quarta-feira, 24 de agosto de 2016

E a vida continua...


Vale a pena ler de novo.
E a vida continua...

                  - Você a conheceu? Olhei para Liz, fechei os olhos e minha mente passeou no tempo. – Foi minha melhor amiga. Sempre me lembrei dela e nunca esqueci seu sorriso quando naquele sábado chegou à sede escoteira, com sua mãe praticamente a puxando, pois ela chorava sem parar. – Não quero! Não quero! – Ela usava um vestidinho comprido rosa, cabelos presos em um rabo de cavalo e pensei comigo: - Outra chorona? Apresentaram-me despretensiosamente. Esta é Ruth, vai ser Lobinha, será da sua matilha. – Olhei para ela, tinha parado de chorar. Olhava-me espantada e sem perceber me deu sua mão e um sorriso. Sorri também. Ali nasceu uma grande e bela amizade. – Liz perguntou novamente: - E sua vida você ficou sabendo de tudo que aconteceu? – Não respondi de imediato. Era um tema que me doía muito. O que aconteceu para mim foi um golpe do destino. Somente balancei a cabeça para Liz e meus pensamentos não eram mais meus, eram do meu passado.

                      Ruth confiava em mim. Na matilha sempre me procurava para pedir ajuda. Nos jogos ficava ao meu lado, nos acantonamentos não saia de perto de mim. Não sei se a Akelá e o Balu viam tudo aquilo com bons olhos. Pelo menos nunca me disseram nada. Ruth cresceu. Eu também. Muitos disseram que um dia seriamos um do outro. Não era verdade. Amava Ruth como uma grande amiga. Parecia mais uma irmã que não tinha do que minha namorada. Fiz a passagem para a Tropa primeiro que ela. Como chorou. – Gritava e dizia: - Não vá! Não sei viver sem você! Se for não serei mais Lobinha. Já sendo apresentado à patrulha Tico Tico voltei. A abracei tentei consolá-la, mas não adiantou. O tempo ajuda tudo. O tempo faz esquecer, o tempo muitas vezes é cruel. Um ano depois ela chegou até a mim sorrindo. – Vou fazer a trilha, breve estaremos juntos outra vez. Sorri, tinha aprendido a ficar longe, mas sentia uma falta enorme da minha amiga Ruth.

                       Muitos me criticaram pela proteção que dei a Ruth na Patrulha Onça Parda. Não era a minha. Tentei falar com o Chefe, mas ele não me deu ouvidos. Hoje acho que foi até bom. Ruth cresceu internamente e externamente. Ficou uma moça bonita, todos se aproximavam dela. Claro que sentia ciúmes, mas não de um namorado, pois eu já há tinha no meu coração e sabia que ela ficaria ali para sempre. Brincamos, acampamos, éramos amigos escoteiros na sede e fora dela. A levei ao cinema ao Shopping, fomos passear de trem e como era linda quando sorria olhando pela janela o trem voando como se tivesse asas. Fui para os Seniores e não sei como ele deu um jeitinho e antes de fazer quinze lá estava também. – Olhei para Liz. Meus olhos encheram-se de lágrimas. Era cruel lembrar-se de tudo dos detalhes dos acontecimentos e saber que do destino ninguém consegue sair facilmente.

                        Assustei quando ela me procurou depois da reunião. – Meu amigo ela disse, vou-me embora. – Embora? Para onde? Sua família vai mudar? – Os olhos dela se encheram de lágrimas. – Conheci alguém. Apaixonei-me perdidamente. Os pais dele não aceitam minha mãe acha que sou nova para isto, mas você sabe que sei o que faço que sou bastante madura nos meus quinze anos. Hoje me considero alguém que amadureceu só por ter encontrado um grande amor. – Não perguntei quem era, seria desagradável perguntar. Achei que ela iria me dizer quem. Não disse. – Me abraçou me deu um beijo na face, segurou minha mão esquerda com a dela, apertou e disse: - Adeus! E partiu sem ao menos dizer o porquê, e a quem iria dar seu coração.

                         - Deus Liz, foi demais. Parecia que o amor abandonado era eu. Mas nunca disse que a amava para mim eu era seu melhor amigo, seu irmão que ela nunca teve. Um ano depois fiquei sabendo quem foi que conquistou seu coração. Rodney Sacramento. – Impossível pensei. Ele tinha vinte três anos e ela quinze. Sua mãe foi quem me contou. Saiu com a roupa do corpo. Só me disse que ia embora e nunca mais iria voltar. Quando lhe perguntei ela disse: - Mãe eu amo Rodney, ninguém acredita, dizem que ele não é homem para mim, é mais velho e eu nem conheço a vida. Mas como mandar no meu coração? Eu o amo demais. E partiu. – Olhei para a mãe dela que chorava e suas lágrimas não paravam de cair. Meu tempo de Sênior se foi. Para dizer a verdade eu nunca a esqueci.

                           Foi na semana passada Liz que eu soube que ela tinha voltado. Pense bem, nunca deixei de ser Escoteiro, você sabe que é a mulher da minha vida. Nossos filhos são tudo que um homem como eu pode desejar. Mas você soube da história, nunca me perguntou e eu achei que não deveria contar. Eu a procurei sim, vi que ela precisava de ajuda. Sua mãe a internou no Sanatório Santa Maria. Quando a vi estava em pandarecos. Magérrima, os olhos escamoteados, o rosto cortado e cheio de rugas. Poxa! Eu sabia que ela não tinha nem vinte e seis anos. Quem a maltratou deste jeito? O médico me disse que ela tinha uma tuberculose avançada. Não sabia se podia curá-la. Deixou-me vê-la em seu quarto que repartia com mais seis outras mulheres. Ela tinha os olhos fechados. Não abriu. Tentou sorrir, mas não era mais o sorriso de outrora. Só falou baixinho – Eu sei que é você!

                            Ficamos ali calados, eu nunca iria perguntar a ela o que aconteceu. Nunca iria dizer que eu sabia do seu erro de sua aventura que não ia dar certo, que eu podia ter lhe aconselhado. Mas quem é dono da verdade? Eu? Não sou. Perguntei-me em pensamento se não erraria também. Não tive um amor assim, amava sim você Liz, amava e amo demais. Você me deu tudo que eu tenho e sou reconhecido por isto. Hoje soube que ela morreu. Não deixou testamento. Não contou a ninguém sua história. Fui lá na sua campa. Não havia ninguém. Tornou-se uma desconhecida, sem amigos, sem pais sem ninguém. Eu não poderia abandoná-la nestas horas. Sentei na grama de sua sepultura e chorei. Precisava chorar. Rezei sim, pedi ao Pai que desse a ela a alegria de novo, daquela Lobinha que conheci e que sorriu para mim pela primeira vez na matilha Azul. Tempos que se foram destino traçado, ruídos da noite que marcaram uma vida.


                            As coisas tem que passar, os dias têm que mudar, os ares têm de ser novos e a vida continua isto não há como mudar. Todos sonham em ser feliz, uns sim outros não. Alcançar a felicidade é fugir das dificuldades que encontramos sempre em nossa frente. E assim a vida continua, ganhando, perdendo, sorrindo e chorando... Construímos nossa história em momentos fragmentados no dia a dia, detalhes perpetuados na memória e registros que só o coração é capaz de guardar... Vivemos em um mundo louco e cada dia mais acelerado, vivemos emoções variadas de segundos em segundos, nos perdemos em deslizes que são necessários para nosso amadurecimento... Procuramos desculpas no passado para alimentar melhoras futuras e nos esquecemos que o momento de se viver é agora, no presente, com todas as emoções e situações possíveis... Viva!

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

A lenda me ensinou a pegar estrelas...


Lendas Escoteiras.
A lenda me ensinou a pegar estrelas...

             Existem histórias mais lindas que não seja aquelas contadas como uma lenda? Onde os acontecimentos são misteriosos, sobrenaturais e podemos misturar os fatos reais com os imaginários ou fantasiosos? Eu conto histórias, portanto, também conto lendas. De um simples fato o transformo além do imaginário popular, além da imaginação. A linguagem da escrita vai se modificando e a gente deixar a mente voar pelo espaço procurando aqui e ali pontos que preencham a mente e satisfaçam aqueles que vão ler ou ouvir alguém contar... Era uma vez... Quantos adoram quando você começa uma história, estas três palavras são mágicas: - Era uma vez...  Lembro-me de uma história ou lenda, noite escura, três patrulhas de Escoteiros e duas de escoteiras. O fogo crepitava em um Fogo do Conselho inesquecível. Deixei o fogo ir diminuindo quando iniciei a história. O local era ideal, uma floresta densa e ali naquela clareira meninos e meninas esperavam ansiosos a história ou lenda que o Chefe iria contar.

