sábado, 6 de junho de 2015

“A justiça a Deus pertence!”


Lendas Escoteiras.
“A justiça a Deus pertence!”

               Chefe Billy era assistente de tropa Escoteira. Novo ainda, vinte e três anos. Procurou o grupo a dois anos dizendo estar interessado em participar, mas nunca fora Escoteiro. Passou por uma bateria de perguntas e preencheu todos os formulários que lhe deram. Quase desistiu. Sentiu que ali era ele quem precisava deles e não o contrário. Chefe Billy era caladão. Andava de cabeça baixa. Nunca fixava ninguém com os olhos. Sua família não era da cidade. Conseguiu um emprego na Usina Siderúrgica e trabalhava como Operador de Forno. Uma função não muito gratificante. Alugou um quartinho nos fundos da casa de um casal de velhos e assim era sua vida fora do grupo. Era bem quisto pelos jovens. Os chefes tinham por ele um certo receio. Não o conheciam. Ele não se enturmava. Apesar do seu jeitão esquisito alguns tinham nele uma grande admiração e respeito. Pouco falava de si e nem todos os convites que faziam a ele, aceitava. Fez dois cursos de formação. Estava dando duro para conseguir sua Insígnia de Madeira.

                  Naquele sábado lá estavam todas as sessões. Uma algazarra gostosa, alegria juvenil e infantil própria dos escoteiros antes do inicio das atividades. Foi dado o toque de chamada e todos acorreram para a grande ferradura. Iria ser dado o inicio do Cerimonial de Bandeira. Todos formados. Um carro da policia parou na porta da sede. Desceram dois policiais e um investigador. – Quem é o Billy? – Sou eu ele disse. – Você está preso. – Por quê? O Delegado vai dizer. E cale a boca. Aqui não é filme americano onde falamos de seus direitos. Puseram a algema nele e o arrastaram até o camburão. Estava de uniforme. Seu chapéu tão querido caiu ao chão. Foi Lany uma lobinha quem o pegou. O grupo todo estarrecido. Fazer o que? Continuar com a reunião era melhor. Foi um piores sábados de reunião naquele grupo escoteiro. Nenhum Chefe foi à delegacia saber ou se informar. Ninguém o procurou para saber o que lhe imputavam.

                  Os jornais do dia seguinte e as emissoras de programas sensacionalistas comentaram o que tinha acontecido. Billy tinha estuprado e esganado um menino de oito anos. O jovem foi encontrado morto em um terreno baldio. Duas testemunhas juraram tê-lo visto passando perto no dia. Nada mais que isto. O bairro inteiro ficou a porta da delegacia querendo fazer justiça com as próprias mãos. Os pais do menino chorosos pediam vingança. Tentaram invadir, mas foram impedidos. Billy nunca recebeu visitas de nenhum membro do escotismo. Soube que abriram um processo e ele foi exonerado e expulso. “Culpado por suspeita”. Lany, Alfredinho e Tomé não acreditavam em nada daquilo. Lany era lobinha, Alfredinho e Tomé eram escoteiros que passaram para a tropa aquele ano. Tentaram visitá-lo, mas não conseguiram. Impossível menor entrar no presídio. Combinaram de enviar toda semana uma carta dizendo das saudades e que o amavam muito.

                 Billy teve um julgamento rápido. Condenado a vinte e oito anos de prisão sem direito a Sursis. Foi enviado para a Penitenciaria Estadual na própria cidade. Alguns prisioneiros sabendo do acontecido o seviciaram e quase morreu. A vingança não parou por aí. Pegaram de um prisioneiro que tinha o HIV um pouco de sangue em uma seringa velha e enferrujada e aplicaram em Billy. Ele nunca gritou e nem reclamou. Sabia que nada iria reverter às decisões que tomaram contra ele. Acreditava em Deus. Era espiritualista. Tinha um motivo para tudo aquilo. Ele sabia que foi ele mesmo quem escolheu aquele caminho. Só duas coisas o alegravam na prisão. Sua fé em Deus e as cartas de Lany, Alfredinho e Tomé. Quando as recebia chorava. Uma angustia o invadia. Tremia e rezava pedindo a Deus que lhe desse força para continuar a viver. Neste interim ninguém do grupo falava mais nele. Era carta fora do baralho. Perderam muitas crianças por causa dele. Os pais tinham medo. Melhor colocar uma pedra no acontecido.

               Cinco anos depois, prenderam um vaqueiro de nome Leôncio. Alguém o viu arrastando uma criança para um terreno baldio. Foi preso. Confessou ter feito isto com nove meninos inclusive riu quando disse que foi ele que matou o menino que disseram ser o Billy o culpado. Somente um ano e cinco meses depois Billy recebeu o alvará de soltura. Um advogado ofereceu em troca de trinta por cento entrar com um processo na justiça contra o estado. Ele agradeceu. O dinheiro seria maldito. Não iria pagar sua passagem para ao céu. Já estava debilitado pelo HIV. Recebia os remédios do governo, mas não estavam ajudando muito. Ao sair foi abraçado por muitos amigos que fez ali na prisão. Alguns choravam. Recebeu seu uniforme Escoteiro que ele abraçou com carinho. Não havia mais motivo para ficar na cidade. Foi até a estação ferroviária. – Perguntou ao bilheteiro - Até aonde iria com uma passagem de cinquenta reais? O único dinheiro que devolveram para ele.

               O trem chegou à estação. Quando ia subir ao vaga de segunda classe, três jovens correram para abraçá-lo. Estavam de uniforme. Eram Lany, Alfredinho e Tomé, todos crescidos. Billy chorou. Pensou em não abraçá-los. Era doente, com AIDS, estava magro, debilitado, sua pele manchada em vários lugares do corpo. Eles não lhe deram chance. Abraços apertados. Lany o beijou no rosto varias vezes dizendo que nunca o esqueceu. Entregou para ele o seu chapéu Escoteiro que ela guardou todos estes anos com carinho. O apito do condutor avisando da partida. Os que chegavam e saiam estavam assustados com aquela cena. Um homem feio, cheio de cicatrizes, doente, sendo abraçado e beijado por uma menina Escoteira linda e dois escoteiros e todos chorando. Nunca viram nada igual. Billy pegou o trem e na janela despediu deles. Chorava convulsivamente. Disse que escreveria. Billy não escreveu. Morreu seis meses depois como indigente em um canto cheio de lixo debaixo de um viaduto em Vitória e interessante. Estava com seu uniforme Escoteiro e no colo o seu chapéu de três bicos. Isto foi o que me contaram.


               Justiça? Só Deus sabe como fazer justiça. Para cada ato, para cada ação a uma reação. O passado não é perdoado facilmente. O perdão existe, mas cada um tem de fazer para merecer. “A justiça a Deus pertence!”.

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