domingo, 29 de novembro de 2015

Espalhem minhas cinzas na curva do Rio Amarelo.


Lendas Escoteiras.
Espalhem minhas cinzas na curva do Rio Amarelo.

                  Eu flutuava no ar. Era uma sensação diferente. Não tinha a mínima ideia do que estava acontecendo. Não me lembrava do passado e o presente para mim era uma incógnita. Tentava ver onde estava e não conseguia. Não havia som, não havia luzes só uma escuridão infinita. Será que estava morto? Ou será que sonhava? Não acreditava em vida depois da morte. Para mim morreu é deixar que a terra do corpo se aproveitasse. De repente vi nuvens se abrindo e a minha cidade apareceu entre elas. Achei linda a visão, era a primeira vez que a via do ar. Não sabia que ela era tão bonita. O Rio Amarelo serpenteava ao seu lado com suas águas brancas e cristalinas. Desci um pouco mais na nuvem onde estava. Notei na curva do Rio Amarelo uma turma de escoteiros formando uma grande ferradura. O que eles estavam fazendo ali? Eu os conhecia um por um. Galáctico o monitor da Coruja, Twister da Lobo, Trocadilho da Onça. Mas não vi MacArthur da Morcego. Por quê?

                Desci um pouco mais, fiquei menos de quarenta metros deles. Onde estava Rosinha? Também não estava ali? Sorri para mim mesmo entristecido. Sabia que ela não viria. Não havia motivos. Alguém de uniforme Escoteiro entrou nas águas límpidas do rio. Olhei melhor era MacArthur. – O que estavam fazendo? MacArthur tinha uma caixa de metal pequena nas mãos. Abriu a tampa e retirou um pouco de cinzas jogando-as pelo ar! O vento calmo se apoderou delas e as espalhou por toda a margem do rio. Foi então que me lembrei. Foi um pedido meu feito a MacArthur e renovado na Corte de Honra. Os meninos se assustaram e não disseram nada. Mas como foi que isto aconteceu? Minha mente tentava rebuscar o passado e não conseguia mentalizar. MacArthur chorava. Gostava tanto assim de mim? Mas eu não era um bom Chefe? Uma vez pensei que sim até que um pai colérico gritou comigo no final da reunião: - Borracho! Bêbado! Que exemplo está dando para os meninos seu vagabundo! Aquelas palavras bateram fundo.
           
                Minha memória ia aos poucos voltando no tempo. Acho que tudo começou quando sai da sede naquele novembro. Sentia uma depressão enorme. A tristeza me invadia o corpo e confesso que nem sabia o motivo. Uma dor incrível no peito, mas não tinha falta de ar. Saudades miseráveis que sempre me acometia em tardes de lua cheia. Passei sem perceber na Boate de Madame Telminha. Casa de má vida. Não devia entrar e seguir em frente. A música se espalhava no ar. O vento me empurrava a entrar. Índia a canção foi sempre minha preferida. Comecei a cantar baixinho. Entrei, sentei em uma mesinha de canto. Foi então que a avistei. A mais linda mulher que tinha conhecido. Nunca fui um conquistador. Evitava tudo isto que vivia agora. Era um Escoteiro e me considerava puro nos pensamentos nas palavras e nas ações.

               Ela cantava maravilhosamente. Fiquei maravilhado com sua voz. Quase chorei ao ouvi-la cantar. Pedi uma cerveja, duas, três e perdi a conta de quantas foram.  A Boate fechou às três da manhã. Não queria sair, queria falar com Rosinha. Estava apaixonado. Iria pedi-la em casamento. Um bobo da corte, um idiota, um simplório como eu ela nunca me receberia. Tentei. Seguranças me impediram. Forcei e me jogaram para fora da boate. Cai na lama da rua. Senti-me sujo e desmaiei. Acordei com o sol a pino. Estirado na calçada atrapalhando os transeuntes que passavam me olhando com nojo. Tentei levantar e não consegui. Uma mão me ajudou e me arrastando me levou até minha casa. Deitou-me na cama não antes de passar uma toalha molhada pelo meu corpo. Forcei a vista para saber quem era. MacArthur!

                 Cidade pequena logo todo mundo sabia. Minha fleuma escoteira estava indo para o ralo. Já não era mais um Chefe e sim um bêbado, um escrachado, um cachaceiro. Apenas um dia e perdi todo respeito que conquistei e construí. Sempre me consideraram um vagabundo deste que meus pais morreram. Não ia a igreja, não acreditava em Deus. Na cidade fui o único a assumir que era um ateu. Para me inscrever no escotismo não foi fácil. Sempre fui um deles de corpo e alma desde criança. Assumi a loja do meu pai. Trabalhei de sol a sol. Não dependia de ninguém. Logo conquistei um Escoteiro, uma patrulha uma Tropa. Quando saíamos para acampar era uma festa. A cidade aplaudia. Acreditavam agora em mim. Resolvi me manter calado no que acreditava, agora tinha uma nova filosofia, uma nova forma de viver. O escotismo passou a ser minha namorada, minha mãe meu pai meu tudo.

                  À noite acordei assustado. Sonhava com ela. Danação! Rosinha agora fazia parte de mim. Arrumei-me mais ou menos e parti para a Boate de Madame Telminha. Sabia que era um erro, devia forçar minha vontade de ir e ficar. Afinal o Escoteiro é leal com suas convicções, mas nada disto aconteceu. Novamente ela me virou as costas, novamente bebi além da conta, novamente me jogaram porta a fora. Desta vez foi pior. Um homem que não conhecia com cara de mau me ameaçou. Ri dele. – Também sou homem disse a ele. Na rua bêbado o delegado me levou para a delegacia. Passou-me um sabão. – Sabia que eu era Escoteiro e devia dar exemplo. Acho que ele não sabia que não temos como dominar o coração. Eu queria pelo menos ter um minuto com ela, sentir seu perfume, seu hálito, sua voz e seu sorriso. Sabia que nunca teríamos nada, mas não custava tentar. Isto repetiu várias vezes. No Grupo Escoteiro fui convidado a me retirar. Uma maneira educada de dizer que eu não era mais bem vindo.

                    Ah! MacArthur, um Escoteiro, um monitor e meu anjo da guarda. Ele no alto dos seus treze anos me dava lição, logo eu um homem de 25 anos. Mas eu o obedecia. Ele falava eu fazia. Poucos escoteiros foram a minha casa. Muitos chefes me viraram as costas. Eles estavam certo. Um dia sonhei que estava morto. Acordei sorrindo. Por quê? Afinal a vida tinha me levado e eu sorria? Eu tinha pedido a MacArthur que não deixassem me enterrar. Entreguei para ele um bilhete escrito do próprio punho que queria ser cremado. Que ele jurasse e desse sua palavra de escoteiro que iria jogar as minhas cinzas na curva do Rio Amarelo. Entreguei a ele uma boa quantia. – Se sobrar, eu disse, é uma doação para a Tropa. Ele sério e empertigado nada falou. Voltei novamente a Boate e ao entrar senti dois estampidos. Não senti mais nada. Agora estou a ver a cerimonia que os escoteiros estão fazendo para mim. Meus olhos choram meu coração não existe mais. Eu não era ninguém!


                   Não vi anjos no céu, não havia luz e nem ninguém de branco a me esperar. Estava morto? Se estava porque eu via tudo? Porque eu sentia que podia tudo? Tentei gritar, mas chorava sem parar. Não queria ficar sozinho ali naquele espaço de tempo que nunca acreditei ficar. Não sei quanto tempo chorei, mas um dia uma abertura de um azul finito se abriu no céu. Alguém me elevava no ar. Sabia que não era uma pedra, não era um grão de areia, eu era sim um espírito que desejava ardentemente o auxilio de alguém! Foi então que rezei, e rezando almas apareceram para me ajudar. Bendito seja Deus, bendito seja seu santo nome. Obrigado meu Deus!

