domingo, 11 de junho de 2017

Plutão o labrador de Thereza.


Lendas escoteiras.
Plutão o labrador de Thereza.

              Quando Thereza nasceu ninguém supunha que ela tinha deficiência visual. A visão é um dos sentidos que nos ajuda a compreender o mundo a nossa volta. A comunicação por meio de imagens e elementos visuais nos faz compreender melhor o mundo que vivemos. Até os dois anos seus pais desconheciam o que se passava com ela. Davam a ela todo amor que podiam dar. Foi um choque o dia que descobriram que não enxergava. Muitas lágrimas e todos querendo saber o que houve. Quatro meses depois ela foi levada a um especialista. A falta de conhecimento em vez de ajudar Thereza prejudicava. Todos só sabiam reclamar de Deus reclamar da vida e pensavam sempre em sí próprios perguntando por que tiveram tal infortúnio.

            Thereza cresceu sem amigos. Os pais fizeram o que podiam. Aulas para deficientes visuais com bons programas e até recebendo o apoio de um Professor especializado. Thereza tentava a todo custo superar as barreiras. A superproteção dos seus familiares e sua vontade de independência era sempre condenada pelos pais. Nunca teve oportunidade de provar que era capaz de andar sozinha e usar seus sentidos. Não podia superar seus medos e as desconfianças. Tentava e fazia um esforço descomunal para vencer estas questões. A escola que frequentava era fraca e as alternativas para superar deviam partir da família o que não acontecia.

           Thereza cresceu taciturna, falava baixinho e não saia da porta de sua casa. Dentro ela conseguia superar todas suas limitações. Seus pais dificilmente conseguiam um sorriso e sua mãe foi por todos os anos de sua vida uma professora incansável. Thereza era uma aluna de uma vivacidade incrível. Não a incentivaram ter seu próprio mundo andando com suas próprias pernas. Um dia sentada no portão de sua casa ouviu alguém a cumprimentar. – Ola moça, meu nome é Patrice seu vizinho. Quase não a vejo sair e pensei se não gostaria de conhecer meu mundo Escoteiro onde participo e onde tenho as alegrias que antes não tinha. Ela sorriu e ele percebeu que ela tinha deficiência visual. Mesmo assim insistiu no convite. Quando ela comentou com sua mãe foi um Deus nos acuda. – Nem pensar minha filha. O que vai fazer lá no meio daquela meninada que vão para a floresta, para as montanhas e fazem suas aventuras?

     Thereza não chorou. Estava acostumada com estas negativas. Uma semana depois Patrice voltou. Na porta sua mãe atendeu. – Boa tarde senhora. Thereza reconheceu a voz de Patrice falando com sua mãe. - Minha patrulha fez uma vaquinha e compramos um labrador para Thereza. A mãe assustou. Seu pai levantou e foi ver o Cão. Lindo, negro, pele macia, um olhar doce e um respirar faceiro. Thereza já tinha ouvido falar em cães para deficientes visuais. Se sentiu feliz com esta nova possibilidade. Patrice riu quando ela tremeu e disse – Venha comigo vamos fazer a primeira experiência. Seus pais tentaram impedir, mas Patrice explicou que seu pai era veterinário e um adestrador de cães. Eles não precisavam ter medo. – Thereza resolveu enfrentar esta nova etapa da sua vida. Com suas mãos macias sentia o pelo do labrador e sem perceber o chamou de Plutão. Foi amor à primeira vista.

           Durante vários dias Patrice saia com Thereza e passeava com ela puxada por Plutão. Pareciam que tinham nascido um para o outro. O treinamento foi intensivo e Thereza passou a ter um grande amor pelo cão. Patrice sabia que ela agora seria uma questão de tempo para ela desbravar novos caminhos. A locomoção de uma pessoa cega é muito mais fácil do que parece, mas isto depende exclusivamente dela. Em um mês Thereza perdeu o medo, mas seus pais nunca acreditaram que ela poderia sair por aí sozinha. Eles tinham visto sua transformação, já brotava um sorriso em seus lábios.  No sábado seguinte Patrice apareceu em sua casa e a convidou a visitar o Grupo Escoteiro. – Patrice, o que eu vou fazer lá? – Vai conhecer gente Thereza, vai conhecer seus amigos que ajudaram a comprar o Plutão. E claro vai participar conosco. - Eu? Como? – Esqueça seus medos Thereza, acredite em você!

