Lendas
Escoteiras.
Um
passado sem perdão.
Ah! Que cara o
Robertinho. Alegre, feliz, parecia querer abraçar todo mundo quando chegava às
reuniões. Eu sei que o escotismo o transformou. Fez dele outro jovem que não
aquele que taciturno vivia sem amigos em sua escola e em sua rua. Nem se lembrava
de como entrou e por que. Só sabia que agora era um Touro e fazia questão de
honrar o nome da patrulha. Eram sete. Sem considerar Tolon o Monitor os demais
eram como se fossem irmãos. Tolon não era um bom monitor. Era perito em mandar,
em humilhar, em dizer que se não fosse ele nada seria feito. A patrulha
cabisbaixa não dizia nada. Ele nunca valorizou ninguém. Nem mesmo Nicodemos o
Submonitor. Robertinho aprendeu muito com Nicodemos. Aprendeu tudo para ser um
Cordão Verde e Amarelo. Não recebeu, pois Tolon não tinha e ele não admitia que
outros recebessem antes dele. A Corte de Honra era dirigida por ele e o Chefe
Givaldo fazia questão de deixar tudo nas mãos dos monitores.
Até hoje fico pensando
porque ninguém saiu da patrulha. Afinal ter um monitor mandão, gritador, que
vivia chamando a todos de mariquinhas, preguiçosos, negligentes era demais.
Outras patrulhas assustavam com Tolon. O próprio Moreno monitor da Gaivota o
achava prepotente, abusado e despótico e Tolon ria. Achava-se o tal. – Não vou
passar talquinho em ninguém – dizia. O Chefe Givaldo ralhava com ele, mas o
Chefe era um pai, uma mãe, um irmão. Nunca o vi de cara feia. Nunca chamou a
atenção de ninguém. Quando a situação apertava ele chamava em particular e
tentava falar. Mas gaguejava mais do que falava. Ainda bem que a Tropa o
considerava muito. Tinham por ele uma admiração enorme. Se não era enérgico,
dominante não importava. Bastava ele sorrir e a Tropa se desmanchava. Uma vez
em uma atividade distrital Tolon se envolveu em um bate boca com o monitor da
Leão de outro Grupo Escoteiro. Do conflito saíram para os tapas. Foi uma
encrenca que até hoje os chefes das demais tropas evitavam participar em
atividades que os Touros de Tolon estivessem.
Tolon não se
envergonhava de nada. – Comigo bateu levou – Dizia. Se perdão foi feito para a
gente pedir esquece. Não peço e não perdoo ninguém. Mas afinal o que tinha
Tolon de tão interessante para seus patrulheiros confiarem nele e nunca terem
pedido para sair? Ele não era feiticeiro, muito menos agradável. Aparência
divina passou longe. Era inacreditável que todos se mantinham fieis a ele e a
patrulha. Ele ambiciona ser Lis de Ouro. Ninguem colocava a mão no fogo para
ele levando em consideração sua Promessa. Não era preguiçoso, mas não sabia
como conquistar as especialidades necessárias. Ele tinha o Cordão Verde e
Amarelo, mas não o Vermelho e Branco. O chefe Givaldo sabia que se fizesse o
processo o distrito não iria aprovar. Quem sabe daí nasceu toda sua cólera, seu
arroubo e rompante de levar tudo a ferro e fogo. Ainda bem que a patrulha no
fundo gostava dele. Sem destempero e seu rompante era levado sem reclamação
pelos seus subordinados.
Se havia alguma
qualidade em Tolon eu Monitor da Cuco nunca vi. Fiquei deverás preocupado com a
maneira que Tolon tratava Robertinho. Era mau, era intragável e humilhante.
Robertinho não reclamava. Seu amor ao escotismo e a patrulha era maior que a
prepotência de seu monitor. Durante mais de um ano e meio Robertinho foi
subserviente, aceitava o mau humor de seu monitor e nunca conseguiu atingir seu
sonho pelo menos de conquistar o cordão Vermelho e Branco. Neste Período a
patrulha perdeu Humberto e Laerte. E não foi por causa do monitor. Humberto foi
morar em outra cidade e Laerte foi trabalhar como continuo nas Lojas Estrela. E
sem explicação aparece dois meninos novos, que moravam na Rua de Tolon, sabiam
como ele era e mesmo assim entraram e aceitaram ficar em sua patrulha.