           Levantei de um salto, olhei na mata e gritei: – Ouçam a floresta! Eu disse. Ela está lá, aguardando que alguém lhe mostre o caminho! Uma menina levantou assustada e perguntou – Quem Chefe? A Moça de Branco que um dia morreu ali naquela cabana e quem ninguém até hoje sabe por que seu marido a matou! Ela chora todas as noites ao andar ao leu pela floresta. A menina sentou de olhos arregalados, todos olhavam para a floresta. Eu corri até a entrada de uma trilha fechada e a chamei – Nina! Venha, não vamos lhe fazer mal! – Notei que todos procuraram ficar mais próximos uns dos outros. Ninguém falava, um silencio total!  - Não a chame você não tem este direito! Imitei uma voz cavernosa como se ele a voz estivesse ao meu lado. – Porque Lomanto? Por quê? Afinal você não a amava? Não disse que daria sua vida por ela? – Chorando com as lágrimas caindo sobre sua face ele me disse - Chefe, eu a matei com minhas mãos, mãos que gostavam de acariciar seu rosto. Eu me maldigo até hoje e sempre que posso saio do inferno que vivo para vê-la novamente aqui na floresta. Mas ela Chefe, ela não me quer mais. Diz aos gritos que me ama, mas não quer me ver. Ela não queria morrer Chefe! Ela amava a vida! E eu a matei!

           Voltei devagar de costas rumo ao pequeno fogo bruxuleante, falei baixinho e tão baixinho como se estivesse engasgado e com uma voz forte – Não vou apertar sua mão! Você é um fantasma assassino! Não venha aqui participar conosco, nenhum desses jovens meninos e meninos irá gostar de ver seu rosto cheio de cicatrizes, suas mãos apodrecendo, seus cabelos caindo, este cheiro de enxofre e seus braços cheio de bichos do inferno. Se afaste! – Um burburinho na tropa, se ajuntaram mais, o fogo ia diminuindo, a floresta parecia invadir a pequena clareira que nos servia de abrigo para aquele Fogo de Conselho. – Um menino noviço ainda tremendo me pediu quase chorando: - Chefe mande-o embora. Ele matou sua mulher, não quero vê-lo, por favor, Chefe! Alguns soluçavam, outros me pediram para parar. – Não tenham medo, eu vou clamar as almas do outro mundo presas no inferno para levá-lo onde ele merece ficar. Queimando para sempre junto ao Demônio.

           Não sei se era minha história, se era minha lenda, mas o fogo que quase se apagava de supetão se elevou no ar, a clareira ficou como se fosse dia. Milhares de fagulhas subiam para o firmamento. Um trovão se ouviu no céu. Todos deram as mãos, ficaram em pé e gritavam – Chefe queremos voltar à barraca, por favor, Chefe! – Calma jovens Escoteiros, não precisam ter medo, Lomanto foi embora, Nina com seu vestido branco também. Não vamos vê-los nunca mais. Terminei a lenda cansado, ofegante, dei tudo de mim para que ele fosse verdade. A cadeia da fraternidade foi feita rapidamente. Na volta ninguém queria ir à frente e ninguém atrás. Os Escoteiros e escoteiras estavam juntinhos e havia um silencio sepulcral. Foram dormir, muitos rezaram, eu fui para minha barraca. Estava só. Sentei em um pequeno toco onde ainda jazia um pequeno fogo que fiz antes do anoitecer e pensei na história na lenda que contei e um arrepio correu pelo meu corpo, senti uma mão no meu ombro, tremi da cabeça aos pés! – Olhei era ela Nina, vestida de branco, linda, a mulher que morreu. – Obrigado Chefe, o senhor me ajudou. Ele agora vai me deixar em paz!


        Fui dormir tarde depois da meia noite, sentia na pele o orvalho da madrugada caindo, dei a ultima volta nos campos de patrulha, todos dormiam, pensei comigo que história são histórias, lendas são lendas, mas existem algumas que podem se tornar realidade. Que Nina descanse em paz e que Lomanto se arrependa do que fez. Os anos se passaram. Minha mente voa a lembrar de quando contava histórias e lendas e fazia a escoteirada sorrir e sonhar. Contei centenas de histórias e lendas neste mundo de Deus. Em florestas, em montanhas, em vales enormes cheio de cachoeiras, em picos sem fim. Contei histórias nas campinas do meu estado e de tantos outros, contei histórias e lendas nas margens de um lago gelado história que ao contar gelei. Hoje passado muitos anos até hoje ainda encontro com alguns Escoteiros ou escoteiras que estiveram lá naquela clareira e sempre me dizem e juram que viram Nina chorar...

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

O lobisomem de Onda Verde e o valente Escoteiro Pedrito.


Lendas Escoteiras.
O lobisomem de Onda Verde e o valente Escoteiro Pedrito.

                      Não que Pedrito o cozinheiro da Patrulha Coruja fosse um “faloreiro”, ou melhor, um garganta na cidade de Onda Verde. Era uma cidade famosa pelo seu ar doce, onde se sentia o perfume das flores, onde a relva verde parecia uma onda espalhada sem mar. Calma, pacífica, menos de vinte mil habitantes era um paraíso para os que nasceram lá. Foi lá que nasceu Pedrito hoje Escoteiro da Patrulha Coruja. Pedrito adorava contar “patacas”, valentias e até criava histórias onde ele era o herói. Seu Chefe de Tropa sempre o lembrava do primeiro artigo da lei. Uma só palavra. – Pedrito deixa de ser garganta! Dizia sempre. Mas eis que um fato aconteceu e tudo mudou. Um boato surgiu e aterrorizou seus habitantes. Muitos juraram ter visto um lobisomem rondando a cidade nas noites de lua cheia. Os escoteiros que se reuniam a noite na sede da Rua Garça ficaram com medo e só saiam em patrulhas e nunca sozinhos. O tal Lobisomem foi comentado, destrinchado e suas historias correram por toda a cidade. – Ele ataca só nas noites de lua cheia! Diziam os entendidos. Diziam que adorava sangue humano. Só volta ao normal ao raiar do sol.

                Foi em uma quinta à lua era quarto crescente. Na sede da Rua Garça todas as patrulhas estavam reunidas com o Chefe Naldinho e o Assistente Renato. Os águias, os corujas, os touros e os elefantes estavam completos. Sabiam do grande jogo e ninguém queria perder. Seria uma “Busca ao Tesouro Perdido” na cidade. Achavam que seria um jogo estupendo. Seis pistas espalhadas pelos quatro cantos de Onda Verde. Só havia um senão, era o tal Lobisomem da meia noite. Pedrito ria e se gabava que ia achar o tesouro e “caçar” o lobisomem. Mostrava os braços estendidos fazendo pose de como ia derrubar o Lobisomem com um soco no meio da testa. A Patrulha Coruja se reuniu para discutir o jogo. Lavério um Escoteiro antigo entrou com o assunto do lobisomem. Contou como surgiu a lenda. Segundo ela o lobisomem seria o sétimo filho após uma sequência de filhas mulheres. Ele seria um homem normal, que se transforma em meio lobo meio homem durante as noites de lua cheia. A lenda dizia que as Quartas feiras de cinzas e a Sexta feira santa seriam os dias mais propícios para o aparecimento do lobisomem. Era quando aparecia para se saciar de sangue humano, disse Lavério.

          Todos deveriam tomar cuidado, quando os cães ficassem agitados, não parassem de latir, pois eles eram os primeiros a avistar o Cachorro grande que nada mais nada menos seria o lobisomem. A Patrulha ficou muda. Ninguém dizia nada. Pedrito logo se levantou. Se ele aparecer me chame, dou um jeito nele! Todos riram. Naquela noite foram para casa juntos. A última casa era a de Pedrito. Quando Nando ficou na casa dele Pedrito se sentiu sozinho e começou a ficar com medo. Ninguém na rua e ele tremendo só em pensar de topar com o Lobisomem. Deus do céu! Ajude-me! Saiu correndo virou a próxima esquina e entrou em sua casa tremendo.

