentados embaixo de uma Copaíba me apresentaram a Samuel. Um escoteiro de seus treze anos. Foi ele quem me contou da vida de Rabequita. Folclore da cidade. Moradora no Morro da tristeza nunca ia para sua casa. Ela apoquentava todo mundo, falava palavrões e todos corriam dela como o Diabo da Cruz. O Prefeito Bafodonça e o Dr. Pasquelino Gonzaga Juiz de Direito tentaram várias vezes interná-la em um hospício.

                 O Delegado Praxedes já tinha desistido. – Se amanhã ela morrer do seu enterro passo longe. As Damas dos Bons costumes odiavam Rabequita. Só Samuel um Escoteiro da Patrulha Corvo era seu amigo. Todo sábado pela manhã ele a levava a sua casa, lhe dava banho, roupas limpas doadas por famílias escoteiras. Sua mãe com seus 85 anos sorria e apoiava. Rabequita gostava de Samuel. Após o banho e um almoço a deixava dormir algumas horas em sua cama.

                O Chefe Calango gostava da boa ação de Samuel. Em janeiro o calor tomou conta da cidade. Nada de chuva e as Damas dos Bons costumes rezavam para São Pedro e Até São Tomas que não sei se gostava de banho. A represa secava. Os escoteiros levavam sua vidinha sempre acampando. Rabequita dava gargalhadas com tudo aquilo. As Damas ficavam tiriricas da vida. Reclamavam com Dom Casmurro seu Vigário. Ele reclamou com o Bispo que reclamou com o prefeito o Juiz e o Delegado para tomarem alguma providencia com Rabequita.

                Dom Casmurro o padre tinha ódio de Rabequita. Ela só falava palavrões. Vá a m... Seu padre! – Dormia algumas noites no chiqueiro do Zé Minhoca só para ficar fedida e rodopiar nas procissões. Ludovico o novo Delegado meteu ela no xadrez. Achou que ia dar uma lição nesta “Sapopemba dos infernos”. O cheiro que ela soltou na delegacia foi demais. Teve que soltá-la. Samuel Escoteiro era quem resolvia. Sempre a procurava e ela lhe obedecia. - Delegado, tenha paciência. - Não me enches a paciência menino, ela não sabe com quem está lidando.

                Rabequita jogou uma praga e uma colmeia de abelhas africanas invadiu a delegacia. O escrivão e dois soldados sumiram e ninguém os viu por mais de dois meses. O Delegado Prometeu chingava a Deus e o mundo. À noite na procissão Rabequita gritou alto: - Querem chuva? Vou lhes dar chuva! E ria. E gargalhava. Trovões ribombaram no céu. Um mundo de água caiu sobre Rio Mimoso. O povo alegre dançava. Um dia, dois dias, três quatro uma semana. A chuva não parava. A ponte desabou. Rabequita dançava na chuva.

                 A Tropa Escoteira pensou em cancelar o acampamento anual nas Pedras Lisas. Era o acampamento do ano. – Chefe disse Samuel, não cancele Dê-me dois dias. Vou resolver. Foi atrás de Rabequita. Ela lhe deu a mão pensando que era hora do banho. Samuel falou baixinho no seu ouvido – Rabequita, se a chuva não parar não poderemos acampar! O delegado na janela ameaçou: - Se esta feiticeira acha que vai rir de mim está enganada. Pediu um rabecão em Mar das Vertentes e internou a doida no Hospício de Esperança Feliz.

                      Levaram Rabequita a noite. Ninguém viu. Foi à conta. Em Rio Mimoso agora só noite. O dia não amanhecia. Um dia, dois três e nada. A cidade em polvorosa. O Delegado Prometeu cismado. Cacilda! A mulher tem parte com o Demônio? Mandou trazê-la de volta. Ela o olhou e disse: - A próxima vez você vai virar um macaco prego pintassilgo! Irá morrer de tanto comer banana! O dia clareou para alegria de todos. O Prefeito Bafodonça e o Dr. Pasquelino Gonzaga o Juiz de Direito, reuniram a fina flor da sociedade local. O que fazer?

                    Chamaram o Escoteiro Samuel. Quem sabe podia aconselhar. Querem resolver? Disse Samuel. Dê a ela uma casinha boa perto do Cemitério do Paletó Preto. A cada dez dias mande o Senhor Marombático do Supermercado Preço Alto entregar uma cesta de mantimentos. Não esqueçam duas caixas de charutos cubanos importados. Igual aos que o Ex-Presidente Lula fuma. Ele é caríssimo! - Disse o Prefeito. Durante cinco meses a paz voltou a reinar na cidade. Um dia Marombatico não cumpriu o prometido. O inferno voltou à cidade. Milhares de pássaros, cobras e macacos encheram as ruas e quintais.

                    Samuel levou naquele sábado Rabequita para seu banho. Ela disse que ia embora. Antes deixaria a cidade feder por um ano. Samuel não gostou. No domingo o mau cheiro começou lá para os lados da sede do Perneta Footboll Club. A cidade em peso de mascaras. Janelas fechadas. O ar viciado.  Samuel intercedeu de novo. O cheiro desapareceu. Rabequita pediu um carro. Novo. Zero quilômetro. Samuel a cidade me deve muito! O Prefeito Bafodonça explodiu! Nunca andou nem de bicicleta e agora quer um carro? A catinga piorou.

                 O Carro foi entregue. Um Honda Civic vermelho lindo de morrer. As Damas dos Bons Costumes cuspiam de ódio. Resolveram botar fogo na casa de Rabequita. A casa não pegava fogo. Quando retornavam viram enormes chamas em suas casas. Meu Deus! É um demônio não é uma mulher!  Bem a história termina aqui. Samuel me disse que Rabequita cansou da cidade de Rio Mimoso. Mudou-se para a cidade de Boina Verde. Dizem que um foguetório enorme se ouviu. Olhei amigo Lépido. – Tu és bom para inventar! Disse. E dei boas risadas.   


Tomamos mais umas duas cervejas Westmalle por sugestão do garçom. Despedimo-nos e cada um foi para o seu lado. Um quarteirão antes do hotel que estava hospedado vi uma mulher desgrenhada, suja um mau cheiro horrível e chegou perto de mim e disse – Me paga uma cachaça filho da mãe! Paguei. Sei lá se era a Rabequita. Montevidéu não tem disto, mas não se pode acender uma alma a Deus e ao Diabo ao mesmo tempo!

Nota de Rodapé: - - “Que as pulgas de mil camelos infestem o meio das pernas da pessoa que arruinar seu dia, e que os braços dessa pessoa sejam curtos demais pra se coçar”... Era assim que dizia Rabequita. Divirta-se com a história dela. Foi o Chefe Lépido quem me contou. Não acredita? Reze para Rabequita não passar por sua cidade!

terça-feira, 26 de setembro de 2017

“Tininha”.


