terça-feira, 30 de maio de 2017

Na beira do caminho tinha uma flor... Tinha uma flor na beira do caminho.


Na beira do caminho tinha uma flor... Tinha uma flor na beira do caminho.
Plagiando Carlos Drummond de Andrade. 

                       Era um sol do meio dia. Quente, fervendo o sangue do Escoteiro caminhante. Mal dava para olhar a frente de tão quente... O chapéu de abas largas tentava segurar os raios solares. A camisa ensopada. Ele pensou em tirar o lenço e a camisa. Ficar com a camiseta que estava por baixo. Mas esqueceu desta vontade. Aprendeu a andar uniformizado onde fosse. Não importa se tinha alguém a vê-lo ou não. Há horas esperava encontrar uma arvore frondosa, a beira do caminho. Nada. A estrada era de terra e quase não cabiam dois veículos passando um pelo outro. Ele sabia que ainda tinha chão para percorrer. Não fora com sua patrulha pela manhã. Prova de matemática. Um mais dois cinco mais oito e ele aprendeu a tabuada assim nas jornadas da vida. Agora não. Não calculava a soma divisão ou a multiplicação. Precisava parar para descansar, mas e a árvore frondosa que não aparecia?

                      Tirou seu cantil e bebeu dois goles. Não mais. Ele não sabia quanto tempo tinha para encontrar um riacho. Ali era impossível. Tudo estava seco, nem o verde do campo se via. O chão do caminho era terra pura. Se chovesse valha-me Deus o barro que daria. Um, dois, quatro seis quilômetros de pé no chão. Sua mochila pesava. Ele estava acostumado. Bastava encontrar uma arvore frondosa, um cochilo e ele andaria outros seis se necessário. E os pássaros? Ele não via nenhum. Naquele sol escaldante nem pássaro se arriscaria a voar pelos céus. Ele passou por ela. Na beira do caminho. Nem reparou. O sol não deixava. O chapéu quebrando a testa para esconder o calor e a claridade escondia as belezas que não existiam na beira do caminho.

                       Andou alguns passos e parou. Sua mente tinha gravado a flor na beira do caminho. Pensou o que seria e a mente o obrigou a lembrar. Voltou-se calmamente e a viu... Linda, vermelha, quase do tamanho de uma rosa. Mas não era uma rosa. Somente ela com sua planta a segurar como se fosse cair com o peso. Não havia vento, ela não se mexia. Mas era linda. A mais linda flor que ele tinha visto. Deu meia volta até a flor na beira do caminho. Quem pensaria que na beira do caminho tinha uma flor? Ficou de frente a ela. Viu que ela sorria e não se importava com os raios de sol que não penetravam nas suas pétalas. Tirou sua mochila e se agachou em frente a ela. Um perfume suave correu pelas suas narinas. Gostoso, delicioso. Agradável de cheirar. Era um balsamo para manter o corpo firme, aquela fragrância jogava todo seu perfume no Escoteiro que caminha no sol no caminho.

                      Ficou ali estático por minutos que se transformaram em horas. Ela a flor na beira do caminho o hipnotizava. Ele precisar seguir precisava chegar ao acampamento à tardinha. Seus amigos da patrulha o esperavam. Então o sol se escondeu. Uma nuvem branca com pássaros esvoaçantes chegaram. Um vento sul começou a soprar. A flor balançou na sua planta, mas não caiu. O Escoteiro procurou um galho e o fincou junto à flor. Do seu cantil aguou a linda flor da beira do caminho. Precisava seguir adiante. O tempo não espera, e ele olhou a flor pela ultima vez. Grande, Vermelha, quase do tamanho de uma rosa. O Escoteiro partiu olhando para trás. Uma enorme tristeza o invadiu. A flor da beira do caminho balançou de um lado a outro. Como se estivesse agradecendo o que o Escoteiro fez por ela.

Vai Escoteiro, vai para o seu acampamento. Era só uma flor, uma flor vermelha linda a beira do caminho. E ele viu que na beira do caminho tinha uma flor, tinha uma flor na beira do caminho, tinha uma flor, no meio do caminho tinha uma flor...


Baseado no poema de Carlos Drummond de Andrade – No meio do caminho tinha uma pedra.

domingo, 28 de maio de 2017

Lendas da jângal. Os lobos não uivam sozinhos!


Lendas da jângal.
Os lobos não uivam sozinhos!

Prezada Akelá Mércia.
Melhor Possível!

                     Desculpe a letra e meus erros. Estou tremendo muito para escrever esta cartinha. A senhora sabe que estou muito fraco e sentar e um tremendo sacrifício. A Enfermeira Lola está me ajudando. Se não fosse ela não iria conseguir escrever. Minha mãe está aqui também, mas chora tanto que não tem condições de me ajudar. Não sei por que choram afinal nós todos não vamos morrer um dia? Não entendo tanta alegria quando nascemos e não aceitar que um dia iremos para o outro lado da vida. A Enfermeira Lola diz que é uma mudança de plano. Ainda não entendo muito disto, mas acredite os anjos que me visitam me disseram que chegou a hora de partir. Eles são lindos, me contam histórias, cantam canções lindas e precisa ver a Vovó Matilde que sempre me abraça e disse que meu lugar no céu está reservado. Não sei que lugar é este, mas deve ser lindo se não eles não sorriem tanto. Já disse para a mamãe, mas ela não entende o que eu digo. Papai está na França e disse que vai vir chegar em breve. Mas olhe, veja se pode atender aos pedidos que faço nesta cartinha. Vais me ajudar?

                     Não esqueço o dia que conheci a senhora e meus irmãos lobos. Eu vivia tristonho na minha casa, não saia, médicos diziam que devia ficar em repouso. Foi o Doutor Luiz que me contou dos lobinhos. Perguntou-me se eu queria ser um. A verdade Akelá que foi a melhor coisa na minha vida. Bem a escola também, mas lá eu cansava muito, aí não, me divertia, cantava, sei que reclamavam de mim nos jogos de corrida, mas nos outros eu dava uma mão enorme a matilha. Pode dar um recado para o Balu Roberto? Diga a ele que deixe de fazer cara de mau, ele é bom, tem de sorrir mais e eu o adorava. Renata a Baguira sempre chorava quando estava ao meu lado. Muitos choravam e isto me entristecia. Queria ser como Mowgly, nos tempos das falas novas, quando a primavera chegava, as flores nasciam o vento soprava e todos corriam pelos campos sorrindo e cantando na embriaguez da Primavera.

