terça-feira, 4 de novembro de 2014

O último adeus!


Lendas Escoteiras.
O último adeus!

                             Foi sim meu último adeus. Um adeus triste, choroso, lágrimas que caíram por muitos e muitos anos. E quando lembro meu coração bate, meu corpo sente a emoção da perda e mesmo hoje adulto parece que tudo aconteceu ontem. Não me sai da memória. Conto hoje para meus filhos e eles não entendem muito bem. Bonita minha esposa tenta entender e quer chorar comigo, mas a dor é minha, não é dela. Enquanto fui menino fiquei por muitos anos sentado em um banquinho que eu mesmo fiz e que eles disseram ser uma pioneira onde eles ficaram. Sempre ali proximo ao rio das flores a espera deles. Sabia que nunca mais voltariam, mas porque não acreditar? Quantos sonhos eu tive pensando que um dia eles iriam voltar? Ver todos de novo cantando, brincando naquele ônibus colorido que assim como chegou partiu dias depois. São lágrimas doidas e nem sei quantas lágrimas derramei. Foram os dias mais lindos da minha infância. Dias que nunca, mas nunca mais vou esquecer. Quatro dias de felicidade!

               Morava em uma pequena casa de pau a pique, próximo ao Rio das Flores. Meu pai trabalhava na fazenda do Senhor Coronel Alcebíades, e tínhamos uma casinha pequena, de adobe. Éramos quatro. Eu, meu pai, minha mãe e meu irmão de três anos. Uma família feliz. Toda manhã eu ia para a escola na fazenda Rancho Fundo do Coronel, há única da redondeza. Eram quatro quilômetros que eu fazia correndo. Ajudava meu pai na lida da capina e a tarde nadava no rio. Diziam que nadava como um peixe. Numa quarta feira vi um ônibus colorido, cheio de cantorias que se dirigia a fazenda do coronel. Cortei caminho e do alto da Morada do Sol vi dois homens de calça curta e chapelão conversando com ele. Ele fez sinal para mim e disse que levassem eles até A várzea corrente, perto do rio e do bambuzal. Não falou mais nada. Entrei no ônibus.  Todas as crianças da minha idade, rindo, brincando me dando um tal de Sempre Alerta. Que seria isto?

                Estava com vergonha deles e fiquei em pé bem na frente, mas olhando todos de rabo de olho. Chegamos, eles desceram juntaram a tralha e ficaram esperando a chamada. Logo eles fizeram um meio circulo próximo a um pé de Jabuticaba, o tal do "Chefe" Escoteiro passou uma cordinha, e colocaram a bandeira do Brasil. Fiquei de longe olhando. Meus olhos estavam fixos na meninada e na bandeira. Nunca tinha visto nada igual. Eles corriam aqui e ali. Cada turminha fez um cercado, armaram barracas e foram cortar bambus. Olhei o sol e vi que mamãe estaria preocupada. Corri até a minha casa e contei as noticias. Pedi a ela e o papai se eles me deixavam ficar lá olhando. Meus pais nunca ralharam comigo. Almocei correndo um prato de abobora com peixe frito. Voltei ao lugar que eles estavam. Várias barracas, e eles construíram alguma coisa que não entendi e a fumaceira pegou fogo em todos os cercadinhos deles. O sol já se pondo e foram tomar banho no rio. Um deles tentou atravessar. Começou a fazer sinais. Corri lá. Pulei de roupa e tudo. Era bom nadador apesar dos meus doze anos.

                   Tirei-o da água. Os chefes começaram a beijar sua boca e ele voltou a respirar. Agradeceram-me. Bateram uma palma esquisita. Chamaram-me de herói. Disseram que se quisesse ficar em uma Patrulha era só escolher. Nem sabia o que era isso, mas um loirinho me fez um sinal e fui. Disseram que eram os Touros. Dei risadas. Aqueles fracotes Touros? Mas foi bom. Ensinaram-me a dar Sempre Alerta, a gritar o tal grito da Patrulha, a entender os sinais do "Chefe" Escoteiro para formatura. Durante os quatro dias eu brinquei com eles, corremos na mata, pulamos a cerca do Boi Lamego, fomos até a subida do Catatáu. Mostrei a eles o canto do sabiá, do pássaro preto, mostrei como fazer o tatú sair da toca, ensinei-os a pescar Traíras. Eles me ensinaram nós e quiseram ensinar sinais de pistas. Dei risadas. Nunca iriam pegar uma seriema contra o vento com aqueles sinaizinhos mixurucos. 