“Tininha”.

                  Abriu os olhos lentamente. Tateou com sua mão direita procurando Fofinho seu ursinho de estimação. Nada! – olhou para o lado e viu Betinha sua amiga lobinha deitada ao seu lado. Levantou a cabeça e se assustou. Não era seu quarto. Olhou para a porta de lona esperando sua mãe entrar para dizer que estava na hora da escola. Sua Mamãe não entrou. Ouviu uma voz conhecida gritando Lobo, Lobo, Lobo! Levantar com este frio? Nem morta.

                  Virou para o lado e tentou dormir mais. Sua mente passeava. Onde estava? O que fazia ali? Dormia em uma barraca e nunca dormiu assim. Sorriu, era diferente era bom demais. Sabia que gostava. Lembrou que era Lobinha e as lobinhas são espertas, obedientes e disciplinadas. Será que tinha de lavar o rosto e escovar os dentes como sua mãe fazia quando acordava?

                  Outra vez o mesmo grito. Desta vez mais forte. Lobo, Lobo, Lobo! Levantou. Betinha acordou e olhou para fora da barraca. Já é hora? Tininha sorriu. Saiu devagar da barraca, um frio de rachar. Pegou sua blusa de frio. A Alcatéia se formava, mas faltavam muitos que ainda dormiam. O Balu e a Bagheera iam de barraca em barraca. Tininha sorriu. Foi à primeira vez que dormiu em uma barraca de pano.

                   Acantonou antes, mas dormiram em um quarto bagunçado de tantos lobinhos. Gostava. Divertia-se, se sentia bem com as outras lobinhas. A Akelá era simpática, o Balu fazia cara de feroz, mas logo em seguida dava uma boa gargalhada. Bagueera era mãe, pai, tia e avó. Olhou para o céu e viu o sol chegando. Olhou para a Akelá e ela sorria.

                      Sabia que seria mais um dia divertido. Correu a formar. O dia passou e ela nem se lembrou da mamãe, do papai e do Fredinho seu irmão e do seu urso Fofinho. Quantos dias ainda estaria ali? Não sabia, não importava, amava muito tudo isto. Na matilha Azul ouviu um trinar de um passarinho.


                      Olhou e ele estava em um galho próximo cantando. O mundo sorria, Tininha sorria, a Akelá sorria. Isto era bom demais. Sabia que seria uma Lobinha da selva de Mowgly para sempre. – Melhor Possivel Akelá!  

Nota de rodapé: - Uma Lobinha, seu acantonamento desta vez em uma barraca. Saudades de casa? Ou saudades de Fofinho seu ursinho de pelúcia? Não importava. Era bom demais. Ela adorava sua nova vida. Quantas arvores, um riacho será que Mowgly morava ali? 

domingo, 24 de setembro de 2017

Lendas Escoteiras. Os amores de Laureano, o Pioneiro do Rei.


Lendas Escoteiras.
Os amores de Laureano, o Pioneiro do Rei.

                  Laureano estava perdendo o estímulo para continuar no Clã Pioneiro. Os demais amigos eram entusiastas e as reuniões eram bem frequentadas. Laureano já tinha pensado em sair. Só um motivo o mantinha ainda no Clã. Rosália. Isto mesmo. Ele se apaixonou por Rosália. Uma paixão incrível, mas Rosália gostava de Almir. Laureano ia às reuniões e a via ao lado dele, muitas vezes de mãos dadas e olhares lânguidos, amorosos e todos sabiam que dia menos dia eles iriam se casar. Laureano devia saber que o caminho que escolheu não foi o certo. Tentou uma vez ficar sem participar por um mês. Quem sabe poderia esquecer-se dela? Impossível.

                  Uma sede terrível abatia todos os dias seu pensamento. Sede de vê-la, olhar seu sorriso, sentir seus olhos nos seus. Amainar a dor terrível que jazia no fundo do seu coração. O pior de tudo era que Almir era um grande Pioneiro. A caminho de sua Insígnia de BP era um exemplo para todos. Sem ser mandão era um líder que sabia ser liderado. Em todos os programas que o Clã programava ele dava suas sugestões, mas aceitava de bom grado o que a maioria decidisse. Um concorrente no amor impossível de se derrotar.

                  Naquela sexta chegando à sede Escoteira viu o carro dela se aproximando. Quando parou notou dois jovens estranhos e sem perceber entraram no carro ordenando que seguisse em frente. Era um sequestro sem sombra de dúvida. Laureano ficou sem ação, pois foi tudo muito rápido. Nem mesmo os rostos dos bandidos ele viu direito. Gritou chamando os demais que já haviam chegado à sede. Um deles o Bertinho tinha um fusca e chamou Laureano para tentar encontrar o carro de Rosália. Gritou para os demais para avisar a policia.

                  Bertinho era amigo de Laureano desde os tempos de tropa Escoteira. Aprontaram poucas e boas na Patrulha Touro. Virando uma esquina avistaram o carro de Rosália. Parado em frente um caixa vinte e quatro horas. Um sequestro relâmpago só podia ser. Bertinho parou o carro bem atrás dos bandidos. Um erro. Nunca devia ter feito isto. O certo era ir em frente e chamar a polícia. Mas Laureano não pensou duas vezes, correu até o carro de Rosália e tentou forçar a porta para retirá-la dali. Dois tiros. Um no peito e outro no pescoço. Laureano caiu. Jogaram Rosália pela porta.

                  Laureano ficou em coma quatro meses. Todo o dia lá estava Rosália ao seu lado. O Clã sempre que podia estava também presente. Quando acordou do coma o primeiro rosto que viu foi o de Rosália. Pensou que ela o amava e falando baixinho disse a ela tudo que sentia. Rosália já fazia uma ideia do amor de Laureano. Mas ela amava Almir. Teria que ser sincera. Explicou a Laureano tudo que sentia por ele. Nada mais que uma grande amizade. Laureano fechou os olhos. Preferia ter continuando naquele sono profundo, onde nada via a não ser uma nevoa ao seu redor.

                 Lembrou-se da mulher de branco, do homem das barbas brancas que nada diziam e só sorriam. Quando abriu os olhos ela se fora. Sua mãe e seu pai estavam ali sorrindo para ele. A noite recebeu a visita de Almir. Que grande Pioneiro ele era. Foi franco. Explicou que amava Rosália. Na sua sinceridade o ódio de Laureano se transformava em amor. A escolha era de Rosália dizia, ou ele ou eu. Para ele não importava. Amava Rosália, mas devia saber perder. Não se ganha todas as batalhas.

