terça-feira, 30 de junho de 2015

O repouso do Guerreiro.


Lendas escoteiras.
O repouso do Guerreiro.

           Ele não podia medir o tempo. Seus antepassados não lhe ensinaram. Mas ele sabia que muitas luas haviam se passado e seu fim estava próximo. Ele não foi o único, seus pais já tinham ido para as Terras Bravias do Sol Nascente. Seus dias estavam próximos a terminar. Em breve iria se juntar a eles. Sua herança ele não deixaria para ninguém. Aplanã não deixou que Amanara lhe desse filhos. Na tribo somente as lendas dos guerreiros passavam de pais para filho. Ele era uma lenda? Não era. Nunca foi. Era que era um simples índio que conhecia as histórias dos seus ancestrais; Conseguiu sobreviver de muitas guerras com os Tapuias, os Caraíbas e tantas outras tribos que sempre tentaram raptar suas mulheres e tirarem o que era deles. Foi o único que sabia conversar em Macro-Jê, Tupi e Arauak. Aprendeu nas guerras e nas inúmeras vezes que fora aprisionado. Acostumou-se a sentar embaixo da Aroeira que dizem os espíritos foi plantada por Aplanã, um valente guerreiro, que dizem correu pelos céus como um raio flamejante a mil luas atrás. Seus olhos miúdos percorriam as inúmeras Tabas de sua aldeia. Quanto tempo! Nada é mais como antes. O homem branco nada trouxe de bom.

           O Grande Espirito já o tinha avisado que sua morte seria breve. Não tinha medo dela. Nunca teve. Já a enfrentara inúmeras vezes. Afinal fora um guerreiro cujo nome se espalhou por toda a Floresta de Akanã. Amanara sua mulher o olhava com carinho. Porque nunca tiveram filhos? Ele daria tudo para ter um herdeiro que levasse seu nome através da história. Que pudesse narrar seus feitos. Sabia que quando fosse para as Terras Bravias nada sobraria de sua vida na terra. Seus pensamentos velejavam através das nuvens brancas espalhadas pelo céu. Teria milhares de coisas para recordar. Viveu uma época que hoje seus descendentes não irão viver. O homem branco agora mandava. Eles não passavam de meninos obedecendo ordens, o que fazer e que comer. Desobedecer? Muitos da sua tribo se tornaram homens sem valor. Bebiam, faziam arruaça, viajavam e diziam representar a tribo. Nunca seriam nossos representantes. Eram sim de si próprios em busca de facilidades que um verdadeiro guerreiro desprezaria.  

           O viu chegando em sua jangada atravessando o Rio Morcego. Sempre fora assim. A cada vinte ou trinta luas ele aparecia. Lembrou quando o viu pela primeira vez. Jovem ainda, sempre com cabelos brancos soltos ao vento, olhos pequenos azuis, um chapéu esquisito, um lenço amarrado no pescoço, um calção da cor da camisa parecida com a folha de bananeira desbotada. Uma meia que ia até os joelhos e uma botina preta. Desceu de sua jangada e fez um sinal de alô. Não disse mais nada. Ele não falava muito. Aproximou-se de mim e levou sua mão esquerda ao meu coração. Como ele sabia? Nos velhos tempos só os fortes entre os mais fortes se saudavam assim. Fiz o mesmo que ele e um sinal a Ibaretama aquele que veio do céu para que não o matasse com sua lança. Um homem branco nunca fora bem recebido na Aldeia. Uma época que os Bororós eram temidos. Cabelos da Neve sentou embaixo da Aroeira. Cruzou as pernas como se fosse um de nós, tirou de seu bornal um cachimbo pequeno e o fumou por horas. Não disse nada. Chegou calado e calado ficou. Lembro que Amanara levou-lhe uma cuia com cuscuz cozido e ele comeu com gosto.

           Otinga o Pajé logo que a noite chegou começou uma pajelança pela cura de Oititaba, um jovem que caiu da Pedra Solta bem depois da curva do rio Morcego. O viu bebendo o tafiá e mesmo evocando os espíritos de seus ancestrais e muitos animais da floresta não houve cura de Oititaba. A tribo dançou com ele freneticamente e fez as mimicas conhecidas do animal que estava incorporado a Otinga. Oititaba morreu pela manhã. Cabelos da Neve recusou dormir em alguma Taba ou mesmo na sua. Dormiu ali embaixo da Aroeira sob o calor de um pequeno fogo que fez. Não o vi pela manhã. Ao raiar do dia deve ter partido. Sua jangada não estava apoitada na areia branca do rio Morcego. Passaram mais de vinte luas quando ele voltou. Parecia mais Velho assim como eu. De novo nos cumprimentamos e pouca conversa. Seu silêncio me agradava. Apontou a Montanha dos Abutres. Por sinal por a mão em meu peito e me convidou sem falar a subir até o topo.

          Não podia ir. Minhas pernas recusavam a obedecer. A tribo aprendeu a admirá-lo. Com seu chapéu cuia colocou sua mochila, atravessou seu bornal e partiu rumo à montanha. Uma semana depois voltou. Descansou por algumas horas e em sua Jangada sumiu nas águas tranquilas do Rio Morcego. Mais uma vez fiquei só. Ou melhor, sempre estava só, mas quando Cabelos da Neve aparecia havia no ar um encantamento que toda tribo sentia. O passado não perdoa o presente. Éramos milhares e hoje? Um punhado que vinte ou trinta tabas acomodavam todos. As nações indígenas foram dizimadas. Caçar, plantar, pescar já não era a maneira correta de sobrevivência. Um posto da FUNAI nos dava o que Comer. Parecíamos mendigos sem nome, sem honra a depender do homem branco a nossa sobrevivência. A nossa terra não era mais nossa. Nossas crenças desapareceram. As forças da natureza que nos impeliam aos nossos antepassados não existiam mais. Os espíritos dos ventos riam de nos. Deuses e espíritos fugiram das nossas cerimonias, dos rituais e festas. O Pajé era uma figura que ninguém mais dava valor.

           Na vigésima lua desde que ele se foi fiquei doente. Muito. A pajelança não adiantou. Era questão de dias para me encontrar com os espíritos dos meus pais e dos meus ancestrais. Já tinha passado o meu poder de Cacique ao Conselho da Tribo. Cabia a eles agora escolher quem devia conduzir a aldeia, as mudanças e as guerras se elas tivessem que existir. A mim me restava à lembrança do que fui e do que sou. Preferia não olhar o mundo ao meu redor. Quanta injustiça, quanto sofrimento e dor. Eu sabia que todo mundo temia a morte, mas o índio ria dela. Um guerreiro tem de saber enfrentar tudo a qualquer hora. Para ele o amor, a indiferença e a ambição não seria uma lança cortando o ar procurando seu coração. Mesmo nos meus últimos dias eu ainda me considerava um guerreiro. Vieram me dizer que ele chegou. Cabelos da Neve com seu chapéu esquisito cumprimentou-me a moda índia e a mão no meu coração. Na taba em que eu agonizava ele sentou com as pernas cruzadas. Tirou seu cachimbo e rolos de fumaça encheram o recinto.

           Deixaram-me a sós com ele. Ele me olhava e eu a ele. Tirou o chapéu e fez uma espécie de saudação. Com as mãos no peito começou a cantar baixinho uma canção. Dizia que não era mais que um até logo, não era mais que um breve adeus. Eu não o ouvia mais. Meu espirito abandonava meu corpo e me vi junto aos meus ancestrais. Eram centenas de amigos que agora estavam ali nas Terras Bravias do Sol Nascente. Voltei um dia depois como espírito. Meu funeral não teve nada diferente. Envolvido na rede dentro da minha maloca, fiquei por dois dias. Nivelaram a superfície da minha sepultura com barro socado. Quando me retiraram a maloca foi queimada. Seria abandonada para sempre. Todos os meus pertences estavam comigo. Em cima da minha sepultura Cabelos de Neve colocou uma placa de metal em formato de uma flor de lis. Todos já tinham ido e ele permanecia sentado de pernas cruzadas, fumando seu cachimbo e olhando para o céu. Eu o ouvia cantar a mesma canção: - Não devemos perder as esperanças de um dia tornar a nos ver.


           Uma semana depois ele se levantou. Deu um leve sorriso, fez o gesto de amizade colocando a mão esquerda no meu coração invisível. Fiz o mesmo com ele. Parece que ele sabia que eu estava ali, pois disse baixinho que breve, muito em breve tornaremos a nos ver. Entrou em sua jangada e partiu nas aguas calmas do Rio  Morcego. A história não termina aí, muitas luas depois os dois guerreiros se encontraram nas Terras Bravias do sol Nascente. Dizem que até hoje ficam sentados e sorrido na sombra da Aroeira que um dia pertenceu à tribo dos Bororós e que hoje não pertence a mais ninguém. 

segunda-feira, 29 de junho de 2015

O último acampamento do chefe Escoteiro.


Conversa ao pé do fogo.
O último acampamento do chefe Escoteiro.

