terça-feira, 29 de julho de 2014

Corisco, um Chefe de coração de ouro.


Lendas Escoteiras.
Corisco, um Chefe de coração de ouro.

                           - Calma Mariza, no final tudo vai dar certo! - Certo? Falou Mariza. – Desde quando você paga taxa de acampamento para treze meninos e gasta quase toda nossa sobra financeira para o mês e ainda vem dizer que vai dar certo? – Chefe Corisco por as barbas de molho apesar de não ter barba. Ele sabia que não seria fácil conseguir a quantia que gastou para as compras do mês. Mas o que ele podia fazer? Sua tropa tinha trinta meninos Escoteiros e somente dezessete pagou a taxa. Ele era daqueles que dizia – Ou vão todos ou não vai ninguém. Era o acampamento do ano, mais de trinta patrulhas presente, ele e os Escoteiros tinham muitos amigos daquelas patrulhas. – Pois é Corisco, não é a primeira vez. Antes era um ou dois agora são treze meu amor. Como vamos fazer? Naquele dia saiu mais cedo de casa para o trabalho, ele queria pensar uma solução para os dois lados. Mariza tinha razão, mas e os Escoteiros que não iriam? Ele teria condição de dizer a eles que não conseguiu?

                             Seguia a pé pela Rua dos Aimorés pensativo. Pensava se ia atender ao Chamado do Senhor Nacano. Ele pai de Pirilampo escoteiro da patrulha Quati e era gerente do banco do Comercio da cidade. Recebeu um recado na reunião passada que ele queria vê-lo. Sabia que ia oferecer um emprego, mas nunca quis nada que pudesse ser favorecido pelo escotismo. Ele não era rico, trabalhava com o Chefe Mosquete e nem sempre tinha trabalho. Chefe Mosquete fazia bicos, limpeza de fossas, limpeza de telhados, alguma pintura comum nas casas e assim ele ia vivendo. Queria um emprego melhor, mas ali em Pedra Azul ele nunca iria conseguir.
A dúvida assaltava se ia ou não ao Banco. Pensou em ir para a capital, mas deixar a cidade que amava? Ir para um lugar que ele não conhecia para fazer o que? Ouviu alguém gritar Sempre Alerta e olhou para o outro lado da rua. Jonildo Escoteiro da Pantera indo para casa após as aulas. Chefe Corisco sorriu e respondeu. Ele sabia que a tropa tinha metade de sua vida. A outra era Marilda. Casaram-se há poucos anos ela com dezesseis e ele com vinte e um. Ele sabia que apesar de tudo ele podia contar com ela. Apesar de não ter aceitado participar diretamente no Grupo Escoteiro pelo menos aceitava e gostava dos meninos que quase todos os dias enchiam sua casa para papos que se estendiam até a noite.

                           Na esquina com a Rua Floriano Peixoto ele viu a patrulha Águia já uniformizada seguindo para sua boa ação da semana. Todos o cumprimentaram e seguiram em frente. Chefe Corisco sorriu. Como posso deixar esta turma? É minha vida, minha razão de ser. Ele amava o escotismo de uma maneira tal que muitos diziam que ele não ia num bom caminho. – Tem que dosar um pouco Chefe Corisco dizia Manfredo, o Presidente do grupo – precisa pensar um pouco em você! Bom sujeito, mas muito pão duro. Como Presidente devia ver as dificuldades que estavam passando e ajudar. Chefe Corisco nunca fora Escoteiro. A cidade não tinha um grupo. Cinco anos atrás começaram um. Capengou um pouco e ele correu para entrar, mas estava com desesseis e disseram que ainda não tinham tropa sênior. Ele todos os sábados ia para a sede ver a correria, as patrulhas. Amava aquilo e dormia pensando em vestir sua calça curta, por seu lenço e seu chapéu, uma bandeira e correr para as montanhas.