                    Um ano depois Laureano já de alta pensava se devia voltar ou não ao Clã Pioneiro. Desde que saíra do hospital praticamente se escondeu de todos. Não respondia aos telefonemas, os recados, nada. Achou que estava esquecendo Rosália. Seu coração já não batia tanto. Uma tarde foi fazer uma inscrição para o vestibular. Já tinha feito pela internet agora era fazer o depósito. Ao sair do banco, deu de cara com ela. Foi uma surpresa. Como estava linda!

                    Ela sempre foi à mulher mais bonita que tinha conhecido. Ela sorriu para ele. Caminhou até onde ele estava.  Ela deu para ele aquele sorriso encantador que fazia disparar seu coração. Cinco homens armados anunciaram o assalto. O vigilante reagiu. Uma troca de tiros. Ele pulou em cima de Rosália. Jogou-a ao chão. Fez de suas costas um escudo para ela. Desta vez não houve coma. Não houve volta. Laureano morreu ali com varias balas no corpo.

                     O cemitério da Saudade nunca viu tantos pioneiros e escoteiros juntos. Até de cidades distantes havia representantes. Nunca se viu tantos pioneiros cantando com emoção a Canção do Clã. Era como se Laureano fosse morar naquela montanha, bem perto do céu, onde existia uma lagoa azul. Nunca se viu tantos pioneiros chorando. A emoção tomou conta de todos. Não se sabe de onde, mas um clarim se ouviu. Alguém “acarapinhado” em uma arvore próxima tocava a canção e todos acompanhavam.


                   Morreu Laureano. Ele estava marcado para morrer. Ele tinha de passar por isto. Na primeira vez escapou, mas na segunda seria impossível. Outras vidas ele teria, se encontraria de novo com Rosália. Também com Almir. Estava escrito nas estrelas. Os amores de Laureano, um rei sem paixão que não perdoava ninguém, a morte encomendada. São coisas do passado. Lá na última morada de Laureano, um casal, ela de branco ele com suas barbas brancas deram a mãos a ele e se foram. Uma nuvem os levou para o céu!     

Nota de rodapé: - “Em uma montanha, bem perto do céu, existe uma lagoa azul... Que só a conhecem aqueles que têm a dita de estar em meu Clã”! Laureano amou, um amor impossível, sabia que tinha de haver um motivo, mas só ficou sabendo quando foi para o céu. “A sede de riscos que nunca se acaba... As rochas que há a escalar... Um rio tranquilo, que canta e que chora, jamais poderá olvidar”! 

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Lendas escoteiras. “Adios amigo”.


Lendas escoteiras.
“Adios amigo”.

                        Nunca diga adeus a ninguém... Nunca deixe que as pessoas mais próximas se vão... Leve-as consigo onde quer que vá. Deus! Porque fui lembrar? Faz tempo muito tempo... Ainda vejo seu sorriso franco, sua gargalhada e seu grito quando fomos à Montanha do Eco. Ele gritou alto: - Sou o Lord! Lord Alencar! E ria, e ria. Meu Deus! Quantas saudades. Machuca e dói quando ouço a canção escrita por Jerry Livingston e Ralph Freed “Adios Amigo”. A emoção toma conta de mim. Muitos dizem que valeu estar ao lado dele mesmo que não tivesse sido por toda a vida. Vado Escoteiro, não fique assim, lembrar-se com saudade é como se despedir de novo! Não sei meu coração não esconde o quanto fomos amigos e eu até acreditei que seriamos assim para sempre.

 

                      Ele chegou em um sábado que estávamos preparando a tralha para um Acampamento em Santo Ângelo. Um novo grupo surgindo e nos convidaram. Ele chegou perto de mim, soltou aquele sorriso largo e disse: - Que horas vamos partir? Olhei para ele dizendo que novato tem que passar pela “Janela do Tempo” uma maneira amiga de dizer: - “Novatos tem um tempo para aprender”. Você Alencar é um novato, um aprendiz. Cresça e apareça! E dei uma bela de uma gargalhada! Ele espantado me olhou e me acompanhou com outra gargalhada que me conquistou na hora.


                      E quem disse que ele não foi? Foi sim e passou a ser meu melhor amigo. Morava a cinco quadras da minha casa, mas é como se fosse meu vizinho. Não saia lá de casa. Mamãe acostumou com ele e um dia disse: - Alencar será que sua mãe não tem ciúme? Ele não dizia nada. Eu mesmo não conhecia a mãe e o pai dele. Quatro meses depois acampados na Foz do Rio Paraguaçu, de cabeça baixa olhando para as corredeiras do rio brilhantes com a luz da lua, uma noite quente de um verão escaldante, ele me olhou e disse tão baixo que quase não ouvi. – Vado Escoteiro, meu pai matou um homem. Está cumprindo vinte cinco anos na Penitenciaria das Neves! Minha mãe? Nunca a vi. Não a conheci!

                      Não perguntei. Sabia que quando ele quisesse me contaria tudo sobre seu pai e sua mãe. O tempo passou quantas aventuras, quantos acampamentos quantas excursões fizemos juntos? Fomos para os seniores e quando me tornei Pioneiro ele me disse: Olhe, não sei se vou gostar... Mas um mês depois estava lá quando soube que íamos acampar no Cuieté Velho. Ele soube da lenda do Padre que nas noites de lua cheia gritava sem parar pedindo perdão. Uma história antiga, um bandido de nome Cachorro Louco o enterrou vivo em frente à Igreja deixando sua cabeça de fora. – “Quem se arriscar a tirar ele dali, pode tentar. Só tentar, pois farei nele um buraco de bala bem no meio da testa”!

                      Nunca acreditei nesta lenda, mas muitos juraram que era dar meia noite e os berros do padre se faziam ouvir por toda cidade que hoje abandonada não mora uma viva alma. Não pediu para ir. Na plataforma da estação, eis que ele surge, com sua tralha, seu uniforme impecável e seu chapelão gritando: - Servir! Sempre ao me lembrar dele me vem à memória esta frase: - “Dê valor às coisas enquanto as possuir, pois sentir saudades não é o bastante para tê-las de volta”... O acampamento foi demais. O padre gritando? Nada que um vento forte em uma pedra rachada não pudesse imitar. Mas que medo! Não foi fácil.

                      Quando me casei ele disse que seria meu padrinho. Dizer o que? Deu-me de presente uma batedeira elétrica. Como comprou não sei. Trabalhava como entregador nas Lojas Abil. Ganhava pouco. Não saia de minha casa até o dia que conheceu Norminha. Apaixonou-se e se casou. Fui trabalhar na Usiminas e ele foi comigo. Juntos montamos lá um grupo escoteiro. Vida linda, canções explodindo até o dia que ele começou a tossir e o sangue jorrou. No hospital de olhos fechados ele me disse: - Não fique triste com uma despedida... As despedidas são necessárias para os reencontros. E um reencontro – depois de um momento ou depois de uma vida inteira – é algo inevitável se somos amigos de verdade.