                Contaram-me que ele queria fazer seu último acampamento escoteiro. Todos sabiam que sua idade avançada não permitiria mais esta extravagância e sua família ficou muito preocupada. Dia e noite ele só falava nisto. Todos o conheciam Escoteiro desde lobinho e agora com seus 84 anos mal conseguia andar. Ele claudicava, tremia, respira mal e sua vóz quase não se entendia. Um dia resolveu lembrar o passado. Comprou um pequeno balão de oxigênio, que dava para seis dias, preparou um bornal para ele, de maneira a não atrapalhar o que iria fazer. Sorria para sí mesmo. – Será meu último acampamento. Se morrer acampando morrerei feliz ele dizia. No inicio contou para todos os amigos e depois parou de contar. Ninguém concordava com este absurdo. Mas ele era teimoso e obstinado. Sua esposa horrorizada tentou demovê-lo da ideia e não conseguiu. Ela chamou os três filhos e nada adiantou. Vieram amigos Escoteiros e nada. A família chegou à conclusão que se ele não fosse morreria em poucos dias. Quem sabe tutorado ele poderia ir? Pensou um dos filhos. Um deles médico concordou e assumiu a responsabilidade.

                    Chefe Zezé preparou tudo com calma. Do baú tirou sua mochila, seu uniforme que ele mesmo lavou e passou. Sua manta de Fogo de Conselho, seu chapéu de três bicos e limpou o tope que comprou ainda em 1947. Colocou seu penacho azul. Engraxou sua botina de campanha, olhou seu meião com carinho e deixou de lado a jarreteira. Pediu a esposa para costurar os barretes das medalhas que ganhou, não eram muitas. Sorriu ao pegar na sua faca Escoteira, seu facão sua machadinha e sua bússola Silva. Viu que o couro do cinto estava firme e a fivela brilhando. Não se esqueceu da velha Bandeira do Brasil. Ele sonhava dia e noite com seu último acampamento. Seria mesmo o último? Sua mente voltava ao passado quando da sua promessa Escoteira. Quantos amigos de patrulha, quantos acampamentos, quantas matas adentraram, correram pelas campinas, subiram em serras e montanhas que nada saia de sua memória.

                    Comprou passagens para a Lagoa Dourada com saída a meia noite. Seu filho sorriu. Tinha um amigo lá. Combinou tudo por telefone. Preparou sua matutagem para quatro dias. Levou uma pequena lona para servir de abrigo. Não esqueceu a capa de chuva.  Alguns amigos vieram ver sua partida e sorriram quando seu filho o levou à rodoviária. Seis horas de viagem. Seu filho calculou que ele chegaria lá pelas seis da manhã. Deixou-o no ônibus e foi para casa. Às nove da manhã seu amigo ligou dizendo que ele não chegou no ônibus da capital. Em nenhum dos que chegaram depois tinha sinal dele. Sinal vermelho. Os irmãos se reuniram. Vamos até lá disse um deles. O desespero tomou conta da família. A Policia foi acionada. Busca em todos os lugares. Bombeiros, elicópteros. Nada. Chefe Zezé sumiu! Não sabiam mais o que fazer. A polícia desistiu. Ninguém quis mais procurar. Seus filhos precisavam voltar à luta. Tinham seus empregos. Esposas, flhos. A vida continua.

           Duas semanas depois a esposa do chefe Zezé, parou de chorar. Os olhos vermelhos inchados. No décimo quinto dia, receberam um telegrama. Um vaqueiro disse ter visto um homem parecido com ele conforme apareceu na Televisão. Ele estava na serra do Canta Galo. Todos os filhos foram para lá. Bem longe. Mais de nove horas de viagem. Serra desconhecida para eles. A cidade pequena. Alguns tinham visto quando ele chegou quinze dias atrás. Conseguiram um guia, encontraram o vaqueiro. Arrumaram cavalos e subiram a serra. Local ermo e de difícil acesso. Tinham medo do que iriam encontrar. Avistaram ao longe uma fumaça branca subindo aos céus. Pequenas esperanças. Quem sabe está vivo? Chegaram ao local. Viram-no enconstado em uma árvore, como se estivesse desfalecido. Correram até ele. Respirava e parecia dormitar. Abriu os olhos, sorriu. - Como me encontraram disse?
           O filho médico o examinou. Achou estranho. Sua respiração parece ter melhorado. Ele se levantou, olhou para o céu, para as árvores, um pássaro preto em um galho voou. Alguns outros se juntaram a ele. Todos voando em volta do chefe Zezé. Borboletas surgiram. Azuis, vermelhas, verdes e amarelas. E então vamos? – Ele disse. Com sua cabeleira vasta e caindo na testa, cantava a pleno pulmões – Avançam as patrulhas, ao longe, ao longe! Adeus meus amigos, ou melhor, até breve, eu voltarei, disse ele olhando os pássaros, a mata, o riacho e não viram mais nada. Desmanchou o campo com carinho, Arrumou sua mochila, e com ela nas costas gritou! - À frente tropa! Bandeiras ao vento! Marche! Agradeceu a oferta de ir a cavalo. Andava como uma lebre. Incrivel pensavam. Mais acima dois quatís acompanhavam e mais ao longe dois lobos guarás do rabo curto também. Uma passarada foi com eles até a cidade. Dizem que na cidade todos bateram palmas. Os pássaros quando ele entrou no automóvel do filho, cantaram alto.

                  Quando soube da história fui até lá. Recebeu-me com um abraço e um sorriso. O que me contou foi de tirar água na boca. Daria tudo para participar de um acampamento assim. Sabia que os filhos queriam monitorá-lo. Deu um baile neles. Desceu do ônibus logo ao sair da Rodoviária, voltou e entrou no que o levaria A Serra do Canta Galo. Local maravilhoso, linda aguada e um céu incrível para contar estrelas. Montei um campo de patrulha sorrindo. Tinha tudo que podia imaginar. Minha cabana aguentava chuva e vendavais. Minha ração acabou logo, mas a fartura ali era imensa. Aipim, jabuticabas, bananas, mandioca, taioba,  Maracujá, mamões à vontade. Meu amigo, ali era um eden. Não queria voltar, queria morrer ali naquela natureza que podia dar tudo que precisava. Senti-me revigorado, meu ar voltou. Não senti mais a fraqueza de sempre.

                   Quer saber? Daria minha vida para voltar lá novamente. Já pensou rever Caminheiro e a Midiata os dois lobos Guarás? Rever os quatis os pássaros e poder ficar vendo o melhor céu de estrelas do mundo? Voltei para casa triste, mas contente por feito o que fiz. Até pensei em um dia fugir daqui e voltar. Não faço isto por causa da minha esposa. Os pássaros até hoje me visitam e ficam horas na Castanheira que tem na praça ao lado. Converso com eles, cantamos juntos e acho que nunca mais vou esquecer aquela serra, linda serra que amei e que nunca mais vou esquecer. Olhe sei que muitos me acham louco. Risos. Eu não sou meu amigo, não sou. Que pensem assim e não me importo. As tardes fico em minha janela olhar distante sonhando com minha serra querida. Sei que foi meu último acampamento, a velhice quando chega destrói tudo que podemos ter e foge de nossas mãos. 

                       Fui para casa pensando no Chefe Zezé. Sentei na poltrona e calado meditei por muito tempo. O que ele contou parecia uma fábula daquelas que conto e tento acreditar ser verdade. Ele fez o que é sonho de muitos. Mas lutou pelos seus sonhos e chegou lá. Um dia quem sabe eu faço assim também! Que Deus me dê forças!

  

sábado, 27 de junho de 2015

Quinzinho, um amigo de verdade.


Conversa ao pé do fogo.
Quinzinho, um amigo de verdade.

                           - Eu juro palavra de Escoteiro que não fui eu! – Mas você estava lá, disse que não podia ir conosco, pois estava com o pé doendo, se ofereceu para tomar conta do campo na nossa ausência. Nós confiamos em você e agora disse que dormiu? – Tico, por favor, eu dormi um soninho de nada! – Tico olhou para os outros Monitores e para o Chefe Darli. Ele mesmo como presidente da Corte de Honra não sabia que atitude tomar. Estavam em reunião da Corte há mais de uma hora. Marlon sempre foi um bom Escoteiro. Mais de dois anos na tropa, mas por duas vezes em um acampamento na fazenda do Seu Jorginho alguém entrou no acampamento e roubou todos os víveres. Tiveram de voltar. Na primeira vez Marlon deu a mesma desculpa, mas duas vezes é demais. – Espere lá fora Marlon. Vamos deixar a Corte de Honra decidir. Chefe Darli não dizia nada. Deixava que os Monitores tomassem as decisões a não ser quando ele via que alguém poderia ser prejudicado o que não era o caso.