                        Dê um abraço apertando na Aninha a prima da minha matilha. Ela não entendia muito minha fraqueza, mas era uma das poucas que sempre me acompanhava até em casa. Diga ao Nonô que eu o quero muito e não fiquei bravo com ele quando pegou meu chocolate na mochila. Sabe Akelá Mércia. Eu adorava o Grande Uivo. Sempre Sonhei ver a senhora olhando para mim para que eu pudesse em nome da Alcateia mostrar que iriamos fazer o melhor. Não houve oportunidade e eu entendo. Outros lobos mais antigos tinham este direito. Fiquei triste quando o Kaa Rogério foi embora, sabe eu morria de rir quando ele queria imitar a velha serpente da Selva de Mowgly. Ele nunca imitava bem uma serpente. E ele dizendo que somos do mesmo sangue tu e eu? Dava gargalhadas e rolava no chão de rir. Acho que vou parar. Cansado Akelá. Sinto-me Velho e fraco igual ao Chefe Tadeu que cantava dizendo que precisava voltar a Gilwell. Afinal eu nem sei mesmo o que é Gilwell, mas deve ser um lugar lindo, pois quando ele e os demais chefes cantavam ficavam sorrindo o tempo todo.

                           Olhe, saiba que a senhora foi minha segunda mãe. Ajudou-me, me abraçou e me beijou tanto que um dia fiquei sem ar. Kkkk. Estou aqui sorrindo e mamãe chorando e a enfermeira Lola com os olhos cheios de lágrimas. Saiba que a amo muito, que a senhora com a sua bondade me transportou para os campos verdes de Waingunga. Nunca esqueci o que a senhora disse que os vales da Alcateia de Seeonee eram verdes na primavera, lilás no inverno, dourado no outono. A senhora dizia que era o vale mais lindo nas terras de Mowgly. Também nunca esqueci o que Baloo o urso pardo dizia para nós que a lei da Jângal vigora na selva e é antiga como o céu. Que assim como cipó que envolve a árvore a lei do Lobinho envolve a todos nos...
 – Desculpe Akelá Mércia, sou a enfermeira Lola, Adriano desmaiou. Já chamamos o Doutor Luiz. Estou enviando a carta, pois ele insistiu muito que eu a enviasse!

                       - Mércia lia e chorava. Um choro convulsivo que ela não sabia como parar. Os vizinhos acorreram a sua casa, mas nada ajudava sua tristeza. Ela recebeu a carta pela manhã, e soube da notícia da morte de Adriano. Ela sabia que isto iria acontecer, mas sabia também que era humana, acreditava em Deus, rezava para Jesus ajudar, mas o Doutor Luiz disse que ele iria para outros planos em breve. Não tinha mais como reverter o câncer no pulmão. A sala onde ela estava ficou cheia de amigos, lobos e lobas acorreram. Um ajuntamento enorme da Alcateia Hathi, pois souberam que perderam um lobo.

                      Todos sabiam que o lobo não perde os dentes, não perde a raça, eles sabiam que os lobos mansos vivem em rebanho para se protegerem. Sem ninguém esperar um clarão transformou a sala em uma linda pradaria nos verdes campos de Seeonee. Adriano apareceu de uniforme com muitos lobos junto a ele. Sorria, fez um sinal e com sua vozinha meiga e linda disse: - Akelá, os lobos não uivam sozinhos. Estou seguindo com meus anjos e lobos no céu para o grande acampamento da Jângal! Melhor possível povo lindo da Selva!


Porque você matou? Perguntou Hathi, pelo prazer de matar? Shery Khan respondeu isso mesmo. Era meu direito. A noite é minha você sabe. Que direito é esse de que fala Shery Khan? Perguntou Mowgly. É uma historia antiga, tão velha quanto à própria selva. Então Hathi narrou cabisbaixo, descrevendo como o medo se apoderou dos habitantes do outro lado do rio. Mas essa é outra história... Um conto emocionante. Para os fortes, pois os sensíveis irão chorar...


sábado, 27 de maio de 2017

Lendas Escoteiras. “Tomate”.


Lendas Escoteiras.
“Tomate”.

                    Ele me ligou às duas da madrugada. Acordei assustado. Quem liga a esta hora? Pensei logo no pior. – Alô! Vado Escoteiro? – Eu mesmo respondi me preparando para ouvir o que aconteceu. – É tomate! Lembra-se de mim? Minha mente ainda entorpecida pelo sono rebuscava no passado quem era ele. Lembrei. Da minha patrulha, Tomate o Construtor de Pioneiras. – Uai! Ainda está vivo? Perguntei sem muita vontade rir. – Sou eu mesmo Vado Escoteiro. Estou em Porto Principe, no Haiti embarcando para São Paulo e me lembrei de você. Posso fazer uma visita? – Claro que sim Tomate. Ele riu quando o chamei de Tomate. – Dei para ele meu endereço e pedi para me ligar no aeroporto que eu ia busca-lo. – Vado, não precisa uma viatura do exercito vai ficar a minha disposição.

                     Fui dormir antes de a Celia me perguntar quem era. – Amanhã conto. Era um antigo Escoteiro da minha Patrulha. – Deitei e minha mente viajou no tempo para lembrar-se de Tomate. Ainda o vejo. Era o segundo Escoteiro da patrulha Lobo. Construtor de Pioneirías. Naquela época a formação era pelos cargos de patrulha. Alguns eram os primeiros outros não, mas todos aceitavam normalmente. Tomate tinha fama. Muita fama. Manuseava com maestria um facão, uma enxada, um enxadão ou mesmo um serrote seja lá o que for. Matemático tinha todo o corpo com medidas e isto evitava levar fita métrica ou outro badulaque. – Buldogue, me ajude a cortar esta tora. Está com oito centímetros a mais do que precisamos! Buldogue era o Bombeiro-lenhador.

                     Uma vez estive em sua casa e no quintal ele construiu um barracão igualzinho àquelas cabanas feitas no interior dos Estados Unidos. Tudo feito à mão com troncos de eucaliptos que o Zeferino dono da Fazenda Mata fria lhe deu. Encaixe perfeito. Quase não usou prego e nem embira ou cipó. (sisal para nós era coisa de rico). Na cabana ele guardava sua tralha e seu material de sapa. Tinha de tudo. Em uma bancada ele tinha dois martelos, várias brocas de madeira, um martelo de estofador outro de orelha, dois alicates, duas limas morsa, uma turquês uma enxó, dois facões, duas facas de açougueiro, um esquadro de madeira, serra de Marceneiro, também conhecida como serra de costinha ou serra de faca e uma mundial que ele levava no cinto. Lembrei-me da segueta (serra de arco). Não me esqueci do conjunto de formões, neste caso, os Bailey, da Stanley. Realmente Tomate estava mesmo preparado para qualquer tipo de pioneira.

                     O que me chamou atenção mesmo foi o Serrote de Traçador, próprio para serrar toras de qualquer diâmetro. Já tinha usado um uma vez, mas era um verdadeiro Pata-Tenra na arte. Enumerar as pioneirías construídas por Tomate levaria horas. Artimanhas, engenhocas para ele não tinha segredo. Fazia uma mesa no campo para sete ou oito escoteiros em duas horas e olhe já com o toldo. Ajudava o cozinheiro nos diversos tipos de fogão de barro além de fornos improvisados. Uma vez ele construiu uma torre de observação e tinha ate elevador fácil de manejar. Em um acampamento ele achou que poderia construir uma casa de Tarzan e não desistiu. Foi em Derribadinha próximo ao Rio Doce. Sei que ficou lá e durou anos.

