quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

O Cantil.


Lendas Escoteiras.
O Cantil.

              Encontrei o Pirilampo antigo Escoteiro da Touro sem querer na Avenida São João. Como sempre foi aquela alegria, aquela velha chama onde dois antigos escoteiros se encontram e os sorrisos as lembranças acontecem sem querer. Um barzinho, um chope e logo perguntei a ele sobre se conseguiu achar o seu cantil. Ele sorriu gostosamente. Vi suas lembranças voarem ao passado. – Monitor! Ele está lá, na minha casa, na sala em um quadro de honra. – Eu não estava com ele quando tudo aconteceu. Ele da Touro e eu da Lobo. Soube que voltou sozinho e o que aconteceu não me foi contado. Ele bebeu um gole, suspirou fundo e começou a contar:

             Olha Monitor, foi naquela aventura Sênior no Vale do Pastoril, cansados resolvemos pernoitar na descida do Morro Vermelho, em local conhecido próximo a Nascente do Riacho da Grota. Ainda tínhamos pelo menos uns 15 quilômetros a percorrer até chegarmos à sede. Professor nosso monitor você sabe era experiente e a gente confiava muito nele. Patrulha Sênior, bastante experiente todos sabiam o que fazer. Valete rapidamente fez uma sopa e um café fumegante. Em volta de um fogo estrela, já alimentados ficamos até tardão com cantigas e histórias. Foi por volta da uma da manhã que o céu desabou em cima de nós. Nunca vi tanta chuva e tanto vento. Foram quase quatro horas de chuva torrencial.

          Não tínhamos armado barracas e nos enrolamos uns aos outros com uma corda e uma lona jogada por cima. Eu só dei falta do meu cantil pela manhã. Chovia ainda uma “pingada” daquelas que dá para enfrentar. Procurei por toda parte e nada. Azulão foi quem me disse que ele podia ter caído na Grota do Riacho Fundo, um buraco no meio da montanha onde descer era quase impossível. Meu coração disparou. Você sabe que eu não era chorão, mas comecei a soluçar baixinho. Professor me deu uma sacudidela e disse: - Quer descer até lá? Eu sabia que iriamos demorar quase oito horas para fazer a volta e mais seis para retornar. Isto se achasse meu cantil.

          Disse ao Professor que não. Eu iria voltar na semana seguinte e se necessário ficaria uma semana até encontrá-lo. Você sabe a historia do meu Cantil. Naquela época era orgulho para cada um conseguir trabalhando o dinheiro necessário para a compra dos apetrechos escoteiros. Até mesmo Nolasco, filho do Coronel Saldanha, o mais rico da cidade não aceitou o dinheiro do seu pai para fazer o uniforme. Trabalhou até conseguir a quantia necessária. Era um tempo que todos nós tínhamos nosso chapéu, nosso cantil, nossa machadinha e nossa faca escoteira. Ninguem ficava sem a moeda da boa ação e do distintivo de lapela. Todos sabiam o quanto trabalhei para comprar o cantil. Eu o chamava de Legião, pois na época me contaram que ele veio de lá.

            Eu o vi pela primeira vez quando voltava da Oficina do Meu pai. Sempre dava uma passadinha na Loja de Seu Alfredo. Era o único que vendia material de camping e eu costumava ficar algum tempo a namorar os canivetes, as facas, as mochilas e as machadinhas importadas. Quando vi o cantil dependurado foi amor à primeira vista. – Quanto seu Alfredo? – Ele sorriu e falou baixinho. Escoteiro, acho que não vai dar para você. É muito caro. Veio do Cairo uma cidade nas estranjas e dizem que foi achado próximo a um legionário morto próximo a Sidi Bel Abbès na Argélia. Eu nem imaginava o que era isto. Era história para mim desconhecida. Mas amei o cantil e daria tudo para ele ser meu.

            Comparando com o dinheiro hoje ele me falou que iria me custar por volta de Setecentos reais. Caro demais. Não desisti. Trabalhei feito um louco engraxando, limpando quintais, fazendo serviços extras no armazém do Seu Chico e quando tive a quantia necessária fui correndo comprar o cantil que não saia da minha mente. Todos os escoteiros e Seniores correram para ver. Eu o enchia de água gelada e levava para todos se deliciarem. Ele o cantil fazia parte de mim em todas as atividades e acampamentos escoteiros que fiz. Voltei ao Vale do Pastoril com o Professor e o Malmequer, o nosso cozinheiro. Descemos até a Grota do Riacho fundo. Não foi fácil. Nunca vi um caminho tão difícil.

            No primeiro dia nada, no segundo eu o vi dependurado em um barraco em um galho de árvore de difícil acesso. Ficamos horas planejando com chegar lá. Malmequer foi até a Fazenda Graúna ver se tinham cordas e eles emprestaram sem cobrar. Ficamos dois dias para chegar ao galho. Eu preocupado com Professor e Malmequer, pois eles estavam perdendo dias de aula e isto não era bom. Mas eis que no terceiro dia conseguimos. Voltamos. Eu sorria o sorriso do Escoteiro de bem com a vida. Daquele dia em diante ele só me acompanhava quando eram acampamentos comuns. Nas grandes jornadas eu o deixava em casa. Até hoje Monitor eu fico horas olhando para ele e lembrando nas nossas grandes aventuras Escoteiras.


             Minha mulher e meus filhos acham que fico tantan quando olho para o meu cantil das Estranjas. O meu Legião. Olhei no relógio, precisava voltar a minha casa se não era preocupação na certa. Abraçamo-nos, cumprimento batendo os calcanhares, meia saudação firme e forte e cada um seguiu o seu caminho. Célia sorriu quando contei para ela a historia. Dizem que lembranças machucam. As boas, mais ainda. Eu não penso assim. Prefiro lembrar que as coisas boas da vida
não são aquelas que duram para sempre. Más são aquelas que deixam boas recordações. Sempre Alerta!

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