                              Meia hora depois Marlon foi chamado. – Foi Tico quem deu a sentença – Marlon, infelizmente você foi suspenso por trinta dias. Achamos que não foi você quem tirou os mantimentos, mas alguém foi e por sua culpa. A tropa Escoteira ficou desolada. Acharam que Marlon não merecia a suspensão. Mas o Chefe Darli explicou que cada um de nós tem que assumir nossas responsabilidades e se algum acontecer não podemos fugir as nossas  culpas. Todos ficaram pensando, quem poderia ser o culpado? Quem tirou os mantimentos? – Metido a detetive, Jairo dizia que iria investigar. Naquela época começaram a pipocar nas bancas livros de bolso e ele um leitor inveterado achou que tinha por obrigação de descobrir. Primeiro – Os roubos foram todos na Fazenda do Seu Jorginho. Segundo -  Marlon acampou em outros lugares e nada aconteceu. Terceiro - O local era longe da fazenda e impossível alguém de lá ir ao campo para isto. Quarto, melhor ir lá acampar e ver. Dito e feito. Mochila nas costas e lá foi Jairo e o Gentil. Foram em uma sexta a noite de bicicletas para voltar no sábado seguinte.

                            Jairo e Gentil combinaram tudo que deviam fazer. Barraca armada, intendência pronta, toldos nos lugares e o Gentil partiu como se fosse fazer uma jornada de Primeira Classe. Jairo ficou encostado em uma seringueira a dormitar. Ou seja, fingia dormitar. Caramba! E não é que ele dormiu mesmo? Acordou com um barulho na intendência. As linguiças, a farinha, meia dúzia de bananas, quatro laranjas, feijão cozido (levaram de casa) tinham desaparecido. Gentil não deu trégua. - O detetive de araque dormiu? - Fazer o que. Em volta da intendência nenhuma pista. Procuraram até o bosque e nada. Voltaram para a cidade. Na semana seguinte eles estavam de volta. Não eram seniores desistentes. Começou? Tem de terminar. À tarde, sonolenta Jairo (fingindo) foi deitar na sombra da seringueira. E foi então que avistou o famigerado ladrão de comida. Desta vez ele não ia escapar. Atrás do bosque ele veio de mansinho, cabeça baixa, levantando e abaixando como se estivesse cansado. Nada mais nada menos que um Macaquinho carvoeiro. Um pobre coitado, magro pelagem caindo e um olhar triste, pois só andava de cabeça baixa.

                            Não caminhava em linha reta. Parecia não ver o caminho ou como se estivesse com sono. Entrou na intendência e Jairo atrás. Pegou-o pelo rabo. Guinchou alto. Um berreiro tremendo, tentou correr e se soltou da sua mão. Correu a esmo e bateu a cabeça em uma árvore na entrada do bosque. Porque não subiu em uma árvore? Jairo pensou. Ele ficou grogue. Levou-o no colo até ao acampamento. Gentil chegou e deu belas risadas do ladrão de comida. – Melhor soltá-lo, veja – disse – está sozinho e seu bando? Realmente ele estava só. Nessa hora acordou. Levantou e viram em seus olhos manchados de vermelho que ele não olhava para ninguém. Só para os lados se virando sem parar. – Cego! Isto mesmo. O macaquinho era cego. Abandonado pelos seus. No bando se não podia se virar não podia ficar.

                            Resolveram ajudar. O levaram para casa. Foi sem reclamar. Dócil muito dócil. Havia uma seringueira enorme no quintal da casa de Jairo. Ele adorou. Todos os dias Jairo dava para ele um pouco de arroz e feijão cozidos, bananas e laranjas. Ele adorava. No sábado na reunião comunicaram ao Chefe Darli quem era o ladrão. Ele sorriu – Olhe Jairo, eu sabia que o Marlon não tinha roubado comida. Isto não. Mas ele foi negligente. Isto um dia poderia prejudicar muitas pessoas. Melhor ele aprender agora a ser responsável com suas obrigações. Jairo e Gentil concordaram com o Chefe. Levaram Quinzinho (novo nome que Jairo e o Gentil colocaram nele) o macaquinho para a sede. Os seniores construíram um ninho de águia para ele em duas mangueiras que existiam lá. Paradoxo, um macaco em um ninho de águia. Todos se revezaram levando comida para ele. Precisavam o ver nas reuniões, pulava, guinchava, gruía e fazia mil piruetas. Mesmo cego sabia que tinha amigos protetores. O seu bando o deixou e o bando dos escoteiros o adotou.

                        Aprendeu de tudo. Ensinaram-no a fazer a saudação. Vinham pessoas da cidade só para o ver fazendo a saudação, marchar, pular nos gritos de Patrulha. Ele conquistou um amigo, o maior amigo que já teve. Nada mais nada menos que Marlon. Sei que no Grupo Escoteiro ele ficou até morrer quinze anos depois. Nunca voltou a enxergar, mas agora sabia que seriam seus amigos. Estava em casa. Vivia feliz. Tinha uma nova família. Jairo ficou pouco tempo no Grupo Escoteiro. Seu pai doente foi para a capital e ele fui também. Mas sempre recebia uma carta, um telegrama falando de Quinzinho. Na capital ficou sabendo que ele não perdia um acampamento ou atividade extra sede. Ele acreditava que agora todos que o conheceram nunca o esqueceram. Jairo acreditava que Quinzinho ficou gravado no coração de todos os escoteiros que o conheceram.


                       Ops! Ultima notícia. Marlon juntou dinheiro, muito na época e comprou uma macaquinha fêmea que dizem jurou fidelidade para sempre a Juquinha. Que os digam o Prince, Caledônio, Naninha e a própria esposa Juquita, quatro macacos carvoeiros que pelas noticias que Jairo recebe estão morando na sede até hoje!     

sexta-feira, 26 de junho de 2015

A Árvore das folhas mortas.


Lendas Escoteiras.
A Árvore das folhas mortas.

                          Eu tinha cinco anos quando meu pai olhando nos meus olhos me contou a história da nossa árvore que ele plantou quando eu nasci. Era um Jequitibá e em cinco anos se tornou uma linda árvore. Enorme, folhada, com quatro galhos espalhados para cada ponto cardeal. – Meu filho, nunca lhe contei porque plantei este Jequitibá, é conto antigo, dos tempos do quilombo dos Palmares. Meu avô ouviu esta história de seu pai que a recontou para todos seus filhos daí em diante. Dizem que havia nesse tempo, um Velho Escravo que andava pelas praias a apanhar destroços dos navios. Recolhia e os enterravam longe das praias. Um destes destroços ganhou raízes e reviveu em árvore. Era um Jequitibá. Quando ela cresceu ele disse para seu Pajé: - Eu sou essa árvore, venho dos destroços de outro mundo. Aqui é meu chão minhas raízes nasceram aqui. Não entendi bem a história e só mais tarde fui entender o porquê meu pai plantou o Jequitibá quando nasci.

                            Meu pai era para mim um sábio. Descendente de um escravo do Quilombo dos Palmares, ele se orgulhava de sua raça. Todos nós, eu ele e minha mãe éramos negros. Ele um Professor escolar que se orgulhava de sua missão e profissão. Minha mãe uma costureira, simples sem afetação. Meu pai todas as tardes de sol nos convidava a sentar a sombra do Jequitibá. Ali nós três ficamos em silêncio até que ele começasse a contar uma história de seus antepassados. Eu adorava meu pai e minha mãe. Ele fez com as próprias mãos dois bancos em baixo do Jequitibá. – Um era para ver o nascer do sol e o outro o por do sol. Um dia disse que cada galho da árvore representava um de nós. – Pai! São quatro galhos e nós somos três! – Pois é meu filho, breve você terá mais um irmão! Sorri, meu coração bateu. Sentia-me só, muito só e ter um irmão era um sonho que nunca tive.

                           Joselito nasceu dois anos depois quando eu fiz sete anos. Fiquei dias ali na porta do hospital esperando conhecê-lo, pois meninos não podiam entrar. Em casa foi uma alegria imensa. Não sai de perto de seu berço. Eu na minha inocência de criança contava para ele às histórias que meu pai me contava. Minha mãe sorria e nada dizia. Quando as tardes meu pai nos convidava para assentar ao pé do Jequitibá, eu fazia questão de ter Joselito no meu colo. Ele era pequeno, magro, e meus pais estavam muito preocupados. Dois anos depois os médicos disseram que ele tinha uma doença muito grave no coração. Não iria viver por muito tempo. Eu queria chorar, mas meu pai não deixou. – Filho, deixe para chorar quando ele se for, agora é momento de alegria. Façamos tudo para tornar sua vida um sonho possivel e não impossível. Mesmo com nove anos eu entendi meu pai.

                            Quando Joselito fez onze anos, me chamou para sentar ao pé do Jequitibá e com os olhos rasos d’água me disse que queria ser Escoteiro. Tentei pensar como iria lhe dizer que não era possivel. Ele não podia correr, não podia fazer coisas que eles faziam. Mas não disse nada. – Olhei dentro dos seus olhos e disse: - Você vai ser um! Eu e meu pai o levamos até o grupo. Eu pensei em explicar a todos sua vontade de viver, de ser mais um, de sua doença incurável, mas sabíamos que não podíamos. Ele tinha de aprender por si mesmo nem que isto fosse seus últimos dias aqui na terra. O Chefe Norman não foi a favor. Achou que ele não podia se preocupar com um só. Meu pai o olhou e disse que ele nunca teria nenhuma responsabilidade. Ele assumiria tudo que acontecesse a ele nas atividades Escoteiras. Na patrulha Cuco Montanha o Monitor fazia cara feia para seus comandados. Não era um bom Monitor. Mas Joselito com sua bondade estampada nos olhos não se amedrontou.