                      Fiquei engasgado quando o enfermeiro me disse que ele morreu. Não teve o cuidado para me preparar. Foi logo dizendo: - Bateu as botas, se danou. Quem sabe está no céu? Vontade de esmurrar Pedrinho o enfermeiro antigo Monitor da Morcego. As lembranças constroem um caminho que chega até o coração e faz com que os amigos sempre se sintam perto, mesmo que em realidade estejam muito longe um do outro... Ele se foi. Para sempre. Ele agora está morando na Terra do Sol onde foi enterrado.

                      A cada dois anos eu vou visitá-lo. Ajoelho em frente sua campa, com meus olhos marejados, canto baixinho que não é mais que um até logo não é mais que um breve adeus. Meus pensamentos voam e nunca esqueço de dizer para ele: - Se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar que tudo era pra sempre, sem saber que o para sempre, sempre acaba... Sei que ele não está mais ali, pela sua vida, pelo seu caráter deve estar em uma linda cidade no céu. Nunca o esqueci e nunca vou esquecer. O que mais nos aproxima de uma pessoa é a despedida, quando acabamos superando-nos, porque o sentimento e o juízo não querem andar juntos; e nós martelamos com violência o muro que a natureza ergueu entre ela e nós. Adios amigo!



Nota de rodapé: - Eu tive um amigo. Um dia ele partiu para nunca mais voltar. Na sua campa quando vou lá eu digo a ele: - “Adios amigo”! As lembranças constroem um caminho que chega até o coração e faz com que os amigos sempre se sintam perto, mesmo que em realidade estejam muito longe um do outro... Eu tive um amigo e até hoje quando as saudades apertam em digo sempre: - Adios amigo!

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Lendas Escoteiras. Aqui se faz aqui se paga.


Lendas Escoteiras.
Aqui se faz aqui se paga.

                Narville ouvia calado. Ele sempre foi assim. Preferia ouvir a discutir, pois achava que seu silêncio lhe daria sempre paz de espírito. Seu pai um simplório carroceiro um dia lhe disse – Narville, a maior parte dos problemas do homem decorre de sua incapacidade de ficar calado. Ele olhava nos olhos do Chefe Wantuil do Grupo Escoteiro Águia de Haia. Um nome que todos sabiam o significado. Mas o Chefe Wantuil com toda sua arrogância não sabia. A princípio Narville achou que ele lhe daria um sorriso e dizer – Bem vindo, precisamos de voluntários, mas não.

               Ele tentou encobrir sua presunção de dono da verdade e só saiu um monte de asneiras. Finalmente completou – Narville, você é um simples vigia das Casas Noêmia, trabalha a noite, acho que nem estudo tem. Como posso aceitá-lo no Grupo Escoteiro? O que você pode trazer de benéfico aos jovens classe média alta que temos aqui? Se observar bem todos os chefes tem curso superior ou então estão terminando. Melhor procurar outro Grupo Escoteiro. Aqui não tenho lugar para você!

                Falar mais o que? Discutir com o Chefe Wantuil? Falar umas poucas e boas para ele? Ele já tinha lido que a maior parte dos problemas do homem decorre de sua incapacidade de ficar calado. Não foi Abraham Lincoln quem disse que melhor permanecer calado e que suspeitem tua insensatez, que falar e eliminar toda a dúvida disso? Narville era realmente na sua aparência um pobre coitado. Vestia mal. Ganhava pouco.

                 Aprendera tanto com seu pai, um simples carroceiro, mas que para ele era um sábio. – Não diga a coisas com pressa Narville, mais vale um silencio certo que uma palavra errada. É mais fácil a gente se arrepender de uma palavra que de um silêncio. Ele sabia disso. Tinha visto agora nas palavras do Chefe Wantuil. Palavra errada, na hora errada pode se transformar em ferida naquele que disse e naquele que ouviu.

                  Desde pequeno que Narville sonhava em ser Escoteiro. Nunca pode entrar. Primeiro porque precisava trabalhar. Seu pai o deixara órfão aos dezesseis anos e antes tinha que ajudar sua mãe nas trouxas de roupa que lavava para algumas famílias da cidade. Depois para completar o dinheiro que precisava para sobreviver ele trabalhava. Sempre fora bom aluno e estudava a noite. Dona Noêmia das Lojas do mesmo nome lhe dera um emprego. Salário pequeno.

                  Passava sempre em frente ao Grupo Escoteiro e sonhava que um dia seria um. Mas onde estava o seu tempo? Não tinha. Sabia que eles iam acampar excursionar, entravam em matas fechadas, atravessavam rios e ele sonhava. Quantas vezes olhava no espelho e se via com aquele uniforme caqui, aquele lenço verde e amarelo e aquele chapelão.  Foi crescendo com seu sonho. Um dia Conseguiu o emprego de vigia noturno. Agora tinha as tardes de sábado, mas seu sonho foi destruído pelo Chefe Wantuil.

                  Não ficou com raiva. Ele era uma alma boa. Não tinha e nunca teve raiva de ninguém. Achava que cada um tinha suas razões. Narville tinha um segredo. Só dele, de sua mãe e dona Noêmia. Ela o vira uma vez estudando após o horário e sentiu que ele precisava de sua ajuda. – Narville, eu vou pagar a faculdade para você. Se um dia se formar vais trabalhar para mim aqui? – Falar o que para dona Noêmia?

                  Um ano, dois cinco anos. Formou-se em direito. Uma luta para passar no exame da ordem, mas conseguiu. Ninguém sabia do seu intento. Sua mãe e dona Noêmia estavam presente na sua colação de grau. Logo foi transferido para o departamento Jurídico. Colocou seu único terno cinza e entrou na sala humildemente. Foi bem recebido. Em trinta dias conquistou amigos. Já era outro homem.

                O nome do Chefe Wantuil surgiu em destaque nos jornais. Foi acusado de roubo na firma que trabalhava. O juiz decretou prisão preventiva sem data para sair. Seu arroubo de arrogância afugentou os dois únicos advogados da cidade. Não tinha ninguém para defendê-lo. Narville achou que era hora de retribuir. Foi à prisão. Viu os olhos de Chefe Wantuil em lagrimas. Quem poderia imaginar aquela cena?

                Narville era bom advogado. Com a ajuda de um amigo detetive logo descobriu quem era o culpado. Chefe Wantuil no julgamento foi declarado inocente. Entretanto seu nome ficou marcado no grupo. Não o queriam mais. Nem deixaram entrar na sede para se explicar. Sempre tem aqueles que aproveitam dos que um dia estiveram no poder e humilharam todos. Não é assim que dizem que quem aqui faz aqui se paga?