Dizem que tudo nesta
vida tem uma razão de ser. Tudo que acontece tem um motivo para acontecer. Eu
sei que a vida não é tão simples como se pensa, mas se fosse, qual seria a
graça de vivê-la? Destino ou não a Tropa ia para seu acampamento de verão.
Alegres, cantantes, cada patrulha com sua carretinha cantando nas rodas de
madeira. Era um desafio fazer as rodas cantarem. Silvos, gemidos, rodas rodando
em subidas, em descidas e lá iam eles esperando encontrar mais um acampamento
tão esperado por muitos meses. Claro que Tonon não fazia força, só quando em
subida íngremes. – Dizia gritando: - Eu já fiz muito isto agora é com vocês.
Afinal são escoteiros ou ratos? E ele ria, dava gargalhadas e a patrulha seguia
para seu acampamento tão esperado. Até hoje não sei como aconteceu. Estava eu
ajudando a patrulha na descida segurando à carretinha quando vi um grito.
Robertinho perdeu o equilíbrio e foi ao encontro da cerca de arame farpado a beira
da estrada.
Eu sei que foi Tonon
quem o empurrou. Isto me contou Logomarca da patrulha Onça parda. Sei que todos
correram para ajudar. O olho direito de Robertinho sangrava. Havia um buraco
parecendo que uma ponta do arame rasgou parte do seu olho. Tolon ficou branco.
Robertinho chorava, mas não acusava ninguém. O Chefe Givaldo não sabia ao que
fazer. Foi Nicodemos quem tirou seu lenço amarrou com vontade em volta de sua
cabeça e com outro lenço forçava o olho ferido de Robertinho. A Tropa ficou na
estrada e Nicodemos com o Chefe Givaldo voltaram para a cidade. Mais tarde
voltaram todos. Não haveria mais acampamento. Havia motivo? Não havia. Todos
estavam aflitos com o acontecido. Uma angustia enorme abateu em todos os escoteiros
da Tropa. Eles sabiam que o acontecido tinha um sabor de derrota. Dois meses
depois Robertinho foi para a capital morar com sua tia e tentar uma operação
que afinal nunca aconteceu. Ele ficou cego de um olho.
A história dá muitas
voltas para contar a sua própria história. Eu sei, pois me contaram que
Robertinho com seus 68 anos se encontrou com Tolon um dia na Rua do Ouvidor.
Ambos pararam. Tolon abaixou a cabeça e começou a chorar. Robertinho não
esperava aquela demonstração de fraqueza de Tolon agora um Velho de cabeça
branca. Fraqueza? Chorar é para os fracos ou para os fortes? – Robertinho
abraçou Tolon sorrindo. Meu amigo, a vida passa e as magoas também. O que
passou, passou. Hoje alguém no céu achou por bem que nos encontrássemos
novamente. Isto não é bom? Afinal não temos muitas historias boas para contar
dos nossos tempos de meninos escoteiros? – Tolon ali no meio da rua, com
dezenas de pedestres passado ajoelhou em frente a Robertinho: - Perdão meu
amigo, perdão. Vivi todo este tempo amargurado. Porque fiz aquilo? Pedi a Deus
para me perdoar, mas sabia que só seu perdão poderia me dar à paz que nunca
tive.
Errar é humano, aprender com o erro é ser sábio,
perdoar quem errou é ser os dois ao mesmo tempo. Ninguem entendia dois homens
feitos se abraçando em plena avenida Rio Branco e cada um com seus olhos rasos
d’água a dizerem baixinho: - A nossa lei sempre nos ensinou a sermos irmãos.
Não há como perdoar um irmão. Sei que a partir deste momento seus destinos se
locupletaram como se fossem um só. Feliz quem sabe perdoar, pois a felicidade é
assim. Fazendo os outros felizes com seu perdão!
Nenhum comentário:
Postar um comentário