                              Naquela domingo, a família sentada ao pé do Jequitibá, Joselito disse que ia acampar. Minha mãe levou um susto. Achou que ele não ia aguentar. Eu também me preocupei, mas não dissemos nada. Não existiu nada mais belo para Joselito que os preparativos, a saída o acampamento e o retorno. Quem o visse chegando iria pensar que agora ele estava bom, não tinha mais nada. Nunca iria morrer como os médicos disseram. Todos nós notávamos como a Tropa Escoteira mudou. A alegria de Montanha na patrulha diferia totalmente do passado. O Chefe Norman agora aprendeu a sorrir. Pareciam uma grande família onde todos zelavam por todos. Três anos depois seria a passagem de Joselito para os seniores. Sua rota estava programada. Eu não entedia porque ele agora não sorria mais. Quando as tardes sentávamos ao pé do Jequitibá meu pai e minha mãe contavam histórias, e eu nem prestava atenção neles. Meus olhos se voltavam para Joselito. Sem saber como eu sabia que sua hora estava chegando.

                                 Joselito morreu dois meses depois. Morreu sentado ao pé do Jequitibá, sozinho antes do meio dia. Ele não foi à escola naquele dia, queria morrer onde viveu. Nunca vi tanto sentimentos tantas saudades, tantos sonhos que não foram realizados. Quando ele em seu esquife desceu naquela tumba fria, um vento frio sacolejou por todo o campo sagrado. Escoteiros se assustaram, seus colegas de classe correram. Uma chusma de folhas verdes bailavam no ar. Eu fiquei por muito tempo ali em sua tumba querendo chorar e não podia. Meu pai veio me buscar. Ao chegar em casa vi que um galho do Jequitibá tinha perdido todas suas folhas. Era o galho de Joselito, ele se fora e as folhas foram com ele. Um ano depois minha mãe morreu de desgosto. Ela mesma me disse que não podia suportar a falta que Joselito lhe fazia. Ao voltar do campo santo notamos eu e meu pai que um outro galho do Jequitibá também perdeu suas folhas. 

                                 Sentar ao pé do Jequitibá não era como antes, mas eu e meu pai fazíamos questão de estar ali. Nunca contamos um para o outro nossos sentimentos, nossas dores nossos amores que se foram. A perda nos machucou enormemente. O Jequitibá ainda tinha folhas, do galho do meu pai e do meu. Aos setenta e cinco meu pai se foi. Eu era homem feito. Trabalhava no hospital da cidade como administrador, função que me formara a muitos e muitos anos. De novo mais um galho do Jequitibá perdeu suas folhas. Ficou só o meu galho. Eu todas as tardes que estava em casa olhava para ele e dizia: - Jequitibá meu amigo, quando vai chegar a minha vez? Nunca abandonei meu lar. Não casei. Não queria passar minhas tristezas para uma segunda pessoa. Não queria ter filhos e perdê-los como perdi Joselino. Uma tarde sentado ao é do Jequitibá fechei os olhos. Não sabia se era sonho ou se era uma ilusão. Na minha frente um lindo jardim com flores lindas, correndo entre as samambaias, vi um enorme Jequitibá florido, lá em um banco, meu pai minha mãe e Joselito me acenavam.


                                Dona Maria Bonita nossa vizinha me viu sentando no banco. Notou que eu não mexia com o corpo. Chamou a ambulância. Eu estava morto. No alto meu galho do Jequitibá deixou a ultima folha verde cair e ser levada por uma brisa daquela tarde faceira, onde encontros e desencontros se revelariam em uma enorme estrela brilhante no céu! 

quinta-feira, 25 de junho de 2015

O melhor Chefe Escoteiro do mundo.


Conversa ao pé do fogo.
O melhor Chefe Escoteiro do mundo.

                              Chefe! Oh Chefe! Galo não tem dente! Eu falava e morria de rir. – Aquele tinha e olhe uma dentadura de fazer inveja. Dentes enormes. Eu ria todos nós riamos. Alí na beira do Riacho Grande nos encantávamos com as historias do Chefe Joe. Na cidade o chamavam de Comandante. Todos o respeitavam muito. Meu pai disse que ele foi piloto da F.E.B (Força Expedicionária Brasileira) e pilotava um P.51 – Mustang. Meu pai dizia que ele tinha muitas histórias para contar das esquadrilhas e ele ria quando diziam para ele – “Senta a Pua”. Ele sabia que isso significava que o piloto tinha coragem e que na hora da disputa aceleravam o avião o mais rápido possível. Tudo mudou depois que ele chegou. A tropa pequena, muitos escoteiros saindo, o nosso Chefe de grupo não sabia o que fazer. Chefe Nelson não quis mais ficar e não tínhamos ninguém. Nem sei como convidaram o Chefe Joe. Ele já estava entrando nos seus cinquenta anos. Loiro, alto e magro, cara lisa sem bigodes, cabelos embranquecendo, andava meio curvado apesar de ainda ser bastante esperto.

                                Naquela noite de verão a nossa Patrulha de Monitores estava acampada ha dois dias as margens do Riacho Grande. Cada dia mais nos divertíamos. O Chefe Joe tinha tudo para nos atrair. Ele era demais. Isto não existia antes. No grupo o Doutor Mamede o Chefe do Grupo estava preocupado. O Chefe Joe deu férias para todos os escoteiros, ou melhor seis deles pois ficou com oito. Dizia que sem bons Monitores e subs não podia haver uma tropa escoteira. – Em três meses chamo todos eles, prometeu! Eu estava lá, não era Monitor nem sub, mas fui escolhido. Adorava o Chefe Joe. Chegava a sonhar com ele. Mudou tudo na tropa. Pouco ficávamos na sede. Era excursão, jornadas, bivaques e acampamentos. Cada um mais gostoso que o outro. Aprendemos com ele cada técnica mateira que nunca sonhávamos. A arte do uso do cipó foi por nós absorvida a ponto de abandonarmos inteiramente o sisal.

                               Passava das dez da noite. Uma brisa gostosa e uma pequena fogueira fora acesa. Um céu estrelado, cometas cruzando o espaço. Mas nossos olhos estavam fixos no Chefe Joe. – Continuando ele disse - Ventania tinha dentes, tinha mesmo. Podem acreditar. Ele me olhou e eu olhei para ele. Precisava dos ovos e ele era o dono do galinheiro. Ficamos encarando um ao outro. Caminhei até o primeiro ninho e ele me deu uma mordida na perna e uma esporada no braço com sua perna direita. Sua espora era enorme – Olhei para ele e disse - Quer briga? Vais ver com quem está se metendo! Sou um Comandante! Estive na guerra! Um galinho de nada me desafiando? Levantei os dois braços, preparei para lhe um soco e ele de novo me deu outra esporada. A galinhada no galinheiro fazia uma anarquia danada. Galo maldito! Josenilton devia saber aonde ia me meter. Ele era o dono do galinheiro. Comprei duas dúzias de ovos e ele disse estar com pressa – Vá lá ao galinheiro. Tem muitos ovos. É só pegar.

                              A Patrulha rolava de rir. Precisavam ver como o Chefe Joe contava a história. Sempre fora assim. Durante o dia em um jogo ele fantasiava de tal maneira que a gente se achava mocinho, polícia, soldado, índio, ou seja lá o que for. Nossos acampamentos eram demais. Ele para nos adestrar a cada atividade trocava o sub. Monitor, dizia que ele era o Monitor dos Monitores. O sub precisava aprender a liderar. Quando foi minha vez tremi. Um medo enorme. Mas achei que me dei bem. Nas Conversas ao Pé do Fogo ele balançava a cabeça ficava em pé como se estivesse bêbado e dizia: - Tenho que liderar, tenho que liderar. Meu corpo depende de mim! Em pé! Firme! Então ele ficava ereto e andava em linha reta indo e voltando. – A gente não entendia mas aos poucos seus exemplos e explanações nos  fizeram aprender a liderar com amor, com respeito e um belo dia ele disse:

                          - O Dia chegou. Vocês estão preparados. Mandei chamar os meninos que dei licença. Não voltarão todos, mas acreditem em pouco tempo as patrulhas estarão completas. Agora se vocês fizerem com eles o que fiz com vocês teremos em breve quatro patrulhas das melhores que existem. Dito e feito. Agora era outra reunião, outra motivação. Claro que não era só nós os responsáveis. Afinal o Chefe Joe era único. Ele sabia como dirigir a tropa. Só que ele dizia que não dirigia, nós os Monitores sim. Ele acompanhava e orientava. – Mas Chefe! E o Senhor, conseguiu ou não os ovos no Galinheiro do Josenilton? – Ele ria, seu sorriso era contagiante. – Achei melhor deixar os ovos lá. Se o Ventania defendia com tanto vigor seu lar não seria eu quem iria obrigá-lo a fazer o que não queria. Quando sai do galinheiro, ele se reuniu com outros galos, chamou as galinhas e deram uma tremenda vaia em mim! Kkkkkkk!

