Lendas
Escoteiras.
E o sonho de
Pato Manco se realizou.
Quanto Pato Manco nasceu sua mãe
virou as costas e disse – Não é meu filho! Todos ficaram embasbacados com esta
exclamação. Uma mãe dizer isto? Quem sabe por que nasceu sorrindo e não chorou?
Diziam na época que quando isto acontece o bebê é filho do Coisa Ruim. Bem os
médicos não acreditavam nisto. No hospital de Ponte do Rio Verde ele foi bem
tratado. Com cinco dias mandaram chamar Dona Neném e ela relutantemente foi
buscar seu filho. Notou que uma perna era mais curta que a outra, um aleijado
como filho? Batizou como Mitico da Anunciação Carneiro. – Dona Neném, não
existe este nome. Mitico eu nunca vi! Ela foi irredutível. Onde teria achado
este nome? Zózimo seu marido que morreu foi quem lhe contou de um tal Mitíco
que morreu de doença matada quando ele era menino. Aos trancos e barrancos ela
o criou. Mitico custou para aprender a andar. Sua perna doía horrivelmente
quando dava um passo. Ela lhe dava umas palmadas na bunda gritando – Anda
vagabundo! Não vou carregar você à vida toda!
Logo que entrou para a escola
todos os chamavam de Pato Manco. Que seja ele pensava, melhor que Mitico que
foi apedrejado em sua cidade. Mas o que ele fez para isto? Ele pensava. Sua mãe
nunca lhe contou. O pior era que ele sempre foi o melhor da classe e mesmo com
seu esforço sua professora dona Naildes o olhava com um místico de desprezo.
Pato Manco nunca perguntou por quê. Acostumou com a cidade quase em peso lhe
virando as costas, jogando pedras e o chamando de coisas impublicáveis. Quase
não saia de casa a não ser para ir à escola. Sua mãe nunca lhe deu amor,
carinho nada. Ele nunca cobrou, pois não sabia o que era isto. Achava que sua
vida seria assim e não tinha motivos para reclamar. Nunca pensou o que seria
quando crescesse. Não tinha amigos na cidade e só Vitória o olhava com um misto
de piedade que ele não gostava. Vitória era da sua classe. Um dia ela sorriu
para ele. Seguiu seu caminho, pois nunca poderia falar com ela. Sabia que por
onde passasse todos iriam gritar alto e o chamar de Pato Manco. Que chamem
pensou. Até o Padre Nestor não o olhava com bons olhos. Ele sabia o que
aconteceu com Mitico em Arroio Seco e quando olhava para Pato Manco pensava
estar vendo tudo de novo como se fosse um filme.
Pato Manco naquela manhã estava
sentado no degrau de sua casa. Estavam em férias e não havia escola. Ruim, pois
mesmo sendo maltratado ele gostava da escola. Ouviu o som de uma fanfarra.
Impossível pensou. Só no aniversário da cidade ou no Sete de Setembro. No
começo da sua rua ele avistou a fanfarra. Estranhou. Não era de sua cidade.
Quando passaram em frente sua casa ele ficou embasbacado. Dezenas de meninos de
calças curtas, Chapelão, um lenço no pescoço e uma mochila nas costas. Cada um
tinha um pedaço de pau nas mãos. – Que coisa maravilhosa era aquela? Pensou
Pato Manco. Não deu outra, como centenas de meninos da cidade ele foi atrás
deles. Marchavam tal e qual o Tiro de Guerra. Ele sorria e mesmo sentindo uma
dor terrível nas pernas não desistiu. Quando subiram o morro para o Bairro das
Palmeiras ele custou a subir também. Ficou para trás, mas eles viraram para o
Colégio Dom Bosco. No bosque estava um caminhão cheio de tralhas.
Em poucas horas eles armaram as
barracas e muitos já faziam comida em seus fogões de barro. Pato Manco não
pensava, agora ele só via, cheirava a comida, e sua audição pescava tudo que a
meninada dizia. Falaram Sempre Alerta, falaram Monitor, cozinheiro e Pato Manco
cada vez mais se apaixonava por eles. Alguém bateu em suas costas – Virou e viu
uma menina da idade dele. – Quer almoçar conosco? Pato Manco ficou apalermado.
