quarta-feira, 29 de julho de 2015

Nazareno, o menino Escoteiro que falava com o céu. (um conto baseado na doutrina espírita).


Lendas escoteiras.
Nazareno, o menino Escoteiro que falava com o céu.
(um conto baseado na doutrina espírita).

                Quanto tempo? Muito. Mais de vinte e poucos anos. Uma vida. Não sei onde ele anda hoje e se ainda continua nos caminhos que escolheu. Ele não foi um santo ou um pecador nada disto. Poderia dizer que nasceu em uma família errada, na cidade errada e quem sabe na hora errada. Nazareno nunca foi um crédulo, um homem de Deus. Na época ele não teve escolha. Como Escoteiro sempre foi considerado um menino como os outros sem muitos conhecimentos religiosos afora os que lhe foram ensinados como coroinha da Paróquia São Geraldo. Seus pais até sonharam que ele poderia ser um padre, um bispo um cardeal. Sonhos de muitos pais em cidades do interior. Qualquer um podia ver que ele não nasceu para isto. Eu pessoalmente na época, com parcos conhecimentos espíritas achava que ele estava em contradição com as leis da natureza. Claro que tinha excepcional inteligência para sua idade e em alguns casos poderia dizer mesmo que ou fazia milagres ou tinha parte com o demônio. – Deus me livre! 

               Nazareno procurava sempre esconder suas facilidades em falar com os mortos. Ninguém sabia. Dizem hoje que a mediunidade faz parte da natureza. Que todos nós sem perceber somos médiuns, uns mais outros menos. Não vou entrar no mérito da questão. Não estou aqui para escrever sobre uma crença, uma Doutrina, uma ideologia ou uma filosofia como querem alguns definir o espiritismo. Quem sabe Nathalia Wigg explicasse melhor: – “A maior mediunidade que um homem pode desenvolver é a capacidade de amar”. Quando era lobinho sempre o achei taciturno, reservado e retraído. Brincava, cantava, mas não parecia estar ali junto com seus amigos de matilha. Quando passou para Escoteiro o encontrei uma vez depois da reunião chorando. Seus olhos cheios de lagrimas. Seu corpo tremia. Sempre assim calado, sem dizer nada. Perguntei o que havia e ele me respondeu melancólico que eu não iria entender. Ninguém o entendia. Isto aconteceu várias vezes. Nunca comentei o caso na Corte de Honra.

               Cidade pequena, praticamente católica como ajudá-lo? Quanta vez ao sair da barraca pela manhã, com o sol já despontando no horizonte, eu o avistava sentado em um lugar qualquer, olhando para o céu? Um dia me disse – Monitor sabe de uma coisa? Tem alguém me dizendo que se o amor se propagasse no mundo com mais força que a violência desaparecerá, a maneira das trevas quando a luz se lhe sobrepõe. Eu tinha treze anos, não entendia nada do que dizia. O dia amanhecia e lá estava a Patrulha nos seus afazeres. Nazareno corria com os outros nas atividades, mas quase não sorria. Só uma vez o vi sorrindo quando alguém brincou no Fogo de Conselho com os novatos com a velha brincadeira do Serafim. Você conhece o Serafim? Não? Aquele que fica assim? Ele ria. Não aquela gargalhada de quem conhece a brincadeira. Eu mesmo ate hoje dou boas risadas.

              Acredito que tudo piorou quando na missa do domingo, a tropa estava presente e ele sem ninguém perceber foi ate onde estava o padre e em uma voz que não era a sua disse: – “Somos companheiros otimistas no campo da fraternidade”. Se Jesus espera no homem, com que direito deveríamos desesperar? Aguardemos o futuro triunfante, no caminho da luz. A terra é uma embarcação cósmica de vastas proporções e não podemos olvidar que o Senhor permanece vigilante no leme! – Todos os presentes na igreja ficaram estupefatos. Ninguém entendeu nada. Pudera entender o que? Um menino Escoteiro com chapéu na ombreira, olhando para o céu e de mãos postas dizer aquelas palavras? Era santo? Ou estava tomado pelo demônio que fingia para todos ali presentes? O padre ficou possesso.

              Na escola sua professora Dona Neide, uma matrona dos seus quarenta anos sem filhos, magra, parecendo a Olivia Palito esposa do Popeye o pegou varias vezes de olhos fechados, escrevendo sem parar no seu único caderno que era para fazer a lição de casa. Levado a Diretor este não entendia o que estava escrito. Eram vários rabiscos que precisariam ordenar para entender. E depois? Como explicar aquelas palavras? – Não foi uma só vez. Foram várias. Ninguém para explicar e ajudar. As brigas homéricas do padre versus professora versos pais versos chefes eram constantes. Cada um querendo que o outro resolvesse. Ao fazer quatorze anos já com sua Segunda Classe, Nazareno desistiu de sua Primeira Classe. Pela primeira vez pensou em abandonar o Grupo Escoteiro. Ele sabia que era o único lugar que ninguém perguntava e se preocupava com sua maneira de ser. O aceitavam como era. Mas eu, como Monitor de sua Patrulha ficava de olhos nele. Tinha medo que ele fechasse os olhos e desaparece em alguma mata ou bosque e pudesse acontecer o pior. Mal sabia eu que ele era assistido por milhares de espíritos protetores que iriam sempre lhe mostrar o caminho do bem.