                - Isto é mesmo verdade Chefe? – Claro ele dizia, quando voltei no galinheiro outro dia com o Josenildo ele se posicionou para briga. Eu não entrei. Não ia de novo brigar por uns ovos. Josenildo me trouxe três dúzias e um pintinho. – Como recordação Comandante. Se tiver um lugar pode criar sem susto. É filho do Ventania. E não é que era verdade? Com dois meses os dentes começaram a nascer.  Vendaval mora comigo até hoje. É meu amigo, meu companheiro e toma conta de minha casa como ninguém! – Pensei em pedir a ele para conhecer o galinho Vendaval, mas achei melhor que não. Ele ia se sentir insultado pela dúvida. Durante cinco meses a tropa cresceu, já estávamos com quatro patrulhas completa. Ninguém faltava.

                  Uma tarde de verão Chefe Joe chegou à sede. Abriu o porta mala do seu carro, fez uma saudação Escoteira. Ninguém entendia, saltou de lá um galinho. Cheio de dentes. Era o Vendaval. Tal pai tal filho. Ninguém podia se aproximar. Mas nós rimos a valer. O livro de Atas da Corte e de todas as patrulhas ficou cheio com os relatos dos escribas. – Olhava para o céu. Um cometa passou brilhando deixando um rastro de pedras preciosas. Estávamos todos em silêncio. Até o Chefe Joe agora estava calado. Ele também vidrado no céu brilhante. Pensei comigo se ele voltava ao passado, pilotando seu Mustang nas lutas infernais que participou no céu. Ele falava baixinho: - O Laranja dos foguetes zumbindo no ar, a cor purpura explodindo em um céu que iluminava e a gente tentando escapar com seu paraquedas. Seu avião uma bola e fogo a cair em meio da metralha da noite.

                         Lembro que em uma noite, estamos todos na porta de sua barraca, Ele prazerosamente fez para nós, bancos baixos e nunca ficávamos sem um café na brasa um biscoito uma bala de hortelã. Nesta noite ele olhava para o céu estrelado e nos disse pensativo, voz baixa, olhos fixos no céu: – Sabem, quando precisarem compreender melhor uma situação, um problema, é preciso ver as coisas com certo distanciamento. Se tiverem aborrecimento, injustiças, desgostos, sonhem que estão em um Mustang, subam com seu avião às alturas e olhem lá embaixo as pessoas. Tão minúsculas. Pequeninas e nós somos tão grandes! Porque nos preocuparmos com pequenas coisas? Eu fazia isto e olhe, meu equilíbrio emocional voltava e a raiva desaparecia. Eu nunca tinha visto um Mustang. Eu forjava um na minha mente. Mas era um Teco-Teco o único que conhecia. Mas me sentia um verdadeiro piloto. Ria de mim mesmo ao me chamar de Comandante!


                   Deus sabe e o que faz. Trouxe-nos o melhor Chefe do mundo A Patrulha de Monitores sempre está em ação. Gosto disto. Adoro ser Escoteiro e ter um Chefe como o meu Comandante me faz vibrar e me orgulhar do nosso querido movimento. E quer saber mesmo? Amo de montão o meu Comandante. O meu querido Chefe Joe.

quarta-feira, 24 de junho de 2015

A sombria sepultura do Delegado Paredes.


Lendas escoteiras.
A sombria sepultura do Delegado Paredes.

                         Dizem que em cada cidade do planeta existe uma lenda sobre locais assombrados. Podem ser casas, castelos sombrios ou mesmo cemitérios fantasmagóricos. Dizem ainda que eles são marcados por presença sinistras que os protegem da visita indevidas. Bem, nossa história é bem parecida. Claudinha era guia, já entrara com treze anos para a tropa escoteira. Morava com seu pai, viúvo, que praticamente não parava em casa. Sua Avó Rosalva era quem cuidava dela, mas agora estava com mais de noventa anos e tinha grande dificuldade de se movimentar. Desde pequena Claudinha era diferente das outras meninas. Seu pai tentou tudo e por último a levou a um analista que ficou em duvida do que ela falou em seu consultório. Claudinha dizia que via e falava com os mortos. Ninguém entendia e riam dela. Ficou então calada e não falou com mais ninguém sobre isto. O Doutor Marcondes se assustou. Quando conversava com ela, ela disse que ao seu lado estava sua mãe. Dona Esmeralda pedia que ele olhasse mais a Dircinha, pois ela era sua irmã. Ela não merecia o que estava acontecendo. Incrível! Como ela poderia saber?

                     Nos acampamentos Claudinha tinha medo da noite. Não ousava sair da cozinha e mesmo em jogos noturnos chorava para não participar. Milena a monitora era sua melhor amiga. Sabia o que se passava com ela. Milena e sua família eram espiritualistas, ela sabia que Claudinha tinha mediunidade. Mas o pai dela não aceitava de jeito nenhum. Claudinha gostava de estar nas guias, mas viu que a cada dia ficava muito difícil. Aonde ela ia lá estavam eles, os mortos do além. Alguns até simpáticos, mas outros horrendos. Os suicidas se apresentavam como estavam na hora da morte. Gritando e gemendo de dor. Outros esqueléticos e até crianças chorando. Para muitos um desespero e para Claudinha então? A Chefe Maninha começou a se interessar por ela. Procurou seu pai e quase toda semana ia lá trocar ideias com ele. Chefe Maninha era espiritualista, não uma estudiosa, mas tentava conhecer o mundo alem da vida. Diferente do Chefe Raimundo. Um homem puro, sincero, amigo e evangélico. Todos gostavam dele e o admiravam. Mas ele pensava diferente. É o demônio, dizia!

                    Ultimamente Claudinha acordava a noite, uma ou duas da manhã, e lá estava ele. Um homem grande, moreno, um enorme bigode, cabelos negros ondulados, um colete preto com botões dourados. Um paletó enorme, preto e Claudinha não via mais nada. Ele chegava e pedia para Claudinha ficar calma, ele não ia fazer-lhe mal. – Meu nome nobre Escoteira é Delegado Paredes. Preciso de você para me ajudar, ele dizia. Preciso subir aos céus. Não consigo. Tem dois anos que estou morto. Minha mãe, meu pai todos tentam me levar, mas eu não posso ir. Preciso que me ajude. – Era assim todas as noites. No início ela escondia a cabeça no travesseiro ou saia correndo para o quarto do seu pai. Depois foi se acostumando até que um dia para se ficar livre dele, perguntou: – O que eu posso fazer? Sou apenas uma menina! – Ele respondeu que só ela podia ajudar, ele sabia que ela tinha uma Patrulha. Se fossem juntas ao Cemitério do Agulhão Negro no Bairro Do Sono Profundo e tinha de ser à noite, poderiam entrar em seu Mausoléu e pegar a Medalha de Prata da Legião de Honra. Ela precisava pegar e entregar ao seu filho.

                 Contou seu sonho para Milena. Fizeram uma reunião de Patrulha. Todas estavam eufóricas com a história. Eu topo, eu também. Só Laurinha ficou receosa, mas fazer o que? Tinha de ir, afinal não diziam que era a Patrulha mais unida do Grupo? Bem agora era com Claudinha. Precisava saber como entrar no mausoléu e onde estava seu filho. O delegado Paredes explicou que na porta do mausoléu tinha uma pequena caixinha de flores. No meio da terra encontrariam uma chave embrulhada em papel alumínio. Nadir sua empregada prometeu manter sempre limpo sua morada e deixava a chave lá. Ela tinha de ir à noite, entre meia noite e uma hora. O Jacinto Boa morte o coveiro estaria dormindo e não ia incomodar. Ele ia se incumbir dos mortos que povoavam o cemitério. Eram milhares – Sexta, dia treze de agosto, lá foram elas. Meia noite. Achavam que estavam entrando nos Sete Portais do inferno. Um silêncio sepulcral. Devagar, sem fazer barulho lá vão elas. De mãos dadas, abraçadas, todas se “borrando” de medo, mas como eram escoteiras não desistiam. Chegaram ao Mausoléu. Enorme, negro, uma estatua de um anjo que parecia o demônio rindo para elas em cima dele. Uma bruma seca e com um cheiro horrível começou a se formar. Claudinha retirou a chave, entraram. Uma escuridão tremenda. Risos chorosos, tremedeiras. Algumas querendo correr.

                 Puxam o caixão do Delegado Paredes. Ninguém quis abrir. Milena tomou a frente de olhos fechados abriu. Lá dentro o Delegado agora nada mais que uma caveira de ossos horrenda. Nos dedos uma medalha. Ela pegou. Entregou a Claudinha. Um clarão enorme dentro da sepultura, o delegado apareceu. Obrigado jovens guias. Tenho orgulho de vocês! Meu filho mora na Rua Ipojucan, número cem, ele se chama Paulo Paredes. Diga a ele que enterre esta medalha junto ao Doutor Praxedes, esta medalha é dele. Deram-me a mim, não a mereço. As honras não são minhas e sim dele. Alem de salvar minha vida se arriscou por aquele "Velho" Chefe Escoteiro que estava marcado para morrer no Vale da Redenção. Ninguém falava nada. Todas tremendo. Agora conseguiam ver o Delegado Paredes brilhando no escuro. Ele estava sorrindo, não era a figura fantasmagórica de antes. Saíram dali correndo. Cada uma correu para sua casa. Dormiram com a própria roupa e com o cobertor tampando a cabeça. Algumas tiveram de trocar a roupa. Estavam molhadas (risos).

