quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Padrões de Acampamentos.


Conversa ao Pé do Fogo.
Padrões de Acampamentos.

“Quem ao crepúsculo já sentiu o cheiro da fumaça de lenha, quem já ouviu o crepitar do lenho ardendo, quem é rápido em entender os ruídos da noite;... deixai-o seguir com os outros, pois os passos dos jovens se volvem aos campos do desejo provado e do encanto reconhecido...”. Kipling.

Já era noite alta e da fogueira restavam apenas algumas brasas, que aqui e ali iam adormecendo. Algumas fagulhas ainda se arriscavam a subir aos ‘céus’, mas lânguidas e serenas perdiam sua força e desapareciam na escuridão. Alguns metros além, podíamos ouvir o piar da coruja no grande carvalho frondoso e que a noite dava arrepios com sua figura fantasmagórica. Bem próximo à lagoa de águas azuis naquela hora da noite,  eram apenas sombras cinzentas e não permitia ver os sapos e rãs que coaxavam seus cantos noturnos... Até a melodia doce e suave da bica de água límpidas, trinavam sons repicantes e intermitentes na audição de um velho mateiro. Em volta daquele calor que aumentava a sensação da amizade existente, eu, o  “Velho” Escoteiro,  dois chefes escoteiros e duas chefes femininas, uma delas casada com um dos chefes, ainda respirávamos o sabor do ar fresco, vindo da pequena floresta a sudoeste do acampamento. O “Fogo do Conselho” terminara há algum tempo e a alegria, as canções, o folclore das tropas masculinas e femininas, ainda permaneciam como “fantasmas” amigos que prometiam manter aceso pôr toda a eternidade o espírito que reinou naquela “festa” de moças e rapazes, no seu mais puro e inocente lirismo. Uma tradição de anos e anos naquela terra sagrada de “São Lourenço”.

     No semblante do "Velho" Escoteiro se estampava toda a alegria de estar ali presente. O aroma adocicado do seu cachimbo era um perfume doce e suave que se espalhava e misturava com a pequena brisa que soprava vinda de todos os  cantos dos pontos cardeais conhecidos. Quando naquele dia, em sua casa, na Sala Grande, fiz o convite em nome das duas tropas para participar do acampamento, ele se mostrou surpreso, reservado e se fez de rogado. Só após explicar que as duas “Corte de Honra” tinham tomado aquela decisão sem interferência dos Escotistas é que  ele disse que pensaria no assunto. A presença dos seis monitores em sua casa duas delas meninas monitoras fizeram com que ele aceitasse o convite, mesmo assim demonstrando pouco interesse (dentro de si, eu sabia do desejo dele de voltar de novo às terras de São Lourenço, e principalmente analisar como acampam as tropas femininas).

     - “Mas não irei como turista berrou. Vou participar de tudo e quero ver os monitores fazerem o programa junto a suas patrulhas”. Os jovens arregalaram os olhos de espanto e em silencio sorriram compreensivos. Foram vários dias brilhantes de preparativos. Através da vovó, soube dos arranjos do "Velho", escolhendo e montando sua mochila que ainda remontava a década de 40. Levou o que sempre levava aos acampamentos, mas que eram motivo de especulação pôr parte de todos que o conheciam. Ate o famoso sabonete do banho das “três e meia“ da manhã e que ficou famoso pôr onde acampou e até hoje ninguém sabe o que é.

     Quatro dias de acampamento. Talvez uma de minhas maiores emoções e cuja recordação ficou gravado para sempre em minha mente. Aconteceu de tudo e o "Velho" sentiu-se orgulhoso em ver que os “Padrões de acampamento” ainda eram mantidos naquele Grupo Escoteiro. No primeiro dia, o corre-corre da saída, um ou dois atrasados (o “Velho” não aceitava isto) a alegria das canções entre os escoteiros e escoteiras tudo isto fez o "Velho" entrar naquele jogo divertido. Não havia alegria maior que vê-lo cantando as velhas canções e principalmente a “Terra do belo Olmeiro”, recordações saudosas de um acampamento no Canadá.

     A chegada, a orientação aos monitores, à escolha do campo pelos próprios, tudo isto era ponto de honra para o "Velho". - “O acampamento é dos jovens e nós adultos somos intrusos”! É bom saberem disto ele berrava para os Escotistas. Aqui e ali ele observava a movimentação e principalmente o material de “sapa”, todos eles oleados e afiados. O uso pelos jovens o envaideceu mais ainda. Quando dois escoteiros passaram próximo ao campo da chefia, ele largou a construção da sua famosa “Poltrona  de  Astronauta” (conhecida pôr todos que acamparam com ele) e ficou observando como carregavam o facão e o machado do lenhador. - Muito bom, muito bem, resmungava baixinho.

     Notou que os Escotistas e também as Escotistas estavam bem adestrados. No campo da chefia, sabiam dar com maestria  um “volta do salteador” um nó de frade ou arnês bem apertado com destreza. Uma amarra paralela ou diagonal tinha o acabamento de um velho mateiro. A Amarra para tripé não deixava a desejar. Até mesmo, a costura de arremate na tampa da mesa central mereceu um elogio do "Velho", o que deixou a todos embevecidos. A chefia respeitava o campo de patrulha não invadindo desnecessariamente. As instruções eram feitas aos monitores e sempre se usava o “Chifre do Kudu”. (O “Velho” reclamava quando chamavam mais de seis a oito vezes pôr dia). - Isso - dizia, é para “patas-tenras”. Quem fala muito e dá muitas instruções, perde o tempo dele e dos jovens. Fazer fazendo, esta é a maneira certa!