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Duas vidas um destino.


Lendas Escoteiras.
Duas vidas um destino.

               Seus olhinhos miúdos procurava entender o que ele fazia ali. Olhava de um lado para outro tentando raciocinar porque não estava em sua casa. Agora era assim, lapsos de memoria frequentes. Sua idade? Ele não se lembrava, não tinha forças, não andava mais. Alguém o levava em uma cadeira de rodas simples e barata. Ele nem se lembrava de Loreta e para ele ela não existia. Ele sabia que era um ancião. Como as grandes árvores que ficaram no tempo ele não dava mais frutos e suas folhas caiam para ficar presas na terra. Vez ou outra tinha lampejos de lembranças. Lembrava seu nome, sua idade. Idade? 96 anos bem vividos. O que fazia ali? Muitos a sua volta. Batiam palmas ele se lembrou da palma escoteira. Quantas vezes ele também as usou? Há! Sim! Agora melhor. Lembrava que era um Escoteiro, sempre foi. Não participava mais há alguns anos. Quando lucido sentia falta. Falta da mochila, falta da trilha seca ou molhada. Falta da montanha, da barraca dos seus amigos de patrulha.

                 Deu de si o que pode e não pode pelo escotismo. Diziam que ele fora único. Um dos maiores Velhos Lobos ainda vivo. Era aplaudido onde quer que fosse. Os Grupos Escoteiros insistiam na sua presença nas festas e atividades que faziam. Ele sempre sorria, mas um sorriso sem graça sem saber por que estava sorrindo. Quem sabe pensava que estava feliz. Outras vezes seu olhar perscrutava a todos os presentes para ver se lembrava de alguém ou mesmo a perguntar o que fazia ali. Muitos disseram que era desumano o levarem assim nas veredas Escoteiras com que era convidado. Não era. Deixou um testamento e nele escreveu: Nunca direi adeus a quem amo, meu orgulho alimenta minha vontade em continuar lutando, errado achar que devo me aposentar, errado achar que não sei mais amar o escotismo como amei. Às vezes é preciso reconhecer que um dia o final irá acontecer e neste dia quero fechar os olhos e dizer: - Estou onde devia estar! Loreta entendeu a mensagem. Seus olhos sempre em lágrimas o levavam onde o convidavam. Ela sempre dizia a ele baixinho em seu ouvido: - Amor vamos escoteirar!

                       Quando estava lucido nunca reclamou. Afinal as dores nestas horas passavam, a falta de ar ia embora como se ele estivesse vivo em cima de uma enorme pedra no alto de uma montanha. Ele sempre gostou de estar com a meninada. Sempre os amou. Sempre pensou que iria poder ajudar a formar pessoas de bem para seu querido país. Quantas vezes ele viajou por estados e países a levar as boas novas de uma nova ordem? Um novo escotismo que poucos conheciam? Não era um perito palrador, ou melhor, um perfeito conferencista, mas se esforçava. Nos seus melhores dias ao terminar era aplaudido de pé. Nunca usufruiu das benesses do escotismo, pois gastou seu último tostão ajudando a quem dele precisava. Ouvia vozes de escotistas, dirigentes falando baixinho perto dele: - Um ancião merece respeito, não pelos seus cabelos brancos ou pela idade. Mas pelas tarefas e empenhos, trabalhos e suores do caminho já percorrido em sua vida. Seria isto mesmo? Então se era um ancião porque ainda pensava? Porque ainda dizia para si mesmo que queria escoteirar?

                 Loreta quando jovem tinha um belo sorriso. Hoje não mais. Prometeu a si mesma que iria dedicar sua vida ao Chefe Polaco. Nunca reclamou do casamento. Nunca reclamou das horas que ficou sozinha em casa esperando. Nunca reclamou de dar a ele tudo que pedia e até mais que isto, sorrir quando ele sorria chorar quando ele chorava. Uma mulher perfeita? O tempo não perdoa ninguém. Ele envelheceu e ela também. Viu que ele definhava e sabia que um dia ele iria partir. Ela nunca pediu a Deus para ir primeiro. Sabia que sua sina era cuidar dele. Adorava seu marido em todas as horas do dia e da noite. Admirava quando ele dormia um sono reparador e via que ele sempre sonhava, pois dormia sorrindo. Até aos setenta anos tinha uma saúde de ferro, mas as coisas começaram a mudar. Uma vantagem é que ele não reclamava. Tinha medo de reclamar e os médicos o proibissem de fazer o que gostava. Ser Escoteiro em todas as horas do dia e da noite.

                  Loreta sabia que o milagre não é dar vida ao corpo extinto, ou luz para quem quer ver, ou eloquência dos que querem falar. Ela sabia que não ia mudar a água pura em vinho. Sabia que muitos acreditavam nisso tudo, mas ela tinha os pés no chão. Quando o Doutor Esteves avisou a ela do seu câncer no útero não contou nada para ninguém. Chefe Polaco um dia caiu na escadinha da varanda da casa. Muitos pensaram que ele voltaria a andar novamente. Interessante que quase andou. Foi em um Grupo Escoteiro que foi visitar. Faziam questão da sua presença no aniversário do grupo. Ela com dificuldade o levou em seu carrinho. Lá ajudaram a transportar a cadeira de rodas até a ferradura onde todos os escoteiros lobos e chefes o esperavam. Ele sorriu e ela vendo isto sorriu também. Sentia uma dor terrível na virilha, mas não demonstrou. Na hora da bandeira todos firmes e quando o Chefe ia iniciar a cerimônia Chefe Polaco tentou ficar em pé. Todos olharam espantados. A bandeira recebeu ordem de subir aos céus. Chefe Polaco caiu ao chão desmaiado.

                Foi um corre-corre enorme. Mas o tempo não ajudava mais. Ela viu que o Chefe Polaco a cada dia mais definhava. Pedia a Deus que não a levasse, que desse a ela a chance de fazer tudo por ele até o fim dos seus dias. Cada dia Loreta quando sozinha gemia nos cantos da casa sempre rezando e pedindo a Deus para ficar até o fim ao lado do Chefe Polaco. Ela sorria ao lembrar-se dos meninos quando perguntavam ao seu amado quantas noites de acampamento ele tinha. Ele ria e dizia: - Quantas estrelas tem no céu? É só contar e saberão.  Ainda bem que Deus um dia me deixou viver nas barracas nas noites escuras e nos dias de luar. Mas o tempo não perdoa, Loreta acordou pela manhã e olhou o Chefe Polaco. Viu que ele não respirava. Quis chorar e não chorou. A dor que ela sentia do câncer avançado não a perdoou. Ele se ajoelhou aos pés do seu amado e agradeceu a Deus de lhe dar a oportunidade de partir com ele. À tarde Naninha a faxineira os encontrou abraços e sorrindo um para o outro. Ambos estavam mortos.


                    No fim de tudo tu hás de ver que as coisas mais leves não são únicas. Que o vento nunca conseguiria levar. Como cantava o Velho poeta um estribilho antigo, um carinho em um momento preciso, o folhear de um livro de poemas, o cheiro gostoso que chegava com o vento soprando suave ao amanhecer. Chefe Polaco partiu com Loreta para uma estrela distante. Quem sabe ela junto dele voltou a sorrir quando moça bonita o conquistou. Quem sabe lá tem também escoteiros e o Chefe Polaco que tanto ama estes meninos pode estar junto deles a contar suas noites de acampamento como as estrelas no céu, o vento que derrubou a barraca, o lobo que comeu seu jantar. Dizem que as crianças são quase sempre felizes, porque não pensam na felicidade. Os velhos muitas vezes são infelizes, porque pensam demasiadamente nela...  

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Os anjos também sabem cantar.


Lendas Escoteiras.
Os anjos também sabem cantar.