                     Agora quase 50 anos depois ele aparece. Uma semana depois me ligou me pedindo o endereço. Chegou em minha residência em SUV da Toyota dirigida por um tenente. Tenente? Isto mesmo, Tomate agora era um General quatro estrelas. Não mudou nada, só ficou velho. Já devia ter aposentado do exercito. Efusivo na saudação militar fiz o mesmo. Cascos batidos, corpo ereto, saudação nos trinques. Depois uma gargalhada seguida de um abraço. Apresentei-o a Célia. Ele disse: Já nos conhecemos. Lembro quando começou a namorar o Vado Escoteiro. Vida longa ao casal. Minha esposa me deixou e foi para uma estrela no céu. Tenho três filhos todos homens. Entramos em minha residência.  

                      Ficamos toda tarde e até uma da manhã conversando, lembrando dos velhos tempos. Risadas, piadas, até mesmo lágrimas derramadas quando lembramos do Romildo o Guia da Tropa partiu para uma estrela no céu. Ele não falou muito dele. Ele lembrava de todo mundo, Chico, Miranda, Narigudo, Fumanchu e até mesmo de outros escoteiros das Patrulhas Gavião e Morcego. Não era fanfarrão. Simples, alegre simpático mostrou ser sempre aquele segundo Escoteiro da patrulha lobo. – E então tomate e as pioneirías? - (o tenente que o acompanhava, contou que ele era conhecido como General Aragão). Levantou e disse ao Tenente: Conte para ele em Porto Principe após o terremoto que fizemos, mas conte a verdade!

                       Tomate foi embora me dando um abraço que achei que iria me quebrar ao meio. Vi nele uma lágrima rolando na face. Um General com sentimentos? Sim um General Escoteiro que foi e nunca deixou de ser um. Nunca mais me telefonou, nunca mais soube onde estava, nem mesmo me disse onde morava. Em uma tarde o tenente me procurou em casa; - Vado Escoteiro, O General me mandou entregar esta carta. Não escreveu e nem telefonou porque estava em Patrulha no Rio Xingu em Altamira. Ficou meses próximo a Usina de Belo monte e na Rodovia Transamazônica. Pegou febre amarela e ficou internado por meses por causa da idade. Morreu semana passada. Antes me pediu para lhe entregar esta carta!


                        Eu já recebi milhares de cartas de amigos escoteiros, a do Tomate foi demais. Eu e Célia choramos com muitas partes escritas e em outras rimos a valer. O que ele escreveu fica guardado em minha mente. Amigos escoteiros são assim, nos surpreendem com situações incríveis e que nos marcam para sempre!

Nada de excepcional este conto. Tomate foi meu amigo. Não sabia que agora era um oficial do Exercito. General quatro estrelas. 50 anos depois me achou e disse que queria me encontrar. Porque não? Nunca e demais rever amigos que um dia nos fizeram felizes. Abraços fraternos a todos. 

quarta-feira, 24 de maio de 2017

A cruz do meu destino.


Lendas Escoteiras
A cruz do meu destino.

                    Quando fiz quinze anos ainda tinha esperanças, sonhos e acreditava no mundo bom e na Tropa Sênior encontrei muitos amigos. Dizem que precisamos ter sorte na vida para ela nos sorrir sempre. Nunca acreditei nisso. Acreditava em escolhas, pois estas decidem nosso destino. Afinal minha mãe sempre dizia que livro arbítrio todos temos, mas saber o caminho certo era preciso cair muitas vezes para aprender. Fiquei três anos como escoteira. Quando fiz a promessa chorei. A emoção era demais. Jurei para mim mesmo que iria seguir a lei escoteira custe o que custasse. Nunca repeti de ano, boa aluna e tinha uma plêiade de amigos escoteiros que achava seriam para sempre. A vida da voltas eu sei. Venâncio apareceu em minha vida. Menina escoteira me entreguei a ele. Todos diziam que aquela não era minha vida, Venâncio com seus 22 anos nunca seria meu príncipe encantado.

                     Não sei se ele foi o culpado de tudo. Afinal eu mesmo menina com quinze anos, Monitora da Tigre devia saber onde pisar mesmo sabendo que é errando que aprendemos. Chefe Leonor me deu tantos conselhos que passei a não ouvir mais. Minha mãe desesperada adoeceu e um dia a internaram em uma casa de repouso. Disseram-me que era para sempre. Venâncio me acalentou. Disse que eu não preocupasse. Ele seria meu esteio para toda a vida. Um dia descobri que estava grávida. Venâncio franziu a testa e insistiu que eu fizesse aborto. Não fiz. Venâncio sumiu da minha vida. Foi Franciele quem me deu apoio. Sub Monitora sempre fomos grandes amigas. – Vamos enfrentar juntas ela disse.

                     Já estava no sexto mês de gravidez. Ramirez apareceu em minha vida. Não sei explicar como. Convidou-me para fumar o baseado. Insistiu tanto que experimentei. Tossi muito, mas este primeiro foi o começo de tudo. Não sei se Ramirez era um ingênuo ou uma má companhia. Descobri depois que era traficante e eu o ajudava. A Lei do Escoteiro que um dia jurei em cumprir foi esquecida. Meus amigos e irmãos escoteiros ficaram no passado. Lembranças dos acampamentos, das excursões dos jogos dos sorrisos quando caiamos na lama da estrada foi esquecido. Não ia mais a escola, A Chefe Leonor tudo fez para me ajudar, mas eu não queria ouvir. Um dia me disse que estava suspensa. Aproveitasse para colocar a cabeça no lugar e pensar o que estava fazendo da minha vida.

                     Ricardo nasceu sem eu saber. Tanto drogada que nem vi me levaram para uma casa vazia e lá outros drogados fizeram o parto. Até hoje não sei onde meu filho ele foi parar. Era perita em usar a seringa. Nunca me preocupei quanto custava meu vício. Meu corpo era o caixa eletrônico que eu nunca tive. Lico Boca Torta drogado como eu me ajudava. Um dia contei para ele meu passado, o escotismo que amei e minha promessa que não cumpri. Ele era bom ouvinte. Rosangela apareceu em minha vida. Assistente Social tentou me convencer a me internar. – Joelma, a Cracolândia é como um cemitério de mortos vivos. Tente, faça força, você pode recomeçar.