              Chefe Wantuil foi esquecido e abandonado. Narville não pode fazer nada. Seu sonho de ser Escoteiro foi adiado, mas dois anos depois organizou um novo grupo. Pequeno, sem grandiosidade. Trabalhar com poucos. Convidou o Chefe Wantuil. Este com lágrimas nos olhos aceitou. Tornaram-se amigos, foi seu padrinho de casamento. Mudou muito. Aquela arrogância ficou no passado. Ele aprendeu que nunca mais iria cair na tentação do discurso banal, da explicação simplória. Agora era outro, sua fala era como se estivesse dizendo – Calma! Agora eu tenho calma para dizer, calma para ouvir! 

nota de rodapé: -     Uma história de ficção. Não acredito que possa haver comparação com outras que contam por aí. Mas precisamos aprender a respeitar, a dar valor à oferta simples sem pretensão de ser o melhor. Em cada Grupo Escoteiro a união à fraternidade e o respeito fazem do grupo o verdadeiro objetivo do Método Escoteiro que é ter uma lei e uma promessa para seguir e respeitar! 
  

                

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

A lenda do Arco-Íris.




Lendas da Jangal.
A lenda do Arco-Íris.
Uma História para lobinhos.

                        Após o jantar, eis que a Akelá Lucinha pede ajuda as matilhas para lavarem as vasilhas e dar uma folga a Vovó Maria. Os lobos ficaram encantados com ela quando na noite anterior contou a história do Boi Lavrador. Esperavam com muita ansiedade outra história por isto ninguém se negou a ajudar. Tão logo terminaram correram até Vovó Maria e ela sorrindo prontamente atendeu ao pedido dos lobos. Foram até o pátio gramado, O Balu e a Kaa acenderam um lampião e todos de olho na luz ofuscante viram quando Vovó Maria se elevou no ar e começou a contar:

                       Era uma vez... Em uma cidade muito linda onde todos aprenderam a sorrir e cantar eis que morava em casebre em uma rua sem nome uma família que não era feliz. – Ele se chamava João e era pobre. O pai tinha morrido e era muito difícil a mãe manter a casa e sustentar os filhos. Um dia ela pediu-lhe que fosse pescar alguns peixes para o jantar. João reparou numa coisa a mexer-se no meio do arvoredo… Viu um pequeno Coelho Amarelo… Aproximou-se sorrateiro, abaixou-se, afastou as folhas devagarinho e viu que ele estava sentado num minúsculo banco de madeira. Costurava um colete verde com um ar compenetrado enquanto cantarolava uma musiquinha.

                       - À frente do João estava um Coelho. Um Coelho Amarelo. Rapidamente esticou o braço e prendeu o Coelho entre os dedos. – Boa tarde Senhor Coelho. - Como estás João? – Respondeu o Coelho com um sorriso malicioso. João não sabia, mas o Coelho tinha montes de truques para se libertar dos humanos. Inventava pessoas e animais a aproximarem-se, para que desviassem o olhar e ele pudesse escapar. – O Coelho astuciosamente perguntou a João: - Diz-me lá, onde fica o tesouro do arco-íris? Eis que na curva do caminho apareceu um touro a correr para o João, e o Coelho espertamente gritou para o João que vinha lá um touro bravo a correr bem na sua direção. Ele assustou-se, abriu a mão e o Coelho desapareceu.

                        - O João sentiu uma grande tristeza, pois quase tinha ficado rico. Tinham contado para ele que quem prende um Coelho Amarelo encontra o Arco-Íris e fica rico. E tristonho voltou para casa de mãos a abanar, sem ter pescado peixe nenhum. Mal chegou contou à mãe o sucedido. Ela, que já conhecia a manha dos Coelhos Amarelos, ensinou-o: - Se alguma vez o encontrares, diz-lhe que traga o tesouro imediatamente. Passaram-se meses. João um dia encontrou de novo o Coelho Amarelo. O viu ao voltar para casa, sentiu os olhos ofuscados com um brilho intenso. O Coelho estava sentado no mesmo pequeno banco de madeira, só que desta vez consertava um dos seus sapatos.

                         - O Coelho sabidamente gritou para João – Cuidado! Vem lá o gavião! – e fez uma cara de medo. – Não me tentes enganar! – disse o João. – Traz já o pote de ouro! – Traz já o pote de ouro ou eu nunca mais te solto. – Está bem! – concordou o Coelho. – Desta vez ganhaste! O pequeno Coelho fez um gesto com a mão e imediatamente um belíssimo arco-íris iluminou o céu, saindo do meio de duas montanhas e terminando bem aos pés do João… Até esconderam o pequeno pote… As sete cores eram tão intensas que precisaram esconder o pequeno pote de barro, cheio de ouro e pedras preciosas, que estava à sua frente.

                      - O Coelho Amarelo abaixou-se, com o chapéu fez-lhe um aceno de despedida, e gritou, pouco antes de desaparecer para sempre: – Adeus, João! És um menino esperto! Terás sorte e serás feliz para sempre! E foi o que aconteceu. O pote de ouro nunca se esgotou e o João e a sua família tiveram uma vida de muita fartura e de muita alegria. E como toda lenda o pote nunca se esgotou!

                      E a lobada foi dormir feliz sonhando um dia também encontrarem um Coelho Amarelo para ver o Arco-Íris e o pote de ouro!


Nota de rodapé: Publiquei há meses esta história. Foi-me pedido para republicar. Histórias de crianças encantam e prendem a mente dos pequeninos. Dizem que os contos de fadas e lendas transmitem aos lobos de variadas formas, a idéia de que a luta contra graves dificuldades da vida é inevitável e faz parte do ser humano da sociedade dos lobos. Se um lobo não se furtar a elas e as enfrentar com coragem e determinação acabará por vencê-las. Espero que os que não conhecem não deixem de contar para seus lobinhos. Melhor Possivel!


segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Um beijo e depois morrer!


Lendas Escoteiras.
Um beijo e depois morrer.

                          Ele gostava de sorrir brincar e cantar. Na escola foi por insistência de sua mãe. – Charles, ela dizia, um dia ou vou partir e você vai ficar sozinho no mundo. Não seja dependente de ninguém. Muitos o chamavam de negro, mas ele não se importava. Quando a tarde chegava ficava na porta de seu barraco esperando sua mãe chegar. Ela saia cedo, fazia o café deixava no forno seu almoço e quando chegava fazia o jantar. Ele nunca teve um ou uma TV colorida. Sua mãe aproveitava as noites antes de dormir para lhe contar belas histórias na poltrona desbotada.

