quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Joviano Escoteiro também fez sua revolução.


Vale a pena ler de novo.
Joviano Escoteiro também fez sua revolução.

              Dizem que histórias são histórias, mas para que servem as histórias? Não são para contar o que aconteceu ou então florear um fato que poderia ter acontecido? Ninguém pode contestar Joviano. Se ele foi um fato ou não isto não importa. Ele foi o primeiro Escoteiro que participou da batalha de Itararé. Um Escoteiro sem Chefe, sem Monitor e demorou muitos anos para ele formar sua primeira patrulha. Contaram-me que ele achou na Casa de Dona Helena, sua madrinha um livro Escoteiro que ele devorou em cinco dias. Demorou, pois lia mal para os seus onze anos. Sabia que seu pai nunca iria lhe dar o uniforme e sua mãe mesmo costureira nunca ia fazer. Mas onde arrumar o meião? O chapéu? Lembrou-se de uma página do livro que dizia – Se quer realizar o que pensa, comece. Tudo precisa de um começo. Pediu emprestado ao Juca do Nestor a caixa de engraxate. Ia usar nos dias de semana, pois aos sábados e domingos ele utilizava.

                 Quando bateu do balcão da Loja do Senhor Euclides ele tinha um belo sorriso. Saiu de lá com o embrulho do pano de seu futuro uniforme. Sua mãe riu quando viu, mas não negou a fazer para ele. Dois dias e ficou pronto. E o lenço? Tinha visto um do seu pai que ele usava quando foi boiadeiro. Serviu na mosca! Nem imaginou que o Zózimo da vendinha perto da igreja tinha um meião. Nem cobrou deu a ele de presente. A meninada de Itararé já sabia o que ele estava fazendo. Muitos também queriam fazer o mesmo – Ele disse – Faça o uniforme e vai ser da minha patrulha! – Que patrulha é Joviano? A patrulha Maçarico! Uma patrulha de Baden-Powell. - E quem foi ele? O criador do escotismo. – E o que fazem os Escoteiros? Joviano riu. Não sabe? Acampam, correm pelos montes, fazem sinais, transmitem mensagens – Ele vibrava com isto. Sua casa sempre cheia de meninos para ver o tal livro dos Escoteiros.

                 Todos os dias depois da aula Joviano desfilava com seu uniforme na cidade. Garboso, sorrindo, marchando lá ia ele de rua em rua. Queria cantar uma canção dos Escoteiros, mas viu somente a letra – Rataplã do arrebol! Ele precisava aprender a musica. Uma tarde Joviano levou um susto. Um trem chegou cheio de soldados. Todos querendo saber para que. Seu pai não era muito comunicativo e custou para dizer que eles iriam defender o Túnel da Mantiqueira que levava a Passa Quatro em Minas Gerais. – Pai nós estamos em guerra? – Não filho, apenas uma revolução, mas fique tranquilo, aqui as tropas legalistas não entram! – Ele não sabia o que era legalista, mas não importava. Logo uma montanha de barraca emergiu no campo do Machado. Ele no seu uniforme foi para lá. Fez amizade com um praça cujo nome ele nunca perguntou. Gostava de ver ele todos os dias escrevendo para seus pais:

- Meu pai e minha mãe, escrevo da cidade de Itararé. Não se preocupem aqui estamos numa estação de repouso. Que terra adorável, somos servidos por garotas do outro mundo (não conte para a Mirtes). Sabemos que somos simples soldados e que sempre somos levados ao nosso posto de fronteira. Todas as notícias que circulam de Itararé são falhas. Não temos um ferido sequer. A vida de soldado raso é admirável. Pouco trabalha e só vive a comer reclamar e tapear os outros. Risos. Um dia chegou um trem blindado vindo da capital. Joviano correu para ver e ficou pasmado. Pela primeira vez ele conheceu o Capitão Neco que todos chamavam de Fantasma da Morte. Ele até esqueceu sua vida de Escoteiro e acompanhava o capitão para todo o lado.

                 Mas nem tudo são flores. Os Legalistas tentaram invadir Cruzeiro e as Tropas Paulistas abriram fogo dentro do Túnel da Mantiqueira. Joviano ficou de longe espiando o tiroteio. A noite dormiu em um acampamento de Soldados Paulistas. Foi o Malaquias, um moreno forte quem contou para ele dos Escoteiros da capital e de Campinas. Ele contou uma história que o emocionou. Um menino Escoteiro de nome Aldo Cuioratto juntamente com muitos outros ajudaram as tropas como estafetas. Foi então que Joviano lembrou uma passagem de seu livro do fundador quando na guerra do Bóer, na cidade de Mafeking o coronel Baden-Powell usou meninos como estafetas, almoxarifes e muitas outras atividades.

                 Joviano pensou no heroísmo de Chioratto e quando soube que ele morrera em combate chorou. Um choro compulsivo, mas com uma revolta grande. Chamou seus amigos para fazerem o mesmo que os Escoteiros paulistas faziam. O Capitão Neco não quis e os mandou de volta. Joviano insistiu e o Capitão deu de ombros. Com seu uniforme Joviano liderava outros seis meninos. Ficavam até tarde ajudando os feridos, levando e trazendo mantimentos. No final ele soube que ali no túnel da Mantiqueira morreram mais de duzentos soldados. A guerra acabou. A cidade voltou a sua calma. As moçoilas chorando seu amor partir. Joviano foi aclamado pela cidade como um verdadeiro soldado revolucionário. Do Capitão Neco recebeu um capacete de aço e uma adaga.

                 Os anos passaram. As marcas da revolução ainda sobrevivem e se tornaram pontos turísticos principalmente o Grande Túnel da Mantiqueira. Joviano agora Chefe Escoteiro se tornou guia turístico. Ele sempre estava lá junto aos visitantes a dizer: - Só no Grande Túnel da Mantiqueira eu encontrei duzentos corpos. Acreditava que existiram outros, porque tem ainda os que moram lá e que tomaram, por exemplo, as balas perdidas. Em uma trincheira próximo ao túnel mais cinco soldados mortos que tentei socorrer. Para mim, continuava, nossos soldados foram heróis. Lutaram com forças quatro vezes maiores. Eles cantavam e sorriam nas trincheiras. Nossa cidade permaneceu firme apesar de muitas outras a população fugir. Vi caminhões lotados e vi a metralha das tropas federais. A cidade ficou estarrecida quando um avião federal sobrevoou a cidade. Muitas pessoas saíram às ruas admirados. No avião sem saber que havia mulheres e crianças a metralha pipocou deixando dezenas de mortos. 


                Joviano viveu até os setenta anos. Morreu com seu uniforme Escoteiro e deixou no seu Grupo relatos do que viu e participou. Para ele o Capitão Neco foi o Fantasma da Morte. Nunca se escondeu da metralha. Sua história que alguns tentam transformar em livro termina citando o capitão: - Foi tentando consertar os trilhos e reativar o trem, que um comandante paulista disse uma das frases mais famosas da revolução. O capitão do Exército, Manoel de Freitas Novaes, conhecido como Capitão Neco, comandante das tropas na região tinha a missão de colocar o trem blindado para andar novamente. "Ele foi com um destacamento, mas os soldados desistiram no caminho. Contudo, o capitão manteve sua posição. Quando foi cercado pelos inimigos, foi questionado diversas vezes. Diziam: paulista se renda, e ele respondia que 'um paulista morre, mas não se rende'. Ali foi ferido e acabou morrendo em Cruzeiro".

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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