sexta-feira, 26 de junho de 2015

A Árvore das folhas mortas.


Lendas Escoteiras.
A Árvore das folhas mortas.

                          Eu tinha cinco anos quando meu pai olhando nos meus olhos me contou a história da nossa árvore que ele plantou quando eu nasci. Era um Jequitibá e em cinco anos se tornou uma linda árvore. Enorme, folhada, com quatro galhos espalhados para cada ponto cardeal. – Meu filho, nunca lhe contei porque plantei este Jequitibá, é conto antigo, dos tempos do quilombo dos Palmares. Meu avô ouviu esta história de seu pai que a recontou para todos seus filhos daí em diante. Dizem que havia nesse tempo, um Velho Escravo que andava pelas praias a apanhar destroços dos navios. Recolhia e os enterravam longe das praias. Um destes destroços ganhou raízes e reviveu em árvore. Era um Jequitibá. Quando ela cresceu ele disse para seu Pajé: - Eu sou essa árvore, venho dos destroços de outro mundo. Aqui é meu chão minhas raízes nasceram aqui. Não entendi bem a história e só mais tarde fui entender o porquê meu pai plantou o Jequitibá quando nasci.

                            Meu pai era para mim um sábio. Descendente de um escravo do Quilombo dos Palmares, ele se orgulhava de sua raça. Todos nós, eu ele e minha mãe éramos negros. Ele um Professor escolar que se orgulhava de sua missão e profissão. Minha mãe uma costureira, simples sem afetação. Meu pai todas as tardes de sol nos convidava a sentar a sombra do Jequitibá. Ali nós três ficamos em silêncio até que ele começasse a contar uma história de seus antepassados. Eu adorava meu pai e minha mãe. Ele fez com as próprias mãos dois bancos em baixo do Jequitibá. – Um era para ver o nascer do sol e o outro o por do sol. Um dia disse que cada galho da árvore representava um de nós. – Pai! São quatro galhos e nós somos três! – Pois é meu filho, breve você terá mais um irmão! Sorri, meu coração bateu. Sentia-me só, muito só e ter um irmão era um sonho que nunca tive.

                           Joselito nasceu dois anos depois quando eu fiz sete anos. Fiquei dias ali na porta do hospital esperando conhecê-lo, pois meninos não podiam entrar. Em casa foi uma alegria imensa. Não sai de perto de seu berço. Eu na minha inocência de criança contava para ele às histórias que meu pai me contava. Minha mãe sorria e nada dizia. Quando as tardes meu pai nos convidava para assentar ao pé do Jequitibá, eu fazia questão de ter Joselito no meu colo. Ele era pequeno, magro, e meus pais estavam muito preocupados. Dois anos depois os médicos disseram que ele tinha uma doença muito grave no coração. Não iria viver por muito tempo. Eu queria chorar, mas meu pai não deixou. – Filho, deixe para chorar quando ele se for, agora é momento de alegria. Façamos tudo para tornar sua vida um sonho possivel e não impossível. Mesmo com nove anos eu entendi meu pai.

                            Quando Joselito fez onze anos, me chamou para sentar ao pé do Jequitibá e com os olhos rasos d’água me disse que queria ser Escoteiro. Tentei pensar como iria lhe dizer que não era possivel. Ele não podia correr, não podia fazer coisas que eles faziam. Mas não disse nada. – Olhei dentro dos seus olhos e disse: - Você vai ser um! Eu e meu pai o levamos até o grupo. Eu pensei em explicar a todos sua vontade de viver, de ser mais um, de sua doença incurável, mas sabíamos que não podíamos. Ele tinha de aprender por si mesmo nem que isto fosse seus últimos dias aqui na terra. O Chefe Norman não foi a favor. Achou que ele não podia se preocupar com um só. Meu pai o olhou e disse que ele nunca teria nenhuma responsabilidade. Ele assumiria tudo que acontecesse a ele nas atividades Escoteiras. Na patrulha Cuco Montanha o Monitor fazia cara feia para seus comandados. Não era um bom Monitor. Mas Joselito com sua bondade estampada nos olhos não se amedrontou.

                              Naquela domingo, a família sentada ao pé do Jequitibá, Joselito disse que ia acampar. Minha mãe levou um susto. Achou que ele não ia aguentar. Eu também me preocupei, mas não dissemos nada. Não existiu nada mais belo para Joselito que os preparativos, a saída o acampamento e o retorno. Quem o visse chegando iria pensar que agora ele estava bom, não tinha mais nada. Nunca iria morrer como os médicos disseram. Todos nós notávamos como a Tropa Escoteira mudou. A alegria de Montanha na patrulha diferia totalmente do passado. O Chefe Norman agora aprendeu a sorrir. Pareciam uma grande família onde todos zelavam por todos. Três anos depois seria a passagem de Joselito para os seniores. Sua rota estava programada. Eu não entedia porque ele agora não sorria mais. Quando as tardes sentávamos ao pé do Jequitibá meu pai e minha mãe contavam histórias, e eu nem prestava atenção neles. Meus olhos se voltavam para Joselito. Sem saber como eu sabia que sua hora estava chegando.

                                 Joselito morreu dois meses depois. Morreu sentado ao pé do Jequitibá, sozinho antes do meio dia. Ele não foi à escola naquele dia, queria morrer onde viveu. Nunca vi tanto sentimentos tantas saudades, tantos sonhos que não foram realizados. Quando ele em seu esquife desceu naquela tumba fria, um vento frio sacolejou por todo o campo sagrado. Escoteiros se assustaram, seus colegas de classe correram. Uma chusma de folhas verdes bailavam no ar. Eu fiquei por muito tempo ali em sua tumba querendo chorar e não podia. Meu pai veio me buscar. Ao chegar em casa vi que um galho do Jequitibá tinha perdido todas suas folhas. Era o galho de Joselito, ele se fora e as folhas foram com ele. Um ano depois minha mãe morreu de desgosto. Ela mesma me disse que não podia suportar a falta que Joselito lhe fazia. Ao voltar do campo santo notamos eu e meu pai que um outro galho do Jequitibá também perdeu suas folhas. 

                                 Sentar ao pé do Jequitibá não era como antes, mas eu e meu pai fazíamos questão de estar ali. Nunca contamos um para o outro nossos sentimentos, nossas dores nossos amores que se foram. A perda nos machucou enormemente. O Jequitibá ainda tinha folhas, do galho do meu pai e do meu. Aos setenta e cinco meu pai se foi. Eu era homem feito. Trabalhava no hospital da cidade como administrador, função que me formara a muitos e muitos anos. De novo mais um galho do Jequitibá perdeu suas folhas. Ficou só o meu galho. Eu todas as tardes que estava em casa olhava para ele e dizia: - Jequitibá meu amigo, quando vai chegar a minha vez? Nunca abandonei meu lar. Não casei. Não queria passar minhas tristezas para uma segunda pessoa. Não queria ter filhos e perdê-los como perdi Joselino. Uma tarde sentado ao é do Jequitibá fechei os olhos. Não sabia se era sonho ou se era uma ilusão. Na minha frente um lindo jardim com flores lindas, correndo entre as samambaias, vi um enorme Jequitibá florido, lá em um banco, meu pai minha mãe e Joselito me acenavam.


                                Dona Maria Bonita nossa vizinha me viu sentando no banco. Notou que eu não mexia com o corpo. Chamou a ambulância. Eu estava morto. No alto meu galho do Jequitibá deixou a ultima folha verde cair e ser levada por uma brisa daquela tarde faceira, onde encontros e desencontros se revelariam em uma enorme estrela brilhante no céu! 

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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