               Claudinha e Milena foram à Rua Ipojucan. Uma bonita casa. Meninos brincando no jardim. Pediram para falar com o Senhor Paulo. Ele apareceu à porta e se assustou com duas meninas de uniforme escoteiro. Explicaram. Seus olhos se encheram de lágrimas. Prometeu fazer o que o pai lhe pediu. Sábado, reunião no Grupo Escoteiro. Cerimonial de Bandeira. Todos na ferradura. A bandeira subia farfalhando ao vento. A Patrulha de Claudinha ficou petrificada. Não acreditavam no que viam. Encostado ao mastro o Delegado Paredes, um sorriso nos lábios, dava adeus a todas e dizia muito obrigado. Uma luz azulada apareceu, uma linda mulher de branco lhe deu as mãos. Ele chorava, um homenzarrão como aquele e chorando! Ele desapareceu na luz brilhante e nas nuvens brancas do céu.


               Ah! Dizem que histórias são histórias. Mas esta eu não sei. Juraram-me que aconteceu. Falar o que? Verdade ou não que o Delegado Paredes seja muito feliz no outro lado da vida. Um dia será sua vez. Não adianta se esconder. Risos. E Claudinha? Bem, esta é outra história. Quem sabe volto aqui para contar mais uma das suas lindas (?) aventuras com os mortos do além?   

segunda-feira, 22 de junho de 2015

A lenda da Arara azul da Princesa Lorena.


Lendas Escoteiras.
A lenda da Arara azul da Princesa Lorena.

                                 Dizem que Rio da Prata nunca esqueceu aquela tarde onde aconteceu uma revoada de pássaros incríveis sobre a cidade. Milhares deles voando e fazendo acrobacias e com seus chilros e cantos assustando todos os habitantes que se refugiaram em suas casas. Foi realmente fantástico. Houve quem conseguiu tirar fotos e muitos diziam ter gravados os sons que ribombaram como trovões nas nuvens do céu. Havia cinco meses que uma seca infernal não dava trégua à cidade. Seus habitantes viviam de plantações hortifrutigranjeiras e eram grandes exportadores de tomate e várias frutas que só naquela região elas conseguiam reproduzir. Por falta das chuvas todos sentiam o enorme prejuízo, pois poucos dos habitantes não dependiam das plantações. Quase todos os oito mil habitantes do lugar tinham na cooperativa seus meios para sobreviver. Dom Pedrito o pároco fez realizar centenas de romarias e procissões e houve até mesmo os crentes que faziam magia negra em cada esquina da cidade. Não adiantava. A Tropa Escoteira feminina Kalapalo era a que mais sofria. Já faziam três meses que não saiam para atividades fora da sede. Os pais achavam que não deviam, pois uma queimada poderia produzir acidentes que seriam impossíveis de prever os resultados.

                       A Princesa Lorena, apelido carinhoso dado pela sua patrulha tentava entender o porquê não podiam acampar. O programa anual já fora cancelados vários programas de acampamentos e isto para ela fazia enorme falta. Quando a noite ia dormir, ajoelhava ao pé de sua cama e pedia a Deus pelas chuvas de maio, de junho e nada. Elas continuavam a não cair sobre a cidade. Um dia ela soube por um passarinho que pousou em seu ombro que se rezasse pelar chuva por bastante tempo, ela fatalmente iria cair. Se você rezar para que enxurradas se acalmem, elas fatalmente o farão. O mesmo acontece na ausência de preces. Assim A Princesa Lorena todas as noites rezava de joelhos ao pé de sua cama. Ela rezava a oração de um cantor já falecido (Luiz Gonzaga) e dizia: Senhor, eu pedi para o sol se esconder um tiquinho, eu peço pra chover, mas chover de mansinho. Pra ver se nascia uma planta no chão. Oh! Deus, se eu não rezei direito o Senhor me perdoe, Eu acho que a culpa foi desse pobre que nem sabe fazer oração. Meu Deus perdoe eu encher os meus olhos de água e ter-lhe pedido cheinho de mágoa pro sol inclemente se arretirar...

                       A Princesa Lorena acreditava nas suas orações. Ela conversava muito com Kika, uma arara azul que a tropa acolheu em um acampamento na Serra do Pintassilgo. Encontraram-na desfalecida as margens do Riacho Florido. Lorena levou-a para seu campo de patrulha, enrolou-a em um pano maior e viu que a Arara piscou os olhos várias vezes. Durante os três dias de acampamento a Princesa Lorena cuidou da Arara e a chamou de Kika. Foi amor à primeira vista. Quando após o cerimonial de bandeira e o debandar, ela foi conversar com sua Chefe se podia levar Kika para a cidade. – Tudo bem Princesa – disse ela. Mas você vai levar para sua casa? – A princesa Lorena pensou que a Arara não era só sua. Todos cuidaram dela e todos mereciam tomar conta. Conversou com a patrulha. As Escoteiras assumiram a responsabilidade de cada dia uma delas ir até a sede e alimentá-la. Assim foi feito. Kika passou a ser mais uma da tropa Kalapalo. Kika adorava. Aprendeu a gritar Sempre Alerta, aprendeu a gritar Melhor possivel e chamar os lobos para o grande uivo.

                   A Princesa Lorena aprendera com sua Chefe Nádia que se você fala com os animais eles falarão com você e vocês conhecerão um ao outro. Se não falar com eles você não os conhecerá, e o que você não conhece você temerá. E aquilo que tememos, destruímos. A vida de Lorena mudou muito depois de Kika. Ela tinha três amores na vida, sua família, sua Chefe e sua patrulha. Um dia sem ninguém esperar um homem adentrou no pátio da sede Escoteira a procura do Chefe do Grupo. Apresentou a ele um papel onde estava escrito: O IBAMA vai recolher a Arara por não ter registro de um criador autorizado. Foi um susto enorme. Tentaram explicar que a Kika foi achada quase morta. Não adiantou. Ninguém acreditava no que estava vendo. A Princesa chorava a mais não poder. Os lobos as Escoteiras e os Escoteiros fizeram um circulo em volta de Kika. - Não vamos deixara gritaram. Os seniores e os pioneiros ameaçaram o Fiscal do IBAMA. A Chefe Nádia acalmou todos. Kika foi levada em um carro e desapareceu na esquina da Rua Mercedes.

                Foi então que a seca tomou conta do sertão. A cidade de Rio da Prata sofria com a falta de chuva. Um mês se passou desde que levaram Kika. Havia uma revolta no ar e foi então que uma revoada de pássaros apareceu sobre a cidade. Não era milhares eram milhões ou mais. O céu ficou escuro. Foi Gualberto da Patrulha Onça Parda quem disse que eles atacavam onde Kika e outros pássaros estavam presos. Arrebentaram tudo. Gaviões enormes, Araras gigantescas, Águias formosas, urubus-reis eram tantos que nem dava para imaginar porque faziam aquilo. Trovões ribombaram no céu. A chuva chegou forte e não deu trégua. O que restava do Centro de Triagem dos animais foi destruído pela enchente do Rio da Prata. Os pássaros presos desapareceram com a revoada dos pássaros. Duas horas depois o céu clareou apesar da chuva fina e intermitente. A patrulha Javali da Princesa Lorena fez uma busca onde Kika vivia prisioneira. Não encontram nenhum pássaro.

                Dois meses  depois, mesmo sabendo que Kika agora vivia solta e junto a outros pássaros como ela, a tropa ainda se mantinha tristonha. Quando o Chefe pediu a Patrulha de serviço para hastear a bandeira ouviram uma voz estridente  - “A bandeira, em saudação!”. Olharam para o alto do mastro e lá estava nada mais nada menos que Kika. Uma algazarra geral. Palmas gritos e então notaram que ao lado da Arara Azul estava um lindo Papagaio Verde e Amarelo. Foi ele quem gritou – “Sempre Alerta”! Escoteirada. Foi à conta, o festival de vivas, sorrisos, bem vindos partiam de todas as sessões presentes naquele grupo. Não demorou muito os pais souberam do retorno de Kika e seu namorado. A sede ficou cheia de gente. Kika desceu até o ombro da Princesa Lorena – Bicou-a de leve em seu nariz. Mexendo com a cabeça Kika falou – Adeus Escoteira, diga adeus a todos. Estou partindo para a Floresta Encantada onde moram os pássaros amigos. Não chore com minha partida, pois irei sempre vir aqui visitar você e esta turma maravilhosa. Logo Kika e o Papagaio Verde e Amarelo subiram aos céus e em um mergulho enorme sobrevoaram a sede do grupo e sumiram com o sol que estava se ponto na Montanha do Quati.