               Teobaldo Sacramento passeava no pátio do colégio onde era diretor. Poucas vezes ele esteve ali. Não sabia como fora parar naquela área que pela primeira vez ele via com olhar diferente. Uma tristeza enorme o invadia e ele olhava melhor as árvores, as áreas ajardinadas e o pequeno riacho que lá no fundo trinava sons repicantes e intermitentes das pequenas corredeiras. Ele sabia que aos sábados era terreno dos escoteiros. Não tinha a menor ideia porque não sentia nenhuma simpatia por eles. Nunca os cumprimentou, os abraçou e nunca em sua vida ele fora Escoteiro. Quem sabe foi quando foi nomeado diretor na recepção que os professores e pais fizeram a ele não havia nenhum Escoteiro. Tinha uma visão estereotipada de que eles se consideravam superiores e isto trazia para ele uma hostilidade desagradável, quem sabe até mesmo repulsiva que nada dizia das demais organizações que conhecia. Quatro meses haviam se passado e nunca em tempo algum recebeu deles uma visita. Consideravam-se donos e achavam que não deviam satisfações a ninguém.

                       Nunca pensou em lhes dar um bilhete azul, afinal nunca foi vingativo. Nos colégios que tinha dado sua colaboração nunca cruzou com eles. Esta era a primeira vez. Como era cedo ele sabia que só mais tarde eles começavam a chegar com aquele zumbido tétrico de um bando de abelhas entrando em uma colmeia. Ele os viu somente uma vez. Correndo pelo pátio, cantando a pleno pulmões, os chefes apitando feitos loucos e até achou interessante quando hastearam a bandeira Nacional. Teobaldo Sacramento tinha 42 anos. Sabia que seu casamento estava indo pelo ralo. Amava demais Marilda, mas ela depois que sofrera um aborto involuntário parecia acreditar que ele era o culpado. Ele estava dando uma aula de História que tanto gostava, falando de Pedro Alvares Cabral quando recebeu a notícia. Largou tudo e partiu célere para sua casa, mas era tarde demais. Ela sempre o culpou por não estar junto dela. Resolveram mudar de rumo indo para outra cidade, quem sabe novos ares, novos amigos poderiam mudar a vida daquele casal que em tempos áureos foram felizes.

                   Viu uma aroeira enorme e embaixo um banco feito artesanalmente, mas convidativo para sentar. Não se fez de rogado. Seus pensamentos não eram claros e azulados como nuvens ao amanhecer. Para ele com o coração partido procurava dar um novo rumo em sua vida e mesmo com a nova cidade, o novo colégio nada dizia que foi acertado a transmutação, ou melhor, a modificação que fizera em sua vida e de Marilda. Tinha hora que a vontade de chorar era grande. Como Diretor do Colégio Dom Bosco ele sabia que tinha que oferecer um certo respeito, uma certa dignidade e chorar não fazia parte de uma autoridade como ele. Sem perceber viu seus olhos encherem-se de lágrimas. Sabia que estava só e as deixou rolar pela face ate cair ao chão. Ele precisava de um desabafo, de um colo amigo, de um ouvinte sincero. Como era novo na cidade deixou as lágrimas correrem como cascatas brancas caindo nas pedras do caminho das águas. Fechou os olhos e deixou seu pensamento viajar por longas paragens que ele sempre imaginava nos seus sonhos do passado. Grandes gramados, vales enormes, rios caudalosos, flores incríveis espalhadas pelas campinas verdejantes.

                  - Oi! – Alguém disse para ele. Ainda de olhos fechados ele pensou quem era. Quem estava desnudando seus segredos assim sem pedir para entrar em seus pensamentos? Abriu os olhos suavemente. Era uma menininha vestida de azul, com um lenço verde e amarelo no pescoço, um bonezinho tipo jóquei e um sorriso incrível! – Ela não parava de sorrir. Não o sorriso debochado, escrachado de quem quer ver o seu próximo no fundo do poço. Era um sorriso infantil, daqueles que ninguém deixa de admirar. Victor Hugo dizia que nunca ninguém conseguirá ir ao fundo de um sorriso de uma criança. Era verdade. Ele se levantou olhou para ela e disse: Oi! Não quer sentar aqui? – Posso mesmo? Ela disse.  Claro, afinal estamos só eu e você e porque não nos conhecermos melhor? – A menininha Lobinha riu. – Olhe aceito seu convite, mas primeiro preciso ver seu sorriso! – Teobaldo Sacramento não sabia o que dizer. Como uma menina de menos de oito anos brincava com ele desta forma? – Melhor sorrir, pensou. E sorriu. Não foi aquele sorriso estonteante, mas que ajudou a manter o diálogo com a Lobinha.

                      - Porque você está tão triste? Ela perguntou. – Qual resposta poderia dar? O que ele entende da vida de um adulto? Pensou. Ele não disse nada. Melhor calar do que falar o que não devo. – Akelá Lucy nos ensina que sorrir faz bem, ajuda a esquecer das tristezas! – Ele não disse nada. – Eu sempre faço o que ele me diz. Um dia me contou que as dificuldades existem para todos e para ficar livre delas devemos pensar primeiro nos outros e não em nós! Ele prestou atenção as suas palavras. Uma menininha de nada querendo dar lição de moral a ele? Um diretor? Um homem feito? -- Como é seu nome? Ela perguntou. – Teobaldo Sacramento, sou o diretor deste colégio. – Humm! Prazer eu também sou importante, sou segunda prima da matilha Vermelha! Chamam-me de Lis, mas me chamo Lisandra. Já ouviu falar na Lei do Lobinho? Teobaldo quis rir, mas sabia que devia respeitar aquela menina tão cheia de doçura e simplicidade.

                     - Veja, ela continuou – Não somos senhores do tempo, não podemos decidir nossas vidas no futuro. É Deus quem define o que somos e o que seremos por isto devemos sempre ouvir os Velhos Lobos, não existe idade entre o céu e a terra para entender o que dizem. E porque não pensar sempre primeiro nos outros? O senhor faz assim? – Teobaldo não respondeu. Temos que abrir os olhos e os ouvidos para ver no fundo do coração e na alma daqueles que estão ao nosso redor, não é mais fácil assim para respeitar e convivermos mutuamente? Estar sempre limpo não é só nosso o corpo, é nosso pensamento, é a maneira com que vemos as dificuldades, e saber entender que não somos perfeitos! E porque não dizer sempre a verdade? – Ela se levantou. – Diretor! O senhor abraçou alguém que ama hoje? Não? Um abraço abre nossos sonhos para o real, perdoar, entender, amar e sacrificar deve ser nossa meta em qualquer momento das nossas vidas!


                  Ela saiu devagar, olhando para trás e sorrindo. Cantava baixinho uma linda musica escoteira. Deu um adeusinho e sumiu atrás de um bosque de árvores floridas. Teobaldo Sacramento levantou de onde estava. Agora entendia sua vida, sabia para onde devia caminhar. Os escoteiros para ele tinha outra razão de ser. Descobriu que sua vida era oca, sem motivo, somente a se culpar sem dar em troca seu amor a quem precisava nas horas difíceis da vida. Ah! Pensou Teobaldo, ele agora sabia que os Anjos também sabem cantar e... Aconselhar!

domingo, 22 de novembro de 2015

As travessuras da Matilha Marrom


Lendas Escoteiras
As travessuras da Matilha Marrom

                      A chefia da Alcatéia estava descontente com a Matilha Marrom. Não foi a primeira vez. Alguma providencia precisava ser tomada. Afinal deviam ter pleno conhecimento da Lei do Lobinho e a matilha não era formada por lobos novos. A Alcatéia era mista e na Marrom havia três meninas e três meninos. Quase todos com mais de um ano no Grupo Escoteiro. O que fizeram, ora, ora! De novo aprontando. Na uma esquina avenida movimentada esperam o sinal ficar verde, escolhiam pessoas idosas para irem por traz e buzinar com grande algazarra uma Guguzela, bem perto do ouvido. Porque fizeram isto? Perguntaram. Ora Balu o sinal podia abrir e os carros passariam por cima deles. Só ajudarmos! Bela ajuda. Existiram outras. Entraram em um jardim de uma residência, e ali colheram todas as flores. Como nada entendiam do corte e como fazer, destruíram boa parte do jardim. O proprietário vendo aquilo os pôs para correr e foi até ao Grupo Escoteiro reclamar. De novo? – Bagheera perguntou: - Bagheera, hoje é o dia da mulher e íamos distribuir rosas e outras flores para todas as senhoras que encontrássemos!