     Elogiou quando os jovens saiam do campo de patrulhas, sempre em duplas e nunca só. O que mais gostou foi da independência das patrulhas e que quando convidados a participarem das refeições nos campos, os Escotistas só aceitavam quando estavam “tirando” alguma prova de cozinha. E olhe que se pudessem delegavam poderes a algum escoteiro 1a classe. Na primeira noite, após um jogo noturno “bem bolado”, tiveram tempo para fazer um chá quente e a “Corte de Honra” foi realizada sem avançar no horário. Notou que o mínimo de 8 horas para o toque de recolher e a alvorada eram ali respeitados.

     - A “Corte de Honra” estava muito tensa, - falou o "Velho"  durante a realização da “Conversa ao pé do fogo”, realizada somente com os Escotistas. Deixem os monitores mais a vontade. O padrão de eficiência a ser exigido na primeira inspeção e avisado anteriormente aos monitores podem e devem ser aumentados. É necessário que eles saibam que a higiene, a limpeza e a apresentação não tem lugar e hora. O bom escoteiro é aquele que sabe se manter digno em qualquer situação e nos estamos aqui para adestrá-los, terminou. Os chefes não retrucaram. Aceitavam o "Velho" como ele era.

     No segundo dia, fez questão de orientar os Escotistas antes da inspeção da manhã, impreterivelmente às 9 horas. Comentou sobre as funções de cada um, o que devia ser exigido e olhado e não ver somente o lado negativo. A Patrulha deve ser elogiada pôr tudo aquilo que merecer, mesmo que não consiga a classificação estipulada em "Corte de Honra". Comentários de erros e defeitos podem ser comentados, mas sem exageros. Nunca tomar atitudes individuais ou coletivas que podem dar a interpretação de humilhação. Falou também da contagem de pontos, começando com a nota mais alta e diminuindo se fosse o caso. E assim o "Velho" foi participando, orientando, falando e agindo. Não parava. Sempre com um sisal, um cipó e sempre fazendo suas pioneirías, aqueles olhos miúdos e azuis a perscrutarem o horizonte em busca de alguma coisa o que me fazia pensar no tempo em que ele acampava estavam sempre alerta.

     Um fato desconcertante aconteceu no terceiro dia. Após o almoço e uma inspeção surpresa, na chamada geral uma patrulha não se apresentou (era rotina  apresentarem-se  completos). Faltava um escoteiro. Procura daqui, procura dali e nada. Foi dado o “Alerta Geral”. As buscas foram intensas. Um raio de mais de 5 km foram vistoriados. Quase quatro e meia da tarde e nada. O "Velho" continuava a fazer uma e outra pioneiría, sem demonstrar o menor interesse nas buscas. Não dava a mínima pelo que estava acontecendo. Deslanchando seu corpo magro em num bater de ossos e, sentado em sua “poltrona do astronauta”, tomava um cafezinho quente (detestava chá) feito na hora pôr ele mesmo sem usar o coador (testando a clara de um ovo). Já se preparava para encher o fornilho do seu “cachimbo”, quando gritei com ele com os nervos a flor da pele.

     - “Diabos”!  Todo mundo ajuda e você fica ai parado como se nada estivesse acontecendo? Deus do céu! - Onde esta sua responsabilidade? - Explodi. Ele riscou o fósforo, me olhou, deu sua primeira baforada e na maior calma do mundo olhou uma barraca ao longe da patrulha Touro e falou -: A primeira coisa a fazer depois do almoço é procurar dentro das barracas,  quem sabe ele não esta dormindo? - Tremendo, lá fui eu e encontrei o “danado” roncando. Cessou as buscas. A calma voltou ao campo.

     Durante o jantar feito naquele dia pelo "Velho" e que pôr sinal estava excelente (a chefia tinha campo próprio e ali desenvolvia todas as suas necessidades), perguntei ao “velho” como sabia e porque não tinha falado nada. - “Eu, respondeu, - eu não sabia de nada”. Só que é muito comum após o almoço, um ou outro jovem mais novo na tropa tirar uma “soneca” e que pode causar um reboliço destes. - E porque não falou? - perguntei novamente. - “A arte no escotismo “é aprender a fazer fazendo”“. Nas buscas o aprendizado foi melhor que o jogo programado. E cá pra nós, que foi divertido foi e com que realismo! - É o "Velho". Só ele mesmo.


     No Fogo do Conselho, cantamos com o ele canções nunca ouvidas. Das montanhas geladas dos Alpes, as velhas canções dos caçadores de pele dos Grandes lagos do Canadá. Cantamos também canções inglesas e escocesas, sem faltar as tradicionais do nosso querido país. O Quebra Coco teve que ser interrompido lá pelas tantas. Ele gostou também do desarme do campo. Rápido e simples. Participou da inspeção final e verificou que o campo foi deixado quase como encontrado. Ficou satisfeito e até elogiou as chefias -: Parabéns, vocês conseguiram treinar e adestrar bem toda a tropa. Isto é o que importante. Como diz o antigo ditado, - Se vai para o mar, avie-te em terra.


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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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