segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Jesus de Nazaré, um Velho que pensou ser Escoteiro.


Lendas Escoteiras.
Jesus de Nazaré, um Velho que pensou ser Escoteiro.

                        Era um asilo simples, paredes descascadas, sem jardins, sem flores, quartos com três ou quatro camas, um refeitório espremido, uma sala com uma TV colorida pequena, cadeiras simples sem nenhum conforto para sentar. Na periferia, local não muito limpo onde o lixo acumulava nas ruas próximas. Convidaram-me para ir conhecer Jesus de Nazaré um Velho negro que não sabiam se fora Escoteiro, mas era um excelente contador de histórias. Fiquei meio deslocado naquele ambiente desleixado e pensei que ali os velhos não tinham bom tratamento no fim da sua vida. A recepcionista com cara de poucos amigos relutou em me deixar entrar. Vendo-me de uniforme Escoteiro abriu um precedente e me levou até um quarto onde mais dois idosos dormiam ou estavam dopados com alguma substância que eu desconhecia. Jesus de Nazaré estava acordado. Seu semblante ofuscante dizia estar alegre e feliz.

                          Ao chegar à cabeceira de sua cama ele virou a cabeça e me olhou. Confesso que foi um olhar comovente. Não era de piedade ou de sentimento pelo tratamento com que ele recebia naquela casa. Jesus de Nazaré parecia estar feliz. Balançou a cabeça e pude notar seus cabelos brancos e crespos mal cortados, mas seu sorriso era contagiante. – Olá eu disse! – Ele sussurrou um Sempre Alerta com um tom de voz que me tocou demais. – Escoteiro? Dizem que são amantes da natureza. Que gostam da lua, das estrelas e dos ventos que sopram nos baixios dos vales perdidos entre montanhas e picos mais altos. – Olhei para ele enigmático, afinal descrevia nossa paixão e, portanto deveria ter sido um de nós. – Ele piscou o olho e disse: - Não lembro se fui, pois muitos são e não sabem que são. Meu Senhor da Fazenda onde morava nunca deixou. Seu filho era. Eu conversava muito com ele e me contou as maravilhas de uma vida escoteira, que dizia nunca mais esquecer.

                           Percebi logo suas qualidades de Contador de Histórias. Em poucas palavras já prendia minha atenção. Eu sabia que para ser um haveria de ter sensibilidade e empolgação, saber esticar sonhos em forma de ponte para juntar o mundo da fantasia e do imaginário. Ele deu outro sorriso. Parecia ler minha mente e eu não tinha a mínima ideia do que ele pensava. Sabia que iria fazer 103 anos. Quem sabe um dos mais velhos que o Brasil conheceu. Um biógrafo escreveu sobre ele, muitas das suas histórias, até um livro foi editado, mas poucos tomaram conhecimento. Eu li seu livro, poderia ser melhor se acaso o biógrafo assim o quisesse. Eu tinha que conhecê-lo. Ouvir sua voz, quem sabe um conto qualquer. Afinal se eu me considerava um Contador de Histórias não sei se tinha este dom como muitos amigos meus afirmavam. Sei que eu tinha sensibilidade e poder de encantamento. Mas seria isto o primordial?

                     Sentei ao seu lado, me apresentei. Ele com aquele sorriso que conquistava qualquer um me deu a mão enrugada, uma delas com uma ferida pequena, mas bem tratada. Contou-me pedaços da sua vida, e dizia entrementes que só conheceu alegrias e não tristeza. Lembrei-me de um famoso contador de histórias que dizia que ser bom é ter conhecimento antecipado do texto. Dos elementos que o compõe, das emoções escritas e familiarizando com suas personagens. Seria isto mesmo? E aqueles que contavam as histórias tiradas da imaginação? Não sabiam como seria o meio e o fim. – Ele me olhava com olhar tão sutil e sincero que me entreguei a ele meu coração quando começou a falar: - Nunca fui Escoteiro, nunca pude pegar a lua e guardar nos parcos pertences que tenho. As estrelas que vocês contam eu nunca poderia contar, não sei ler nem escrever. Mas tive a felicidade de respirar o ar da floresta, de sentir no rosto a brisa da manhã. Dizem que era bom mateiro e com minhas mãos construí cidades, fui amigo de cobras e animais que deram a felicidade de me mostrar que são mais verdadeiros que os homens.