                    Eu sabia que a droga estava me matando. Sabia que os traficantes só queriam dinheiro. Como reagir? Não entendia o que Rosangela queria dizer. Foi então que Deus apareceu em minha vida. Rosangela um dia me procurou com o uniforme escoteiro. Chorei. – Você é Chefe? Ela sorriu. Abraçou-me. Cantou para mim canções que há tempos não ouvia. Cantou o Stoldola, a Arvore da montanha e A canção da Promessa que me fez chorar copiosamente. Minha mente não sabia o que pensar. Se eu morresse ali, sabia que ninguém se importaria. Não tinha mais vida, não tinha família, não tinha amigos. Era uma maldita prostituta drogada sem futuro. Agora um anjo escoteiro queria me ajudar. Minha mente não sabia o que dizer.

                   Rosangela todos os dias ia me visitar. Ficávamos juntas conversando. Trazia comida que não paravam mais em meu estomago. Pesava menos de 45 quilos. Estava pele e osso. Ela trazia roupas que eu vendia, trazia comida que eu trocava em troca do crack. Ela nunca desistiu. Um dia me disse que errar era humano persistir no erro era burrice. Olhou-me, me abraçou e disse: - Não vou mais insistir com você. Pela última vez quer ir comigo? Lembrei-me daquele fogo de Conselho onde o Chefe Mano contou aquela história de Mariana que soube dar a volta por cima. Fui com ela para uma clinica. Exigiam muito. Pensei em fugir, mas Rosangela sempre ao meu lado. Não foi fácil. Meu corpo tremia febre alta, garganta seca, estava sendo envenenada e não sabia.                                         

                  Com uma semana diminuiu um pouco aquela vontade louca de me drogar. Mas estava longe de alcançar o ideal para me curar. Rosangela era incansável. Um dia uma surpresa. Norma, Daiana, Flores e Rebeca vieram me visitar. Foram da minha patrulha e estavam de uniforme. Chorei demais. Precisava dar um rumo a minha vida. Precisava recomeçar. Nunca perdi a fé, a vontade de vencer e cumprir a Lei voltou. Afinal eu devia fazer o Melhor Possível e isto não era tão difícil. Dois anos depois me senti curada. Rosangela conseguiu um emprego para mim como vendedora em uma loja. Ainda não voltei para o grupo de Escoteiros. Sei que não serei aceita por todos. A fama de drogada não é fácil de tirar.


                    Conheci Murilo e nos casamos. Não foi amor à primeira vista. Quem sabe a espiritualidade o mandou para me ajudar a caminhar novamente. Nunca mais soube onde andava o filho que perdi. Não digo que recuperei de tudo. Noêmia nasceu para alegrar a nossa vida. Vez ou outra visito o grupo de Escoteiros. Tanto tempo se passou que poucos ainda se lembram do que eu passei. Ainda rezo pelos amigos da Cracolândia com que convivi por tantos anos. Pensei em voltar lá e tentar ajudar um ou outro. Mas tenho medo. Sei que não é fácil abandonar o vicio. Muitos já terão morrido. Outros irão morrer logo. Sei que Deus na sua suprema bondade irá amparar a todos. Agora tento uma nova vida. Um novo recomeço. Pois assim é a vida. Nascer, viver, morrer. Nascer de novo, pois esta é a lei!


Um conto de ficção sobre o vício das drogas. Quem sabe um alerta para nossos jovens e uma viagem no mundo dos traficantes que residem em pontos escolhidos na cidade. Não espere um final feliz. Não espere que tudo seja apenas um conto de fadas sem o dedo do lado mau de Merlin. A vida não é justa, mas é nós quem decidimos para onde vamos. Não leia se espera uma história adocicada com açúcar de cristal.

terça-feira, 23 de maio de 2017

Mozart Um acampamento longe demais.


Mozart
Um acampamento longe demais.

                                O mundo caiu aos seus pés. Um sonho de meses sumindo e ele sem saber o que fazer. Um acampamento esperado, programado, preparado nos seus mínimos detalhes. Dormia pensando e acordava com o que seria o seu acampamento dos sonhos. – Dona Olga deu seu veredito. Destruiu tudo, pisou em seu coração sem nenhuma piedade. – Faremos a recuperação quarta feira pela manhã. Quem falta já sabe, vai repetir o ano!

                              – Deus meu! Porque não estudei? Porque achei que os escoteiros me dariam saber e eu tiraria notas boas? Mas ele sabia que os escoteiros não tinham culpa. A culpa era dele. Seu pai sabia, disse que se ele repetisse seria castigado. Nada de escoteiro, nada de internet, nada de nada. Não tinha saída, a patrulha se preparou para sair na quarta às seis da manhã. Jornada longa, onze quilômetros. Desmarcar? Ele sabia que Tomé o monitor não iria aceitar.

                               - Diremos ao seu pai que iremos a tarde, mas não será verdade. Você Mozart pode seguir e nos achar facilmente nas planícies do Vale da Lontra. Não é difícil, faremos um mapa, um croqui e se sair às duas as seis vai chegar! – Mozart pensou. Uma mentira? Nunca mentiu, mas a vontade de estar com eles era tanta que aceitou. O pior, era novato, não entendia de mapas, croquis bussola nada. Partiu a tarde como se acreditasse que o vento seria sua bussola. Pegou a estrada do Vale conforme tinham explicado.

                                 Uma estradinha de terra onde nem carro passava. Cinco quilômetros e ela terminou. - E agora? A explicação é que seu final seria em uma porteira e uma bifurcação apareceria. Nela devia entrar. Mas cadê a porteira? – Mozart estava com medo. Muito medo. A estrada acabou agora só uma trilha. Mais uma hora e o sol iria se por. Não sabia o que fazer a não ser seguir em frente. A trilha foi diminuindo ate que chegou a uma floresta escura. Mozart parou sem saber aonde ir.

                                  Nos seus onze anos começou a chorar. Menino medroso, sem experiência não sabia o que fazer. A noite foi chegando e ele tremendo de medo. Acendeu um foguinho com o isqueiro que pegou de seu pai. Nem o calor nem a chama lhe deram ânimo para tomar uma decisão. A Floresta falava, ouvia gritos distantes, rosnados e sons que ele não tinha nenhuma condição de explicar. O medo era tanto que dormiu abraçado a sua mochila. Um barulho, sorrisos, alguém gritou: - Vamos lá Mozart, é hora de partir. Acordou com o sol da manhã e viu a patrulha rindo a sua volta, o fogo apagado, uma noite mal dormida, mas salvo pelo gongo. Foi um belo acampamento. Cinco dias inesquecíveis. Tomé contou na conversa ao pé do fogo que alguma coisa tinha acontecido. Voltaram pela manhã e o acharam na “boca” da Mata.


                              Mozart quando chegou em casa contou para seu pai. Prometeu nunca mais mentir. Seu pai nada disse só escreveu em um pedaço de papel: - A lição muitas vezes vem tarde demais. Aprender a fazer fazendo é uma arte, mas não abuse da sorte!


 Fale a verdade, seja ela qual for clara e objetivamente, usando um toque de voz tranquilo e agradável, liberto de qualquer preconceito ou hostilidade. Afinal se temos uma lei ela serve para que?

