sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Lendas escoteiras. Narkis, o Lobo Solitário.


Lendas escoteiras.
Narkis, o Lobo Solitário.

         A idade de Jonny Thorton era indecifrável. O que ele fazia para se manter sempre jovem ninguém nunca soube. Quando o vi pela primeira vez estava com doze anos. Assustei com ele. Fazíamos um jogo de tocaia e estava escondido na curva do Moinho e de tanto esperar que alguma patrulha passasse para anotar os nomes cochilava. Senti seus dedos tocando o meu ombro e quase cai do galho da árvore que estava aboletado. – Lá vem dois deles disse – Olhei na Estrada e vi Manfredo e Rosinaldo pé ante-pé tentando esconder dos índios selvagens. Eu era um índio selvagem. Quando o procurei novamente ele sumiu. Sumiu como? Ali era o topo do morro e dava para ver todos os lados. Oito anos depois entrando nos meus 21 anos fazia uma atividade aventureira No Rio das Esmeraldas. Calculamos eu e os monitores percorrer 42 quilômetros a pé. Erramos feio. De 42 foi para 65 quilômetros.

         O plano era seguir a estrada do Boiadeiro até o Vale da Serpente. Calculei que atrás do vale havia uma cadeia de montanhas onde era a nascente do Rio Esmeralda. Se fosse verdade com uma boa jangada iriamos alcançar em um dia o Rio Doce e de lá mais um dia até nossa cidade. Uma bela volta. Uma bela atividade aventureira só com monitores. Eu era assistente do Chefe Laerte. Por motivo de saúde não foi. Assumi e disse a ele que não se preocupasse. Após dez quilômetros de caminhada uma chuva rala começou. Esta é a perigosa. Um velho ditado dizia que se tens água e depois vento põe-te em guarda e toma tento. Dito e feito, passamos boa parte do dia debaixo dela. Capas pequenas logo estávamos todos ensopados. Avistei duas pedras na curva do Jacu onde se iniciava o Vale da Serpente. Entrar lá com aquela chuva não era boa ideia. Uma chuvarada no sopé da montanha e poderíamos sofrer consequências graves.

         - Olá Chefe! Ouvi alguém falando atrás de mim, virei e lá estava Jonny Thorton. – Venham comigo, sei onde podem se abrigar. Com a chuva torrencial não disse nada e o segui. Uma hora depois avistamos uma cabana. Entramos. Não era grande, mas dava para descansarmos e até dormir um pouco até a chuva passar. Jonny Thorton era um sujeito estranho. Usava uma espécie de macacão azul de brim mescla, acho que feito por ele mesmo, sem gola e sem mangas e presa por cipó trançado. Andava com um Mocassim feito por ele e quase não fazia barulho. Acedeu um fogo no seu fogão de barro, colocou um caldeirão grande com agua. Em uma escada de madeira retirou sobre a telha duas mandiocas e um pedaço de carne seca. Quer saber? Nunca tomei uma sopa como aquela. Não sei se foi à fome ou o ambiente, lá fora chuvoso, dentro um ambiente gostoso e em pouco tempo dormíamos a sono solto.

          Acordamos cedo. Não vi Jonny Thorton. Já não chovia e o céu ainda nublado. Fizemos um conselho de patrulha e todos foram unânimes em não desistir. Quando abri a porta da cabana um enorme lobo estava em pé, serrando os dentes e voltamos correndo para a cabana. Enfrentar o lobo não dava. Duas horas depois Jonny Thorton chegou. O lobo deu um enorme salto em cima dele e ambos caíram no chão. Tinha que ajudar a quem nos ajudou. Com o bastão sai pronto a usá-lo no lobo. – Não faça isto! Gritou Jonny Thorton. Ele é nosso amigo! Parei e esperei. A patrulha ficou dentro da cabana. – Narkis! Ele gritou, o Escoteiro é nosso amigo! O lobo me olhou de soslaio. Narkis! Veja! Ele tem alimento como o meu. – Tirei do bornal um pedaço de linguiça e dei para ele. Nunca em minha vida vi um lobo assim. A chuva voltou a cair. Corremos para a cabana e o lobo foi atrás.