                          Um dia amarraram não se sabe como uma matula de mais de 15 cães de rua. O que aprontaram em frente a um posto médico não estava escrito. Ora! Que boa ação foi esta? Perguntou o Balu. - Era para facilitar os donos encontrarem quando procurassem seu cão perdido! A Akelá sabia de tudo. Relutava em dar uma suspensão. Mas uma atitude firme precisa ser tomada. Não adiantou a conversa em particular com cada um e nem falar com os pais. Diretor Técnico alma boa dava grandes gargalhadas quando lhe contavam as façanhas dos marrons. Até no Conselho de Chefes o assunto foi levado. Mas os demais chefes do grupo só diziam: - São crianças, nada mais que crianças!
                        
                           Tudo havia começou há pouco tempo. Quem sabe com a entrada de Lili. Calada, simples e calma seria impossível ela exercer tal liderança. Pensando bem, eles não eram maus. Seus objetivos tinham finalidade e poderia se feito de outra forma com melhores resultados. A Akelá tinha um grande amor pela alcatéia, e a sua maneira achava que cumpriam a Lei do Lobinho. Mesmo com aquela idade não distinguia malicia nos seus atos. Claro que a vizinhança não pensava assim e tinham certas reservas. Isto podia prejudicar a imagem dos escoteiros. A Akelá pensou e pensou. Se nada até agora adiantou precisava bolar um plano para dar uma lição em todos eles. Quando a Bagheera perguntou o que ia fazer ela disse para não se preocupar. Tinha um plano e se desse certo eles iriam mudar para sempre seus arroubos mirabolantes.  Não falou com ninguém sobre seu plano.

                     Lili havia feito oito anos. Pequena parecia não ter aquela idade. Seu raciocínio e desenvoltura corriam paralelos de um adulto. Seus pais já observavam isto. Quem sabe foi o motivo para a colocarem no Grupo Escoteiro. Ouviram da psicóloga sobre matriculá-la em uma organização, onde houvesse uma disciplina mais rígida, sem tolher sua liberdade e criatividade. Adorava seus amigos lobinhos. No inicio teve dúvidas. Com alguns meses já liderava a matilha Marrom. Não era a prima e nem segunda. Isto não importava. Todos ali gostavam dela e suas idéias eram acatadas sem discussão. Poucos fora da matilha sabiam, mas fora ela quem planejara todas as traquinagens da matilha. Juraram manter segredo. – Ela disse: Ou todos assumem ou não assume ninguém. Quintinho não entendeu bem, mas balançou a cabeça concordando. 

                      Verdade seja dita, Lili tinha uma grande admiração e amor pela Akelá. Quando a matilha fazia travessuras, Lili ficava com medo de ser descoberta e perder a amizade de sua Chefe. Passou a organizar suas “expedições” em locais mais distantes. Para isto chegavam sempre uma hora antes do início das reuniões. Ela sabia tudo, a lei, a promessa e as etapas. Leu para surpresa de seus pais todo o livro da Jângal. Sonhava com Mowgly e sempre pensou porque Kipling não tinham posto na história uma lobinha, companheira de Mowgly. Sentia falta de receber seus distintivos e especialidades. Não dava tempo para ela mostrar seus conhecimentos. Considerava os demais da matilha como seus irmãos. Talvez por ser filha única, ali se encontrou como se fossem da mesma família. No sábado seguinte, após a reunião fora chamada para uma conversa em particular com a Akelá. Lili estava preocupada. Ninguém sabia que as idéias e as traquinagens eram dela. Mas a Akelá parecia saber. Pensou que seria afastada do grupo. Seu coração batia forte só em pensar nisto. Não poderia sair, ninguém tinha o direito de expulsá-la pensava.

                  Foi de cabeça baixa. Seus olhos estavam vermelhos. A Akelá a abraçou e disse para não se preocupar. Lili era tudo de bom que a alcatéia possuía. Sem ela dizia a alegria não seria reinante nas reuniões. Não entrou em detalhes e nem comentou sua liderança sobre os demais. Somente a convidou para ir com ela ao Zoológico no domingo. E os outros ela perguntou? Só eu e você, respondeu a Akelá. Já falei com seus pais e eles deram autorização. Quem sabe lá teremos muito a aprender você e eu? Conversaram pouco durante a viagem. Mas se soltaram quando lá chegaram. A Akelá pediu para ela prestar bem atenção de como os animais, pássaros, repteis e peixes diversos se comportavam. – Veja Lili, cada um tem sua morada e um respeita a individualidade do outro. Veja, eles vivem juntos na floresta e só quando tem fome a lei da selva é considerada. Lili não entendeu bem, mas tentou ao seu modo pensar diferente.

                         Ao meio dia, pararam para um lanche em um quiosque. A Akelá começou a contar história da Jangal que ela não conhecia. Como Balu e Bagheera defendeu Mowgly dos outros animais. Como Káa foi uma amiga e sempre ao seu lado. Explicou como o Rei da Selva tratava os demais na floresta Falou sobre o respeito, as normas e como viviam melhor que os homens vivem. Tinham respeito entre si, ninguém desfazia de ninguém. Lili ficou pensando nas palavras da Akelá. Prometeu a si mesmo mudar. Em nenhum momento a Akelá deu exemplos do que fizeram, mas Lili sabia onde ela queria chegar. Prometeu a si mesmo que iria mudar. Afinal todos nós temos nossos direitos e nossos deveres. Devemos ver onde começa e onde termina cada um para não prejudicarmos ninguém.


                 Passaram-se dois meses. A paz voltou a reinar na Alcatéia. Não houve mais traquinagens. A matilha Marrom se transformou. Todas as matilhas notaram e a amizade aumentou. Lili fez mais amigos e amigas. Era querida de todos os lobinhos e lobinhas. Recebeu sua segunda estrela e chorou de felicidade. Sonhava em ser uma lobinha cruzeiro do sul. Eu sei a matilha Marrom continuou unida por muitos e muitos anos. Alguns passaram para a tropa, entraram outros, mas a amizade, a fraternidade e o respeito faziam parte da vida de cada um. Nas cerimônias do Grande Uivo, os marrons saltavam com alegria e vivacidade a dizer a plenos pulmões quem eram e o que seriam – “Melhor, melhor, melhor e melhor? – Sim, melhor, melhor, melhor e melhor”.

sábado, 21 de novembro de 2015

A Árvore dos esquecidos.


Lendas Escoteiras.
A Árvore dos esquecidos.

                          Ela sempre esteve ali, na curva do Gavião Vermelho bem próximo as corredeiras do riacho Alegre onde sempre íamos acampar. Era uma linda árvore, pena que não a identifiquei. Eu me esquecia dela sempre, pois muitas vezes só valorizamos os que estão ao nosso lado e esquecemo-nos dos outros que um dia fizeram tudo por nós. De vez em quando ela me vinha à mente. Não me pergunte seu nome. Não sei. Sabia que era frondosa, pois em sua volta sempre havia uma enorme sombra e nós escoteiros ali nos deliciávamos com o frescor que ele produzia para aqueles que se deliciavam como nós. Da cidade até a Porteira do Rancho Estrela Verde era mais de seis quilômetros. Interessante, nunca fiquei sabendo o nome do dono do rancho.