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Selma.


Selma.

                        Era guia. Quase nunca conversamos. Gostava de sorrir de gargalhar e parecia ser uma escoteira de bem com a vida. Há vi no pateo com os olhos rasos d’água. – Deveria me aproximar? O pátio estava vazio. Todos já tinham ido para suas casas. Aproximei-me. – Posso ajudar? – Não respondeu. Tentou me olhar nos olhos e não conseguiu. – Falou baixinho: - Chefe não quero voltar mais para minha casa! – Problema de difícil solução pensei. Sair de casa com aquela idade nem sempre era a melhor solução. – Abandonar todos? Não sentiriam sua falta? Ir para onde? – Ela não disse nada. – Selma, não sei o que ouve. Nem sei como ajudar. Só posso dizer para não sofrer por pequenas coisas que agora acha grande demais. Às vezes, o pequeno deslize é aumentado por uma palavra ou um pensamento negativo nosso até um ponto intolerável. Quem sabe alguém disse uma palavra ruim, fez crítica, uma ação intempestiva, um olhar, um gesto, um riso podem crescer de importância e chegar ao imprevisível.

                       Ela continuou calada. De cabeça baixa ainda chorava. – Selma se não me disser nada é por que não quer ouvir. Se não quer ouvir tome uma decisão. Vai para onde escoteira? – Meu pai Chefe disse que vai separar da minha mãe! – Quando o interpelei me disse coisas terríveis. – Ia ficar calado, mas resolvi dizer: - Não seria um momento de raiva? De dor? De perda? – Tente entender. Se você não ligar deixar que "entre por um ouvido e saia por outro" ou olhar por outro lado, certamente que, logo, tudo volta ao normal. Não dê valor ao que nenhum valor tem. Isto faz parte de todos nós. Muitas vezes queremos dizer a última palavra achando que com isto iremos convencer alguém que não quer ser convencido. Todo casal passa por crises. Algumas sérias outras de fácil solução. Quem sabe eles aceitarão o grande desafio e irão superar esta crise. Quem sabe eles irão ver que o amor que os uniu não deve ser sacrificado em nome da família. Mas se cada um quiser o seu canto minha amiga escoteira nada se pode fazer...

                   Vá para casa. Não interfira. Se disserem alguma coisa responda, mas não ponha lenha na fogueira por nenhum dos dois. Quando você reduz um lado negativo aumenta um lado positivo. Um meu amigo espiritual sempre escreveu que quando alguém lhe magoar ou ofender não retruque, não responda da mesma forma. Apenas sinta compaixão daquele que precisa humilhar ofender e magoar para sentir-se forte. Pense como ele. Ontem passado. Amanhã futuro. Hoje agora. Ontem foi. Amanhã será. Hoje é. Ontem experiência adquirida. Amanhã novas lutas. Hoje, porém é a nossa hora de fazer e de construir. Selma parou de chorar. Olhou-me e me agradeceu. Obrigado Chefe. Precisava ouvir palavras de amor e incentivo.


                Na reunião seguinte ela me procurou: – Chefe estou feliz. Tudo voltou com era antes. Obrigado Chefe, obrigado!

Uma longa viagem começa com um único passo. Portanto faça seu trabalho com os jovens como se fosse a mais longa de todas as jornadas em sua vida.

domingo, 21 de maio de 2017

Topázio.


Lendas Escoteiras.
Topázio.

             O trem noturno deslizava lentamente pelas montanhas e vales do Rio das Sombras. Topázio de olhos fechados não dormia. Nem apreciava a paisagem que descortinava pela janela escura sem lua e com milhares de estrelas brilhantes no céu. Desistira de pensar e de sonhar. Uma vida que nunca deu valor. Vivia por viver e nada mais. O que poderia esperar? Acreditar nestas velhas frases de autoajuda que devemos tentar sempre e não desistir? Um dia ele sonhou acreditou mesmo que teria o que queria e que sempre pensou em ter. Uma família, uma mulher amada, filhos um trabalho honesto. Onde ficaram seus sonhos? Qual estrada não tinha a ponte para ligar o sonho à realidade?

             Um som inaudível veio através da janela do vagão de segunda classe. Sentiu que o trem se aproximava de uma estação. Quem poderia cantar tão harmoniosamente naquele fim de mundo? Bem que o trem fizesse o que deveria fazer. Recolher aqui e ali os viajantes sem destino ou com passagem só de ida. Quando o trem parou viu que o cantarolar era de uma jovem com uma voz maravilhosa. Seus olhos e ouvidos ficaram alerta para tentar saber quem era a jovem que atraiu sua curiosidade. Na estação uma luz bruxuleante pouco dava para ver além de sua imaginação. O ruído incessante das caldeiras era como um aviso que a qualquer hora o trem iria partir.

              Um zum, zum e um roçar de pano com bastões vermelhos deixou ver meninos e meninas entrando no seu vagão de segunda classe. Foi um susto, sentiu um calafrio na espinha... Os sentimentos do passado se transformam em emoções de um tempo que já passou. Ele sabia que lembrar iria surgir uma pequena luz de felicidade em sua vida. Sorriu para si mesmo ao ver que eram escoteiros. Quanto tempo! Tempo demais para reviver. Tinha saudades? Ele nem sabia mais. Tinha se esquecido de tudo e sabia que sempre tentou afastar de sua mente a alegria de um passado distante sem volta sem retorno. Todo mundo deveria ter uma lembrança verdadeira que deveria durar até o fim de sua vida. O escotismo foi um acontecimento que ele nunca deveria esquecer.

               Quantos eram? Onze? Doze? Pode ser. Algumas meninas sorridentes. Qual delas cantava como um Uirapuru nas noites de luar? Olhou disfarçadamente para todas elas. Belas, meninas moças que aprendiam a vida na sua melhor forma com a natureza. Elas e eles garbosos, chapelões, mochilas esverdeadas, bastões pintados de vermelho e sorrisos em profusões. Ele sabia que nem todo mundo que chegou em sua vida iria ficar para sempre. O escotismo teve seu auge, seu momento e fora um passado que quase esqueceu. Fechou os olhos e pensou que não queria machucar duas vezes. Cada um educadamente sentou em um banco de madeira conversando alegremente sem incomodar os demais.

                Tentou dormir e afastar as belas lembranças dos campos floridos, dos vales escondidos entre montanhas envergonhadas querendo esconder tudo de tão belo que possuíam. Quantos acampamentos, quantas aventuras. Deus! Preciso afastar de mim este belo momento nunca vai me fazer diminuir o que sempre senti naquela ocasião. Eis que a menina escoteira finalmente se revelou, tinha um pequeno banjo e com ele fez o arranjo mais bonito que já ouvi. Ah o amor... Que nasce não sei aonde, vem não sei como e dói não sei por quê. Mas seus versos não eram assim. Falavam de coisas lindas que só os escoteiros sabem cantar...