               A lenda conta que todos os anos uma revoada de pássaros se faz presente em Lagoa da Prata. Dizem ainda que se tornou um atrativo turístico. Dizem que agora nesta data os Escoteiros e lobos de outras cidades sempre estão lá acampando e quando a revoada termina milhares de Araras Vermelhas, Verdes e Azuis acorrem nos acampamentos gritando alto para todos os acampadores. – Rataplã do Arrebol! Sempre Alerta! Prometo pela minha honra e muitas outras palavras. Todos sabem que foi Kika quem ensinou. Ela sempre não se esquece da Princesa Lorena, pousada em seu ombro, bica seu nariz e parte voando com seus amigos para o céu azul profundo. Quando conto esta história me lembro de que aprendi com um Velho índio que dizia – Conheça a si próprio. Saiba que ninguém faz seu caminho por você e à estrada é sua somente. Acredite que seus amigos andam ao seu lado, mas ninguém anda por você!

domingo, 21 de junho de 2015

Só o vento sabe a resposta


Lendas Escoteiras.
Só o vento sabe a resposta

                  Esta é uma historia simples e este nome foi dado porque as respostas que procuramos nem sempre a encontramos. Dizem os poetas que tudo tem uma razão de ser e muito embora quando procuramos respostas, elas são dadas conforme nosso merecimento. Dentre todas que escrevi quem sabe por que foi quase real e meu sentimento pelo que aconteceu me marcou demais. Foi na década de sessenta. Era o Diretor Técnico de um Grupo Escoteiro por estes interiores do Brasil. Uma menina de uns doze a treze anos adentrou-se no pátio de reuniões e ficou sentada observando a movimentação das tropas escoteiras. Ainda não havia a coeducação. Esta só foi iniciada na metade da década de oitenta. Durante algumas reuniões notei que ela vibrava com cada atividade feita pelos escoteiros. Achei interessante, pois nesta época ainda não era permitido à coeducação e as meninas tinham de se contentar em ser bandeirantes. Não me preocupei. Ela não atrapalhava e além do mais seu sorriso era contagiante e uma simpatia enorme para sua idade. Poderia dizer que ela dava um certo brilho nas reuniões dos sábados.

              Um dia, em dado momento me procurou. Chefe como faço para entrar nos escoteiros? Um olhar profundo, uma vontade de ser e não poder ser. Expliquei a ela pausadamente. Disse que só como bandeirante. - Mas aqui não tem? Só balancei a cabeça negativamente. Não, respondi. Seus olhos se encheram de lágrimas. Tentei consolar, mas ela me olhou e saiu correndo. Deveria ter dito a ela que só como chefes de Alcatéia eram permitidos a entrada de moças. Mas não disse, afinal não devia ter mais de doze ou treze anos. Muitas vezes a gente devia dizer e explicar para não se arrepender depois.  Nunca mais voltou a sede. Passaram-se alguns anos, acho que uns cinco anos se não me falha a memória. Eu mesmo nem mesmo lembrava mais do fato.

                Uma tarde, conversava com um pai de um Escoteiro e um Chefe sênior vi uma mocinha adentrando a sede. Pediu para falar comigo e prontamente a atendi. Chefe agora eu tenho dezessete anos. Vou fazer dezoito daqui a três meses. Agora posso entrar? Não me lembrava dela. Não me lembrava de que um dia queria ser Escoteira e não foi aceita. Educadamente perguntei a ela quando conversamos sobre o tema. - Não lembras quando estive aqui há cinco anos? O senhor me disse que só poderia ser bandeirante. Em nossa cidade não tem. Esperei com calma e sonhando a cada dia em ser Escoteira. Contava os dias, as noites, os meses e os anos. Esperando sempre este dia que vai ser o mais lindo de minha vida, um sonho realizado. Agora sou quase de maior, posso ou não ser escoteira?

                Claro, eu disse que sim. Nossa Alcatéia tinha 26 lobinhos. Dois chefes masculinos e duas femininas. Tinha que arrumar um lugar para ela. Uma esperança de anos em querer, em poder participar, aguardou com ansiedade por cinco anos e nunca esqueceu seus sonhos. Eu sabia que ela nunca poderia ser recusada. Eu jurei a mim mesmo que seus sonhos seriam realizados. Não foi bem recebida. Uma das chefes me procurou em particular e disse que não poderia aceitá-la na alcatéia. - Por quê? Disse eu. Porque ela mora no “Ferreirinho” e o senhor sabe, lá é um bairro de má fama. Sua mãe só pode ser uma prostituta. Não sei por que ela falou aquilo. Era uma jovem ótima. Nunca deixou de ajudar ninguém. Infelizmente era uma época onde as mulheres que por um motivo ou outro foram parar ali naquele bairro não eram perdoadas facilmente.

                Não esperava aquela atitude. Pensei que não éramos assim. Aquela Chefe sempre foi um orgulho para nós. Não faltava, os lobinhos adoravam seu jeito de ser. Tínhamos um orgulho em dizer que éramos uma fraternidade, uma família cheia de compreensão para com o próximo. Ela me surpreendeu muito mais no final da reunião. Procurou-me e pediu um Conselho de Chefes. Claro que concordei. Isto era democrático e eu sempre apoiei. Naquele dia estávamos em doze chefes presentes. Na reunião explicou o motivo. Ela expos suas razões. Pelo menos sete chefes concordaram com ela.  Explicaram-se. Um deles foi veemente na defesa da Chefe de alcatéia. Olhei para os chefes. Com o coração partido tinha de tomar uma decisão. Mas tenho que considerar os demais pais do grupo. Infelizmente quando souberem tenho certeza que irão retirar seus filhos do grupo.

              E assim após os demais se posicionarem do mesmo jeito, depois de mais de uma hora concordaram em que a jovem não fosse aceita. A maioria aprovou a moção. Eu estava perplexo. Nunca em minha vida participei de uma discussão daquele naipe. Era muito para mim. Um deles sugeriu nova reunião para dar tempo de todos analisarem melhor. Não precisa. Estou entregando meu cargo. Estou envergonhado. Aqui não vi a lei Escoteira. Sei que decidiram pensando no Grupo Escoteiro. Tenho que aceitar a maioria. Melhor que a decisão seja tomada por vocês e me desculpem é muito para mim. Prefiro me retirar. Acho que está na hora de entregar o bastão e vocês escolherem um novo Chefe! Ficarei o tempo necessário para isto. Não entendam como uma forma de pressão, nada disto. Se chegaram em um acordo não há mais o que discutir!

                   Todos se assustaram. Calma falei saber ganhar é uma arte, mas saber perder é se sentir vitorioso. Não se conformaram. Muitos tentaram me convencer a mudar de ideia. Eu não estava sendo democrático. Não quis discutir mais minhas razões. Ali no Grupo Escoteiro onde estava a mais de oito anos onde passei tudo para eles sobre amor ao próximo, perdão, honradez e humildade senti que meu objetivo não foi alcançado. Assim não havia mais lugar para mim. Na semana me procuraram. Desculparam-se por ter agido daquela forma. – O Senhor é e sempre será nosso Chefe. Sem o senhor decidimos que não fica ninguém. Tinha de pensar a respeito. Pela primeira vez não sabia o que fazer. Melhor esperar a jovem chegar e conversar com ela. Seria honesto. Diria o que discutiram. Se ela gostasse mesmo do escotismo como dizia teria que lutar por um lugar ao sol. Diria a ela que eu acreditava que conseguiria. Mas ela é que devia decidir. Meu apoio ela teria sempre.

                     No sábado seguinte fiquei de plantão o tempo todo na sede. A mocinha que pediu para entrar não apareceu. No outro também não. Fiquei preocupado. Será que ele ficou sabendo do que aconteceu e desistiu? Não tinha seu endereço. Não tinha feito por escrito sua inscrição. Não sabia como achá-la. Sentia-me culpado.                  Dois meses depois ao sair de um supermercado, avistei uma mocinha que achei parecidíssima com ela. Não deixaria para depois. Chamei-a. Ela parou e ficou com os olhos fixos em mim esperando que me explicasse. Perguntei a ela porque não foi na reunião no sábado seguinte. Contei para ele todo o acontecido. Ela com lágrimas nos olhos disse que não era ela e sim sua irmã mais nova. Ela se chamava Larissa. Desde que nasceu sonhava em ser Escoteira. A cada dia que crescia dizia para todo mundo – Vou ser Escoteira! Já sei as leis e farei uma linda promessa!

                Chefe, ela sonhou todos estes anos em ser uma Escoteira. Só falava nisso o tempo todo. Nunca desistiu ou desanimou. Esperou ter a idade e procurar vocês. Contava os dias e as noites. Não imagina sua alegria quando já tinha idade para entrar. Todos nós sua família sentíamos as vibração que ela transmitia. Ao acordar pela manhã todos nós lhe demos um abraço e parabenizamos pela sua força de ideal. Ela sorria e sempre dizendo: – Agora vou ser uma escoteira. Era seu sonho. Não dizem que se acreditamos em nossos sonhos eles se realizam? A espera por mais de seis anos terminaram. O dia foi pouco para sua espera. O Senhor não imagina sua alegria. Após o almoço agradeceu a Deus por tudo que ele havia dado a ela. Mesmo todos nos rindo dela e dizendo – Calma Larissa, calma. Você ainda vai ter muitos e muitos anos como este dia, onde irá ter com seus amigos escoteiros. Na porta sorriu e disse, até mais mamãe, até mais papai e me mandou beijos. Saiu correndo, não olhou para os lados. Foi atropelada por um ônibus. Levada ao hospital faleceu horas depois.


