quarta-feira, 18 de março de 2015

Velhos Escoteiros não contam histórias...



Lendas Escoteiras.
Velhos Escoteiros não contam histórias...

                      A tarde ia chegando devagar. Ainda havia sol e eu gostava de ficar ali em minha varanda imaginando o nascer e o por do sol. Eu sabia que a vista não tinha montanhas não tinha arvores e em alguns casos nem mesmo o céu azul eu podia ver. Olhava sim um telhado de um sobrado a minha frente e imaginando que ele o sol caminhava para o oeste sabendo que no dia seguinte ele aparecia no leste. Um automóvel parou na minha porta. Quem poderia ser? Não eram meus filhos, eles que de vez em quando apareciam. Desceu a figura que menos esperava em minha casa. Nada mais nada menos que o Chefe Jack Sparrow, ou melhor, o Comissário Plutarco. Quem não ouviu falar dele? Seu distrito Escoteiro foi famoso. Diziam que ele era a cara do personagem de Johnny Depp no filme que lhe deu fama. Eu já o conhecia a muitos e muitos anos e tinha seus livros que escreveu e agora não escrevia mais. Era mesmo uma figura imponente. Cabelos brancos, seu famoso sorriso que conquistava sem considerar seu caráter ilibado. Como sempre vestido a caráter com seu caqui querido e seu Chapelão. Eu gostava de ver as abas sempre retas parecendo ter saído da fábrica. 

                      Fiquei cismado com sua visita. Claro uma bela visita. – Entre meu amigo, muitas saudades de você. Ele abriu aquele enorme sorriso e me abraçou como sempre fazia. – Perguntou-me: - Vamos conversar aqui na varanda? - Você quem manda meu caro Chefe. Jack estava chegando aos seus oitenta anos. Seis a mais que eu. – Chefe Vado, eu vim aqui especialmente para lhe fazer um convite. Olhei espantado. Ele continuou: – Andei meio afastado do Movimento. Senti saudades e vi que voltar não dava mais. Ando com dificuldade e você sabe, nesta idade sempre temos surpresas que a velhice nos reserva. - Faz parte da vida completei. – Bem vamos logo ao que me trouxe aqui. Há meses organizei em uma rede social, um clube de Antigos Escoteiros. Eram bem vindos quem tinha mais de sessenta e cinco anos. Conversamos, contamos potocas, falamos das tradições e evitamos criticar o presente Escoteiro. São muitas lembranças claro sempre uma pitada de nostalgia. Alguém deu a ideia de fazermos um acampamento que poderia ser anual.  – Olhei espantado para ele. – Não me convidou Chefe Jack? – Não a rede que falamos você não está lá. Entre e será meu convidado de honra.

                        - Em síntese, continuou – Vamos acampar no mês que vem. Seremos quatorze participante. Se você aceitar seremos quinze. – Pensei com meus botões, acampar hoje? Mas porque não? Claro que tenho dificuldades em abaixar e levantar, mas poderia dar um jeito. – Chefe Jack, os demais são como eu? Ele riu. Tem um que vai em sua cadeira de rodas, está vindo de Salvador. Tem outro do Rio que anda de muleta! E daí? Somos Escoteiros e não vamos morrer sem fazer nossos acampamentos. Afinal sabemos ou não improvisar? Sorri. Seria o último de cada um? Pode até ser, mas todos os anos um vai acontecer! Celia chegou e depois dos apertos de mãos, abraços entrou na conversa. – Osvaldo ela disse. Você tem de ir. Tem de voltar aos velhos tempos meu marido! Minha mente fervilhava. Acampar novamente? Será que ia aguentar? Seria um desafio e se Chefe Jack e outros toparam eu não iria ficar de fora. A conversa continuou noite adentro. Chefe Jack Sparrow se despediu lá pelas onze da noite. Mando para seu e-mail o dia a hora e o local aonde vamos nos encontrar. Vamos dividir as despesas. Um ônibus estará lá.