                 Quatro dias maravilhosos. Comi a comida deles, ruim à beça. Sem sal. Mas eu ria e eles riam. Um dia cozinhei para eles. Gostaram. Até o "Chefe" Escoteiro veio tirar um sarro. Um deles deu dor de barriga, levei para ele a fruta do pastor. Chupou a fruta e sarou. No ultimo dia fizeram um fogo. Cantaram, gritaram, bateram palmas, contaram causos, fizeram teatrinho e depois em volta da fogueira cantaram uma linda canção que só guardei uma parte. “Não é mais que um até logo, não é mais que um breve adeus”. Uma canção chorosa. Como se estivessem partindo, mas prometendo voltar. No ultimo dia desmontaram tudo. Fizeram uma limpeza. Na bandeira o "Chefe" Escoteiro deles me chamou. Dissera que eu era um Escoteiro honorário. Mandou-me ficar durinho, e fiz o sinal deles. Fizeram-me repetir a promessa deles. Prometo pela minha honra... Foi lindo. Foi demais. Depois ele me colocou o lenço verde amarelo deles. Olhos cheios de lágrimas. Estava chorando. Abraçaram-me. Chorei mais ainda. Deram os gritos que chamavam de Patrulha. Estava engasgado. Não podia falar. Meus olhos queriam fechar de tantas lagrimas que caiam.

                     Disseram-me Adeus e partiram. Eu chorava. Entraram no ônibus. Eu fiquei ali em pé, ao lado do mastro de bandeira como eles chamavam chorando. O ônibus virou a curva do rio buzinando. Um silêncio atroz. Meu Deus! Que dor incrível eu sentia. Chorava. Chorava. A tarde veio. Não arredei o pé. Não podia sair dali. Nos meus sonhos eu os via sempre, todos eles cantando, brincando e me abraçando. Se saísse toda essa ilusão iria desaparecer, acabar. A noite chegou de mansinho. O orvalho caindo. Eu chorando. Não parava de chorar. Eu queria eles de volta, mas sabia que isso não ia acontecer. Meus pais chegaram e me levaram. Não queria ir. Mas não podia ficar ali toda a noite. Não dormi, lágrimas caiam sem cessar. Mamãe me abraçava e não adiantava. O dia amanheceu. Como sempre voltei a minha rotina. Escola, trabalhar na roça com meu pai e as tardes ia sentar no meu banquinho lá na curva do rio. Olhava o horizonte quem sabe, um ônibus viria novamente? Sonhos de criança, sonhos impossíveis, mas era meu só meu. Meus olhos enchiam-se de lágrimas. Agora não chorava mais. A dor que sentia era no meu coração. Uma dor doída. Lembranças, lembranças que machucavam. Que dias lindos maravilhosos eu tive e se foram. Deus! Oh Deus! Traga-os de novo meu Senhor, juro que serei um menino diferente!

                         Durante muitos anos a minha memória revivia todos os quatro dias felizes que com eles passei. As saudades permaneceram por longo e longo tempo. Meu Deus! Daria tudo para vê-los novamente! Sabia que não ia acontecer. Quando foram eu ainda não sabia, mas era o último Adeus. Um adeus sem volta. Um adeus sem retorno. Durante muitos anos eu ia todos os domingos sentar próximo no mastro da bandeira deles. Agora seco, mas firme. Eu cuidava dele e nunca deixei cair. Eu chegava com meu lenço, ficava durinho e dava sempre alerta, olhava uma bandeira invisível sendo erguida e chorava. Escoteiros! Como eu queria ser um deles!


Não sei quantos anos se passaram. Cresci, casei, tenho filhos. Nunca mais vi os escoteiros. Quantas saudades que permanecem na minha lembrança e não se apagam. O ultimo adeus! Sim, foi o último adeus daqueles que fizeram de mim, um homem feliz. Quatro dias.  Quatro dias que valeram uma vida! 

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