domingo, 27 de dezembro de 2015

Era uma vez... São Pedro lá do céu!


Lendas Escoteiras.
Era uma vez... São Pedro lá do céu!

                   Hoje me lembrei desta história. Minha memória diz que aconteceu, mas muitos amigos daquela época diziam que não foi bem assim. Menino estudante, Escoteiro, cidade pequena sem nada o que fazer, corria-se com suas possantes bicicletas nas casas dos amigos escoteiros, reuniões de patrulha e pensando no próximo acampamento. Era uma festa quando alguém com peças Escoteiras apareciam na cidade. – De onde? Qual Patrulha? E a luta para levar para sua casa? São coisas do passado, passado que ficou na memória e nem sempre se fatos assim ainda acontecem neste Brasil imenso. Mas vamos às lembranças. Desculpe se faltar alguma coisa, faz tempo, muito, o Velho Escoteiro tem 75 anos e na época somente 12. Recordações faz bem e eu tenho muitas para lembrar.

                    Não me lembro do seu nome. Pudera ele nunca disse, pois assim como chegou ele partiu. A gente o apelidou de São Pedro, aquele que mora no céu. Fisionomia igual a que o Padre José nos contava. Uma barba branca que de tão branca ao ficar ao sol se tornava azulada. Magro, e quem o olhasse bem de perto diria que era só pele e osso. Será que não se alimentava? Usava uma roupa simples, calça caqui curta bem puída e uma camisa caqui com alguns rasgos no ombro. Usava um cinto. Era o nosso conhecido. Sem sombra de dúvida era um cinto escoteiro. Esquecemos até que em sua cabeça também morava um chapéu de abas largas, mas que agora estava decaído se mostrava velho, carcomido e com pequenos furos. No banco que estava sentado havia uma pequena mochila, diferente das que nos conhecíamos. Nunca vimos o que tinha dentro dela. Sua figura chamava a atenção, tinha os dentes perfeitos e quando sorria maravilhava a todos. Falava como se estive declamando poesias tipo aquelas que nosso professor de português declamava sem sorrir e querendo ser o que ele nunca foi. Um poeta.

                          Não lembro quem o viu pela primeira vez, sentado no banco da Praça da Estação. Praça nova árvores recém-plantadas. Dizem que hoje estão enormes e as palmeiras inigualáveis. Bem não estou aqui para falar da praça e sim do velhinho de barbas brancas azuladas, ou melhor, São Pedro lá do Céu. Quando lá cheguei outros lá estavam. A notícia correu de boca em boca dos escoteiros e lobinhos. Gente estranha e com peças Escoteiras na cidade era motivo de jubilo por parte de todos nós. O cinto e o chapéu sem dúvida o identificava. Em volta daquele simpático velhinho nós pequeninos Escoteiros agachados em sua frente de olhinhos arregalados queríamos saber de tudo. Ele tinha um lindo sorriso e de vez em quando seus olhos fechavam parecendo que iria dormir. Sonhador chegou correndo. Era e sempre foi nosso porta-voz. As patrulhas confiavam nele. Sabia falar como ninguém, um proseador que não perdia nunca o fio da meada.

                            Todos nós esperávamos que nosso acólito trouxesse a tona e desvendasse o segredo do Chapéu e do cinto que acintosamente aquele velhinho, ou melhor, São Pedro lá do céu portava. Ao menos a fivela estava limpa. Não brilhava, mas ainda tinha a cor da originalidade quando produzida. O chapéu mesmo limpo não mantinha as abas retas e planas. Tinha um semblante que encantava. Sonhador disse que o ouviu falar que estava com fome. Façamos uma vaquinha! Conseguimos doze paus. Perna Seca e Orelhudo foram correndo ao bar do Zé Moreno. Voltaram com quatro coxinhas, seis bolinhos de carne e dois pães. São Pedro lá do Céu comeu com gosto. Educadamente. Mastigava como se estivesse contando cada mordida. Beleleu levou Narigudo até sua casa na bicicleta. Voltaram em dez minutos com um cantil cheio de água e uma garrafinha de groselha. Ele sorria e falava baixinho com Sonhador.

                       Lá pelas tantas discutimos onde ele iria dormir. Velho assim era difícil levar para a casa dos vinte e oito meninos Escoteiros e quinze lobinhos que se ajuntaram em sua frente na Praça da Estação. Seus pais poderiam estranhar. Bororó Monitor da Onça Parda sugeriu trazer a barraca de duas lonas da chefia e um cobertor do exército que ganhamos. Na grama atrás do banco a barraca foi armada. Sonhador disse para ele que podia dormir tranquilo. O Guarda Noturno era o Zé Birosca, antigo Escoteiro. Ele estava em casa. Ficamos lá até por volta de nove da noite. Fui embora pensativo. De onde era? Como chegou? Seria um antigo Escoteiro ou um Chefe? Dormi pensando e durante todo tempo de escola nem vi o que os professores disseram. Queria que as aulas terminassem para correr até a Praça da Estação.

                             Encontrei Bico Doce e Orelhudo conversando. Ele se foi me disseram. A barraca estava desarmada e bem dobrada nos moldes Escoteiros. Os espeques limpos e enrolados em um jornal. Se ele dormiu ali levantou cedo. Antes do alvorecer. Zé Birosca o Guarda Noturno disse que não o viu ir embora. Seu Nonô Fogueteiro Chefe da estação disse que o maquinista Zé Be Deu o levou como carona no trem de carga das cinco da matina. Fiquei decepcionado. Se ele fosse um dos nossos quantas novidades para nos contar? Sabíamos que nossa fraternidade era enorme, mas só umas fotos apagadas de uma revista que um viajante nos presenteou vimos Escoteiros de outros países. Será que eles seriam iguais a nós?

                     Na semana seguinte eu e Orelhudo encontramos Zé Be Deu o maquinista. – Desceu em Crenaque. Disse que iria atravessar o Rio Doce em uma jangada que ele guardava na Caverna do Morcego. Falou baixinho que iria rever seu amigo o Cacique Abaeté dos Aimorés do outro lado do rio. Eram amigos há séculos. Séculos? Pensamos no que disse o maquinista. Perguntamos mais e ele não disse mais nada. Olhei para Orelhudo que balançou a cabeça. Imortal? Seria ele realmente São Pedro lá do Céu? Meninos Escoteiros a filosofar. Durante muitos anos nos Fogos de Conselho e em Conversas ao Pé do Fogo levantávamos a história de São Pedro lá do Céu. Falou-se tanto que agora para os novos ele era um Santo Escoteiro. Alguns juravam tê-lo visto nas margens do Rio Vermelho, outros na Montanha da lua e um afirmou que ele corria em cima das águas nas corredeiras do Rio Piaba. Ah! As histórias existem, verdade ou não fiquei sabendo que na Corte de Honra foi votado para ele ser o patrono da tropa. Porque não?


(A minha vida fechou-se duas vezes antes de se fechar – Mas fica por saber, se a imortalidade me revela Um evento maior. Tão largo tão incrível de pensar, como estes que sobre ela duas vezes tombaram. Partir é tudo o que sabemos do céu, tudo o que do inferno se pode precisar). Emily Dickinson

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