terça-feira, 29 de julho de 2014

Corisco, um Chefe de coração de ouro.


Lendas Escoteiras.
Corisco, um Chefe de coração de ouro.

                           - Calma Mariza, no final tudo vai dar certo! - Certo? Falou Mariza. – Desde quando você paga taxa de acampamento para treze meninos e gasta quase toda nossa sobra financeira para o mês e ainda vem dizer que vai dar certo? – Chefe Corisco por as barbas de molho apesar de não ter barba. Ele sabia que não seria fácil conseguir a quantia que gastou para as compras do mês. Mas o que ele podia fazer? Sua tropa tinha trinta meninos Escoteiros e somente dezessete pagou a taxa. Ele era daqueles que dizia – Ou vão todos ou não vai ninguém. Era o acampamento do ano, mais de trinta patrulhas presente, ele e os Escoteiros tinham muitos amigos daquelas patrulhas. – Pois é Corisco, não é a primeira vez. Antes era um ou dois agora são treze meu amor. Como vamos fazer? Naquele dia saiu mais cedo de casa para o trabalho, ele queria pensar uma solução para os dois lados. Mariza tinha razão, mas e os Escoteiros que não iriam? Ele teria condição de dizer a eles que não conseguiu?

                             Seguia a pé pela Rua dos Aimorés pensativo. Pensava se ia atender ao Chamado do Senhor Nacano. Ele pai de Pirilampo escoteiro da patrulha Quati e era gerente do banco do Comercio da cidade. Recebeu um recado na reunião passada que ele queria vê-lo. Sabia que ia oferecer um emprego, mas nunca quis nada que pudesse ser favorecido pelo escotismo. Ele não era rico, trabalhava com o Chefe Mosquete e nem sempre tinha trabalho. Chefe Mosquete fazia bicos, limpeza de fossas, limpeza de telhados, alguma pintura comum nas casas e assim ele ia vivendo. Queria um emprego melhor, mas ali em Pedra Azul ele nunca iria conseguir.
A dúvida assaltava se ia ou não ao Banco. Pensou em ir para a capital, mas deixar a cidade que amava? Ir para um lugar que ele não conhecia para fazer o que? Ouviu alguém gritar Sempre Alerta e olhou para o outro lado da rua. Jonildo Escoteiro da Pantera indo para casa após as aulas. Chefe Corisco sorriu e respondeu. Ele sabia que a tropa tinha metade de sua vida. A outra era Marilda. Casaram-se há poucos anos ela com dezesseis e ele com vinte e um. Ele sabia que apesar de tudo ele podia contar com ela. Apesar de não ter aceitado participar diretamente no Grupo Escoteiro pelo menos aceitava e gostava dos meninos que quase todos os dias enchiam sua casa para papos que se estendiam até a noite.

                           Na esquina com a Rua Floriano Peixoto ele viu a patrulha Águia já uniformizada seguindo para sua boa ação da semana. Todos o cumprimentaram e seguiram em frente. Chefe Corisco sorriu. Como posso deixar esta turma? É minha vida, minha razão de ser. Ele amava o escotismo de uma maneira tal que muitos diziam que ele não ia num bom caminho. – Tem que dosar um pouco Chefe Corisco dizia Manfredo, o Presidente do grupo – precisa pensar um pouco em você! Bom sujeito, mas muito pão duro. Como Presidente devia ver as dificuldades que estavam passando e ajudar. Chefe Corisco nunca fora Escoteiro. A cidade não tinha um grupo. Cinco anos atrás começaram um. Capengou um pouco e ele correu para entrar, mas estava com desesseis e disseram que ainda não tinham tropa sênior. Ele todos os sábados ia para a sede ver a correria, as patrulhas. Amava aquilo e dormia pensando em vestir sua calça curta, por seu lenço e seu chapéu, uma bandeira e correr para as montanhas.

                          Quando fez dezoito anos pediu para entrar. Poderia ajudar como assistente. Chefe Jacob olhou para ele e disse que iria pensar. Que ele voltasse na outra semana. Ele sabia que Corisco mal tinha terminado o segundo grau e não tinha emprego fixo. Chefe Corisco esperou a semana como se fosse sua última semana no mundo. Quase subiu as nuvens quando Chefe Jacob disse que ele podia entrar. Chefe Corisco prometeu a si mesmo mudar de vida, encontrar um emprego, estudar e mostrar aos Escoteiros que ele podia ser alguém e dele orgulhar. Mas não foi bem isto que aconteceu. Não arrumava emprego e nem estudou nada. A cidade não tinha escola para ele e seus pais gente humilde eram aposentados ganhando pouco menos de dois salários mínimos. Um dia Chefe Mosquete o chamou para ser seu ajudante e ele aceitou. No mês que tirou dois mil reais achou que podia casar e casou. Todos foram contra – Chefe Corisco! Você tem 21 anos e a Mariza 16! Porque não esperar? Corisco disse não. Primeiro que amava Mariza e segundo achou que casado os pais dos escoteiros o olhariam com mais respeito.

                   Esperou o farol abrir para atravessar a Rua Santo Ângelo. Resolveu ir ao banco. Seria indelicado não ir. Ele gostava de Pirilampo. Um Escoteiro avoado, sorridente e que topava qualquer parada. Lembrou que no mês anterior na jornada ao Vale da Tartaruga Pirilampo quase morreu. As patrulhas andavam a vontade na estrada e por não ter movimento ele gostava que todos pudessem conversar observar a natureza, ouvir o cantar dos pássaros e descobrir pegadas. A turma adorava estas jornadas. Na curva do Cavalo Doido foi que a tragédia quase aconteceu. Dois Touros Guzerá cismaram com a escoteirada. Um deles partiu direto em cima de Pirilampo. Ele viu que se não interferisse uma tragédia ia acontecer. Tomou o bastão de Gentil e correu em cima do Touro. Enfiou a ponteira de aço no meio dos olhos do touro. Este caiu e pouco tempo depois morreu. O Senhor Nacano fez questão de pagar pelo Touro ao Fazendeiro Totonho. Ficou agradecido ao Chefe Corisco e agora o havia chamado. Ele sabia que era por causa do acidente. Nunca achou que fez nada demais só fez o que devia fazer como um bom Escoteiro que era.

