Lendas Escoteiras.
A sombra do medo.
Ninguém viu quando ele
chegou. Sorrateiramente se arranchou na porta do Cemitério do Corcunda. Juntou
uns galhos de árvores, conseguiu umas caixas de papelão e construiu seu lar.
Lar? Dizem que cada um tem o que merece. Os passantes pela manhã estranharam. –
Quem era? De onde veio? O delegado foi chamado. Foi arrastado por dois praças
até a delegacia. Não ficou lá muito tempo. Fedia, um mau cheiro de espantar até
os dragões da independência. Santo Ângelo sem perceber adotou um sem teto.
Nunca tiveram um. Durante o dia ele se escondia na sua morada infernal. Ninguém
teve dó quando chovia, quando o frio apertava. Só dona Joana que levava comida
e água para ele alguns dias na semana. Deixava na porta de seu barraco de folhas
de papelão e no dia seguinte as vasilhas estavam lá vazias e limpas. Não era
uma figura boa de se ver. Barbudo, Cabelo desgrenhado a roupa imunda, unhas
grandes, dentes cariados lhe davam um aspecto aterrador. O prefeito foi
informado, Doutor Rosaldo o Juiz também. Nem o Padre Tomaz foi lá para ajudar.
O chamaram-no de tudo.
Filho do Diabo, Capeta sem mãe, Lúcifer da meia noite. Mas ficou conhecido
mesmo como Satanás. Porque isto se ele nunca fez mal a ninguém? E quem se
importava com ele? Deixe que Satanás more aí desde que não prejudique a cidade
e não se ache dono do lugar. Muitas vezes o avistaram a noite, zanzando pelo
cemitério. – As comadres diziam que ele era o Chefe da capetada. Por isto
deviam manter distância. O Padre Tomaz procurou Dona Joana para aconselhar. –
Se continuar alimentando é como alimentar o diabo. O demônio sempre se fingiu
de boa praça. Fique longe, quem sabe vai
embora e vai nos deixar em paz? Dona Joana ria, no seu coração iluminado sabia
que ele não foi e nunca seria um filho das trevas. Era uma pobre alma de Deus e
ela sempre o ajudaria. Pequenos furtos começaram a acontecer. – Foi ele!
Disseram. Foi Satanás! Antes de ele chegar isto nunca aconteceu! O delegado
relutou em prender. O homem era podre, fedia mais que privada de boteco de
beira de estrada.
Pegaram Tomaldino com a
boca na botija. Ele não precisava disto. Preso confessou que queria que todos
pensassem que o culpado era Satanás. A cidade não se perdoou. Queria ele longe
e ninguém fazia nada. Juntaram uma turma valente e a noite bem tarde com ele
passeando no cemitério botaram fogo na sua morada. Ele veio correndo e não pode
fazer nada. – Alguém teve pena dele – Vejam! Ele chora, seus olhos estão cheios
de lágrimas! Dó? Ninguém tinha dó. Pedras choveram e ele correu para dentro do
cemitério onde depois da meia noite ninguém se arriscava a entrar. No dia
seguinte ele estava no mesmo lugar. Agora sem casa, sem nada e um frio de
lascar. Ele se enroscava nas suas roupas sebentas e Dona Joana levou para ele
um enorme cobertor azul e branco onde ele se enroscou. Olhou para ela
agradecido e fez uma mesura que só homens educados faziam. Ninguem tem pena,
ninguém ajudou ninguém se mostrou benemérito, mas esqueceram de Conchita, a
menininha Lobinha, filha de Dona Lavínia.
Foi no sábado que ela
puxada pela mão por sua mãe viu Satanás sentado à beira do muro, levantou a mão
como um pedinte, falou baixinho para ela: - Me dê um tostão! Para mim comprar
um pão! – Só um! Minha fome está demais. Conchita tinha dois reais, deu a ele
se soltando da mão de sua mãe. Ela assustada correu a pegar Conchita e correu
com ela do lugar onde morava Satanás. Não adiantou. Toda vez que Conchita sumia
ela sabia que estava lá, na casa de Satanás. Pediu ao Padre Tomás que a
ajudasse, falou com delegado com o prefeito e o juiz. Ninguém queria se meter.
- O homem fede demais dona Lavínia. A cadeia vai explodir se eu o colocar aqui.
Uma amizade impossível nasceu. Satanás e Conchita. Não adiantava prender e ela
fugia pela janela, pela porta por qualquer lugar. Levava comida, levava amor,
levava amizade a alguém que ela teve não piedade, pois achava que encontrou um
irmão.
Dona Joana tomou uma decisão,
a Satanás deu a mão e o levou para seu lar. A cidade veio abaixo. Impossível! O
que ela acha que está fazendo? O tempo passa não para. O ontem se foi e o hoje
chegou sem avisar. Os amigos de Conchita, da Matilha Rosa bonita, visitavam
todo sábado o lar de Dona Joana. Satanás tomou banho, fez a barba se transformou.
Ninguem diria que era aquele da beira do cemitério, que fedia a mais não poder,
que visitava amigos depois da meia noite nas catacumbas do Corcunda. Daniela moça
formosa estranhou. Na biblioteca um jovem lindo, que não era da cidade. Por ele
se assanhou e quando soube que tinha sido Satanás dali se mandou. A fama de
Satanás se espalhou. A matilha Rosa Bonita deu ao Chefe um ultimato. Aceite ele
aqui, se não vamos embora e nunca mais voltaremos. Chefe Coqueiro sorriu.
Conversou com Satanás. – Meu jovem conquistou corações dos lobinhos quem sabe
conquista o meu? Tente lembrar o seu nome, faça uma forcinha pequena, Satanás
não é seu nome deve ser outro qualquer.
Marco Rocco as suas ordens, da
cidade de Bom Despacho. Perdi a memoria e nem lembrava, quem sabe depois que
ela foi embora, Maria Flor de Maio, minha noiva do lugar. Eu estava apaixonado
e queria com ela me casar. Chorei noites seguidas, tentei até confessar e não
adiantou. Vi-me perdido no mundo, sai com a roupa do corpo sem destino sem onde
parar. Agora me lembro de tudo. Era professor do lugar, dizem que era poeta,
que cantava canções de amor. A amizade tão bonita, destas meninas formosas me
trouxeram novo alento. Aceita minha colaboração? Quem sabe posso ajudar? Faço a
limpeza de tudo, e saindo daqui pretendo me empregar. A história aconteceu.
Marco Rocco não era mais um demônio, um satanás. Era um professor e assim
começou a lecionar. A cidade se apaixonou por ele, o Grupo Escoteiro fez dele
um irmão de sangue, hoje é Chefe de uma sessão.
Os lobos o adotaram, Dona
Joana sorria, ele morava com ela, ajudava em tudo com seus parcos recebimentos.
Tornou-se famoso professor, as moçoilas o procuravam para cantar prosas, versos
bonitos e quem sabe ele um dia teria sua família e iria viver feliz para
sempre? Como disse Clarice Lispector: - "Não sei perder minha vida" Não sei qual
a minha culpa, mas peço perdão. A luz do farol revelou-os tão rapidamente que
não puderam ver. Peço perdão por não ser uma "estrela" ou o "mar"
ou por não ser alegre, mas coisa que se dá. Peço perdão por não saber me dá nem
a mim mesmo, para me dar desse modo a minha vida se fosse preciso, mas, peço de
novo perdão não sei perder minha vida.
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