              O tempo foi passando, o burilar de uma saudade corria como serpentes entre o rio das sombras e os vagões cinzentos cheios de gente procurando chegar ao seu destino. Ele semicerrou os olhos para fingir que não via o seu passado. Jovens amantes da aventura, dos sonhos dourados, das canções em noites de luar... Sabia que devia aproveitar a companhia de quem trouxe belas recordações de seu passado que ainda não passou. Afinal nunca sabemos o quando podemos partir. Um apito, outra estação e o adeus chegava ao fim. Eles desceram, a mocinha escoteira do banjo cantou a ultima estrofe: - “Coisas impossíveis nunca irão existir. Melhor esquecê-las que desejá-las”.


               Um silêncio sepulcral. Seu passado chegou em forma de meninos e meninas Escoteiras e partiram como se o vento os levassem para onde ele não podia mais ver. Olhou de novo pela janela. Ele sabia que se um poeta consegue expressar a sua infelicidade com toda a felicidade, como é que ele poderia ser infeliz? Afinal a vida é muito curta prá ser pequena. Uma resolução foi tomada. Partir para outra. Levantar, seguir o sinal de pista até que encontre o fim de pista. E se o encontra-se veria próximo o voltei ao ponto de reunião. Adeus passado, bem vindo futuro. Se for para recomeçar chegou a hora. E ele sabia que sua hora tinha chegado.

 “Amor é fogo que arde sem se ver; É ferida que dói, e não se sente; É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer”. Um antigo escoteiro que não teve escolha a não ser voltar no tempo e ver que tudo que foi sempre será!

sábado, 20 de maio de 2017

A escoteirinha dorminhoca.


Fábulas escoteiras.
A escoteirinha dorminhoca.

                        Apenas nove meses na tropa Escoteira. Valeu. Adorava. As reuniões os acampamentos tudo. Glorinha era uma menina esperta. Esperta mesmo. Todos diziam que era uma preguiçosa. Será? Ela não achava. Dizia ser uma sonhadora. Nas reuniões vibrava com jogos e outras diversões. Detestava fazer a limpeza na sede ou mesmo boas ações que a Patrulha criava. Nos acampamentos se deliciava. Claro, não armava a barraca, não cortava bambus (dizia que suas unhas eram perfeitas.). Lavar panelas? Nem pensar. O que ela gostava mesmo era depois do almoço procurar uma sombra e dormir! Como dormia.

                     Todas gostavam de Glorinha. Mas reclamavam muito. Ela não ajudava. Só vivia com pensamentos sonhadores. Um dia ela dormiu embaixo de um abacateiro frondoso. Sua Patrulha limpava o campo e lavava o vasilhame do almoço. Glorinha escapuliu e lá foi tirar sua soneca. Acordou era noite. Não viu ninguém. As barracas não estavam mais lá. Suas amigas escoteiras desapareceram. Glorinha ficou desesperada. Passou uma senhora idosa com um punhado de madeira na cabeça. – Me ajude minha filha! – Não posso – disse. Estou cansada. Passou um menino puxando um jumentinho que empacou. – Me ajude Escoteira – Não posso, estou cansada. Passou um homem pastoreando várias ovelhas. Uma correu. Ajude-me menina Escoteira! – Não posso estou cansada. 

                     Fechou os olhos preocupada. Onde todos tinham ido? Levaram inclusive sua mochila. Por quê? Um homem alto com cheiro de enxofre se aproximou. Tinha dois chifres na testa. Seus olhos vermelhos. Não tinha cabelos. Vestia uma capa preta que parecia sair fumaça. – Vim buscá-la disse. - Para onde? Perguntou. Para minha morada. Lá você vai gostar. Não precisa fazer nada. Lá ninguém faz nada. Só esquentar no foguinho que tenho. Fritar um braço, uma perna. Você vai adorar. Vai ficar toda “fritinha” e não vai fazer nada. Ele a pegou e a jogou em um buraco profundo. Glorinha gritou, e gritava quando acordou espantada. Um abacate caiu na sua testa e viu a Patrulha em volta dando risadas.

                      Ela viu que tinha sonhado. Aprendeu a lição. Morar com o diabo? Nunca mais. Agora fazia tudo. Lavava as vasilhas sorrindo. Cortava bambus. Armava a barraca e todas viram que Glorinha agora era outra. Era a que mais vibrava com boas ações. Nunca mais Glorinha cochilou debaixo de arvores. Ela sabia que o diabo quando dá uma mão ele tira com as duas e quem com o diabo deita com o diabo amanhece. Cruz credo!


                     Para encontrar o diabo, não é preciso madrugar.  Nem sempre o diabo é tão feio como o pintam. Mas eu aviso aos lobinhos, as lobinhas, os escoteiros e as escoteiras, cuidado com o diabo. Todos os diabos são parecidos e certamente vocês sabem que o diabo não é gente. E ele gosta muito de jovens do escotismo que tem preguiça e não cumprem sua promessa. E detesta a Lei Escoteira! Portanto se orgulhem e façam da Lei a vida de vocês. E livrem-se do Diabo! Risos.

O Diabo criou o medo, a dúvida e a preguiça. Deus criou a coragem, a certeza e a persistência. Cabe a nós escolhermos: - Servir a luz, ou, as trevas. Divirtam-se com a fábula de Glorinha, uma historia da carochinha feita para lobinhos.

sexta-feira, 19 de maio de 2017

Sombras de um destino.


Lendas Escoteiras.
Sombras de um destino.

            Chico Preto morava em baixo do Viaduto Monterrey. Alguém perguntou para ele se ele sabia o que era Monterrey. Chico Preto não sabia. Achou que podia ser um famoso brasileiro do qual nunca ouviu falar. Tamanduá seu amigo sorrindo lhe disse: Chico, Monterrey era a capital de um país chamado México! – Não era, mas Chico Preto deu de ombros e sorriu para seu amigo. Com 32 anos nas costas Chico era um ingênuo. Não lembrava porque morava ali, muitos o chamavam de sem teto, mas ora bolas, ele tinha um teto, o viaduto era sua casa seu lar. Ganhou de uma moça da prefeitura uma carrocinha. Era seu pedaço de chão. Rodava bairros, ruas e todos lhe davam um pouco do seu lixo especial. Chico Preto sorria, ajoelhava e dizia: Dona, que Deus more sempre em seu coração. Chico Preto tinha um sonho, ele sorria e sonhava mesmo sabendo que nunca iria se realizar. Ele queria ser Chefe Escoteiro, ser como o Doutor Jonny no seu uniforme novinho, fazendo a meninada correr prá todo lado. Todo sábado Chico Preto com sua carroça ia correndo até o Colégio Santo Ângelo. Bom demais. Ficava lá, olhando, sorrindo e pensando que um dia poderia ser um deles.