           Os dias foram passando. A Patrulha se preparando para o grande jogo. Na sexta feira seria entregue aos Monitores uma carta prego dando a primeira pista. O envelope dizia o local e o horário aonde eles os Corujas deveriam se encontrar. As demais instruções estavam dentro do envelope. Ninguém imagina como seria a primeira pista. Naquele dia era de lua cheia. Não ficaram na sede até tarde como era costume. Só comentaram sobre a carta que tinham recebido e que o local para abrir seria na Rua Balalaica, em frente ao portão do cemitério! Caramba! Pedrito assustou. Seria às seis da tarde, dia ainda, mas Pedrito morria de medo de cemitério. Jurava ter visto um dia uma alma do outro mundo voando baixo em cima das catacumbas.

               Uma semana depois Pedrito não pensava em assombração, capetas, ou mesmo em lobisomem que por sinal estava sendo esquecido por toda a cidade. Assoviava baixinho uma linda canção Escoteira que aprendera no último acampamento e pensava como seria o tal lago da canção. Era uma história de Caçadores de Peles voltando para casa sem ter conseguido nada de suas caçadas. Em seus caiaques nos lagos enormes cantavam tristonhos e saudosos de suas famílias que há tempos não viam. Ao virar a esquina da Rua do Papagaio, viu um vulto correndo em direção ao Matadouro do seu Luizão. Pedrito pensou em correr para sua casa, mas como estava sem histórias para contar, resolveu correr atrás do vulto. Nem olhou para trás e quando olhou era tarde de mais.

                 Viu o vulto passar pelo matadouro e entrar no cemitério. Nove da noite ele começou a tremer e deu meia volta. Deu de cara com o Lobisomem. Enorme, corpo peludo, dentes enormes, olhos vermelhos chamejantes, unhas dos pés e das mãos enormes. O bicho o pegou pelo lenço Escoteiro e o levantou no ar. – Quem é você magrelo papudo? Perguntou. – Pedrito tremendo e já borrando sua calça curta respondeu chorando – Sou o Pedrito Senhor Lobisomem! – Pare de borrar de medo e seja homem! Falou o Lobisomem. – Mas sou um menino Senhor Lobisomem, bom Escoteiro da Patrulha Coruja, bom filho, bom aluno e temente a Deus! Solte-me pelo amor que tenha a Ele! – O lobisomem chegou sua boca fedida no seu rosto e disse – Vou lhe dar uma mordida na orelha, se gostar vou tirar todo seu sangue, se não gostar quebro seu pescoço e o deixo ir embora! – Pedrito estava quase desmaiando de medo. Sem perceber quando o Lobisomem ia morder a sua orelha ele foi mais rápido. Deu uma dentada na orelha dele. O bicho berrou! Maldito disse. E o soltou levando a mão na orelha.

                Ninguém soube explicar, mas a Patrulha toda apareceu para ajudar Pedrito, estavam com seus bastões e o Lobisomem tentou correr e caiu na calçada bem em frente ao portão do cemitério. Ao cair à máscara de lobisomem se soltou e todos viram que era “Seu” Chulápio, o coveiro do cemitério. – Então é o Senhor o Lobisomem “Seu” Chulápio fingindo e assustando todo mundo. “Seu” Chulápio choramingando pediu pelo amor de Deus que não contassem para ninguém. Ele não tinha diversão nenhuma no cemitério. Nem mesmo uma alma do outro mundo ou um fantasma aparecia mais. Deixaram-no sozinho, pois tinha mais de seis meses que não morria ninguém na cidade.


                  A patrulha ficou com pena do “Seu” Chulápio. Prometeram não contar nada. Pedrito sorrindo não perdeu tempo. Contou a Deus e o povo da mordida que deu na orelha do Lobisomem. Todos riam e olhe, Pedrito fazia questão de passar em frente ao cemitério todas as noites de lua cheia. A cidade passou a admirar sua coragem. O Lobisomem apareceu outras vezes e não deixou de fazer alguns habitantes correrem feitos loucos. Teve até uns habitantes que dizem ter visto o lobisomem abraçar Pedrito. Eu sei que o Jogo da Caça ao Tesouro Perdido foi um sucesso. Melhor para Pedrito que junto a sua Patrulha acharam a sexta pista fácil. Claro, com a ajuda do “Seu” Chulápio que viu o Chefe colocando o tesouro no Mausoléu da família Crispim. Certo ou errado não contaram nada a ninguém. O Tesouro? Oito canivetes suíços. Lindos. Pedrito ficou conhecido como caçador de Lobisomens e Vampiros e sua fama correu mundo. Mundo? Claro, mundo de Onda Verde, a cidade que ele viveu escoteirando para sempre!

terça-feira, 16 de agosto de 2016

A incrível lenda do Guardião da Floresta da Bocaina.


Lendas escoteiras.
A incrível lenda do Guardião da Floresta da Bocaina.

“Conta uma lenda que toda vez que alguém desaparecia na Floresta da Bocaina as margens do Rio Vermelho, a sudoeste de Palo Verde e ao norte da capital do Pará, uma densa neblina tomava conta para evitar que as buscas tivessem sucesso. Dizem que era uma floresta tão densa que a luz do sol raramente passava entre as copas das árvores e isto criava um cenário ideal para a existência de lobisomens, bruxas e gnomos”.

Prologo:
                   Eu não ia deixar Diógenes sem graça. Aquela historia que ele contava que em uma das suas reencarnações era aquele que andava com um lampião aceso dizendo estar em busca de um homem honesto é pura invenção. Ninguem acreditava que ele foi o mendigo que perambulava pela rua carregando um lampião, dizendo estar procurando um homem honesto. Ele não trabalhava e tinha uma casinha boa e andava sempre bem vestido. Não éramos propriamente amigos e até desconhecia o seu outro modo de vida. Naquela tarde estava a meditar sobre nosso próximo acampamento quando ele sentou ao meu lado. A Praça do Povo era meu lugar preferido para pensar. – Eis que ele senta ao meu lado. Já lhe contei esta? Falou. Qual Diógenes? – A do Guardião da Floresta da Bocaina? Nunca tinha ouvido falar, mas dei corda a ele. Gostava de uma história bem contada e quem sabe ajudaria a entender melhor aquele jogo bem bolado que estava pensando para o próximo acampamento.

                 – Olhe meu caro escoteiro Já vi muitos de vocês de calças curtas na minha cidade. Sei que gostam de acampar, explorar florestas e montanhas e sei também que adoram seguir um riacho de água doce à procura de sua nascente. Eu morava em Palo Verde, disse, uma cidade a sudoeste do Rio Vermelho bem longe da Capital do Pará antes de vir para cá. - Foi lá que conheci os escoteiros. Eu os via desfilando de mochila indo para o campo a procura de aventuras. Um dia pensei em ser um e depois desisti. Tudo por causa do Jobson dos Santos. Um menino pequeno, magro, raquítico metido a valente e que não levava desaforos para casa apesar de sua fraqueza. Jobson resolveu ser Escoteiro. Foi aceito porque sua mãe era amiga de uma Chefe de lobinhos. Na Patrulha Lagarto ninguém ligava para ele. No primeiro acampamento sumiu por horas. Apareceu depois sorrindo e mesmo com a “lavada” do Monitor e do Chefe continuou rindo e não disse nada.

                Jobson era inteligente. Menos de cinco meses sabia tudo para fazer as provas Escoteiras. Só não fez porque o Monitor Maguilson foi contra. – Olhe precisa amadurecer mais. Jobson não disse nada, ele não encrencava e nem retrucava. Aceitava tudo de bom grado. Um dia em um acampamento de fim de semana um fazendeiro amigo da tropa fez uma visita e a noitinha e em uma Conversa ao Pé do Fogo contou uma história interessante. Claro que ninguém acreditou. – “Escoteiros” - ele disse – Se um dia vocês forem para os lados do Rio Vermelho, bem a sudoeste de Palo Verde nunca entrem na Floresta Negra da Bocaina. É uma floresta tão densa que é difícil andar. Mesmo com um bom facão fazer uma trilha é difícil. À tardinha uma bruma cinzenta percorre toda a mata e quase nunca o sol consegue penetrar entre as árvores.

                - Todo mundo prestava a máxima atenção ao senhor Zeferino o fazendeiro. Olhos arregalados, pois se tinham uma coisa que gostavam eram histórias incríveis e quem sabe um dia viver uma delas? – Nesta floresta negra dizem que habitam “lobisomens, bruxas e gnomos”. Contaram-me que tem um enorme leopardo rajado de amarelo e negro que toma conta de tudo. Ninguém ousa entrar lá e o tal Leopardo com suas enormes garras mata quem se arrisca. Um empregado meu, de nome Zózimo riu pegou uma espingarda e um facão e sumiu por dois meses. Encontraram-no quase morto as margens do Rio Vermelho. Depois que foi tratado no hospital pegou o primeiro ônibus e sumiu da cidade. Os que ouviram sua história tremem até hoje em contar.

