Lendas escoteiras.
Escafederam com Don Pedrito no cargo de prefeito. Culpa? Os
escoteiros!
Linguarudo foi
quem me contou. Ele sentado no banquinho de madeira na porta da Barbearia
Tapioca contava coisas do arco da velha. – Como foi? Perguntei! – Ele sorriu
mostrando uma fileira de dentes cariados, mal tratados com aquele sorriso
mocho. – A culpa foi dele! Queria ser o maioral sempre dizia ser o tal e não
deu vez aos escoteiros. Os vereadores puxa-sacos quando viram a pressão, pois
fizeram até procissão não deu outra. Cassaram o mandado do Cabrito, isto é de
Dom Pedrito. Entre Dona Malvina bisbilhoteira e Dona Sinhá lavadeira melhor
mandar o prefeito para o caixa prego! Deu 18 votos a favor da cassação, um
contra e uma abstenção. Claro Don Pedrito esperneou, chamou todos de traidores
e ladrão, Bico Doce seu advogado reclamou na Corte Suprema e deu em nada. Pé no
traseiro do prefeito, bem feito, não teria sido melhor ser altaneiro e ajudar a
formar o Grupo de Escoteiros?
Tudo começou
em um sábado de sol, velhos na praça do arrebol, crianças jogando pelada na
rua, outros soltando papagaios, outros quebrando vidraças e outros fazendo
arruaças. As lavadeiras dando conta do recado com as vizinhas no portão, Os
homens no Bar do Zebedeu, os fofoqueiros na Barbearia Tapioca o vereador de Lua
Verde, cidade pacata, todo mundo sabia da vida de todo mundo, mas nunca houve
um roubo, uma morte a não ser por morte morrida e nunca matada. Eis que adentraram
na cidade sete escoteiros a toda velocidade nas suas bicicletas floridas.
Freiaram bonito na Praça Don Cabrito. A meninada largou o que fazia e ficou em
volta deles admirando. Cada um mais bacana que o outro. Chapelões incríveis,
cinto de couro com fivela a ouro, meias de futebol, caça curta, um lenço
vermelho no pescoço preso por um anel com desenho de ouro. Era bacana demais.
Traziam uma bela mochila amarrada no bagajeiro, em volta dela lonas verdes,
preso no guidom várias bandeirolas e uma maior do Brasil.
O Chefe deles,
com seus quatorze anos falou: - Aqui é Jaboticabal? A meninada com moral e engasgada
disse siiiim! Outros amigos nosso já chegaram? A meninada engasgada disse
nãaao! Tem um campinho para a gente acampar? Ai foi à conta, o campinho era de
Don Pedrito e ele não arredou pé. No meu campo não. Se eles quiserem vão
acampar no barreiro ou no inferno! A meninada gritou, chamaram mamãe e papai
que vieram correndo depressa demais. Porque não prefeito, disseram eles! –
Porque não quero aqui quem manda sou eu! Gentil Salgado foi correndo procurar
Mané Leitão dono da Padaria Chimarrão. Ele tinha um terreno arborizado, uma
nascente e tudo gramado. - Acampem a vontade ele disse! Mas não se esqueçam de
mim nas próximas eleições! Dito e feito, a escoteirada foi para lá, barracas em
pé, lona na mesa, até dona Maria Tereza ficou de pronto chulé, sentindo o
cheiro do café, inveja danada do fogão tropeiro que fizeram.
À tardinha
uma revoada de escoteiros, uma duas três. Seis patrulhas pedalando, chegando,
armando suas barracas no campo do seu Leitão. Todos se abraçavam, uma alegria
tremenda, cantando canções ligeiras, e um tal de Rataplã! Fogueira abastada
afastou o vento sul o frio que soprava. A meninada em volta. Olhos arregalados!