        Mais uma noite na cabana de Jonny Thorton. Desta vez em companhia de Narkis, o lobo amigo. – À noite comemos um delicioso quitute de tomate misturado com peixe cozido e uma farinha de milho de dar água na boca. Jonny Thorton tinha no vale um belo restaurante e viveres que nunca iriam faltar. – A noite ele começou a contar sua história. Nascera em uma pequena cidade às margens do Rio Mississipi nos Estados Unidos. Era filho de Cabelos Longos, um índio da tribo Chicksaw. Com nove anos subiu a bordo de um barco em Terra Blanca e foi aprisionado por um capitão mau. Trabalhou a bordo por meses e escondido desceu em Port Gibson mendigando por anos. Com 14 anos conseguiu emprego em um navio cargueiro de ajudante de cozinha e veio parar no Brasil, em Vitória no Espírito Santo. A pé subiu as planícies do Vale do Rio Doce que lembravam sua terra e descobriu este lugar. Olhe Escoteiro, não sei quem é dono destas terras, mas daqui não saio nunca mais.

         Narkis eu o conheci quase morto próximo ao Lago Cinzento. Deram um tiro nele e consegui tirar a bala. Ficamos amigos e ele sempre me salvou de poucas e boas. Olhei para os monitores e subs, estavam de olhos arregalados na história de Jonny Thorton. - Narkis, continuou – Já pôs para correrem muitos malfeitores que fogem para este vale. Aqui não tem ouro e nem pedras preciosas, mas nunca irei sair daqui. Isto não vai demorar, pois estou chegando aos meus setenta anos. O Lobo deitou aos seus pés e nós fomos dormir. No dia seguinte o sol apareceu. Agradeci a Jonny Thorton a acolhida. Ele sorriu. Narkis irá mostrar o caminho até o Rio Esmeralda. Existe? Perguntei. Existe sim, posso apostar, pois eu conheço! Partimos. O lobo sempre à frente. De vez em quando olhava para trás. Uma hora parou com suas orelhas levantadas. Bem acima de nós eu vi uma enorme onça parda. O dobro do peso do Lobo Narkis. Durante alguns minutos um olhava para o outro. Pareciam conversar. Narkis fez um sinal para seguirmos. A Onça Parda sumiu na floresta.

       Atravessamos o Vale da Serpente sem nenhum tropeço. Se não fosse Narkis não sei se teríamos conseguido. O Rio Esmeralda era majestoso. Fizemos uma bela Jangada e tudo correu conforme os planos. Ficamos dois dias a mais que o planejado, mas valeu. Norberto um dos monitores contou e escreveu toda a saga de nossa aventura no livro de ata da patrulha. Nunca contou onde fica. Combinamos de preservar a identidade do Jonny Thorton. Por vários anos ainda encontrei o Jonny em alguns acampamentos. Um dia ele me procurou na sede do grupo e disse que ia partir. Seu pai tinha falecido e deixou para ele de herança uma vasta terra onde a tribo morava próxima a New Orleans. Ele era o único herdeiro. – E Narkis o Lobo? Perguntei – Ele vive ainda e nunca dependeu de mim para sobreviver. O tempo passou e uma lenda se formou no Vale da Serpente. Dizem que um Lobo Solitário e uma Onça Parda dividem as noites de lua cheia e nenhum homem pode se aproximar.


           Verdade ou não eu sabia que a lenda era real. Pensei até em visitar Narkis, agora chamado de Lobo Solitário. Desisti, pois ele tinha uma vida, uma companheira e humanos nem sempre são bem vindos para estes animais. Vida longa para Narkis o Lobo Solitário e sua amiga, uma Onça parda e que vivam para sempre no saudoso Vale da Serpente! 

Nota de rodapé: - Uma lenda? Pode ser. Narkis ficou no tempo e tanto tempo faz que ele não deve existir mais. E Jonny Thorton? Nunca mais ouvi falar. Os tempos são outros. Hoje isto não é mais possível me dizem alguns chefes. Concordo. Não há mais rios caudalosos, não há mais lobos e nem alguém como Jonny para nos alegrar nas noites chuvosas. Vida longa Jonny!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

Bem vindo ao Blog As mais lindas historias escoteiras. Centenas delas, histórias, contos lendas que você ainda não conhecia....