                    Lourenço contou que encontrou o Leopardo. Horrível, não deu tempo de fugir. Mas o Leopardo o encurralou em uma gruta. O Leopardo sumiu e na noite escura e sem luar, apareceu uma linda moça, com um vestido longo e branco. Ele sorriu e achou que tinha tirado a sorte grande. Foi até ela e os dentes enormes e as unhas enormes logo o envolveram. A moça se transformou em um Leopardo e só não o matou porque ele conseguiu correr pulando nas águas escuras do Rio Vermelho. Depois contou que avistou um enorme lobisomem e várias bruxas voando. O Senhor Severino sorria com sua história. Mais tarde, na barraca Jobson deitado pensava na história. Não saia de sua cabeça. – Vou ver onde fica, se ninguém quiser ir eu vou!

                    Dito e feito. Jobson convidou a todos da patrulha – Ninguém quis ir. Ele tentou tudo e até o Chefe o proibiu de continuar com aquela história fantástica. Jobson, disse o Chefe, ninguém nunca voltou vivo, porque esta insistência? Acredite eu o proíbo de comentar novamente com sua patrulha. Jobson olhou o Chefe e não disse nada. Uma tarde Jobson sumiu. Seus pais preocupados o procuraram no grupo e com todos seus amigos. Nada. O delegado chamou diversos homens e correram por toda a vizinhança da cidade. Dona Matilde disse que o viu pela manhã de uniforme Escoteiro e chapéu, Uma mochila e um bornal rumo a nascente do Rio Vermelho. Os Escoteiros quando souberam pensaram logo que ele tinha ido para a Floresta Negra da Bocaina. Danado! Pensaram. No fundo todos o invejavam.

                     Jobson desapareceu por anos e ninguém mais ouviu falar dele. Nonato Castanheira era Sênior e tinha também o sangue aventureiro a correr em suas veias. Quando Jobson sumiu ele era lobinho. Agora como sênior vivia sonhando em conhecer o mistério da Floresta Negra. Um dia ele também sumiu. Cinco meses depois Nonato Castanheira voltou. Maltrapilho, doente e quase morto. Tinha um olhar diferente, não falava e nem sorria. Escreveu um bilhete aos seus pais pedindo desculpa por não ter dado notícias. Ele ia voltar e nunca mais iriam vê-lo novamente. No bilhete ele disse que apaixonou pela Fada Violeta, a mais linda mulher que o mundo conheceu. Contou que a noite ela se transformava em fada e durante o dia era o temido Leopardo Guardião da Floresta. A princesa Violeta tinha muitos homens em sua volta. Formavam um enorme batalhão que a defendia contra tudo e contra todos. Sobre as bruxas e Lobisomens e Gnomos ele não escreveu nada.


                      Pelo sim e pelo não acreditei na historia. Sempre tive um desejo de ir a Palo Verde para tirar a limpo esta historia. Eu sou um Escoteiro aventureiro e não deixo nada sem investigar. Vou tirar a limpo a história dos guardiões e da Princesa Violeta. Sei que eu não vou me enamorar. Adoro minha esposa e meus filhos e até já disse a eles o que vou fazer. Na próxima primavera irei de avião até Belém. De lá embarco em um navio no rio Amazonas até a nascente do Rio Vermelho. Se Palo Verde e a Floresta Negra existem, eu um Escoteiro vou encontrar sem sombra de dúvida. E quando voltar, se voltar vocês saberão toda a verdade!  

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

O misterioso chefe Jonny Hidalgo.


Vale a pena ler de novo.
O misterioso chefe Jonny Hidalgo.
(Uma adaptação do poema “quadrilha” de Carlos Drumond de Andrade).

Jonny amava  Silvana, que amava Danilo
que amava Gisele que amava Salviano que amava Dorita
que não amava ninguém.
Jonny foi para a cadeia, Silvana para o convento,
Danilo foi para o Suriname, Gisele é Escoteira da Pátria,
Salviano ficou maluco e Dorita se casou com Geninho que se tornou
Presidente do Brasil e
não tinha entrado na história.

                      Se eles eram unidos ninguém duvidava. Felizes também e todos tinham um grande amor entre sí. Diziam os pais que um dia eles iriam se casar e seriam as famílias mais felizes de Vale Encantado. Não eram muitos quem sabe um punhado de jovens que se diziam ser um batalhão. Duas patrulhas, seis moços sorridentes e cinco mocinhas sonhadoras e pelo menos duas vezes por semana se encontravam para conversar, comer um lanche, beber um refrigerante, jogar conversa fora. Afinal era uma cidade pequena, onde todos se conheciam e sabiam que muitos ali nasceram e ali iriam partir para alguma estrela quando chegasse o tempo e a hora certa. Sem contar as reuniões de sábado ou as atividades mateiras de um domingo ou feriado prolongado, a vida era preenchida para aquela galera Escoteira como uma história de faz de conta. O nome de todos não importa na história, ficarei com Jonny, Silvana, Danilo, Gisele, Salviano e Dorita. Se havia jovens seniores e guias que se orgulhavam do que eram, tira-se o chapéu para todos eles principalmente os personagens desta história.

                     Jonny chegou em um dia de céu azul a Vale do Encantado. Um amor de pessoa. Um visual alegre, um sorriso incrivelmente belo, um andar que mesmo com tudo que aconteceu foi copiado por muitos e muitos anos. Apareceu assim do nada na Tropa Senior naquele sábado de sol vermelho na reunião. Todos ficaram embasbacados. As moçoilas guias sentiram o coração batendo, os jovens seniores meio enciumados, mas a figura do Chefe era incrivelmente bela. Fez uma bela saudação Escoteira, sua voz entoou o mais lindo Sempre Alerta que a Tropa tinha ouvido. Seu porte era fenomenal. Ninguém tinha visto nada igual. Um uniforme perfeito. Um chapéu de abas largas sem nenhum defeito, um lenço bem dobrado, sua camisa e calça curta com vinco era demais. O meião bem colocado conforme mandavam as normas. Não tinha medalhas, nem estrelas para dizer quanto tempo, só seu distintivo de promessa que pela cor todos entenderam que tinha tempos de uso. Foi direto a Chefe Norma e a saudou brilhantemente. Norma esposa do Chefe Jamil não cabia em sí de contente. Quase se derreteu em frente aquele Chefe soberbo.

                    Apresentado a tropa pediu que todos ficassem a vontade. Perguntas mil começaram a se ouvir. De onde? A passeio? Qual Grupo? Quanto tempo? Ele respondeu a todas de maneira vaga. Entrou como lobo e nunca mais saiu. Silvana não se entusiasmou muito. Olhava para Danilo que não percebia seu olhar e olhava para Gisele. Mas ninguém sabia que naquele dia Silvana passou a morar no coração de Jonny. Foi convidado para o sarau que iriam realizar no salão nobre da escola naquela noite. Outras dezenas de moçoilas não Escoteiras acorreram para a festa. Souberam de Jonny e suspiros apaixonados eram jogados no ar. A vida depois da chegada de Jonny Hidalgo nunca mais foi à mesma em Vale Encantado. Ninguém perguntou quem era ele, sua família, qual cidade, pois suas respostas eram vagas e sem sentido. Uma semana, duas um mês e o tempo corria sem perguntar se podia parar.

                    Acampamentos, excursões belas toadas ao luar. Noites de lua cheia, de céu estrelado, de cometas riscando a plataforma do universo sabendo que nunca mais iriam voltar naquelas plagas do universo. Jonny Hidalgo era mais um sem ser de todos. Os amores vividos, os amores esquecidos para aqueles jovens Seniores e Guias sonhadoras continuavam como se ainda não houvesse vida depois da vida para sentir e viver. Só Gisele sonhava. Sem nada para fazer, o que restava a ela era lembrar de você que era apenas uma fagulha perdida entre mil. Chorar de saudades, recordar das lembranças e perguntar o porquê disso tudo. Ela queria amar e sentia que não amava, ela queria sonhar e seu sonho se perdia como as andorinhas que se escondiam no verão. Tudo era como os vagalumes brilhantes em volta da fogueira que riscavam o noturno da noite nos acampamentos inesquecíveis. O tempo sem perdoar enviou a primavera, passou pelo verão e o inverno chegou. Um vento frio soprava de norte a sul. Engastalhados em seu capotes os jovens seniores e guias não se assustavam com o amanhecer nas montanhas  de poucos graus acima de zero.