                         A porteira era sempre esperada na jornada ou nas caminhadas. Grande, enorme, parecia nova e o vai e vem sensacional. Passávamos para o outro lado com a carrocinha e lá a deixávamos. Todos voltavam e se encarapitavam na porteira. Um de nós a levava até o barranco e soltava. Ela saia a toda velocidade passava pelos dois troncos centrais, ia ao outro lado, voltava e ficava assim quatro ou cinco vezes em um delicioso movimento de vai e vem. Nunca apareceu ninguém para nos chamar a atenção. Quando o sol ia a pino era hora de partir. Na volta sairíamos mais cedo para nos divertir na Porteira do Racho Estrela Verde. A partida era sempre triste, todos olhavam para ela com saudades.

                       Era hora da subida. Deus do céu! Era o pior da jornada. Quando da primeira curva no alto a serra já avistávamos a Arvore dos Esquecidos. Porque este nome? Quem batizou? Ninguém sabia. Meia hora depois lá estávamos. Ainda bem. O suor escorrendo no pescoço e na testa. Agora era hora de tirar uma soneca e aproveitar a brisa gostosa que a Árvore dos Esquecidos fazia questão de nos presentear. Era a única naquela subida. Claro havia alguns arbustos, mas ela era sensacional. Meia hora de cochilo. Acordamos com o barulho dos trovões. Olhamos para o céu e vimos nuvens negras bem no rumo do nosso destino. Pé na taboa e Deus que nos ajude. Nem despedimos da Árvore dos Esquecidos. Deveríamos, mas que ia adivinhar?

                       Não foi difícil montar o acampamento debaixo do temporal. Estávamos acostumados. O local era ótimo. Centenas de coqueiros anões. As folhas serviam como toldo e até a noite duas barracas montadas, mesa, toldo, bancos e quase terminado o fogão suspenso. Alguns já rachavam lenha, pois sabíamos que no meio estavam secas. A sopa esquentou o estomago e o corpo daquela escoteirada. Melhor não fazer fogueira. Tínhamos pouca lenha rachada e seca. Fomos dormir naquele primeiro dia mais cedo. Foram três dias acampados, sempre com uma chuva miúda. Algum programa não deu para fazer. No domingo levantamos acampamento às duas da tarde. Sem dificuldade. Três e meia à bandeira descia do mastro. Uma oração e lá fomos nós estrada acima.

                      A subida da volta não era tão íngreme. Ao dar a volta no alto da serra não vimos ao longe a Arvore dos Esquecidos. Árvore? Não existia nenhuma árvore. O que houve? Ficamos preocupados. Mais meia hora e chegamos. Uma cena dantesca. A Árvore jazia a seis metros de onde deveria estar. Caída, parecendo morta! Um raio a cortou no tronco bem próximo ao chão. Ela ainda estava verde, as folhas balançavam, mas estava agonizante. Não havia retorno. Não podíamos fazer nada. Ficamos em volta dela. Muitos choravam. E agora? Como tirar aquela soneca gostosa da subida até a curva do Gavião Vermelho? Ficamos ali por muito tempo. Em silêncio. Prestando a nossa homenagem a uma Arvore que agora sabíamos que era dos esquecidos. Todos nós um dia iríamos nos esquecer de sua beleza, de sua sombra do seu orvalho.

                      A tarde chegou, hora de partir. O ultimo adeus. O sol inclemente dos dias que virão iria fazer com que ela possa dar seu último suspiro. As folhas vão secar os troncos também. Agora nós sabíamos que algum mateiro a passar por ali, iria se servir de troncos e galhos para fogo. Triste destino de uma árvore que nos deu tudo. Partimos em silêncio sem olhar para trás. Era triste demais ver aquela que um dia foi amiga fiel do sol inclemente. Na Porteira do Rancho da Estrela Verde não nos divertimos como fazíamos sempre. Passamos direto. Não havia ânimo. Estávamos cabisbaixos, tristes, perdemos uma amiga que nem sequer nos lembrávamos sempre. Mas ela eu sei que ficou marcada para sempre no coração de todos.


                  Nunca mais voltamos lá. Nunca mais acampamos no Rancho da Estrela Verde. Nunca mais vimos à porteira da felicidade. Seria difícil muito difícil suportar a subida até a curva do Gavião Vermelho. Onde sempre avistamos com alegria e agora não mais existia, aquela que ficou na lembrança para sempre. A Árvore dos Esquecidos!

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Coração Escoteiro.


Lendas Escoteiras.
Coração Escoteiro.

                   Para dizer a verdade eu até hoje não sei por que Tiago entrou para os Escoteiros. Até seus pais se entreolharam quando ele disse que iria participar e precisava da autorização deles. Que eu o saiba nunca se interessou. Olhe, eu confesso que muitas vezes o convidei e ele olhava de lado e não respondia. Bem, eu sei que Tiago era diferente de muitos meninos de sua idade. Caladão, nunca encarava ninguém, não discutia e pelo que me informaram não era um aluno com notas altas. Dava para o gasto diziam seus colegas de classe. Como todos os meninos naquela época ele trabalhava para ajudar sua família e comprar o que precisava. Dizem que era o melhor engraxate da cidade. Fazia horrores com a flanela e as duas escovas macias e ele com suas piruetas conquistava a todos seus fregueses, mas sempre de cara fechada. Na estação de trem era proibido engraxates, mas Tomazelli o Chefe da estação abriu para ele uma exceção. Lembro um dia que embarcamos todo o grupo Escoteiro para Nova Fonte. Um grupo novo surgia na cidade e nos convidou para a festa de abertura. Hora nenhuma vi Tiago nos olhando. Engraxava o sapato do Tenente Jairo e serio não dizia nada.

                    Isto não era comum pensei. Afinal éramos mais de cento e cinquenta jovens, lobos, Escoteiros, seniores e pioneiros zanzando para todo lado, bateria tocando. Foram dois vagões de primeira classe gentilmente cedido pela Vale do Rio Doce. Uma época que tínhamos regalias não só pela estrada de ferro como também na prefeitura, no Batalhão de Polícia e no Tiro de Guerra. Não esqueço aquele dia de reunião que um caminhão do Batalhão parou na porta da sede. Desceram o soldado Belarmino e o Cabo Zito. – O Capitão Barbosinha mandou entregar eles disseram. Mãos na massa para descarregar trinta barracas de duas lonas, cinco de oficiais, cem mochilas, cem cantis, trinta facões, e marmitas usadas no exercito. Junto veio dois bumbos, quatro cornetas, cinco caixas claras, três tambores mor e oito tarois.  Tudo em perfeito estado de conservação. Foi uma festa e para minha surpresa vi o Tiago ajudando a descarregar. Foi só terminar e ele sumiu.

                      Se ele tinha algum amigo eu nunca vi. Eu morava na Rua Bem-te-vi e ele na Garça. Duas ruas atrás da minha. Quando ia para a escola ou para a sede sempre passava em frente a sua casa. Um dia tomei coragem e bati em sua porta. Sua Mãe dona Noca atendeu. – Queria falar com Tiago senhora. Ela o chamou e ele apareceu na porta de esguelha. Nada disse. – Estou indo ao Campo dos Afonsos. Acampamos lá na semana passava e dei falta de um canivete que preso muito. Quer ir comigo e me ajudar a procurar? Não queria ir sozinho. – Ele pensou, pensou e pulou na garupa de minha bicicleta. Gastamos quase cinco horas para ir e voltar. Ele achou o canivete. Olhou-me com um ponto de interrogação no rosto como a dizer: - Falta de atenção não é Vado Escoteiro! Bem, ele não disse nada. Tentei manter uma conversa com ele e nada. Lembro que um dia o Chefe Ventania comentou que nem todo mundo nasceu para ser Escoteiro. – Falou logo o Velho chavão até hoje conhecido e falado por muitos chefes no Brasil – Ser Escoteiro tem de ter sangue, tem de ter vontade, tem de ser homem para enfrentar as dificuldades.