                        Ele amava as histórias de sua mãe. Em uma noite chuvosa e com lágrimas nos olhos disse que seu pai tinha ido para o céu. Ele não entendeu, mas ela o abraçou no final da história e o beijou varias vezes no rosto. Nunca esqueceu o que ela disse. – Eles trabalhavam em uma fazenda. Seu pai ajudava o dono com consertos de cercas e capina. Um dia fazia uma cerca próximo ao Rio Verde e uma enorme tempestade se formou. Um raio caiu sobre ele. Morreu na hora.

                      Um mês após a morte o Senhor da fazenda rudemente disse para eles desocuparem a choupana. – Eu preciso de alguém para ajudar na lida da fazenda. A senhora e seu filho não serve para nada. Tem uma semana para sumir daqui. Fazer o que? Ela partiu para a cidade grande. Dormiram ao relento por vários meses. Foi com muita luta que conseguiu um barraco na favela do Engenho. Ele aprendeu que precisava ser o homem da casa quando ela saia para trabalhar.

                    Todas as noites imaginava qual história sua mãe ia contar. Ela repetia muito, mas ele adorava. Gostava do Neguinho do Pastoreio e Pinóquio. Um dia na escola Norberto um menino rico apareceu de escoteiro. Ele não tirou os olhos. Perguntou a sua mãe se podia entrar. Ela riu e disse que não era para eles, lá só tinham ricos e brancos. Ele tinha orgulho de sua cor e não entendeu. Na sua ingenuidade de menino sentiu que não tinha seu lugar na sociedade. Um dia ela o levou e para surpresa ele foi aceito. Os chefes foram simpáticos e ele gostou da sua Patrulha Lobo. Em pouco tempo se enturmou. Sua mãe um dia contou uma história de escoteiro que ela tinha lido. Foi demais.

                     Na Patrulha contaram para ele que foi “adotado”. O Grupo Escoteiro pagava suas despesas. – Mãe, não podemos pagar? Não meu filho. Estude para ser alguém e você não vai depender de ninguém. Ele gostava de sua Patrulha, de acampar e excursionar. Aprendeu a cozinhar e fazer pioneirías. Charles cresceu. Passou para os seniores. Estudava a noite e trabalhava durante o dia na loja do seu Odorico. Pediu para não trabalhar aos sábados a tarde. Ele precisava ir à reunião dos escoteiros. Ganhava metade de um salario mínimo e ainda ajudava sua mãe.

                 Um dia as meninas chegaram. Tinham agora duas patrulhas completas com seis cada uma. Não se enturmou com nenhuma delas. Era arredio e pensava que elas não iam aceitar um escoteiro com sua cor. Um sábado Nathalya chegou. Cabelos vermelhos longos, um sorriso encantador. Sorriu para Charles e disse até semana que vem. Ele não sabia o que dizer. Não sabia como conversar com uma moça. Tinha vergonha. David o Monitor era o bonitão da Tropa. Ela nunca seria para ele.

               Em uma excursão no Vale Florido pararam próximo a uma linda cachoeira. Ele não tirava os olhos dela. Ela o convidou para sentar em uma sombra onde uma linda Copaíba se destacava. Ali alegre e gentil ela contou muitas coisas sobre a sua vida. Charles encantado não sabia o que dizer. Afinal era negro ela branca ruiva de cabelos vermelhos. Ela insistiu pra que ele contasse um pouco de sua vida. Contar o que? Que morava em uma favela e lutavam para sobreviver? - O apito do Chefe tocou três vezes. Reunir. A hora maravilhosa daquele momento mágico havia acabado. Eles levantaram e para surpresa de Charles Nathalya o abraçou e o beijou no rosto. Ele não sabia o que fazer. Não foi um beijo que seus amigos se gabavam. Foi um beijo lindo, um roçar de lábios olhando nos olhos e sentido seu perfume que exalava e ele audacioso acariciou seu rosto, seus cabelos e de novo o apito do Chefe.

              Foi um êxtase de momento. Uma quimera de segundos, que Charles nunca esqueceu. Na semana seguinte Nathalya não veio. Charles torcia as mãos, olhava para o portão e quando a reunião terminou perguntou ao Chefe o que houve. O Chefe disse que ela não voltaria mais. Era escoteira em outra cidade. Ela tinha pedido para participar das reuniões enquanto estivesse aqui em férias.

                   Charles ficou em estado de choque. Uma dor incrível cravou em seu coração. Sua mãe o abraçou e ambos ficaram assim por um bom tempo com os olhos molhados com lágrimas que insistiam em rolar na sua face. Charles nunca encontrou outra moça para namorar. Não podia esquecer o momento mágico do afago e do beijo entre ele e Nathalya. O tempo passou. Charles cresceu. Formou-se como Técnico Mecânico. Sua mãe velhinha não trabalhava mais. Ele comprou uma casinha mobilhou e comprou uma Televisão. Ela ainda contava histórias para ele. Charles continuou Escoteiro colaborando sem ser um chefe. Durante toda sua vida uma vez por mês Charles vestia seu uniforme, embarcava em um ônibus e descia próximo ao Vale Florido. Sentava na sombra da Copaíba e sorria lembrando o dia mais feliz de sua vida ao lado de Nathalya.

                  Ali sozinho ele Imaginava seu perfume, ouvia sua voz e acariciava o ar pensando ser os seus cabelos lisos vermelhos. Todo mês ele voltava no tempo no Vale florido. Nunca esqueceu o roçar dos lábios de Nathalya em seu rosto. Era incrível esta visão virtual. Visão de um grande amor que nunca morreu. Charles fez setenta anos. Ainda insistente ia aos domingos ao Vale Florido. Com passos trôpegos procurava a mesma árvore. Nunca esqueceu o amor que morava em seu coração. Durante toda sua vida nunca mais beijou ninguém. Não sabia beijar e nem queria esquecer o beijo da Nathalya.

                   Charles morreu na primavera. A Copaíba sentiu sua falta. O perfume que ela deixou em sua sombra nunca mais se esvaiu. Nas suas exéquias Charles viu Nathalya em uma luz brilhante.  Ela o convidava para ir viver em outra dimensão do universo. Ele estático viajou pelo espaço até a Copaíba do Vale Florido. Sentou com ela mãos dadas. Nathalya sorrindo disse que o esperou por todo este tempo. Charles sorria. Sabia que agora estariam juntos para sempre e ele voltava a viver um grande amor que nunca esqueceu!



Nota de rodapé: - Ele era um Escoteiro de cor negra, que morava em uma favela, ela uma guia escoteira de cor branca, olhos verdes e cabelos vermelhos como o sol. Um amor impossível. Ele viveu para ela toda sua vida mesmo não a tendo ao seu lado. Eles um dia se encontraram na mesma árvore e no mesmo lugar. Foi então que puderam viver o seu grande amor! 

domingo, 17 de setembro de 2017

Contos escoteiros. O sonho não acabou.