                      - Soube que vocês tem uma lei. Tudo começou com Moisés e as suas taboas da lei. Até hoje são comentadas e poucos levam a sério. Mas a de vocês é simples e direta. Ela não diz faça ela diz tente para compreender. Afinal não é desejo de muitos ter uma só palavra? E lealdade? Quem não fica contente quando se tem um amigo leal? São dez artigos da lei, não? Ele continuou desfiando até que parou na promessa. Sabe o que mais gosto de vocês? A promessa. Não diz que é obrigado diz que fazer o melhor possivel é melhor que prometer. Estava estupefato. Como aquele Velho negro Contador de Histórias. Sabia tanto de nós! Verdade é que palavras bonitas ditas com sinceridade me emocionam. Sorrisos sinceros também me encantam, mas as atitudes de um homem honesto me conquistam muito mais. – Ele me olhou novamente e disse: - Vejo que você se assusta com o ambiente que estou. Não se preocupe. As palavras ásperas que me dirigem não me magoam mais. As agressões não me ferem e muitas maldades não mais me assustam. Ele sorriu e eu me senti pequeno diante da sua grande verdade.

                          Sinceramente minhas emoções estavam acima de minhas forças. Aquele Velho Contador de História marcou em minha vida uma existência que desconhecia. Francamente eu não conhecia sorrisos honestos, espontâneos e a aceitação da adversidade com um simples estalar de um olhar. Ele se tornou para mim muito especial em muito pouco tempo. Eu nunca pensei que pudesse me modificar e aceitar um local como aquele para morar, mas agora via o Asilo como se fosse à redenção de um jardim do Èdem que ele fazia questão de apregoar. Quando o olhava melhor respirava o ar das montanhas em dia de sol. Quantos pensamentos e lembranças ele deixou em mim. Fiquei calado, já não me sentia o Contador de Histórias que tantos me apregoavam que eu era. Pensava em estar com ele sempre, pois só seu olhar me rejuvenescia. Quando a enfermeira disse que o tempo acabou lhe dei um abraço. O beijei como se fosse o meu pai. Dei-lhe a mão esquerda e me senti realizado.


                         Na porta do Asilo ela me disse: - Tem pouco tempo de vida, vai partir em breve. Seu coração não vai aguentar outras luas que irão nascer. – Chorei. Fui para casa rezando e pedindo a Deus que no fim da minha vida me desse à força daquele Velho Contador de Historias. Fiquei pensativo por dias e dias. Anos e anos escrevendo e pensando que eu era o melhor. Agora sabia que meu jardim ainda precisa de muitas flores para sentir o perfume que só os deuses sabem fazer. Agora tinha a certeza que para ser o melhor tinha de ter um belo sorriso. Uma aceitação da realidade que para uns machuca e para outros encanta. Não sei como explicar, mas para mim era como se estivesse renascendo. Passei a respirar diferente, meu ar ficou mais puro, quem sabe agora seria um Velho Escoteiro melhor? Nunca mais o esqueci. Na segunda visita ele partiu. Queria ter estado lá para dizer adeus. Mas nunca esqueci seu rosto de felicidade e me perguntava o que ele queria dizer quando me disse: - Entrou por uma perna de pato, saiu por uma perna de pinto, quem quiser que conte cinco!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

Bem vindo ao Blog As mais lindas historias escoteiras. Centenas delas, histórias, contos lendas que você ainda não conhecia....