                  Fiquei pensando em tudo. Nosso destino, nossos sonhos. Perdidos em minutos. Em segundos. Por quê? Sem retorno. Acho que só o vento sabe a resposta!

sábado, 20 de junho de 2015

A felicidade não se compra.


Lendas Escoteiras
A felicidade não se compra.

                          Gino era um jovem humilde. Seu pai carpinteiro infelizmente tinha o hábito de beber. Passava semanas sem ingerir bebidas, mas quando bebia costumava ficar pelas calçadas jogado como um cão sem dono. Sua mãe ao contrário fazia questão de ensinar a Gino ser bom e ser honesto. Ele não tinha nada de extraordinário e nunca pensou o pior para seu pai. Sentia-se feliz com a vida que tinha. Gino era escoteiro da patrulha Corvo. Bom escoteiro por sinal e fazia questão de fazer suas boas ações diariamente. Na sua patrulha era amado por todos e bem considerado. Gino adorava ser escoteiro. Não era fácil. Sua família muito pobre. O Grupo Escoteiro não cobrava dele a mensalidade e as taxas extras das atividades ao ar livre. Mesmo trabalhando de sol a sol o pai de Gino não ganhava muito. Ultimamente começou um velho hábito de chegar em casa e ia para o quarto. Isso entristecia muito a Gino. Eles quase não conversavam mais.

                        Gino evitava contar que seu pai bebia. Isto o entristecia muito. Um dia ele apareceu durante a ortoga de um Lis de Ouro a um monitor da patrulha Cão. Achou que era Gino quem iria receber. Estava bêbado, quase caindo e Gino não sabia onde se esconder. Seu pai não deu vexame, mas o Chefe da Tropa notou e olhou de maneira embaraçosa para Gino. Naquele dia Gino quase morreu de vergonha. Foi o Chefe quem falou sobre o ARP da região. Quem vai? Perguntou! A taxa era alta. Gino sabia que nunca poderia ir. Não podia pagar. Gino tinha uma vantagem, sorria quando via seus amigos partindo e chegando. Ele aprendeu que a felicidade é ver os outros felizes. E ele? Não tinha este direito? Tristeza na alma e sorriso nos lábios quando eles contavam maravilhas do acampamento. Tudo estava mudando nele. Agora só tristeza por ser pobre. Sempre via uma lágrima caindo e mesmo tentando evitar não conseguia. Tudo que lá aconteceu e os amigos contavam Gino ouvia calado. Ah! Pensava. Meu dia chegará. Ele sonhava com isto. Gino era excelente nas técnicas Escoteiras e todos seus amigos o admiravam. Seu Monitor prometeu que ia fazer dele um Lis de Ouro. No entanto ele tinha outro sonho. Participar de um Jamboree.

                     Soube de  um que estava programado para daí a dois anos. Pensou se poderia ir. Um Jamboree Nacional? Incrível! Uma apoteose! O Máximo que ele podia pensar. Milhares de escoteiros e escoteiras. Ele jurou a si próprio que não iria perder essa. Tinha tempo. Iria realizar seu sonho. Afinal ele era um escoteiro e tinha esse direito. Falou com seu pai, sua mãe e eles balançaram a cabeça. Não disseram nada, sabiam de suas condições financeiras. Gino tinha um plano. Ele ia conseguir. Começou a economizar. Tinha já em seu pequeno cofre mais de trinta reais. Precisaria pelos seus cálculos de uns mil reais. Ele não achava impossível conseguir. Lutou com unhas e dentes, dia a dia para juntar um dinheiro lavando carros, limpando quintais e fazendo tudo que os vizinhos pediam. O tempo passou. Faltavam seis meses para a partida ao Jamboree. Gino já economizara mais de setecentos reais. Dava para a taxa, agora era juntar para a viagem e alimentação. A patrulha batia palmas ao saber que ele ia desta vez.

                     Gino olhava seu uniforme. Antigo. Muitas lavadas algumas partes desbotando. Não dava para fazer outro. Ia com ele mesmo. Tinha tudo. Economizara desde que entrou para a tropa. Seu chapéu de abas largas, sua faca, sua bússola e seu cantil. Ele iria se apresentar garboso, não ia envergonhar ninguém. Na semana seguinte, o chefe iria recolher a taxa de cada um para fazer a inscrição. Quando acabou a reunião, Gino foi com alguns amigos ate a quadra onde dois times de basquete estavam disputando um campeonato. Viu seu pai chegando. Assustou. Outra vez pensou? Já havia meses que ele não bebia. Tinha prometido parar. Mas não era o que pensava, não estava bêbado. Seu pai o procurava. Sua mãe estava muito mal no pronto socorro. O médico tinha dado uma receita enorme. Na farmácia do posto de saúde não tinha nada. Sabia do sacrifício que ele tinha feito para conseguir a quantia da viagem. Só Gino poderia salvar sua mãe. O mundo de Gino caiu sobre ele. Ele amava sua mãe. Não iria negar nunca. Foi com o pai e deu toda sua economia. Oitocentos reais. Seu sonho acabou. Jamboree, adeus! Gino não chorou, mas por dentro sentia que não merecia viver. Sonho? Ele sabia também que sua mãe valia muito mais que um sonho.

     Durante cinco dias sua mãe ficou entre a vida e a morte. Um dia ela sorriu. Melhorou e voltou para casa. O sorriso de sua mãe foi um balsamo para a tristeza dele. Tentava esquecer o Jamboree. Tinha de esquecer. Agora era esperar eles voltarem e contarem como foi. No sábado, a reunião foi interrompida para que o Diretor Técnico explicasse tudo sobre o jamboree e receber a taxa de cada um. Gino ficou calado quando o chamaram. O chefe insistiu. Chefe eu não vou mais! Ele disse. Por quê? Não juntou o dinheiro? Chefe prefiro não dizer. Chorou por dentro quando não disse a verdade. Sua garganta estava engasgada. Não saía voz.

      Gino foi para casa pensando como a vida era ingrata. Claro, aceitava. Afinal entre a vida de sua mãe e o Jamboree ele ficava com sua mãe. Mas estava amargurado. Queria chorar e não podia. Não ia resolver nada. Sonhou tanto com esse Jamboree e o sonho morreu. Chegou a casa e tentou sorrir para sua mãe e seu pai. Um sorriso amargo. Tentou fingir, não deu. Foi para seu quarto e chorou. Chorou muito. As lágrimas não paravam de cair. Sua mãe desconfiou e foi até lá. O abraçou e chorou com ele. O dia amanheceu. Um lindo sol no horizonte. Os pássaros cantavam nas árvores próximas. Uma brisa gostosa refrescava aquela manhã. Era sábado. Dia em que todos iriam partir para o Jamboree. Gino ficou na janela. Tentando ver o ônibus passar. Estava taciturno, calado, mudo. Não chorava mais. Não adiantava. Deus dizia dai-me força. Vai ser difícil sair dessa fossa! Gino foi para o quintal. Tinha uma mangueira frondosa onde ele ficava. Dormiu encostado ao seu tronco.

                             Sonhou com anjos e um Velho de barbas brancas a dizer que iria conseguir. Acordou assustado. O ônibus buzinou na frente de sua casa. Ele viu seu Chefe seu pai e sua mãe sorrindo. Vá se preparar meu filho, você vai para o Jamboree! Falou sua mãe. Foi demais. Ele não estava acreditando. O chefe da tropa contou que todos se cotizaram.  Souberam do seu ato de grandeza. Um escoteiro assim não ia ficar para trás. Gino deu um salto. Gritou alto. Viva! Ainda tenho sonhos e eles estão sendo realizados. Em segundos ele arrumou sua mochila vestiu seu uniforme com orgulho. Descrever a alegria de Gino no Jamboree é difícil de imaginar. Ele viu meninos e meninas com vários tipos de uniforme. Cumprimentava a todos -  Eu? Sou de Mira Flores e você? E assim ia. Canadá, Estados Unidos, México, Inglaterra, muitos países. Gino nunca soube quantos. Quando do último dia, os olhos de Gino encheram-se de lagrimas. Desta vez de alegria. Uma grande cadeia da fraternidade. Cantada em vários idiomas.


     O ônibus, a chegada, a mãe e o pai esperando. Gino gritando – Mãe! Consegui! Mãe eu fui ao Jamboree! Mãe, oh mãe, me abrace, sou o menino mais feliz do mundo! Seus pais choravam de alegria. É. Gino conseguiu. Ficou marcado para sempre em sua vida. Não importava agora se podia ir ou não em outros. Seu sonho foi realizado. Ele pensava e dizia em voz alta – Eu não fiquei olhando a montanha. Eu a escalei. Vi o outro lado. Gino sabia. A chave da felicidade é sonhar. A chave do sucesso é fazer dos sonhos a realidade. O mais importante na vida não é o triunfo, mas a luta para alcançar.

Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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