           Ralph Nelson era Escoteiro. Um escoteirinho de nada. Pequeno magro, mas que belo sorriso ele tinha. Seus amigos e conhecidos o admiravam pelo sorriso. Sua mãe sempre lhe dizia que não existe problema que não possa ser solucionado pela paciência. Cada dia que amanhece assemelha-se a uma página em branco, na qual gravamos os nossos pensamentos, ações e atitudes. Na essência, cada dia é a preparação de nosso próprio amanhã. Ralph acreditava demais em sua mãe. Não eram ricos, mas remediados. Conseguiu uma bolsa no Colégio Santo Ângelo pelo seu enorme saber. Ser lobinho foi um pulo. Todos o adoravam pela sua ingenuidade, pela facilidade em fazer amigos e pelo seu belo sorriso. Ele dizia sempre para si que devia sempre deixar um pouco de alegria por onde passasse. Na Patrulha Esquilo, era bombeiro lenhador. Adorava acampar. Não perdia uma reunião e era o primeiro a chegar e o último a sair. As palavras de sua mãe não lhe saiam da mente: - Meu filho a caridade é um exercício espiritual... Quem pratica o bem, coloca em movimento as forças da alma. Um dia Ralph notou um homem pobre, negro, aboletado no muro do Colégio a olhar para eles e sorrir, Ralph pensou: - Que belo sorriso!

                     Chefe Lontra, ou melhor, Doutor Jonny era aristocrático. Sempre foi Escoteiro, mas mantinha seu porte altivo sabedor de sua importância. Conversava, mas sem se expor demais. De família rica e importante na cidade aprendeu desde pequeno a não se misturar com a plebe, e nunca foi um homem bom com os simples, os pobres e os remediados.  Aprendeu que em um dia de crise, não devia se perturbar seguir em frente, e se possivel servir e orar esperando que suceda o melhor. Havia mais nesta frase que dizia: Queixas, gritos e mágoas são golpes em ti mesmo. Silencia e abençoa, a verdade tem voz. Mas ele só dizia a primeira parte. Achava que como Chefe era um bom cristão. Formou-se em Medicina e como bom clinico tinha fama entre os abastados. Nunca deu uma consulta de graça e os que o procuram pagavam com alegria seus conselhos. Tinha bons contatos com a alta cúpula Escoteira. Fora convidado muitas vezes para interagir com eles ou mesmo ser um deles. A falta de tempo o impedia. Já tinha conquistado a Insígnia e se achava satisfeito com sua tarefa atual.

                 Dizem os historiadores que a tragédia nunca foi bem explicada. Ralph o Escoteiro feliz fez amizade com Chico Preto, se tornaram bons amigos. Ensinou a ele as Leis Escoteiras e Chico decorou. Ensinou sinais de pista, nós e orientação. Disse que um dia iria tomar a sua promessa. Chico Preto se sentia o homem mais feliz do mundo ali na companhia daquele escoteirinho a quem passou a amar como um amigo fiel que nunca teve.  Pensou para sim mesmo que era hora de largar qualquer sombra do passado no chão do tempo, qual a árvore que lança de si as folhas mortas. Iria ser outro. Iria estudar, ser alguém e com a ajuda de Ralph seria um Chefe Escoteiro. Afinal aquela frase não o abençoava? – Infelizmente a felicidade dura pouco e cada um tem de viver seu destino. Completando seu pensamento que Deus permita a todos serem como quiserem, e a mim como devo ser.

                Chefe Lontra no seu Mustang vermelho estava indo para ver sua noiva Isadora. Ele não sabia se amava aquela mulher. Mas ela lhe fazia bem e lhe dava paz e alegria. A sabedoria superior tolera, a inferior julga; a superior perdoa, a inferior condena. Tem coisas que o coração só fala para quem sabe escutar! Ele não acreditava no que via na Rua do Perdão. – Sentado na calçada Ralph e aquele pobretão! Como o chamavam mesmo? Chico Preto um sem teto sem eira e nem beira. Isto não podia acontecer. Um rancor enorme em seu coração. Um Escoteiro puro com alma de criança sendo seduzido por um negro bandido e sujo! Ele nem se lembrou das lindas palavras que um dia ouviu: - Perdoa agora, hoje e amanhã, incondicionalmente. Recorda que todas as criaturas trazem consigo as imperfeições e fraquezas que lhe são peculiares, tanto quanto, ainda desajustados, trazemos também as nossas. Não ia interferir. Não ia sujar suas mãos naquele negro imundo. Ligou para Belzebu. Ele lhe devia favores e sabia com fazer.
               
                 Que eu não perca a vontade de doar este enorme amor que existe em meu coração, mesmo sabendo que muitas vezes ele será submetido a provas e até rejeitado. Chico Preto sorria pensando que amar a todos era o mais sublime dos artigos Escoteiros. Sonhava em fazer uma promessa. Iria prometer mesmo com uma vontade enorme de doar seu coração a toda à fraternidade Escoteira.  Ele aprendeu que ninguém quer saber o que fomos o que possuíamos que cargo ocupávamos no mundo; o que conta é a luz que cada um já tenha conseguido fazer brilhar em si mesmo. Foram cinco estampidos. Todos atingiram seu alvo. O coração de Chico Preto. Ele sorrindo caiu no asfalto ensanguentado. Ele sabia que tinha morrido. O que viu não o assustou. O céu azul, nuvens lindas indo em sua direção. A canção da Despedida que Ralph um dia ensinou a ele era cantada maravilhosamente por muitos meninos e meninas Escoteiras. Alguém de Barbas Brancas lhe deu a mão e subiram aos céus para o reino de Jesus.

                  A história conta que Ralph nunca mais sorriu. Só voltou a sorrir no dia que foi encontrar Chico Preto em uma estrela cadente no céu. Doutor Jonny dizem morreu de desgosto. Não pela morte de Chico Preto, mas pela tristeza de Ralph. Viu seu escoteirinho definhar até que um dia partiu deste mundo e pela primeira vez sua mãe, seus amigos de patrulha e todos do Grupo Escoteiro o viram sorrir. Nada como terminar dizendo: - Gostaria de dizer para você que viva como quem sabe que vai morrer um dia, e que morra como quem soube viver direito. A caridade é um exercício espiritual... Quem pratica o bem, coloca em movimento as forças da alma.


Nota – Muitas das frases aqui citadas foram escritas por Chico Xavier.

quinta-feira, 18 de maio de 2017

O pecado de todos nós.


O pecado de todos nós.