                     O tempo passa, o tempo voa, e eu voei com ele nas andanças que fiz. Isto aconteceu em 1953 quando deixei a cidade de Porto Feliz. Em 1964, fui fazer um curto Básico de Lobo e quando a turma se formou um susto eu levei. Lá estava Tiago de uniforme do Ar. Olhou-me educadamente, mas não disse nada. Esperei a hora propícia. Quando perguntei, ele me deu um meio sorriso e entre os dentes disse baixinho: - A hora chegou. – Que hora pensei? Ele adivinhou meu pensamento. Entrei logo após você ter se mudado da cidade. - E gosta mesmo do escotismo? – Quer saber Vado, eu ate hoje me faço esta pergunta. Quando via você esbanjando alegria com seu uniforme, esbanjando vontade de vencer nas atividades Escoteiras eu perguntei a mim mesmo – Porque não? Vamos olhar e ver como é que fica! Faz onze anos que entrei e ainda estou na fase de duvidas e nem sei bem onde vou chegar.

                   Hoje me pergunto se o que disse o Chefe Ventania eram fatos ou somente pensamentos abstratos. Sei que Tiago ainda é Escoteiro. Se o seu coração mudou eu não sei. Sei sim que ele faz tudo pelo escotismo em sua cidade. Mudou muito é verdade, pois hoje é Prefeito e respeitado pela população. Já se comenta em fazer dele um deputado ou senador. Pelo menos é um homem Escoteiro que podemos acreditar. Eu brinco com muitos chefes que tive a honra de ter sua amizade quando falam que o escotismo não é para qualquer um. – Não é, mas qualquer um pode ser Escoteiro, basta querer. Se for ficar ou não é outra história. A vida nos leva a ver e reconhecer que nem sempre podemos afirmar o que pensamos como certeza de vida. Não podemos dizer simplesmente que Coração Escoteiro não é para qualquer um. Ainda acredito que tem muitas maneiras de ver o escotismo. Tem aqueles que veem e sorriem por ser um e tem aqueles que pensam em ser mais um, mas ainda não chegaram a lugar nenhum.


                      Sei que nós os Velhos Escoteiros acreditamos sem sombra de dúvidas que nosso coração é Escoteiro. Como interpretar isto faz parte da individualidade de cada um. Uma certeza eu tenho, conheci milhares de jovens e adultos que ingressaram no escotismo e hoje não estão mais. Conheci outros tantos que nunca foram Escoteiros e eu tinha certeza que seus corações tinham tudo para ser. É como entender o Espírito Escoteiro. O escotismo traz dentro de si uma verdade, se fizermos o caminho corretamente seria como se saltássemos vários obstáculos que a vida nos reserva. Mas acredite, não precisa ser Escoteiro para isto. Muitos nunca foram e tem uma norma de conduta a fazer inveja a qualquer um. Tiago mesmo antes de ser um de nós já tinha seu coração Escoteiro. Faltava um pequeno empurrão para ele se transformar em um verdadeiro homem de espírito que esperamos dos nossos rapazes e moças. Como dizia o célebre poeta, a vida é mesmo assim, tem começo, meio e fim.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Suae Quisque Fortuna Faber est. (O homem é o arquiteto do seu próprio destino).


Lendas Escoteiras.
Suae Quisque Fortuna Faber est.
(O homem é o arquiteto do seu próprio destino).

                  Nada como um dia após o outro. Jerônimo não estava cansado, devia estar. Amigos se afastaram. Sua mãe não sabia mais o que dizer. Jerônimo tinha uma ideia fixa, queria a todo custo ser o melhor corretor da Bolsa de Valores. Seu salário aumentava a cada dia, mas esta não era sua maior preocupação ele queria sim ser um dos diretores e se possivel ser o CEO de tudo. Sonho? Não. Jerônimo sabia que o homem era o arquiteto de seu próprio destino. Disto ele não abria mão. Dia e noite com os livros na mão. Formou-se aos 23 anos com distinção como Administrador de Empresas. Mais dois anos se formou em Economia na FGV – Fundação Getúlio Vargas. Fazia a noite na Escola Politécnica da USP MBA em capacitação, atualização e difusão em engenharia, pois isto era a porta de entrada para ter uma carreira bem-sucedida e estruturada em conhecimento sólido. Chegava em casa por volta da meia noite e sua mãe sempre a dizer que ele devia dar um tempo. Ele sabia que não. Levantava às cinco e meia fazia uma caminhada, banho e era um dos primeiros as chegar no trabalho. Seus colegas o admiravam pelo seu esforço pessoal.

                   - Infelizmente meus jovens escoteiros sou obrigado a pedir a sede. Peço que me compreendam como manter a Tropa sem um chefe? Todos vocês são jovens e mesmo dizendo que são responsáveis eu não posso mais autorizar o funcionamento do Grupo Escoteiro aqui no colégio. A diretoria me cobrou. Tem pais que exigem que o salão de vocês seja utilizado por outra associação! – Tudo porque o Chefe Nonato recebeu uma proposta melhor no Canadá e mesmo tentando achar um substituto o tempo passou e nada. Ele já havia partido. A Tropa se mantinha fiel as suas patrulhas. Os monitores se revezam com as reuniões, mas sabiam que sem chefia seria impossível continuar. Resolveram manter a Corte de Honra em reunião permanente enquanto o impasse existisse. Quantas foram? Inúmeras e todas sem uma solução. Tentaram de tudo. Procuraram o Diretor do Colégio para ajudar e este disse que ninguém queria aceitar.

                      Jerônimo só sabia pensar em seu trabalho. Nada mais. Agora com 26 anos tinha certeza que mais dois anos e ele seria reconhecido como um dos maiores economistas da atualidade no seu ramo. Naquela noite voltava para casa de ônibus. Desceu no ponto e ao caminhar para sua casa tropeçou em dois meninos que subiam a rua e sem perceber jogou um deles ao chão. Socorreu logo. Eles sorriram para Jerônimo. – Então é você? – Eu? Disse ele. – Você mesmo. Foi Tino quem disse que iriamos esbarrar no nosso futuro Chefe logo! – Jerônimo riu. – Não sou eu meus jovens. Desculpe e seguiu seu caminho. Os dois escoteiros foram atrás dele. Viram quando entrou em sua casa no final da rua. – Bem disse Milton, agora sabemos onde nosso Chefe mora. – Será? Perguntou Mario. – Afinal você sabe que sonhar é bom, mas a realidade é outra. – Não vamos deixar a oportunidade passar. – Os dois caminharam até a casa de Jerônimo. Bateram na porta e uma senhora idosa muito simpática os recebeu.

                     Jerônimo saiu do banho só pensando em jantar e dormir. Naquele sábado trabalhou até as sete e deu para si uma folga que dificilmente teria. Sua mãe veio lhe contar da visita. – Mãe! Agora? Estou cansado. Eles acham que vou ser o Chefe deles, pode? – E porque não? Mãe! A senhora sabe que não tenho tempo. Nenhum tempo. Eu já me programei para os próximos dez anos! – Programou filho? Isto é programa? Eu já disse a você que só existem dois objetivos em nossa vida. O primeiro de obter o que desejamos e você o faz muito bem e o segundo é de desfrutar a vida o que você nunca fez. Não sou eu quem disse isto, pois os sábios que inventaram esta frase viveram a vida intensamente em todas suas formas. – Jerônimo a contra gosto foi atender aos dois meninos escoteiros. – Eles narraram tudo que aconteceu com seu antigo Chefe e com o ultimato do Diretor do Colégio.