                        Olhe não vou contar meus preparativos, pois todos Escoteiros fazem o mesmo. Eu parecia aquele Vado do passado, olhando a mochila, limpando, passando meu uniforme, dando um trato na minha faca e meu facão, desinfetando meu cantil e achei lá no fundo do baú meu cabo ainda enrolado como gostava. Achei a capa preta e sorri ao ver que ela estava nos trinques. Célia me levou ao local do encontro. Cheguei em cima da hora. Ela carregou minha mochila até o ônibus, pois eu estava meio zonzo com tudo. Abraços, eu sou fulano, sempre alerta! Prazer em conhecer você. Vai ser bom convivermos por três dias juntos! – Estas eram as palavras de ordem. No Ônibus? Bem parecia meninos a ir acampar. Bom demais. E a cantoria? E as tosses? E os remédios cruzando de mãos em mãos? Claro todos levavam seus apetrechos farmacêuticos. Esqueci, havia uma mulher. Não vou dizer o nome, mas foi DCIM há muitos anos. Famosa. Até hoje nos seus 84 anos era linda como foi no passado.

                    O local era maravilhoso. Um lindo bosque, um riacho cantante (adoro riachos que cantam), as barracas ainda por armar e o Chefe Jack Sparrow perguntou se alguém precisava de ajuda. Combinei com ele de uma barraca só minha. Seria uma aventura entrar nela, deitar, levantar várias vezes a noite e voltar. Mas sei que valeria a pena. Uma pequena casa com algumas camas e uma cozinha completavam nosso campo. Combinamos de nós mesmos cozinhar. Dividimos em patrulha. Não sei, mas eu acho que esqueci minhas dores, meu ar e meus amores. Fiz uma polenta que deixou todos de água na boca. Ao lado da casa tinha muitos bambus cortados. Minha poltrona do Astronauta não ia ficar sem fazer. Juntos fizemos uma mesa grande. Cabiam todos. Nunca vi tantos sorrisos de Velhos Escoteiros. Ninguém gemia a não ser uma tosse aqui e ali. Faz parte da velharia diziam. Risos. Todas as noites nos reuníamos em volta de um fogo. Cada um cantava, apresentava um número qualquer para os demais, palmas eram inventadas e um dia ficamos até às duas da manhã, sob os cuidados do orvalho que caia.

                     O Fogo de Conselho foi demais. Ninguém conhecia o Serafim. Rí à beça quando vi aquela velharia caindo de solapa no chão. Há muito tempo não ria assim. Todos pareciam irmãos de patrulha. Sempre com um sorriso nos lábios, hora nenhuma ninguém baixou enfermaria. Na canção da despedida nunca vi tantos velhos Escoteiros chorando. Ao terminar nos abraçamos com lágrimas nos olhos. No final do domingo veio à partida. Fizemos questão de nós mesmos desarmar as barracas e fazer a limpeza do campo. Ninguém fez inspeção, não precisava. Ali estava vários primeiras classes, cinco DCBS, três DCIM e eu me sentia que era um Pata-tenra junto a eles. Na volta as canções custavam a sair. As vozes estavam embargadas. Era difícil cantar. Foi bom demais. Cada um pegou seu taxi e partiu para sua viagem de volta. Célia me esperava. Eu fiquei ali até o último partir. Ainda chorava. Sou Velho e chorão.

                     Acordei deste meu conto e sonho sorrindo. Nada existiu. Sabia que não houve este acampamento. Quem sabe um dia? Não morrerei sem meu último acampamento. Pode ser sozinho ou com amigos. Não posso fugir do meu destino Escoteiro, nunca. E como se dizem por aí: - Se for para esquentar, que seja o sol; Se for para enganar, que seja o estômago; Se for para chorar, que seja de alegria; Se for para mentir, que seja a idade; Se for para roubar, que se roube um beijo; Se for para perder, que seja o medo; Se for para cair, que seja na gandaia; Se existir guerra, que seja de travesseiros; Se existir fome, que seja de amor; Se for para ser feliz, que seja o tempo todo! Feliz Acampamento! 

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