                          Quando fez dezoito anos pediu para entrar. Poderia ajudar como assistente. Chefe Jacob olhou para ele e disse que iria pensar. Que ele voltasse na outra semana. Ele sabia que Corisco mal tinha terminado o segundo grau e não tinha emprego fixo. Chefe Corisco esperou a semana como se fosse sua última semana no mundo. Quase subiu as nuvens quando Chefe Jacob disse que ele podia entrar. Chefe Corisco prometeu a si mesmo mudar de vida, encontrar um emprego, estudar e mostrar aos Escoteiros que ele podia ser alguém e dele orgulhar. Mas não foi bem isto que aconteceu. Não arrumava emprego e nem estudou nada. A cidade não tinha escola para ele e seus pais gente humilde eram aposentados ganhando pouco menos de dois salários mínimos. Um dia Chefe Mosquete o chamou para ser seu ajudante e ele aceitou. No mês que tirou dois mil reais achou que podia casar e casou. Todos foram contra – Chefe Corisco! Você tem 21 anos e a Mariza 16! Porque não esperar? Corisco disse não. Primeiro que amava Mariza e segundo achou que casado os pais dos escoteiros o olhariam com mais respeito.

                   Esperou o farol abrir para atravessar a Rua Santo Ângelo. Resolveu ir ao banco. Seria indelicado não ir. Ele gostava de Pirilampo. Um Escoteiro avoado, sorridente e que topava qualquer parada. Lembrou que no mês anterior na jornada ao Vale da Tartaruga Pirilampo quase morreu. As patrulhas andavam a vontade na estrada e por não ter movimento ele gostava que todos pudessem conversar observar a natureza, ouvir o cantar dos pássaros e descobrir pegadas. A turma adorava estas jornadas. Na curva do Cavalo Doido foi que a tragédia quase aconteceu. Dois Touros Guzerá cismaram com a escoteirada. Um deles partiu direto em cima de Pirilampo. Ele viu que se não interferisse uma tragédia ia acontecer. Tomou o bastão de Gentil e correu em cima do Touro. Enfiou a ponteira de aço no meio dos olhos do touro. Este caiu e pouco tempo depois morreu. O Senhor Nacano fez questão de pagar pelo Touro ao Fazendeiro Totonho. Ficou agradecido ao Chefe Corisco e agora o havia chamado. Ele sabia que era por causa do acidente. Nunca achou que fez nada demais só fez o que devia fazer como um bom Escoteiro que era.

                   Entrou no Banco ressabiado. Estava cheio e pediu a moça para falar com o Senhor Nacano. Ele veio sorridente a abraçar o Chefe Corisco – Corisco meu amigo, você vai trabalhar aqui. Tenho uma vaga para você com excelente salário. Corisco já sabia e agora iria aceitar. Precisava do emprego e iria mostrar que era capaz não só por gratidão por ter salvado da morte o filho do Senhor Nacano. – “Todo mundo no chão”! - Alguém gritou. Um tiro para o ar e todos deitaram. Um assalto pensou Corisco. – Um bandido chegou à escopeta na testa do Senhor Nacano. – Tem cinco segundos para abrir o cofre – um, dois, três... Chefe Corisco no alto dos seus vinte e um anos, casado, sem filhos, mas que adorava o escotismo levantou de um salto, tomou a escopeta do bandido e com ela bateu em sua cabeça. O Bandido caiu e outro estampido se ouviu. Uma mancha vermelha em cima da blusa de corisco apareceu. Um tiro fatal.


                    A cidade em peso acorreu na cerimonia fúnebre. Uma cerimonia do Adeus. Não houve o toque do silencio e até esqueceram-se de cantar a canção da despedida. Centenas de pessoas se acotovelaram em volta da Campa simples. Marisa em pé chorava baixinho. O Senhor Nacano engasgado não sabia o que dizer. Padre Tomaz rezou o que tinha de rezar. A escoteirada chorando sem parar. A vida é assim, do nada se vive e do nada se morre. Adeus Corisco, a cidade em pouco tempo vai se esquecer de você. Você não era nada e mesmo virando um herói de nada valeu. Valeu ou não cinquenta anos depois Marisa ainda rezava todos os dias e depositava flores na última morada de Corisco. Ao levantar ele não deixava de ler o que escreveram para ele em uma placa de bronze – Escoteiro eu fui, Escoteiro eu serei até morrer!            

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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