                       Chico Capeta apareceu do nada. Apenas um tiro, mas que se resvalou na fivela do cinto escoteiro de Jonny Hidalgo. Tudo foi mostrado ao vivo e a cores para o populacho de Vale Encantado. Jonny estava armado e ninguém sabia. Outro tiro e Chico Capeta foi dançar com seus irmãos no inferno. Que ouve? Por quê? Quem era Jonny Hidalgo? Ele não era o Don Juan Escoteiro que conquistou a cidade? Uma tropa inocente, meninas e meninos sonhadores, um lindo jovem intrépido que foi amado por muitos era um matador? Ninguém nunca soube. Naquela tarde um homem alto, com um bigode enorme, um chapéu Escoteiro torto e um uniforme amarrotado, um lenço mal enrolado chegou à cidade. Apeou do seu cavalo como o fazem os caubóis dos filmes famosos. Entrou na delegacia e saiu de lá com Jonny Hidalgo algemado. Amarrou as mãos de Jonny em uma corda, passou em volta da cela e montou no seu cavalo partindo sem dizer adeus. Jonny ergueu os olhos para a cidade, olhou seus amigos seniores e guias, não sorriu. O cavalo do homem alto o puxou para longe de Vale Encantado. Para onde foi ninguém sabe, ninguém viu!
                        

                    Jonny amava  Silvana, que amava Danilo que amava Gisele que amava Salviano que amava Dorita que não amava ninguém. Jonny foi para a cadeia, Silvana para o convento, Danilo foi para o Suriname, Gisele é Escoteira da Pátria,
Salviano ficou maluco e Dorita se casou com Geninho que se tornou Presidente do Brasil e que não tinha entrado na história.

sábado, 13 de agosto de 2016

E o céu foi testemunha.


Vale a pena ler de novo.
E o céu foi testemunha.

                Um sábado gostoso, o frio arrefeceu um pouco e o sol voltou a brilhar. Meus dias de sábados eram um só, ou excursionar, ou acampar, ou uma atividade aventureira qualquer ou uma modorrenta reunião de sede. Porque modorrenta? Ora, a gente era menino e menino queria aventuras. Queria colocar o pé na estrada e descobrir novos caminhos e novas trilhas. Ver a barraca armada, fazer sua “caminha” em um canto dela; correr em volta procurando bambus e construir ali o que sua casa possuía eram questão de honra. Mas hoje não. Hoje era dia de reunião. Passei na casa de João Grilo, ele já estava na porta a me esperar. Nada como um sempre alerta, um aperto de mão e com os braços nos ombros um do outro descemos a Rua Dr. Quinhão até a sede. Era perto, e pela travessa do Tolentino vi a Nenê e a Lucy de mãos dadas também seguindo rumo à sede. Perguntava-me sempre porque todos iam garbosos com seus uniformes com um sorriso nos lábios. Coisa do oitavo artigo ou coisa de gostar demais do que fazíamos?

                  Eu amava aquela Tropa, aquele grupo, sentia-me feliz com meu Chefe Tambor. Tambor? Quem colocou nele este apelido? Será pelo tom de voz? Não tinha nada parecido, mas o nosso Chefe era demais. Em todas as horas em todos os momentos era um amigo, um irmão mais Velho. Ele sempre aprontava uma quando chegávamos à sede. Uma vez o procuramos e nada. Esperamos cinco dez minutos e nada. Ele sempre foi pontual. Fazia questão. Dizia para nós que a pontualidade era uma questão de honra. Eis que ele surgiu segurando uma roldana descendo a toda por uma corda do alto da Magnólia. Chefe Tambor, sempre aprontando uma. Fomos para os cantos de patrulha. Nenê e Lucy eram da patrulha Garça. Só de meninas, eu e o João Grilo da Onça Parda. Pintassilgo da Touro chegou perguntando se viram ou tiveram notícia do Chefe Tambor. Nada. Ele foi de patrulha em patrulha tentando alguma notícia. A hora do cerimonial chegou. Nada do Chefe Tambor. Naldo Orelhudo chamou os monitores. Naldo era o mais antigo e ele sabia que se um dia o Chefe não aparecesse ele devia assumir com todos os demais monitores.

                O chifre do Kudu tocou alto. Naldo era bom nisto. Treinou meses. Corremos a formar. Chefe Isabel perguntou pelo Chefe Tambor. Explicamos. Ela assumiu o cerimonial. Bandeiras subiram aos céus. Bolota o gordinho da Pica Pau fez uma bela oração. Naldo chamou os monitores para a inspeção. – E o jogo? Perguntamos. – Ideias, quero ideias e sugestões ele disse. Várias. Jogos de corridas sempre. Ninguem gostava de jogos parados. A patrulha Múmia? Todos sorriram. Cem metros correndo todos amarrados entre si, fazendo uma tocha humana era bom demais. Tombos e mais tombos, sorrisos e mais sorrisos. Sentados em baixo da Magnólia com aquela sombra enorme pensamos o que seria depois. Começamos a cantar “Adeus montes e Vales Queridos”. Paramos uma figura e tanto apareceu na porta do pátio. Parecia enorme. Uma barba branca que ia até o pescoço. Um chapéu Escoteiro diferente, mais para grená do que marrom. Bem uniformizado e sua calça curta impecável. Usava jarreteiras e o chapéu continha um penacho azul. Segurava uma forquilha linda.

               Entrou no círculo, sorriu e ninguém deixou de admirar o seu lindo sorriso. Fez uma saudação nos trinques. Não disse o nome, só perguntou: - Posso me assentar com vocês? Todos disseram sim. Como se fosse um índio experiente assentou com as pernas cruzadas. – Posso lhes contar uma historia? Ele disse. Todos disseram sim. Naldo educadamente perguntou: Qual o seu nome Chefe? – Ele riu. Meu nome? Podem me chamar de São Patrício. Ninguem entendeu. Era um religioso? - Calma continuou moro muito longe daqui. Visito tropas Escoteiras escolhidas, aquelas que sinto o cheiro da felicidade, aquela que vejo nos olhos a sede de aventura, aquela que acredita que nossa lei vale mais que a própria honra e daria a vida por ela. – Ninguem dizia nada. Um silêncio enorme. Chefe São Patrício nos olhou e chamou um por um pelo nome. Disse que estava orgulhoso em nos conhecer. – Em seguida ficou de pé e começou a contar sua historia:

- Meus amigos escoteiros quando um problema se mostrar difícil, lembrem-se dessa historia que estou a contar. Havia dois náufragos no mar revolto. Um se debateu lutou continuamente contra as ondas ate esgotar sua energia e afundou. O outro, ao invés de dar braçadas contra o mar, apenas boiou, não gastou energias e pode assim, se salvar! Uma emoção sublime tomava a todos. O silencio era total. O tempo era ali uma eternidade maravilhosa. Incrível mesmo descrever a emoção que todos estavam tomados. Ela continuou: Quando invadirem em vocês os impulsos da altivez, do orgulho e superioridade, pare e olhe para o mar, a terra e as estrelas que existem há bilhões de anos e entendam – Suas importâncias, seus brilhos, suas superioridades aqui são diminutos se comparados com tudo o que vêem. São poeira perante as estrelas e um piscar de olhos. Mas se ao contrário se sentirem pequenos demais, percebam que a vocês foi dado algo que as estrelas não têm. Elas são inanimadas e executam rumos fixos predeterminados pelo Senhor do Universo. Vocês, porém tem vida, podem rir cantar e amar...

- Finalizou dizendo: - Vocês não podem mudar certas circunstâncias ou situações, mas podem adaptar-se a elas sempre, escolhendo a forma do mal menor. Pode não ser o ideal, mas será o melhor. Aproveitem as oportunidades que lhes derem, mesmos que sejam aparentemente pequenas. As grandes árvores vêm de pequeninas sementes. Quem está disposto a subir grandes montanhas de felicidade deve estar preparado também para descer enormes ladeiras de decepções. No entanto, a chance de chegar ao topo e sentir algo que o acompanhará para o resto da vida pode valer o risco.