Gente que coisa bonita! Se eles são aventureiros eu também quero ser um
Escoteiro, diziam todos. À noite eles fizeram uma fogueira, brincaram de
Chiquito Pedrosa o contador de piadas do lugar. Fizeram mil brincadeiras, na
fogueira só zoeira, e no final chamaram todos do lugar. Mãos entrelaçadas meus
amigos, agora vamos cantar. Era bonito demais, até dona Malvina Bisbilhoteira e
Dona Sinhá Lavadeira se puseram a chorar.
O Chefe deles, um menino bem afeiçoado, falou alto para a meninada ouvir.
Amanhã é o último dia que ficaremos aqui. Pela manhã estão todos vocês
convidados, haverá jogos, canções e treinamento vamos fazer patrulhamento Quem
quiser ser um aventureiro amanhã será um Escoteiro! E para participar põe-te em
guarda e toma tempo.
Gente era bom
demais. Mais de duzentos moleques correndo, fazendo patrulhas, brincando de
gente grande. O povo todo de olho arregalado olhava todo arrepiado aquela
alegria sem fim. Era um tal de Lobo, lobo, Leão Touro e Jabuti, um gritava aqui
e outro ali. Aprenderam a fazer um nó de frade, um nó de pescador, um nó de
arnês, meu Deus quantos nós! Outros aprendiam semáforas, Morse, Passo Escoteiro
e alguns a mapear o céu, procurando estrelas do meio dia para se orientar.
Gostoso foi às brincadeiras, de olhos fechados, correndo para todo lado para o
tesouro achar. Foi Mosquito e Joelho Bichado, dois meninos muito calados que
gritaram! Eu quero ser Escoteiro, para sempre! E agora José? Os meninos
escoteiros com seus chapelões mateiros se foram, disseram que talvez um dia iriam
voltar.
Uma
comissão foi formada. - Don Pedrito! Vamos os escoteiros organizar! – Nem
necas, se querem me pregar uma peça escolha outro, pois nesta eu não entro. A
meninada na porta da prefeitura chorava. Urra, urra que este prefeito de araque
suma de Lua Verde. Ninguém merece ter defeito, com este tal de prefeito que não
ajuda ninguém. Mané Leitão da Padaria Chimarrão prometeu ajudar. – Organizo o
grupo, vou ser o Chefe do grupo, mas mandem o prefeito passear, e junto com
dona Pastora sua patroa, joguem os dois nas masmorras e façam de mim prefeito
do lugar. Dito e feito, o prefeito se escafedeu. Nem mesmo o Zebedeu que
gostava de uma lambança o ajudou na mudança. Mané Leitão foi eleito, de
uniforme Escoteiro foi empossado prefeito, as patrulhas deram o grito em ovação
ao salvador e pioneiro, aquele que organizou os escoteiros.
Linguarudo
sorria de leve, olhando meus cabelos cor de neve, dizia: - No dia da
inauguração, escoteiros de montam chegaram de todo lugar. Disseram-me que eram
mil outros cinco mil, sei lá para mim não interessa se foi mil ou um milhão,
mas a festança foi demais. Depois de todos promessados, uniformizados, um
churrasco foi realizado, cem bois, duzentos cabritos, leitões chegavam de todo
lugar. Na fazenda Galinhada os galos jogavam praga e ficaram sem nenhuma
galinha para namorar. Até Dom Casmurro o Bispo de Montreal, que estava se
preparando para ser um cardeal veio à festa prestigiar. Eu de matuto não sou
bobo, olhei Linguarudo de novo, e pensei: - Na hora da sesta e esse cara quer
me fazer de besta! Ele querendo adivinhar, me apontou a Rua Pelanca, e disse
sem muita tranca: - Foi dali que eles dominaram o lugar. E não é que logo em
seguida, de cada casa de cada ermida, surgiam jovens meninos, de uniforme e
calça curta, um caqui e seu meião, um lenço e um chapelão, corriam daqui para
ali dizendo: Vamos todos! É hora da reunião!
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