domingo, 14 de dezembro de 2014

Uma noite maravilhosa de Natal!


Lendas escoteiras.
Uma noite maravilhosa de Natal!

                 Eu sempre tive um carinho enorme pela noite de natal. Família reunida, muitos presentes, abraços uma bela ceia isto sempre me encantou. Triste eu ficava quando lembrava que muitos não tinham esta minha felicidade. Teve um ano, que após a meia noite e junto com minha esposa admirávamos na varanda os foguetes e a luzes no céu. Uma enorme tristeza se abateu sobre mim.  Lembrei-me da última visita que fiz na casa do Chefe Maninho. Sempre foi um pai para nós escoteiros de Esperança Feliz. Dizem que ele entrou para o Grupo em 1943. Ficou mais de sessenta anos no escotismo. Sempre notei nele uma pessoa triste, um olhar perdido no horizonte, olhos fundos e sempre com uma lágrima furtiva que ficava tentando esconder.

                  Chefe Maninho morreu há dois meses. Nas suas exéquias poucos foram. Nunca entendi isto. Esperava uma multidão e não foi quase ninguém. Claro era difícil vê-lo sorrir. Acho que ninguém nunca recebeu dele um abraço. Era muito fechado em si mesmo. Nunca esqueci o que ele me contou um dia. O Fogo do Conselho havia terminado e ficamos lá eu ele, Rosa uma Chefe Escoteira, Nair sua Assistente e Paulo Alberto um Chefe de tropa. Ficamos conversando e a meia noite todos foram dormir. Ficamos só eu e ele. Não sei por que ele estava com os olhos marejados de lágrimas. – Calma Chefe eu disse. Está se sentindo mal? - Não meu amigo, respondeu. São as lembranças que não cessam. E então, começou a contar parte de sua vida. Uma história desconhecida por todos que labutaram ao seu lado.

                 - Chefe, eu perdi meu pai quando tinha dez anos. Eu o adorava. Ele era tudo para mim. Levava-me aos parques de diversões, me levava em alto mar para pescar, fomos acampar em lugares inóspitos e mesmo já sendo um Escoteiro eu vibrava em sua companhia. Ele era Militar das Forças Armadas. Segundo Sargento do Regimento de Infantaria e todos o admiravam pelo seu caráter, por ser tudo o que hoje não sou. Um pai alegre, prestativo, amigo e muito respeitado não só em seu regimento como em toda vizinhança. Ele mesmo me contou com orgulho que fora incorporado ao 3º Regimento do Exercito Brasileiro. Um regimento da Força Expedicionária Brasileira. Em poucos meses ele partiu para a guerra na Itália.   Eu e mamãe choramos muito quando ele partiu. Sabe amigo Chefe, ele partiu em uma noite estranha, cuja lembrança nunca mais me sai. Chamou-me e disse – Filho, seu pai vai lutar lá na Alemanha. Vou me cuidar. Ainda vamos fazer grandes coisas, eu e você. Eu voltarei.

                  - Nos primeiros meses ele escrevia sempre. Mamãe, minha querida mamãe! Ela lia suas cartas, baixinho devagar, eu voltarei em breve ele dizia, pois a guerra estava prestes a acabar. Todos os dias ele vinha em meus sonhos, e nele retornava como se estivesse me abraçando. Passou um ano e ele não voltou. No natal escrevi para o Papai Noel uma carta. Uma carta simples, só pedia ao meu bom amigo que trouxesse de volta o meu papai que foi lutar na guerra. – Olhe Papai Noel, você que pode mais que a gente, e tem uma força sem igual, me dê Papai Noel este presente, se possível nesta noite milagrosa de natal. Mas nada. Nem resposta. No ano seguinte escrevi de novo. – Papai Noel, meu santo e bom paizinho, eu tenho meu coração como uma brasa, nesta hora triste em rezar ao Senhor eu venho. Papai Noel, se todos têm o seu papai em sua casa, só eu Papai Noel é que não tenho?

                Os dias, os meses foram passando. Mamãe só vivia pelos cantos chorando. As cartas não vieram mais. O silêncio era completo. Lembro-me que um dia mamãe passou a se vestir de preto e nunca mais sorriu para ninguém. E para piorar tudo meu amigo, um tarde chuvosa do mês de novembro, bateram em nossa porta e dois oficiais do Exército Brasileiro entregaram a minha mãe uma medalha. Disseram a ela que ele tinha sido um herói. Mamãe, mamãe, eu quero meu papai! Ela calada, taciturna não chorou mais. Seu rosto lindo que nunca esqueci agora parecia uma mascara de cera. Na missa dos domingos ela disse para o Padre Antonio que estava perdendo a fé. Perdeu seu marido na guerra, ainda tinha seu filho, mas o mundo para ela desmoronou.

                 Sabe meu amigo chefe, aquele mil novecentos e quarenta e cinco foi o ano que mais chorei. Eu sempre a noite rezava. Não acreditava que ele tivesse morrido. Jesus, meu amado e bom mestre eu dizia, se os tais heróis não voltam para casa, será que vale a pena ser herói? Senhor Jesus, meu santo e bom paizinho, me dê neste natal um presente. Acabe com minha revolta e me traga de novo o meu papai que foi brigar na guerra. Eu sei que o Senhor pode tudo e sei que vai dar um jeitinho de mandar o meu papai de volta. – Olhei para ele e ele chorava. Um "Velho" de oitenta anos chorando. Continuou a me contar - Olhe meu amigo Chefe. Não dá para esquecer. Acho que mamãe sempre ouvia minhas preces, pois um dia, naquela noite de natal, eu dormi abraçado com o retrato do meu pai. E confesso que tive lindos sonhos com ele. E sabe meu amigo Chefe, ao acordar gritei surpreso, pois lá estava enrolada em meu sapato uma enorme bandeira do Brasil!

               Sem palavras. Chorava ali com aquele velho naquele fogo que aos poucos se apagava. A brisa vinha de leve a nos dar um pouco de calma, de frescor. As pequenas fagulhas ainda existiam naquela fogueira que eram agora somente cinzas. Havia ainda algumas fagulhas que se arriscavam ainda a subir aos céus. Lânguidas e serenas para logo serem levadas com o vento. Papai Noel. E quem ainda não acredita nele? O natal, linda noite para alguns, muitas tristezas para outros. Abracei com força o Chefe Maninho. Ficamos ali até o amanhecer.  Nunca mais o esqueci. Que Deus esteja com você meu amigo, nestes pastos verdejantes do céu, junto ao seu papai e sua mamãe!


(História baseada no poema de Orlando Cavalcante, “Oração de natal de um órfão de guerra”). 

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