                          Ele se calou. Vimos nos seus olhos um brilho estranho. Não sabíamos se ele chorava ou se ria. Pediu licença e foi apertar a mão de cada um dos escoteiros ali presente. Disse um adeus, deu um até logo e completou: Sempre estarei no coração de cada um de vocês. Se quiserem falar comigo é só chamar e partiu. A Tropa não sabia o que fazer. Estava estática e assim ficou. Alguns minutos se passaram em silêncio profundo. Um som nosso conhecido ouvimos entrando na sede. O Chefe Tambor chegava pedindo desculpas pelo atraso. Entreolhamo-nos. Seria mais uma dele? Ele nada disse e nós não perguntamos. A reunião terminou no horário. Eu e Joao Grilo íamos calados pela Rua do Sacramento. Eu parei e olhei para ele? – Seria São Patrício o Chefe Tambor? Ele mexeu com a cabeça como a dizer não. – E mais alto e tem os cabelos e barbas grisalhos. Agora era esperar o próximo acampamento. Despedi de João Grilo e fui para minha casa jantar...

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Maneco Cozinheiro, o Escoteiro azarado e trapalhão.


Vale a pena ler de novo.
Maneco Cozinheiro, o Escoteiro azarado e trapalhão.

        A patrulha não sabia mais o que fazer. Maneco tinha um sorriso encantador, mas era um perfeito azarado e porque não dizer desastrado. Lilico o Monitor tentou e tentou e nada. Deu conselhos, ficou ao lado dele, mas parecia que o azar o perseguia. - Chefe! Não dá mais. Se ele continuar na patrulha não ganhamos uma. Ontem mesmo quando o senhor deixou que o chamássemos para o cerimonial ele deu um belo sorriso e depois aprontou aquela. “Aquela” foi um “pum” que de tão alto fez todos gargalharem na ferradura. O Chefe Luiz pensou e pensou. Não era a primeira vez. Maneco cozinheiro além de aprontar sem querer era mesmo um azarado. A patrulha quando ele entrou se divertia com ele. No primeiro acampamento lá foi ele para o “Miguel” e em vez de ter folhas preparadas pegou logo um punhado de urtigas. Deus do céu! Ele gritou feito um louco e por toda a noite não dormiu e não deixou ninguém dormir.

        Aos poucos Maneco cozinheiro foi se integrando a patrulha, mas sempre aprontando. Por sorte ou azar o colocaram como bombeiro/aguador e ele se achava o máximo. Contava para todos que seria o futuro Cozinheiro, pois seu cargo atual na escala hierárquica o próximo seria ele. Todos sabiam que se isto acontece à patrulha ia para o brejo. Maneco Cozinheiro nem sorte tinha. Sua mochila nas marchas de estrada mesmo levando quase nada quebrava sempre as alças. Lá estavam todos para ajudar a costurar. Quando o Comissário Fugi Moto compareceu em um acampamento aceitou o convite de sua patrulha para almoçar. Todos assustados sabiam que Maneco ia aprontar e não deu outra. Todos sentaram nos bancos em volta de mesa e quando ele foi sentar apoiou na mesa e ela veio abaixo. Os pratos esparramados com o almoço pelo chão. Não havia repetição e as demais patrulhas dividiram com eles. Fazer o que? O próprio comissário Fugi Moto riu a valer e achou que isto acontece com todo mundo. Ele não conhecia Maneco Cozinheiro.

                  Pintassilgo era o cozinheiro mor da patrulha. Batuta, um grande cara e um excelente cozinheiro. Fazia milagres com pouca coisa. Saia pelos campos e voltava com um bornal cheio. Sorria e dizia – Comida para dois dias! Ele salvava a patrulha no campo. Podiam perder jogos, inspeção, podiam perder em tudo, mas na cozinha Pintassilgo dava show. Um dia chegou chorando na sede. – Turma, minha mãe vai para a capital, ela quer achar meu pai que sumiu! Careca o sub não acreditou. Perder Pintassilgo e ganhar Maneco Cozinheiro? Que bela troca! Mas não teve jeito, uma semana depois Pintassilgo despediu de todos e foi embora. Jurou que um dia voltaria. Deste que Pintassilgo deu a notícia que Maneco Cozinheiro sorria de orelha em orelha. Fizeram um Conselho de Patrulha. Ele tinha de participar também. Discutiram, discutiram e não teve jeito, Maneco Cozinheiro foi empossado. O mundo desabou em cima dos Corujas. Agora estavam perdendo em tudo.

                No primeiro acampamento os patrulheiros choraram. O arroz queimado. O feijão duro, o bife sem tostar e sangrando. Batatas fritas? Só na terra dele. Perna Curta o Monitor procurou o Chefe – Não dá Chefe, ou mude ele de patrulha ou a nossa não vai ficar ninguém. Chefe Pascoal não sabia o que fazer. Já sabia das aventuras de Maneco cozinheiro e suas trapalhadas. Sempre achou que o tempo iria ajudar e ele ia se incorporar a patrulha. No final de acampamento todos viraram as costas para Maneco Cozinheiro. Ele foi para a casa chorando. Sabia que fez tudo errado, devia ter pedido a sua mãe para ensiná-lo e não fez isto. Achou que olhando Pintassilgo bastava. Pensou em sair do escotismo, quem sabe seria melhor para todos?

                 No sábado seguinte voltou à sede e na bandeira pediu a palavra - Chorando disse que estava saindo do escotismo. A patrulha sorriu os demais disseram baixinho – Graças a Deus. E não é que o Chefe Pascoal tomou as dores dele e não o deixou sair? Devia ter deixado, pois o mastro da bandeira se partiu e caiu na cabeça do Chefe! Bem feito disseram todos. Todos sabiam que ele o Maneco Cozinheiro era mais azarado que Chico Feliz. O danado não era Escoteiro, fez um jogo na sena ganhou e cadê o jogo? Sumiu! Todos seus amigos sabiam dos números que ele jogava, mas não adiantou. A Caixa não pagou. O Chefe Pascoal chamou os monitores. Explicou sua atitude que mesmo razoável não convenceu. Maneco Cozinheiro sabia que todos eram contra ele. Sabia que eles estavam certos. Foi para a casa e passou cinco dias lá trancado no seu quarto pensando.

                  Mandou um recado para a patrulha e o Chefe. – Preciso de uma licença de sessenta dias! Todos aceitaram pulando de alegria menos o Chefe. No tempo determinado Maneco Cozinheiro retornou. Quem o visse não acreditava. Cabelos longos presos por um elástico tipo rabo de cavalo. Porte de atleta, muito bem uniformizado e sempre sério, quase não sorria. A patrulha sentiu força nele. No acampamento deu o maior show. Fez um arroz de forno (o forno ele mesmo construiu) um feijão tropeiro e as batatinhas fritas eram demais. As demais patrulhas ficaram estupefatas. À noite na conversa ao pé do fogo o Monitor Perna Curta insistiu com ele que contasse o que aconteceu. Maneco Cozinheiro sorriu. – Meu Monitor um milagre. Como ele aconteceu fica somente entre Deus e eu. – Todos riram e bateram palas para Maneco cozinheiro. A Patrulha Coruja nunca mais foi à mesma. Ganhava tudo, era a melhor sempre. E a comida? Nota dez!


                  Maneco Cozinheiro nunca contou que procurou o Professor Sabe Tudo. Abriu-se com ele. Ele sorriu. Ficaram juntos por dois meses e ele ensinou tudo que sabia sobre como conquistar as pessoas. Fez questão que seu Filho um famoso cozinheiro que fez curso na França lhe desse umas aulas. O resto sua mãe terminou. Em casa desenhou fogões, fornos, tipos de fogos e ficou bamba treinando no seu quintal. São coisas que só aqueles que acreditam em mudar acontece. Ninguém é só aquilo que outros veem. Em cada um de nós existe outro eu. Maneco descobriu o seu. Há cinco anos folheando uma revista enquanto esperava minha vez no dentista, vi uma foto que me chamou atenção. Era Maneco Cozinheiro em um concurso de cozinha em Paris. Tirou o primeiro lugar. De um cozinheiro Escoteiro para um cozinheiro internacional. Como dizem por ai? – São coisas de Escoteiros!  

Pequenas historias de Mowgly. Uma pequena viagem no Livro da Selva.


Pequenas historias de Mowgly.
Uma pequena viagem no Livro da Selva.

- Finalmente chegou à noite da lua cheia e o Pai Lobo e Mãe Loba levaram seus filhotes e junto com eles, Mowgli para a Roca de Conselho. Lá, sentados em cima de uma pedra alta, estava o Akelá, o Velho Lobo solitário que há alguns anos estava dirigindo a Alcatéia, respeitado por sua força e astúcia. Houve pouca discussão na Alcatéia e um por um os novos filhotes estavam sendo apresentados, levados a frente pelo Akelá.