                     Um dia sua mãe procurou o grupo e disse para o Chefe umas verdades. Este me chamou e ela sem papas na língua disse em alto e bom som que nós não nos preocupávamos. Que o deixávamos fazer suas ilusões mentirosas e até mesmo falar com Deus. Alguém soprou no ouvido dela e do padre que era mediunidade. A resposta dela já pronta dizia que não era mediunidade coisa nenhuma, era coisa do demônio ou dos escoteiros que o levavam a acreditar em tudo. Mal sabíamos nós que o fenômeno mediúnico já estava fazendo parte dele. Mesmo sendo uma criança a partir do momento que se deixa dominar a influência espiritual está presente. Ainda bem que ele tinha amigos que o protegiam na espiritualidade. Sabemos que quando isto acontece pode um espírito qualquer aproveitar a circunstância e querendo fazer coisas erradas, e claro por satisfação do obsessor que nada mais é alguém de um passado seu. Nunca vi em Nazareno ações destemperadas. Se fosse hoje poderia dizer que ele estava tendo comunicações mediúnicas na acepção da palavra. Mesmo que todos queriam interromper esse fenômeno não iriam conseguir. E tudo seria tão simples com a oração, a pacificação, o desligamento do mal e seria fácil fazê-lo desligar daquela ação.

                 O pior aconteceu. A família de Nazareno começou a ser estigmatizada. Todos passaram a evitá-los. Um dia ele me procurou chorando – Monitor tenho de sair. Meus pais vão mudar daqui. Nem sei qual cidade vamos e eles me pediram e até ajoelharam em meus pés para procurasse ser normal lá. Não entendi, pois me acho normal. Nunca disse para você, mas vejo tanta gente quando ando, quando durmo, e ate aqui no grupo eles estão. Não fazem mal a ninguém, pois me disseram que onde houver um ambiente saudável, cristão, onde Deus está presente eles não faram nenhum mal. Sabe Monitor, aqui encontrei uma paz que não encontrava na escola e nem em minha casa. A Lei Escoteira e minha promessa nunca serão esquecidas.

                 Eles partiram duas semanas depois. O tempo passou. Esqueci-me por completo de Nazareno. Há vinte anos sem perceber alguém me chamou quando descia a pé a Avenida Angélica. Olhei para trás e reconheci Nazareno. Vestia simples, uma camisa verde desbotada e uma calça jeans velha. Calçava um sandália de couro. Convidou-me para um café. Contou-me sua vida depois da mudança. Seus pais morreram logo. Disseram que foi de desgosto. Eu vim para São Paulo aqui me casei e aqui criei meus filhos. São três. Um deles é formado em engenharia. Os demais seguiram outro rumo, mas são pessoas honestas. Eu e Linda minha mulher descobrimos um Centro Espírita próximo a minha casa lá no Bairro Santa Amélia. Gostei quando me aproximei deles. Gente simples. Não são um órgão centralizador. Apenas alguns princípios básicos que sustentam a Doutrina. Participo ativamente quando não estou trabalhando. Sou pedreiro e isto me dá o suficiente para minha família. Há algum tempo estou escrevendo. Ou melhor, psicografando. Ainda não tenho nenhum livro. A maioria do que escrevo são mensagens para pais saudosos, e graças a Deus eu tenho ajuda de amigos espirituais que fiz nesta jornada desde que estou lá.

             Fiquei ali com Nazareno por horas. Para dizer a verdade ele tinha uma voz que me encantava. Falava pausadamente sem ostentação. Seus olhos brilhavam quando contava sua nova vida. Insistiu para que um dia fosse a sua casa. Sua esposa já sabia de mim, pois ele sempre contou sobre seus tempos de escotismo. Hoje não participa. Ainda se sente um Escoteiro. Mas suas horas de folga, seu tempo livre é dedicado a ajudar os que procuram no centro. Sabe Monitor, eu sou muito feliz em poder ajudar no tratamento, orientação dos problemas materiais e espirituais dos que procuram minha ajuda no Centro Espírita. – Monitor, ele disse, eu gosto de recepcionar os que nos procuram. Eu sei que o primeiro contato é a primeira impressão que cativarei para ajudá-lo em tudo que for possível.

            Não fui a casa dele. Talvez pela falta de tempo. Devia ter ido. Afinal sou um Kardecista de mão cheia. Não nos encontramos mais. Ainda tenho seu telefone. Todos os dias penso e ligar e não ligo. Quem sabe já escreveu um livro? Sinceramente? Gostaria de ler. Vou terminar por aqui. Desculpem os que ainda não professam a Doutrina Espírita. Não escrevi um conto com a intenção de catequizar ninguém. Respeitar a escolha individual faz parte da minha maneira de ser. Escrevi mais por recordar alguém que um dia me deu a luz para o espiritismo que conheço hoje. Como diz o nosso querido Chico Xavier: - “Acreditamos que o Criador nos fez rico a todos, sem exceção, porque a riqueza autêntica, a nosso ver, procede do trabalho e todos nós de uma forma ou de outra, podemos trabalhar e servir”.


Obs. Muitos dos escritos aqui foram anotados por Chico Xavier em suas centenas de livros.

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