Contos escoteiros.
O sonho não acabou.

                    Naquela tarde, ao findar a reunião ele me procurou: - Chefe, e o Jamboree? – Eu sabia o que ele queria dizer. Não só ele, mas toda a tropa sonhava em ir. No último alguns que ainda estavam na tropa me disseram que eu devia fazer uma arregimentação de pais e com eles montar uma promoção social visando levar a todos ao Jamboree que iria se realizar dali a dois anos. Pensei no assunto. Convidei pais e vi nos olhos deles que poderiam ajudar, mas não acreditavam que ia dar certo. Descrevi a viagem até o local, o preço de alugar um ônibus e a taxa de cada um a ser paga sem alimentação. Eles riram baixinho.

                   Vi que conseguir aquela quantia para levar toda a tropa seria quase impossível. Mas não disseram que o possível eu faço agora e o impossível daqui a pouco? Bom ver estas metáforas. Sinceramente eu não acreditava nelas. Nosso grupo era de uma comunidade pobre, onde a maioria dos pais quando tinham trabalho não recebiam mais que um ou dois salários mínimos. A maioria deles desempregada vivia a custa de trabalhos esporádicos. Toquinho que me perguntou sempre sonhou em participar de um. Dizia a todos que um dia seria “doutor” e iria pagar a taxa de cada um para ele participar.

                   Quando Toquinho foi levado às pressas para o Hospital Samaritano, eu fui correndo para saber seu estado. Uma hemorragia interna estava levando meu escoteiro para o céu. Na UTI ele me acenou. Seus olhos brilharam quando em posição de sentindo dei a ele meu Sempre Alerta! Vi que ele queria responder, mas não conseguiu. Morreu uma semana depois. Não foi o primeiro. Sempre pensei porque fui fazer um Grupo Escoteiro em uma comunidade como aquela. Gente humilde, simples, meninos esfarrapados a perambular pelas ruas muitos gazeteando para não estarem nas salas de aula. 

                     Sempre fora uma aventura sair com eles para acampar. Usava o sistema de ração A, B e C. Cada letra significava uma ou duas refeições em que eles deveriam levar um pouquinho em suas mochilas. Mochilas? Fizemos com uma lona velha ganha de um caminhoneiro. Eram batutas e quando ficaram todas prontas foram sorrisos aos montões. O material de sapa a gente ganhava, uma panela aqui outra ali e assim fomos formando a tralha de Patrulha. Para acampar ou excursionar enfrentávamos quilômetros a pé até a estação de trem. Viajamos de segunda classe e descíamos naquelas de cidades pequenas onde podíamos descobrir algum local onde acampar.

                     Tentei acompanhar pelas redes sociais os apelos, os pedidos de muitos chefes para que nossa Liderança Nacional sentisse que a programação de taxas não ia caber no bolso de muitos. Não vi nada em que ela pelo menos deu uma resposta. Seria um Jamboree no estado mais rico da federação. Quando foi escolhido seu dirigente disse que os preços seriam de acordo com a condição de cada um. Nem vou comentar quanto estão cobrando sem alimentação. Só esta taxa já seria absurdamente impossível à maioria ou todos escoteiros da tropa participarem.

                      Toquinho se foi. Seu sonho não irá tirar o sono de muitos. Sempre teremos aqueles que estarão presentes. Eles tiveram a sorte de nascerem em famílias de posse. Muitos chefes já alardeiam seu programa para estar presente. Parabéns a eles. Nunca desisti. Eu sabia que a tropa nunca iria poder participar. Porque não fazer o Jamboree deles? Um belo acampamento. Os pais sorriram quando contei a eles minha ideia de acampar próximo a Serra da Mantiqueira. Prometeram ajuda. Não seria difícil conseguir um ônibus na prefeitura. Nem tão difícil também ver que alguns supermercados poderiam contribuir com a alimentação.

                      Faremos nosso Jamboree. Taxas? Cinco reais por escoteiro! Afinal sigo a instrução do nosso Chefe Geral BP. Não foi ele quem disse que o escotismo foi criado para os meninos humildes, para uma juventude que moravam em bairros simples e assim pudessem receber outro tipo de educação? Tem hora que quase desanimo. Dá vontade de largar tudo, dá vontade de cobrar promessas de candidatos a cargos escoteiros que quando eleitos esqueceram que os pobres também tem direitos.

                     O tempo é o senhor da razão. Um dia nossa liderança irá ver que o escotismo não é para ricos. Os direitos do pobre e do rico no escotismo são iguais. Compete a eles dar todas as condições para que os sonhos de jovens como Toquinho possam se realizar. Não culpo ninguém. A vida é assim uns podem e não tem outros que tem e podem nem agradecem ao senhor. Nosso escotismo não pode visar lucros. Quem faz e pensa assim nunca será lembrado na história escoteira.    

                     Eu farei minha parte. Se puder ajudar o farei onde os jovens precisam de mim. Nunca esqueço o que nosso mestre disse: - Primeiro tive uma ideia, depois vi um ideal. “Agora temos um movimento, e se alguns de vós não tiverdes cuidado acabaremos por ser uma simples associação”! – Que nossos lideres reflitam sobre isto.



Nota de rodapé: - Apenas um conto. Uma história tirada da minha imaginação. Pode haver histórias como estas em tropas escoteiras em nosso Brasil? Tem hora que me pergunto se este é o escotismo que queremos. Eu sempre sonhei em uma associação que se preocupasse com seus associados. De todos, não importando sua classe social e fazendo tudo para conseguir os meios necessários para dar a cada um a mesma possibilidade de outro mais abastado. Sei que meu conto poderá resultar para muitos como “piegas”, mas estas são minhas armas. E da minha escrita eu não abro mão.

sábado, 16 de setembro de 2017

A Lenda da Piripirioca.


Lendas Escoteiras.
A Lenda da Piripirioca.

                     Foi em um acampamento na Foz do Rio Doce que conheci Kaiowa, um índio da família dos Botocudos. Eu era meninote e ele troncudo não tinha mais que dezesseis anos. Não foi a primeira vez que atravessei o Rio Doce na foz do Rio Tibiriçá entre Conselheiro Pena e Aimoré, para acampar nas margens deste rio que sempre me seduziu pela sua beleza selvagem e misteriosa. Foi o meu primeiro acampamento que fiz sozinho como sênior, um desafio para ver se podia sobreviver em uma floresta desconhecida. Kaiowa chegou e sentou em volta do fogo. Nem levantou os olhos para me olhar. Era como se ali ele fosse o senhor daquela floresta e não tinha nenhuma satisfação a me dar. Fingi de morto e nada disse. Havia uma pequena chaleira com café quente nas brasas da pequena fogueira e ele com firmeza levantou o bico da chaleira e bebeu o café quente sem reclamar.