- Vós conheceis a Lei! Olhai bem o Lobo! Olhai bem! E assim finalmente chegou a vez de Mowgli. O Pai Lobo o empurrou para o centro do círculo.   O Akelá, sem olhar, repetiu o seu “Olhai bem, ó Lobos” quando de repente ouviu-se a voz do tigre manco. - Esse filhote de homem é meu! Que tem o Povo Livre com o filhote de homem?  

- Alguns dos Lobos acharam justa a pergunta do tigre, afirmando que o filhote de homem não tem nada a ver com a vida na Alcatéia. Surgiu um pequeno tumulto. Nos casos de dúvida, manda a Lei que para alguém ter direito a ser admitido na alcatéia, tem que ter dois votos em seu favor.

- Quem se apresenta para defender este filhote?   – Akelá perguntou. Não houve resposta e Raksha já se preparava para uma luta de morte, caso o incidente fosse resolvido contrário ao que seu coração pedia. O único animal não lobo que tem direito a palavra no Conselho é Baloo, o velho urso que ensinava os pequenos lobos a Lei do Jângal. E então ouviu- se a voz do urso.

- Eu sou a favor do filhote de homem, não vejo mal nenhum que ele possa causar permanecendo entre nós. Baloo lhe ensinará as Leis da nossa vida e futuramente ele
Poderá ser um grande e de grande utilidade para nós. Mas faltava uma voz a favor de Mowgli. De repente uma grande sombra preta atravessou o círculo: era a pantera negra, Bagheera. Todos a conheciam e se afastaram do seu caminho por muito respeito a sua força.

- Akelá, direito eu não tenho de falar neste Conselho, mas a Lei do Jângal diz que se na dúvida quanto à vida de um filhote, esta vida pode ser comprada por certo preço. Pois eu ofereço esse preço pela vida do filhote de homem –os lobos pediram para Bagheera continuar – é uma vergonha matar um indefeso filhote de homem que mais tarde, como falou Baloo, pode ser de grande utilidade para todos nós.

- Ofereço pela vida dele um touro gordo que acabo de matara uma milha daqui. Aceitam minha proposta? Houve um clamor de vozes e todos aceitaram a oferta de Bagheera. E dirigiram-se para onde estava o touro gordo. Ficou só Shere Khan urrando de raiva e despeito:
- Urra, urra! Urra que o tempo virá que esta coisinha pequena te fará urrar noutro tom.

Muitos anos depois...

- Mowgly de repente lembrou-se das estranhas palavras ditas por Akelá antes de morrer... - Não, não sou homem, sou da Jângal – pensou. De longe apareceu a búfala selvagem Mysa e com desprezo respondeu a búfala. - Não é homem, não, é sim o lobo da Alcatéia de Seeonee. Em noites como essa costuma errar pela Jângal. Mysa perguntou se Mowgli estava em perigo. Mas este em resposta cutucou-a com a ponta da faca, para ver se ainda tinha poder para enfurecer o animal. - Não fique bravo, Mysa, com esse pequeno arranhão. Podes tu indicar onde há um antro de homens aqui por perto? Desconheço essa Jângal. - Segue para o Norte – rugiu colérico o búfalo – vai para lá e conta aos da aldeia a tua má ação junto a esta búfala. Mowgli deixou Mysa e a sua companheira pela beirada do pântano, quando voltou para a Alcatéia de Seeonee. Muito tempo se passara desde que Mowgli viu a Alcatéia dos homens.

Mas nesta noite algo o atraía nesta direção. Mesmo lembrando-se que fora expulso da aldeia por Buldeo, chegou-se a porta de uma cabana e viu uma mulher botando uma criança para dormir falando baixinho. - Esta voz, esta voz... Eu a conheço! E para se certificar, chamou baixinho: - Messua, Messua. - Quem me chama? – indagou a mulher. - Já se esqueceste de mim? – perguntou Mowgli, com a garganta curada – Nathoo – respondeu ele. Pois como todos sabem, foi este nome que dera quando o encontrara pela primeira vez. - Venha meu filho. A mulher o chamou, e Mowgli veio e pôs os olhos naquela que tinha sido boa para ele e que ele salvara da raiva e dor da aldeia. Era ela bem mais velha. E ela também se espantou vendo este homem feito, alto, forte, forte e belo, e que era seu filho. - Tu és meu filho, porém parece mais um deus da Jângal. Que queres comer ou beber? Tudo aqui é teu. A ti devemos a vida. Messua contou a ele toda a sua vida, desde que foram expulsos daquela aldeia e vieram para este lugar.

- Encontraram esta casa e trabalharam no campo para ter o que comer. O marido dela morreu há um ano e ela ficou com uma criança de duas chuvas. Messua então pediu que se Mowgli fosse Nathoo, que o tigre raptara que ele recebesse aquela criança como irmão e que desse a benção do irmão mais velho. - Eu? Que se eu disse que chamas a benção? Não sou nem Deus, nem seu irmão e... Mãe, mãe, meu coração está pesado dentro de mim. - É febre – disse Messua, e deu-lhe algo quente para beber e ao mesmo tempo batia-lhe carinhosamente no ombro como se fosse um bebê, conseguindo acalmá-lo. O leite quente fez efeito no organismo cansado de Mowgli, deitando e dormindo em instantes, mergulhando num sono profundo. Dormiu ele à moda da Jângal...

E a história continua...

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Doninha.


Doninha.

Não tive dúvidas. Era Doninha sem tirar nem por. Pois é, as voltas que o mundo dá estavam agora vivas na minha mente. Era normal. Eu agora sentia o efeito delas. Pensei em fugir dali. Afinal eu era culpado? Aproximei-me. Posso sentar ao seu lado Doninha? Um sorriso triste, apagado, sem vida. – Sente-se Monitor. – Assustei. Como ele sabia que era eu? – Não quis perguntar e me sentei ao seu lado no banco verde, naquela praça florida local de muitas idas e vindas na minha jornada da vida. Ficamos ali os dois calados sem nada dizer um ao outro. Ele envelheceu. Afinal tinha passado mais de 50 anos, mas para mim era como se fosse ontem. – Como vai Monitor? Bem Doninha disse com a voz engasgada. – Porque está triste Monitor? – Doninha usava uns óculos escuros e ao seu lado uma bengala bem trabalhada e tendo desenhado no cabo uma flor de lis. – Não estou triste Doninha. Faz parte da minha vida. – Pois é Monitor, quanto tempo se passou e vejo que você nunca esqueceu. Eu peguei minhas tristes lembranças empacotei e despachei para o Pico da Tristeza. Doninha riu mais alegre.

Não tinha voz e nem assunto para responder a ele. Minha mente voou no tempo, naquele fatídico dia que tudo aconteceu. Porque aceitei aquele jogo? Aquela fama de durão? Não devia ter sido amigo de todos e irmãos dos demais? – Monitor, ninguém irá embora da sua vida sem apagar as memórias até ensinar tudo àquilo que você precisa aprender! Olhei para ele atônito. Estava lendo meus pensamentos? – Doninha permaneceu calado. Olhava para longe como se estive no Pico do Redentor naquele inverno que eu e ele esperávamos ansioso o sol nascer. – Para mim Monitor foi o dia mais bonito em minha vida. A minha também. – Ainda Escoteiro Doninha? Não Monitor, depois daquela suspensão resolvi nunca mais voltar. Você lembra, tinha o escotismo em meu coração. Vibrava com tudo, era o primeiro a chegar e o último a sair. Hoje tenho saudades dos nossos acampamentos, excursões e nunca esqueci aquela jornada no Vale da Redenção. Meus olhos estavam vermelhos e as lagrimas começaram a cair.

Meu Deus! O que eu fiz? Achava que era um Salomão, e por voto de minerva aprovei sua suspensão. Cinco meses! Porque tanto? Ele não era um criminoso, não era um malfeitor. Lembro-me de tudo como se fosse hoje. A patrulha se reuniu e decidiram que Doninha não podia mais ficar na Touro. Sempre me perguntava se ele era culpado ou se outro Escoteiro por sentir inveja de suas qualidades não tentou incriminá-lo. Porque o Chefe Zafir não investigou melhor? Afinal nós éramos crianças, tomar tal decisão era demais. Afinal a Corte de Honra tem essas prerrogativas? E porque os pais de Doninha não procurou a chefia para saber o que ouve? Eram tantos porquês que eu sempre tive dúvida de quem estava com a razão. – Condenamos por uma simples traquinagem e eu depois fiquei sabendo que não foi ele. Trocou o sal pelo açúcar e deixou a intendência aberta onde perdemos todos os mantimentos trazidos. Duas ferramentas desapareceram. Porque ele não se defendeu? – Monitor, por que acusar alguém? Não seria ele mesmo que devia se declarar culpado?


