segunda-feira, 2 de maio de 2016

Lendas Escoteiras. “Gigante”.


Lendas Escoteiras.
“Gigante”.

              “Gigante”? Never, nunca, não passava de um quase anão. Bem era um pouco maior, mas todos olhavam para ele com cara de piedade. Laredo da Paz vivia sorrindo. Sua face, sua maneira era de um pequeno grande homem que nunca fez ou desejou mal a ninguém. Sua mãe morreu no parto e seu pai quando o viu sumiu de Morro Vermelho. Afinal que iria querer cuidar de um menino que nasceu assim? Coitado. Nasceu com síndrome de Down e isto afugentou boa parte da população do seu convívio que desconhecia esta característica e achou que era uma aberração da natureza. Nem sabiam que elas apresentam personalidades e características diferentes e únicas. Quem ia dizer para elas que Síndrome de Down se bem cuidada pode alcançar excelentes capacidades pessoais de desenvolvimento, de realização e autonomia. São entes que são capazes de sentir, amar, aprender, divertir e trabalhar. Iria aprender facilmente a ler e escrever e pode tranquilamente levar uma vida autônoma. Sem sombra de dúvida pode ocupar seu lugar próprio e digno na sociedade.

                    Mas quem em Morro Vermelho sabia disto naquela época? Sua Avó já quase cega o levou para casa. Cuidou, deu carinho amor e tudo que ela podia dar com os parcos salários que recebia de aposentadoria. Laredo cresceu como um excluído, exilado ou um Pariá que ninguém queria se aproximar. Aos quinze anos viram que ele não era um perigo para a sociedade. Mesmo excluído de amigos da sua idade ele sorria, nunca fez nenhum mal a ninguém. Era aquele que senta lá atrás na sala de aula e nunca reclamou. Aos vinte anos sua Avó faleceu. Ficou só e não sabia como sobreviver. Tentou de tudo, mas ninguém lhe deu uma oportunidade. Foi Dona Ana que acreditou e o levou para ajudante em sua vendinha na esquina da Rua do Contador. Recebia uma migalha, mas não reclamava. Os “fregueses” gostavam dele. Educado prestativo e sempre com um sorriso seu atendimento era o melhor que podiam encontrar.

                     Substantivo e Adverbio monitor e Submonitor da Patrulha Garça discutiam o futuro da patrulha e da Tropa. Chefe Corel ficou muito doente. Diziam que era câncer e que em breve ele iria “bater as botas”. Era um Chefe não muito amado pela Tropa escoteira. Prepotente, gritante se julgava o melhor e sempre falando que todos deviam seguir seu exemplo. Pelo sim pelo não a Tropa não chorou sua partida para tratar na capital. Agora estavam sem Chefe. A Corte de Honra se reunia todas as semanas atrás de uma solução. Seu Domingos presidente da Diretoria disse que sem Chefe eles não poderiam ficar. Ele iria fechar o Grupo. A Alcatéia de lobos já tinha acabado por falta de chefes. Ninguem queria assumir. Parecia uma maldição em ver de uma graça para alguém liderar jovens em sua formação moral e ética. Por quê? Bem o escotismo desde sua fundação pelo Sargento Cacildo nunca foi bem visto. Uma história que ninguém queria contar.

                    Substantivo andava pela cidade chorando e pedindo a Deus que os ajudasse. Sentou em uma calçada e começou a passar mal. Filho de imigrantes Japoneses nunca foi bem aceito pelos matutos de Morro Vermelho – Dizem que são “camicases”, dizia Bonfá o barbeiro. Ele nem sabia o que eram camicases. Caiu na calçada e ninguém correu para ajudar. Gigante passava na hora. O pegou no colo e levou para sua casa. Deu-lhe um refresco de groselha, lavou sua testa com agua fria e a respiração de Substantivo voltou ao normal. Era apenas uma insolação e a fresca água e sombra foi um perfeito remédio. Surgiu daí uma grande amizade. Substantivo pensou: - Porque ele não poderia ser nosso Chefe? Levou a ideia para a patrulha e a Tropa. Todos se espantaram. - Ele? Não dizem que é irmão do capeta? Disse Parafuso. Pelo sim pelo não aceitaram a visita de Gigante em um sábado para conhecerem melhor.

                    No dia 16 de maio de 1956 a Tropa o empossou como Chefe da Tropa. Como? Poderão perguntar. Não sei. Seu Domingos presidente nem ligava mais para o Grupo que só tinha uma Tropa e nem Chefe tinha. - Quem se importa? Pensou. Seis meses depois chegou impoluto com banca de chefão um homem que se dizia representante do Escotismo nacional. – Ele não pode ficar! Não tem curso, nem ler sabe e é um doente, uma aberração da natureza! Gigante no alto da sua humildade disse que sabia ler e escrever e era irmão e amigo de todos nunca uma aberração. Sabia matemática, português, e estava aprendendo filosofia. O Grande Chefe da capital riu. – Não quero saber. Fora daqui! Enfrentou a ira de 30 escoteiros com seus bastões prontos para agredi-lo. Saiu correndo e nunca mais voltou. A cidade riu quando soube de tudo. Orgulhou-se dos seus meninos e bateu palmas para Gigante que não levantou uma mão para agredir ou machucar alguém.

                       Passaram quinze anos. Muitos dos meninos daquela Tropa viraram homens feitos. Alguns foram embora para tentar uma faculdade, outros arrumaram emprego e até mesmo Zé Dedão um antigo cozinheiro se casou e se tornou um grande industrial da cidade. Mosca Branca o intendente dos Touros se formou “Devogado” e voltou juiz de direito. Morro Vermelho hoje se sente orgulhosa com seus mais de 140 escoteiros e lobinhos. Na escola quando da matrícula perguntam: - É Escoteiro? Nada contra, qualquer um pode entrar sendo Escoteiro ou não, mas todos os escoteiros sorriam mais, alegravam mais, eram mais corteses e educados e bons estudantes.  O melhor mesmo é Gigante. Tirou o segundo grau, e não quis continuar estudando. Deu sua vida pelo Grupo Escoteiro. Era seu amor sua paixão. A meninada adorava seu Chefe. Hoje tem muitos oriundos daquela época, mas Gigante nunca quis ser o chefão do grupo. Boticário o Monitor mais antigo assumiu a chefia do Grupo. Não faz nada sem primeiro consultar Gigante.


                      Bem, as coisas são assim mesmo e eu não aconselho a todos seguirem o mesmo caminho. O Grupo nunca se registrou. Tentaram processos de todos os tipos para fechá-lo. Mosca Branca o Juiz ria e dizia – Que eles se preparem para uma boa luta do Scalp! Gigante continua na vendinha de Dona Ana. Agora são sócios. Dona Ana quase não aparece. A vendinha cresceu e muitos aconselham Gigante a construir um Super Mercado. – Eu? Nunca meus amigos. Sou feliz assim e porque mudar? Nada como descobrir o caminho da felicidade. Não sei não, mas se Baden-Powell fosse um ser super poderoso e olhasse na terra sua criação, ficaria orgulho do Grupo Escoteiro de Morro Vermelho. “Mais ainda de Gigante, um Chefe que não precisou ser dono da verdade, prepotente ou mesmo o líder que muitos esperam e que foi amado e idolatrado por todos que um dia passaram pelo Grupo Escoteiro da cidade de Morro Vermelho”.    

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