                              Disseram-me uma vez que ser feliz não é pecado. A felicidade é desprezada por muita gente. É irritante ver alguém naturalmente lindo, rico, simpático, inteligente, culto, talentoso, apaixonado e, ainda por cima feliz! Estou citando isto porque quando conheci Diego pela primeira vez ele era quase tudo isto. Ele conseguiu dar alma ao Grupo Escoteiro Ventos do Norte. Trouxe o sorriso que faltava e todos ali o amavam. Um invejoso comentou que seu jeito, sua maneira de falar e andar, sua voz cheia de trejeitos poderia trazer resultados danosos ao movimento Escoteiro. Diego apareceu do nada e do nada se solidificou como pessoa importante na parte burocrática e em tempo algum alimentou seu sonho de um dia ser um Chefe Escoteiro ou de lobinho. Doutor Janílson o Diretor Técnico não sabia de onde ele veio. Não tinha filhos no Grupo e alguns o conheciam na cidade porque era gerente das Lojas Abil, famosa pelos seus vestidos feitos pelos maiores estilistas do mundo. Ali se encontrava um Gabriell Miuccia Prada, um Bonheur Chanel, um Christian Dior ou mesmo um John Galliano sem falar nas famosas bolsas Louis Vuitton.

                         Era bem quisto pela sociedade local e muitas madames o procuravam diretamente para ser atendidas por ele. Diogo tinha um grande amor. O Escotismo. Como surgiu ninguém soube. Era incansável na colaboração ao Grupo Escoteiro. Conseguiu com suas amizades vultosas colaborações financeiras para o Grupo. Nunca fez a promessa e com seus olhos brilhantes admirava quando alguém no cerimonial jurava a Deus e a Pátria Ele sonhava em fazer a promessa, mas sabia que no Grupo Escoteiro seus trejeitos eram considerados anormais havia muito preconceito por pessoas como ele. Ele respeitava a todos. Mas não era o que pensava Jonny Vampuso. Ele mesmo se perguntou varias vezes se estava certo eles terem no Grupo Escoteiro um sujeito que era conhecido como um homossexual ou um sapatão.

                               Uma das maiores alegrias de Diogo foi quando a Akelá Sophia o convidou para ajudar no acantonamento distrital. Ele nunca se sentiu tão feliz. Parecia estar em casa, ou melhor, no paraíso. Os lobinhos o adoravam e os chefes passaram a ter por ele um carinho todo especial. Quando retornaram pensou que o Doutor Janílson o Diretor Técnico o convidasse para ser um assistente. Mas nada aconteceu. Ele não sabia que seu algoz Jonny Vampuso já tinha feito sua cama não só com o Chefe do Grupo e com boa parte do Distrito e região. A gente sabe que pessoas preconceituosas, são reflexos de defeitos não revelados por eles mesmos. Não se sabia o porquê de um dia o chamarem no Escritório Regional. O Doutor Janílson se desculpou e não foi com ele. Diogo sentiu-se um cordeiro a mercê dos lobos.

                Eram quatro dirigentes. Sisudos. Cara feia. Nem um sorriso. Eram chefes Escoteiros zelando pelo bem da moral escoteira.  Fizeram mil perguntas e no final da reunião um querendo mostrar ser boa praça o convidou para um café. Falava baixinho, sobre o que pensavam dele, sobre os resultados maldosos que o escotismo poderia ter com sua presença, chegou até a citar Paulo Coelho que disse que quem tentar possuir uma flor, verá sua beleza murchando. Mas quem apenas olhar uma flor num campo, permanecerá para sempre com ela. – Você meu amigo ele disse, sabe que não o aceitam em todos os lugares, sei que isto é cruel. Aceite meu conselho peça demissão e vá embora do Grupo Escoteiro. Vamos evitar rusgas e processos inúteis.

                                Diogo foi para casa com a alma ferida. Ele sabia o que não era o que pensavam e que a vida o obrigou a fingir o que não era. Chorou no ônibus, e a tristeza o invadiu por muito tempo. Pediu demissão de um cargo que não tinha e saiu do Grupo Escoteiro Ventos do Norte. Ficava aos sábados sonhando com seu passado Escoteiro que para dizer a verdade nunca existiu e nunca iria existir. Ele sabia que as nuvens das tristezas são como o vento. Quando elas desaparecem o dia fica mais lindo. Pensava em enfrentar os maledicentes, dizer que eles não eram os donos da verdade. Falava para si mesmo que nunca devia deixar de fazer algo de bom que seu coração pede. Se isto acontecer o tempo poderá passar e as oportunidades também.

                                  Quando naquela tarde Jonny Vampuso entrou na loja com sua noiva para comprar um vestido de noiva ele pensou em não atendê-lo. Afinal ele sabia que o dedo duro foi ele. Porque fizera isto? Ele nunca lhe tinha feito nenhum mal. Ele sabia que seu coração não podia odiar. O atendeu até melhor que muitos que ali estiveram. A noiva de Jonny Vampuso se encantou com Diogo. Na saída Jonny Vampuso num impulso de bom Escoteiro foi até ele e lhe pediu desculpas. Diogo pensou consigo se aceitaria seu pedido. Ainda tinha uma mágoa guardada em seu peito. Sabia que Jonny Vampuso errara e não lhe negaria o perdão. Pensou mesmo em não apertar sua mão. Mas quando viu que ele lhe dera a esquerda, aquela que dizem ser do coração ele aceitou. Quando Jonny Vampuso foi embora as lagrimas desceram novamente.

                               A vida escoteira de Diogo se encerrou ali. Naquele mesmo dia dois menores entraram para roubar e deram um tiro certeiro em Diogo. Morreu na hora. A sociedade em peso tristonha, mas não participativa não foram as suas exéquias. As Madames que ele sempre atendia com presteza e que sempre o trataram como um cão fiel também não foram lá. Ele sabia o que as madames queriam. Ele sempre elogiava dizendo: Eu posso reconhecer a senhora entre mil. Os seus passos têm a magia das grandes senhoras. A sua voz Madame é o sinal maior do meu momento feliz e às vezes Madame, vocês não precisam nem falar, eu sei o que querem!


                                 Eu fui ao enterro de Diogo. Simples. Nenhuma Madame presente. A sociedade não perdoa bajulação sem motivo. Escoteiros? Uns cinco lobos e a Akelá chorosa. Doutor Janílson apareceu para dizer olá e se foi. Jonny Vampuso também apareceu e ficou pouco tempo. Quando a terra sagrada o cobriu avistei uma senhora magrinha, vestida simplesmente, com um menino nos braços e em uma das mãos uma menina de uns oitos anos chorando. Não tendo mais ninguém lá elas se aproximaram da última morada de Diego. Fiquei curioso. Aproximei-me. – Vocês o conheciam? – A menina chorando e soluçando disse – Era meu pai! A Senhora me contou que era sua esposa. Ele fez um trato com ela quando casaram. Tenho meu amor que fingir o que não sou. Meu trabalho me obriga. A sociedade que eu atendo sente-se satisfeita com minha voz, meus trejeitos e sabe, um dia vamos embora daqui.

Que vida, pensei. O acusaram de ser o que não era. Mas de quem seria a culpa? Dele? Dos que viveram a sua volta? Ou dos preconceitos que norteiam uma sociedade que não aceita os direitos dos que se acham possuídos dele? Que os anjos estejam com você Diogo. Para sempre!

Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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