Nunca ninguém dirigiu a palavra assim para ele e nunca o convidaram para nada.
Aceitou e foi com a menina. Ela lhe deu um prato de esmalte, uma colher e um
canequinho de esmalte. Sorriu para ele. Deus meu! Isto é a felicidade que tanto
falam? – Ele pensou. Entrou na fila, comeu com todo mundo. Achou bonito todos
rezarem. Ele não entendia nada, mas rezou também. Já estava escurecendo quando
Seu Mateus o chamou. Sua mãe me mandou buscar você! Ele não queria sair dali,
mas tinha um medo danado dela. Foi embora e todos os meninos e meninas
apertaram sua mão e o convidaram para voltar lá no dia seguinte.
Pato Manco levantou cedo. Chegou lá quando
eles faziam ginástica. Ele sabia que não conseguiria fazer. Mas quando terminou
muitos dos meninos da Gaivota vieram lhe abraçar. Foram dias maravilhosos. Ele
não brincou com tudo que fizeram, mas até esqueceu um pouco sua dor na perna
que sempre o fazia sofrer. Quando a noite chegou o convidaram para um fogo.
Nunca tinha visto nada vida. Foi o dia que chorou. Pato Manco aprendeu a não
chorar. Ele sofria com sua perna, sofria com falta de amor de sua mãe, e com a
meninada a jogar pedra nele na rua. Agora era diferente. Nunca pensou que podia
existir uma fogueira assim, onde todos cantavam, riam, brincavam e faziam
cinema em volta do fogo. De novo Seu Mateus a chamá-lo. No dia seguinte correu
de novo para os Escoteiros. Quando chegou lá já eram onze da manhã. O bosque
que estavam estava vazio. Sem perceber correu até a estação de trem. Eles
estavam lá esperando para embarcar. Muitos dos moleques da cidade estavam lá
vendo os Escoteiros partirem. Sempre a gritar Pato Manco! Pato Manco! Eles não
sabiam que onde estava só sentia felicidade.
Seu Mateus foi à estação
procurá-lo. Não encontrou. Pato Manco sumiu. O delegado mandou um investigador
atrás dele na capital. Foi na cidade onde o Grupo Escoteiro que foi acampar
existia. Ninguém sabia dele. Deram adeus sim, quando o trem partiu e viram
chorando e correndo junto ao vagão, mas ele caiu em uma moita de capim e não o
viram mais. Dona Neném não chorou. Que ele suma para sempre! Só meu deu transtornos e infelicidade. Passaram-se
trinta e cinco anos. Dona Neném estava com quase setenta anos. Entrevada em uma
cadeira de rodas ela vivia as custas de esmolas pelas ruas da cidade. Na
esquina da Avenida dos Perdizes com a Marechal Deodoro viu quando um enorme
carro negro entrou na cidade. Todos vieram ver. O carro parou ao seu lado. Uma
senhora distinta de cabelos brancos com um chalé nos ombros desceu e foi até
ela. Um homem de cabelos brancos, com um terno muito elegante e com uma bengala
de prata desceu do carro e foi até ela. Ela o olhou e não sabia o que dizer.
Reconheceu logo o seu filho. Seus olhos ficaram marejados de lágrima.
- Mamãe, ele disse baixinho
quase sussurrando. Mamãe está na hora de ir para casa. Eu vim te buscar. Dois
homens fortes de terno e óculos escuros a pegaram e colocaram na limusine. Dona
Neném não sabia o que dizer, só sabia chorar. Ali entre aquela senhora distinta
e seu filho ela não tinha palavras. Só as lagrimas a machucar seu coração pelo
que fez ao seu filho quando menino. Toda a multidão viram os três abraçados
soluçando profundamente. O carro partiu. A cidade em peso lá – Alguém
perguntou: Seria o Pato Manco? Um zum, zum percorreu a multidão. E a senhora
distinta? Não seria a Vitória?
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