Monitor, não se sinta responsável. Vocês eram oito e com os dois chefes dez participantes da corte. Mesmo com você me acusando os demais não precisavam segui-lo como seguiram. Poderia dizer hoje aqui, pois somos dois anciãos sem necessidade de mentir que nossa historia foi mal contada. Não fui eu! Poderia dar minha palavra escoteira, mas fiz isto e ninguém acreditou em mim. – Eu estava calado. Ajoelhei-me perante Doninha. Com meus setenta anos eu chorava a cântaros. Pedi perdão a ele. Ele me levantou, me abraçou e disse: Monitor, o tempo não volta mais, eu sei dos seus sentimentos e quer saber? Sempre tive você em meu coração. Muitas pessoas que passavam pela praça não entendiam o que se passava. Dois velhos de cabelos brancos se abraçando e um chorando. – Vamos tomar um café e relembrar os velhos tempos? Era demais para mim. Doninha me mostrou o verdadeiro caminho do perdão. Saímos abraços e fomos de bengala em punho a procura de uma nova redenção.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Patu o Caolho, o bandido cruel da Caverna do Morcego.


Vale a pena ler de novo.
Patu o Caolho, o bandido cruel da Caverna do Morcego.

          Passava das dez da noite e ainda estávamos papeando em volta do fogo comendo bananas assadas e tomando um delicioso café no bule que esquentava nas brasas da fogueira. Cortiço um sênior magro e alto, cabelos encaracolados estava em pé de costas para a floresta contando uma história fantástica. Cortiço tinha o dom da palavra, dos gestos e da imaginação. Todos nós da patrulha Serpente tínhamos admiração por ele. Nunca conheceu seus pais e foi criado pela Avó que lhe deu carinho e amor. Cortiço terminou dizendo: - Se quiserem podemos ir lá agora. Não é longe. Em nossas bicicletas é só atravessar O Pontilhão Negro da estrada de ferro, em menos de uma hora chegamos a Riacho Grande. De lá é fácil atingir a curva do Índio. Dizem que embaixo da pequena ponte de madeira do rio Amarelo as cavernas estão lá para quem quiser explorar!

         Um silêncio profundo se fez. Todos pensavam a mesma coisa. Será que iria valer a pena? A lenda que Cortiço poderia ser verdade ou não. Não seria fácil atravessar o Pontilhão da estrada de ferro. Não havia saída de emergência e se um comboio de minério aparecesse para não morrer todos tinham que pular no rio. E as bicicletas? Perder tudo? O que dizer aos nossos pais? – Vagonete o Escriba falou baixinho: - Uma aventura e tanto, mas atravessar a ponte? Se o fantasma do Patu o Caolho estivesse lá tudo bem, a gente já enfrentou fantasmas antes, mas a ponte era um desafio infernal. Pikitito que pouco falava concordou e foi mais além. – Se conseguirmos será a primeira vez que vou viver uma grande aventura. Orelhudo o Monitor não disse nada. Porteira o sub. riu baixinho. – Sei não disse – Se conseguirmos seremos os primeiros a aventurar em uma travessia mortal. Que eu saiba ninguém nunca tentou. Não deu outra, todos se levantaram, fecharam suas barracas com cipó bem preso para evitar bichos, vestiram seus casacos simples e sem ostentação, montaram em suas bicicletas e partiram. Eram dez e meia da noite.

                Contavam-se fábulas e relatos nem sempre verdadeiros de Patu o Caolho. Lá pelas bandas de Derribadinha e Riacho Grande ele era famoso. Seria o máximo se encontrassem com ele. Em meia hora avistaram pontilhão. Pararam na entrada. Nenhum som. Cada um olhou para o outro e o coração disparou. – Orelhudo pediu que usassem os cabos que usavam na cintura para amarrar uma bicicleta na outra. Se tivermos que pular pelo menos poderemos recuperar todas elas no fundo do rio. Nem bem se levantarem e ouviram o apito do trem. Sorriram. Se esperassem ele passar teriam alguns minutos para correr dentro do túnel escuro do pontilhão até o outro lado. O trem passou. Do outro lado do rio sorriram aliviados. Vinte minutos depois margeando o Rio do Peixe viram a entrada da caverna. Escura, fantasmagórica. A noite parecia a morada do demônio. Medo para eles era uma palavra que não existe.

               Levaram um lampião pequeno a querosene. Foi aceso e não iluminava mais que dois metros à frente. E daí? Era o suficiente. Pikitito ficou responsável para marcar o caminho. A certeza da volta sem sobressaltos dependia dele. Ele sabia de sua responsabilidade. Cortiço tentava recordara o que lhe contaram. Havia duas bifurcações na caverna. Uma levava a sala dos morcegos assassinos. Milhares deles. Quem chegou ali foi morto em segundos com suas mordidas fatais. A outra levava a um salão enorme. Diziam que Patu o Caolho morava lá com a sua winchester e seu parabélum na mão. Diziam que o teto da caverna era enfeitado de cabeças dos meganhas que ele matou. Pé ante pé eles desceram uma rampa e avistaram a bifurcação. Qual escolher? Na moeda? Não tinham nenhuma. Eram os seniores mais duros que existiam, mas para eles dinheiro nunca foi problema. Orelhudo mostrou que era o Chefe. Vamos pela direita! Falou. Ninguém disse nada e o seguiram.

              Quinze minutos depois uma visão do inferno. No salão, bem no meio, Patu o Caolho sentado à moda índia, de costas para eles falou baixinho – Aproximem-se! Eu sabia que vinham! Porteira que sempre ria queria chorar. - E agora? Pensou? O bandido vai matar um por um! Vagonete parecia ser o único a não ter medo. Aproximou-se do bandido e sentou ao lado dele. Um pequeno fogo um tropeiro simples e uma artimanha assando o animal qualquer. – Comam a vontade disse o Bandido. Parecia apetitoso. Pescoço tirou sua faca e tirou uma lasquinha. – No ponto pensou. Todos fizeram o mesmo. Ninguém falava. – Meia hora depois Patu o Caolho começou a falar: - Nunca fui bandido, Capitão Micunha da Policia de captura se “arrebicou” pela minha mulher. Não me respeitou como homem. Fui obrigado a cortar a garganta do meganha filho da mãe. Aqui escondi. De vez em quando um pequeno batalhão aparece. Era só fechar a entrada da direita e eles caiam direitinho no salão dos morcegos assassinos. Nunca escapou ninguém. Vou vez ou outra a noite até Derribadinha ou Riacho Grande para pegar mantimentos. Sem dinheiro era só dar uns tiros para o ar e o prefeito abria a porta do armazém sem reclamar.

              Orelhudo, Porteira, Pescoço, Vagonete, Pikitito, Cortiço e Pé de Chumbo da patrulha Serpente calados ouviam a história de Patu o Caolho. Não tinham nada para dizer. Ficaram em pé e Orelhudo agradeceu o petisco que comeram. Era hora de voltar. Pé de Chumbo fez a pergunta que todos queriam fazer: - E as caveiras senhor Patu? – Ele fez um gesto. Ainda sentado à moda índia o salão se iluminou. Centenas de caveiras penduradas no teto. Todos balançando. Todas com o uniforme da policia de captura! – Obrigado e até senhor Patu. Que vamo que vamo para nosso acampamento. Patu olhou para eles – Boa viagem. Sempre os vi lá acampando. Todos se entreolharam. Em fila indiana fizeram o caminho de volta. No Pontilhão da estrada de ferro não deu outra. Na metade da ponte um trem enorme, com faróis incríveis apareceu sobre eles. Pularam no rio. Quase vinte e cinco metros de altura. Moleza para aqueles seniores. Foram até a margem tiraram as roupas e voltaram para buscar suas bicicletas no fundo do rio.


              Sei que a Patrulha Ventos do Norte também se arriscou e foi até lá. Sei que a última não achou Patu o Caolho. Sumiu neste mundo de Deus. O fato é que Patu o Caolho ficou amigo dos Escoteiros e sempre os tratou muito bem. Alguns seniores passaram a contar uma história diferente. De Bandido passaram a contar que era um homem perseguido que merecia nosso respeito. Coronel Saldanha do Batalhão militar não gostou. Deu um ultimato: - Se continuarem com esta história acabo com vocês! Pelo sim e pelo não calamos. Afinal respeito é bom e todos nos gostamos. Kkkkkkkkk!   

Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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