          Mesmo contrariando seus pais Thereza foi. Plutão aprendia os caminhos e a protegia sempre. Thereza nunca se sentiu tão feliz. Agora se sentia bem, pois tinha amigos a quem podia confiar. Ela adorou os seniores e as guias. Sentiu-se em uma grande irmandade. Cantou com eles e até fez jogos simples. A Patrulha Olavo Bilac fez dela um dos seus. Eles não a tocavam. Deixavam-na acompanhar a patrulha. Plutão sempre a seu lado. No shopping todos riam da alegria daquela turma alegre e disciplinada. Ficavam embasbacados por verem uma mocinha com um cão correndo aqui e ali e dando belas gargalhadas. Quando se preparavam para o acampamento anual seus pais foram contra. Não adiantou o Chefe Manfredo e a Chefe Nair irem até lá e explicarem que não haveria perigo. Eles foram irredutíveis.

          Thereza parou de falar, de rir e sempre com expressão sombria. Plutão não saia do lado dela. Punha suas patas em seu colo e lambia seu rosto. Ela afagava Plutão com tristeza. Uma tarde sentiu que não havia ninguém em casa. Pegou a correia de Plutão e saiu com ele. Queria ir para a praça. Queria pensar e tentar decidir sua vida. Não se revoltou com seus pais. Plutão saiu animado e ela sabia que estava em boas mãos. Atravessaram a rua no sinal e no parque ela sentou na grama em uma sombra. Sentiu uma mão em seu ombro. Uma voz cavernosa lhe disse que ela era linda. As mãos dele começaram a descer pelo seu corpo. Tentou correr, mas foi subjugada. Gritou por socorro, mas naquela hora não havia ninguém perto no parque. Ela ouviu um gemido, um grito de dor e o marginal pedindo socorro. Era Plutão atacando o marginal.

         A polícia a levou em casa. Seus pais assustados e Thereza sorrindo. Os policiais contaram o que houve. A mãe de Thereza chorando disse que nunca mais ela sairia sozinha. – Mãe eu nunca estou sozinha. Tenho Plutão. Thereza foi ao acampamento. Como foi lindo. Ouvir o cantar dos pássaros, sentindo o vento no rosto, sentir á água fria da nascente, o aroma das flores silvestres. Thereza não precisa ver. Ela sentia mais que alguém que tinha olhos e nunca enxergaram as belezas vivas da natureza. Thereza ajudou na cozinha, buscava água com Plutão que se divertia até fez muitas amarras e costuras de arremate nas pioneiras da patrulha. Thereza voltou outra. Sua mente não esquecia a maravilhosa noite do Fogo de Conselho.


        Nunca mais vi Thereza. Soube que ela mudou com a família. Um dia no jornal da cidade vi sua foto. Ela se tornou escritora e estava ficando famosa. Vi que Plutão estava com ela. Bem velhinho e sorridente. Atrás dela vi o Patrice. Não sei se casaram ninguém nunca me disse. Mas quem conheceu Thereza e a visse agora, sabe que o mundo dos Escoteiros é único.  Bendito seja Deus por nos dar esta oportunidade. Cada um escolhe seu caminho. Não importa se enxerga ou não, mas importa que aceita o que é sem reclamar. Palmas para Thereza!

O milagre não é dar vida ao corpo extinto,
Ou luz ao cego, ou eloquência ao mudo...
Nem mudar água pura em vinho tinto...
Milagre é acreditarem nisso tudo!

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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