                      Falar o que para eles? Que não tinha tempo? Que vivia para o trabalho? Que nunca foi Escoteiro e não sabia como era? – Eles sorriram. Sabe Doutor! – Ops! Não me chamem de doutor. – Pois não Chefe! E riram a valer. Nosso antigo Chefe dizia que o valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade que acontecem. Esta é a hora. Se o senhor fosse um desocupado não estaríamos aqui, precisamos de chefes como o senhor! – Jerônimo olhou para sua mãe. Ela sorria. Os meninos ficaram em pé e em posição de sentido deram um sempre Alerta bem alto. Ao sair disseram que o esperariam sábado que vem às duas da tarde. Jerônimo boquiaberto os viu ir sem olhar para trás. E agora? O que fazer? Decepcionar os escoteiros? Afinal ele não tinha obrigação nenhuma com eles. Foi dormir preocupado. Jerônimo teve um sonho, sonhou com um local gramado, belas árvores, uma cascata de águas límpidas, um vento gostoso a soprar de norte a sul, e ao lado os escoteiros rindo e dizendo: - Vamos lá Chefe. Á agua está boa para um banho!

                     Acordou descansado. Era domingo. Levantou sem correr. Nunca fez isto, não pensava no trabalho. Pensava no seu sonho que era gostoso demais. Porque não? Riu de si mesmo pensando como seria ele junto a meninos correndo pelas campinas com aquele chapelão esquisito. Pesquisou tudo o que viu. Pediu pela internet dois livros. Escotismo para Rapazes e o Guia do Chefe Escoteiro do fundador do movimento. Um general Inglês muito famoso em todo mundo. Os livros chegaram na quarta, e tempo para ler? Ele lembrou dos escoteiros que o tempo existe para a gente fazer e não deixá-lo fazer a gente. Leu os livros naquela quarta quinta e sexta até duas da manhã. Sua cabeça não para de pensar. Agora tinha de dar pelo menos um oi para eles no sábado. Sua mãe sempre que o via sorria. – Sempre Alerta Chefe! Ela dizia. Ele não dizia nada, mas a ideia formigava em sua mente.


                    A Tropa estava formada as duas em ponto. Mario foi o monitor encarregado para esperá-lo no portão. Ele chegou ressabiado. Assustou quando ouviu aquela escoteirada dizendo - “Sempre Alerta Chefe”! O tempo passou, Jerônimo foi promovido em sua empresa. Era outro, mais alegre mais humano e para surpresa de todos agora um Escoteiro. A Tropa orgulhosa do seu novo Chefe. O Diretor do Colégio Sorriu quando soube. Naquela noite em volta do fogo Jerônimo cantava com seus novos amigos. Estavam acampados no mesmo local do seu sonho. Jerônimo dizia para si – Quando estamos ou queremos estar bem, viver assim distrai. Para mim que aprendi isto recentemente agora sei o que é viver bem. Jerônimo nunca mais deixou o escotismo. Fez dele parte de sua vida e hoje nos seus 80 anos sempre recebe em sua casa seus novos amigos que fez. Gente boa, gente cuja amizade ele as manteve para sempre.

domingo, 15 de novembro de 2015

“Bugre”! Uma cruz a beira do caminho.


Lendas Escoteiras.
“Bugre”!
Uma cruz a beira do caminho.

(Conta-se uma lenda que as famílias que moravam próximo ao Lago Grande Urso tinham nas peles de castores o seu sustento. Os maridos por meses ficavam distantes nos Grandes Lagos a caçar castores e tirar suas peles. A lenda contava que a aldeia ficava tristonha quando ouvia o som de tambores feito de pele dos animais, no retorno dos caçadores de peles cantando uma canção triste, batendo no coração e seguindo o bater dos remos a marcar o passo em um ritmo choroso e triste. A aldeia se reunia a beira do lago chorando e sabendo que iriam viver por várias luas grandes dificuldades para se manter. Esta canção ficou conhecida como Terra do Belo Olmeiro). 

“Terra do Velho Olmeiro”... Lar do Castor...
Lá onde o Alce airoso é o Senhor...
                     Eu caminhava sozinho na Trilha do Riacho Grande. Eu sabia que não podia contar sempre com meus velhos e amados patrulheiros da Sol Poente. Eles tinham de viver suas vidas e cada um foi para um lado depois de anos e anos juntos na Castor e depois na Sol Poente. Tínhamos feito uma promessa e a cada ano mais difícil ficava de cumpri-la. Quando Bugre morreu na curva do caminho da estrada fizemos um juramento de voltar lá todos os anos. Holandês deu sua palavra. Dom Patu prometeu. Azulão não sorriu, mas levantou a mão fazendo o sinal Escoteiro. Jim Taques prometeu fazer uma cruz de madeira e todos os anos trocar por uma nova. Sempre quando voltávamos ficávamos lá por dois dias. Holandês fazia questão de todos os anos plantar belas flores silvestres. Sempre trazia consigo mudas de Chapéu de Couro, Begônias, Flor de Laranjeira, Crista de Galo e tantas outras. Jim Taques sempre pensou em ser um religioso. Contaram-me que hoje é padre em Sacramento. Ele quando o sol se punha fazia lindas orações para o Bugre.

Em um lago azul formoso, 
eu voltarei de novo...
                  Havia anos que estávamos juntos. Quis o destino que a amizade começasse quando na patrulha Castor. O destino de novo nos reuniu ali e nada iria nos separar nos anos que iriam seguir. Bugre era diferente. Pele curtida, rosto redondo, lábios grossos olhos e cabelos negros, lisos que ele fazia questão de pentear a cada hora. Marcado no relógio. Quem não tem manias? Ninguem se incomodava. Podem não acreditar, mas Bugre nunca dizia mais que uma ou duas palavras. Costumava ficar meses sem falar nada. Na aventura Sênior que fizemos na Pedra do Sino, mesmo com uma vista maravilhosa, ele sentou a moda índia, olhar para frente, olhos abertos e sem sorrir ficou lá por horas. Era filho de Iraputã, um índio que até morrer vivia sozinho nas margens do Rio Corrente. Vez ou outra ele ia visitar seu pai. Um dia me convidou. Chegou, abaixou a cabeça para o pai e ele fez o mesmo. Sentaram em uma pedra próximo as corredeiras do rio e ali passaram uma noite sentados a moda índia sem nada falar.

Bum tiriati, Bum tiriati bummm...
Bum tiriati, Bum tiriati bummm...
                  Bugre era um profissional em pioneirías. Cada uma mais linda que a outra. Uma vez acampado na Vertente da Onça, ele construiu um pórtico móvel que eu nunca vi igual. Dom Patu olhava para ele com orgulho. Azulão e Jim Taques sorriam quando ele chegava à sede naquele seu jeitão de índio matuto, que não sorria e não falava nada. Tirou sua segunda classe por que o Chefe Candinho achou que ele devia receber. Se ficou alegre ou triste quando lhe entregaram a insígnia ninguém percebeu. Nunca esqueci sua morte. Nada mostrava que isto iria acontecer. Seguíamos calados pela estrada do Riacho Grande. Na curva do Destino, nome que demos a curva ele parou. Ficou de frente para o oeste onde o sol se punha no horizonte. Levantou os braços como a dizer que iria partir. Não tirou sua mochila, não tirou seu chapéu. Olhou para nós e disse na sua voz calma: - É hora de morrer! E caiu ao chão sem fazer barulho. Não entendemos nada, ficamos assustados porque não dizer estupefatos! Holandês colocou um dedo em sua garganta. Chorando disse: - Ele morreu!

Tenho saudades daqui... Destas campinas...
Ao norte eu voltarei... Para as colinas, 
                Ninguem estava preparado para isto. Foi demais. Alguém morrer na nossa frente sem mostrar cansaço, doença ou mesmo sentir uma pontada no coração era de assustar. Ficamos horas sem saber o que fazer. Tentamos reanimá-lo, mas nada. Fizemos com nossos bastões uma maca. Minha camisa escoteira e a de Dom Patu serviram de base. Gastamos quase a noite toda para levá-lo de volta. Dona Yara sua Avó não disse nada. O deitou em sua cama ascendeu várias velas, um incenso em volta e assim passou todo o dia com ele. Nós estávamos lá junto. À tarde no enterro no Cemitério da Saudade a tristeza reinava na patrulha sênior. Azulão subiu em uma lápide e tocou o toque do silencio triste e choroso. Eu juro que vi seu pai em cima do muro do cemitério. Eu nunca esqueci Iraputã. Como Bugre não sorria e não gostava de falar. Na reunião da semana seguinte fizemos o trato. Voltar lá todos os anos enquanto vivêssemos. Isto aconteceu por anos a fio. Os caminhantes que lá passavam ficavam admirados com aquele jardim florido quer seja no verão no inverno ou no outono as flores desabrochavam como se estivessem na primavera.