                     Ficamos ali eu e ele calados e sem olhar um para o outro. Confesso que não tive medo. Sentia nele uma áurea de índio bom e isto trazia uma grande paz entre nós. Deste acampamento a “escoteira” (aquele que anda só) surgiu uma amizade que atravessou os tempos e durou enquanto ele morou na Aldeia da Tribo “Manau”. Sempre que podia eu o visitava na curva da onça do rio Tibiriçá. Só uma vez me convidou a visitar sua tribo. Uma vez e nunca mais. Pediu-me segredo de tudo que visse e eu como bom Escoteiro disse a ele que tinha uma só palavra e minha honra estava acima de tudo. Não perguntei por que, pois se ele queria assim devia ter um motivo muito forte para manter o segredo na tribo. Foi uma amizade de dois meninos homens que se manteve por muito tempo. Sempre ficávamos as noites até de madrugada em volta do fogo ouvindo o silêncio da noite ou mesmo suas histórias que contava quando lhe apetecia. Esquecia até mesmo o frio cortante do vento norte que subia o rio.

                  Kaiowa me ensinou muitas técnicas mateiras. Como pescar sem vara, Subir em árvores com timbiras em volta, o melhor cipó para amarras e até fez questão de me mostrar as melhores frutas da selva assim como plantas medicinais. Eu gostava das histórias que ele contava de sua tribo. Foram dezenas delas nas noites com lua ou sem lua. Para um índio que pouco falava, ele adorava contar histórias.  A lenda da Piripirioca foi a ultima que me contou. Tivemos que dar adeus um ao outro depois que me casei e vida me levou para outros lugares nunca imaginados. Ele se serviu de mais alguns goles do meu café na chaleira e me contou como se fosse uma lenda a história da Piripirioca.

                 No seu estilo puro de índio brasileiro, cruzou as pernas, respirou o ar puro da floresta e começou: - Vado Escoteiro a tribo Manau vivia num lugar muito bonito desta floresta. Esta tribo era conhecida pela beleza das mulheres indígenas. Um dia um índio estranho estava pescando no lago próximo. Era Piripari que pescava pirás. Quando o bando de cunhãs (mulheres) da tribo Manau o avistou, elas se aproximaram para tentar conhecê-lo melhor. Uma delas falou: - “De que terra vens moço bonito? Tu és lindo feito o amanhã.” - Piripari não as olhou, mas uma das índias botou a mão no seu ombro. Mal a mão tocou o moço, ficou toda perfumada. As cunhãs ficaram maravilhadas.

                   - “Moço, conta para nós qual é o teu segredo. Se não contares, o levaremos preso para nossa taba.” Mas, ele apenas gritou: “Meu nome é Piripari!” Ao gritar, ele pulou rapidamente no rio, e na linha de pescar levava três cunhãs. As outras moças pediam para ele não ir embora. “Piripari, não vás, somos amigas e te queremos bem.” Elas esperaram por muito tempo que ele voltasse. Sentaram-se na praia e esperaram longamente pelo moço. No entanto, Piripari não voltou. Apenas o seu cheiro ficou no vento, um cheiro embriagador que envolvia toda a floresta. Lá longe, Piripari libertou as moças presas à linha de pesca. Ele disse a elas: “Não queiram pensar no meu amor. Ainda não é meu tempo de amar, não me esperem mais, cunhãs.”.

                  - Apaixonadas, porém, as cunhãs permaneceram inconsoláveis na espera. Depois de muito tempo, vendo a tristeza das cunhãs, apareceu na tribo um jovem feiticeiro chamado Supi. Querendo ajudar as moças, ele disse: - “Se o cabelo de vocês tocarem Piripari, ele ficará preso”. Quando a lua cheia vier, vão até a praia onde ele costuma ficar e cada uma leve na mão um fio de cabelo para amarrá-lo. ’ - No dia marcado, as cunhãs foram para o rio. Ela viram Supi que estava pescando. Supi puxava a linha e tirou um peixe. Ele enterrou o peixe na areia. A lua subia bem alto. Elas viram que o peixe virava Piripiri. As cunhãs, devagarinho, com os fios de seus cabelos amarraram Piripari. Elas vibravam de contentes.

                  - Enquanto elas o amarravam ele olhava para o céu e cantava uma linda cantiga, mas ele não se mexia. Elas se queixaram a Supi: “Nós o prendemos, mas ele nem se deu conta.”- O feiticeiro tratou de tranquilizá-las: - “Enquanto ele está cantando a alma dele passeia pelo céu, entre as estrelas. Não toquem no corpo dele, do contrário ele desperta e a alma ficará no céu. Logo que ele despertar, podem levá-lo para casa.” - No entanto, Piripari demorava a acordar. As cunhãs começaram a perder a paciência e diziam: - “Acorda Piripari”. ’ - Puraê, uma das cunhãs, chegou a tocar no ombro num gesto muito impaciente.

                  - Neste momento, Piripari se calou e a lua tornou-se escura. Soprou um vento frio e as cunhãs caíram em sono profundo. Quando elas acordaram, no mesmo local onde haviam deixado o corpo de Piripari estava uma pequena planta, uma plantinha apenas, mas de um perfume encantador. Neste instante, Supi se aproximou: - “Me escutem, cunhãs Manaus. Quem quiser cheiro de encanto, use no banho esta planta que desde hoje passará a se chamar Piripirioca, a planta que nasceu de piripiri.” E Puraê, a cunhã mais desobediente, de castigo, caiu nos braços de um sapo cururu gigante. - As outras cunhãs, entristecidas, voltaram para a taba. Nunca mais Piripari foi visto à beira do rio ou cantando uma cantiga. Até hoje as caboclas da Amazônia usam a planta cheirosa para conquistar outros moços.

                   Nunca mais voltei às terras de Kaiowa. Nunca mais pesquei e acampei no rio Tibiriçá. O tempo se encarrega às vezes nos afastar daqueles que amamos. Não sei se Kaiowa ainda vive, sei que ele mora para sempre em meu coração e suas histórias ficaram marcadas em minha mente por toda a vida.


Nota de rodapé: - "Procure conhecer-se, por si próprio. Não permita que outros façam seu caminho por você. É sua estrada, e somente sua. Outros podem andar ao seu lado, mas ninguém pode andar por você." - (Art. 3° do Código de Ética do Índio Norte-Americano).

Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

Bem vindo ao Blog As mais lindas historias escoteiras. Centenas delas, histórias, contos lendas que você ainda não conhecia....