Ao lago azul rochoso
eu voltarei de novo...
                     O sol seguia o seu destino. Como o vento calmo que soprava ele caminhava para o oeste. Iria quem sabe iluminar os dias de outros milhares de escoteiros que estavam a acampar do outro lado do mundo. As flores silvestres lindas lá estavam, a Cruz parecia nova. Desta vez Jim Taques escreveu um epitáfio: - “Manteve a dignidade até na hora da morte”. Sentei na grama a moda índia como a lembrar dele. Sempre fora assim por anos e anos quando visita aquela cruz a beira do caminho. Não sei por que comecei a cantar “Terra do Belo Olmeiro” uma canção que achava triste e poucas vezes cantei. Senti um vento frio vindo a sotavento. Percorreu meu corpo e como se uma dança esquisita acontece no ar, os tambores se ouviram batendo e vozes centenas delas a dizer: Bum tiriati, bum, tiriati bummm. Como por milagre a figura de Iraputã apareceu no ar trazido pelo vento húmido: - Vado Escoteiro, Bugre partiu para a terra dos seus ancestrais! Nada mais disse e despareceu. Eu emocionado chorei. Não tinha mais nada a fazer a não ser manter a chama do amigo que partiu dentro do meu coração. Sabia que seria para sempre!


Bum tiriati, Bum tiriati bummm...
Bum tiriati, Bum tiriati bummm...

sábado, 14 de novembro de 2015

Sonhos não podem morrer.


Conversa ao pé do fogo.
Sonhos não podem morrer.

Ana Rosa – 13 anos – Escoteira.
- Ela voltava sozinha quando terminava as reuniões escoteiras de sábado. Morava perto e seu pai nem sempre ia buscá-la. Ficava olhando suas amigas da Tropa. A maioria os pais ficavam no portão, semblante apressado, esperando suas filhas que não vinham, pois a Chefe ou o Chefe tinham sempre uma última palavra a dar. Lembrou a Chefe Nany que precisavam acampar. Sentia falta. Adorava quando estava no campo. Esquecia-se de tudo e ali na vida ao ar livre seus pensamentos corriam soltos pelos campos, nas águas límpidas do riacho, e sua patrulha era sua família naqueles poucos dias que viviam juntos. Escotismo era seu balsamo. Ainda não tinha sonhos grandiosos para o futuro. Um dia pensou que poderia ser médica. Vibrava quando via historias e ou aparecia na TV os Médicos sem Fronteiras. Sabia que tinha uma família feliz. Seu pai um homem trabalhador e sua mãe também. Não lhe faltava nada apesar de não serem ricos. Ainda não tinha um smartfone. Não estava em seus planos. Ana Rosa virou a esquina pensando que a vida sem acampamentos não era nada.

Nico Paulistinha – 12 anos – Escoteiro.
- Pensou que seria seu último. Voltar? Nem pensar. Estava cansado, muito. Quando lhe falaram do bivaque ele vibrou. Sonhou com ele por semanas. Fez tudo que o monitor ensinou. Levar o necessário na mochila, tênis antigos e macios, um cantil não tão cheio, pois no caminho a água não iria faltar. Dois dias percorrendo a pé 26 quilômetros. Paradas para descansar a cada duas horas e outras quando necessárias para as refeições. Tinha feito duas excursões e um acampamento. Pensou que nunca iria perder outro e nunca deixaria o escotismo. Mas todas que fez não andou a pé. Na subida dos Sapos Molhados (riu quando lhe disseram o nome) maldisse sua vida escoteira. Nunca mais faria nada igual. Quando pararam próximo a uma cascata vibrou. Pôs os pés na água gelada. Bom demais. Porque não ficar ali? Dormir com as estrelas sendo o teto ou a barraca? Não disseram isto para ele quando entrou? O Chefe avisou – Vamos partir em cinco minutos se preparem. Iremos parar agora à noitinha na Fazenda do Curtume. Sua mente olhou para o céu. Pediu a Deus que pudesse voar. Partiu com a patrulha sonhando que era um pássaro, sonhos?

Chefe Nany – 36 anos – Chefe Escoteira.

Desanimada. Muito. O cansaço da vida aos 36 anos estava chegando. Nova? Desde que Tonho morreu que ela vivia por conta de seu filho. Ele não deixou quase nada, uma pensão de dois salários mínimos. Amava o escotismo. Oito anos de atividade. Seu filho quis ser um e ela acompanhou. Hoje não participa mais. Fez cursos, aprendeu muito com suas monitoras. Fora promovida na Empresa que trabalhava. Tinha que dar o máximo para mostrar que era capaz. Ah! Ser mulher não é fácil. Tem de provar que faz mais que o homem. As monitoras cobravam. – Chefe, e o nosso programa? – Ela sabia que não estava sendo cumprido. Como cumprir? Como procurar local de campo, preparar material comprar víveres providenciar transporte. Não era fácil. Marisa ajudava, mas era uma assistente mais dependente do que líder. Torquato o Diretor Técnico fazia ao que pode, mas não o suficiente. As meninas cobrando, as contas do banco chegando, A luz quem sabe seria cortada se não pagasse logo. Acampar? Deixou uma monitora dando um jogo. Sentou longe da Tropa. O que fazer? Preciso sonhar? Preciso pisar no chão e acreditar?

João Torquato – 63 anos – Diretor Técnico.

- Sorria quando chegava à sede aos sábados. Quantos deles? Muitos. Centenas ou milhares. Organizou o grupo há 30 anos. Cansado? Sim, foi uma vida, mas ele sabia que valeu. Quantos passaram por ali? Quantos um dia chegavam e o procuravam abraçando e agradecendo? Não tinha jeito para arregimentar voluntários. Até que tentou. Conseguiu uns poucos e muitas vezes teve que substituir a falta de um ou outro. E a sede própria? Sorria quando lia que algum Grupo Escoteiro fazia a inauguração. O que eles têm que eu não tenho? Rico não sou ele dizia, Mas não era fácil. Os pais não colaboravam tanto, uns poucos ainda ajudavam na sede. Sede própria? Ele ria quando pensava. Os mais abastados de outros grupos viviam ensinando. Ele prestava atenção, mas desistia logo. Tinha uma família, quatro filhos, uma sogra e sua mãe entrevada na cama. Ah! Noêmia esposa amada. Se não fosse ela não seria ninguém. Pensava em passar o bastão a alguém mais forte que ele. Quem? Seu olhar olhava o tempo que não olhava nada. Sonhar! Ainda bem...


                         Sonhar é não pensar que somos perfeitos. Aquele que sabe realizar sonhos sabe como caminhar em busca deles. Nos sonhos não existem príncipes nem princesas. Encare seu sonho como se fosse real. Acredite nas pessoas, mas de forma sincera e real. Se nos seus sonhos elas fazem parte não deixe de exaltar suas qualidades, mas sabendo também de seus defeitos. Acredite em você. Vá em frente, use e abuse do seu pensamento. Não viva só de momentos, como as nuvens no céu. Pense que nada é impossível, se não deu certo hoje amanhã vamos recomeçar. E não esqueça, é bom demais viver o dia a dia, vivendo assim a vida jamais cansa. Os sonhos são lindos e melhor ainda quando sabemos que a esperança faz parte dos nossos sonhos reais.

Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

Bem vindo ao Blog As mais lindas historias escoteiras. Centenas delas, histórias, contos lendas que você ainda não conhecia....