                   Entrou no Banco ressabiado. Estava cheio e pediu a moça para falar com o Senhor Nacano. Ele veio sorridente a abraçar o Chefe Corisco – Corisco meu amigo, você vai trabalhar aqui. Tenho uma vaga para você com excelente salário. Corisco já sabia e agora iria aceitar. Precisava do emprego e iria mostrar que era capaz não só por gratidão por ter salvado da morte o filho do Senhor Nacano. – “Todo mundo no chão”! - Alguém gritou. Um tiro para o ar e todos deitaram. Um assalto pensou Corisco. – Um bandido chegou à escopeta na testa do Senhor Nacano. – Tem cinco segundos para abrir o cofre – um, dois, três... Chefe Corisco no alto dos seus vinte e um anos, casado, sem filhos, mas que adorava o escotismo levantou de um salto, tomou a escopeta do bandido e com ela bateu em sua cabeça. O Bandido caiu e outro estampido se ouviu. Uma mancha vermelha em cima da blusa de corisco apareceu. Um tiro fatal.


                    A cidade em peso acorreu na cerimonia fúnebre. Uma cerimonia do Adeus. Não houve o toque do silencio e até esqueceram-se de cantar a canção da despedida. Centenas de pessoas se acotovelaram em volta da Campa simples. Marisa em pé chorava baixinho. O Senhor Nacano engasgado não sabia o que dizer. Padre Tomaz rezou o que tinha de rezar. A escoteirada chorando sem parar. A vida é assim, do nada se vive e do nada se morre. Adeus Corisco, a cidade em pouco tempo vai se esquecer de você. Você não era nada e mesmo virando um herói de nada valeu. Valeu ou não cinquenta anos depois Marisa ainda rezava todos os dias e depositava flores na última morada de Corisco. Ao levantar ele não deixava de ler o que escreveram para ele em uma placa de bronze – Escoteiro eu fui, Escoteiro eu serei até morrer!            

quinta-feira, 24 de julho de 2014

A sombra e a escuridão.


Lendas Escoteiras.
A sombra e a escuridão.

 "Que meus inimigos sejam fortes e bravos para que eu não sinta remorsos ao derrotá-los"

                       Em minutos o tempo mudou. Parecia noite, mas não era. O relógio de Donato marcava quatro da tarde. A trilha fazia volta no morro do Pastor. Os Javalis seguiam em fila, pois a trilha era estreita. Do lado direito da trilha um gigantesco penhasco. Cair era morte certa. Não dava para apertar o passo, tinham que seguir calmamente para não acontecer o pior. Molano olhou para o céu e se assustou. As nuvens cor de cobre não deixavam dúvidas, é temporal que se descobre. Um trovão ribombou por toda a encosta da montanha. O coração de todos os patrulheiros batia aceleradamente. Pelo menos era só um trovão, o pior era o raio mortal que vinha antes dele. Monte Alto o Monitor dos Javalis era experiente. Não foi a primeira vez que sua jornada fora agraciada com uma tempestade. Mas aquela era diferente. O vento começou a soprar forte e a chuva caia torrencialmente parecendo inundar a pequena trilha que eles caminhavam. Monte Alto não teve duvidas. Chamou Rolemberg que estava com a corda, e aberta foi dada a primeira volta para um Fiel Duplo, quem sabe melhor o triplo numa pequena árvore a beira da estrada. – Todos já sabiam o que fazer se abraçaram uns aos outros próximos a árvore e a corda foi passada por eles e a pequena árvore varias vezes.

                      Parecia que o mundo ia desabar. Difícil falar com tanto raio e trovão que não parava. Javier olhou para a trilha encharcada. O vendaval não perdoava. Se estivessem soltos não iriam sobreviver naquela trilha molhada e barrenta. Andar por ela era escorregar e cair no penhasco que escuro nem o fundo se via. Ele não acreditava que aquela enorme Onça Pintada pudesse estar ali proximo a eles. Ela com seus olhos vermelhos não sabia da chuva, dos raios, dos trovões e que a sua esquerda poderia sumir no penhasco mortal. Javier cutucou Monte Alto, que cutucou Rolemberg, que cutucou Lorenzo e Donato. Justino não conseguia ver o que eles apontavam. Estava em outro extremo da corda que os segurava naquele vendaval imenso e não puderam ver a enorme Onça Pintada. A mão de Deus? Só podia ser. Um raio enorme caiu à frente da Onça pintada que deu meia volta e subiu correndo à montanha a procura de um abrigo. Um alívio tomou conta de todos apesar dos trovões dos raios e da chuva que não parecia terminar nunca. Se tens vento e depois água, deixe andar que não faz magoa, mas se tens agua e depois vento põe-te em guarda e toma tento! Todos sabiam e a preocupação aumentou com aquele vendaval que só veio quando a chuva caia aos borbotões.

                     A noite chegou e a chuva não parava. Pelo menos o vento e os trovões sessaram. Desamarraram-se e partiram, mas andando a passos de tartaruga. Escorregar seria o principio do fim. Todos estavam amarrados uns aos outros, mas a trilha escorregadia poderia não poupar ninguém em uma queda. Foi Lorenzo que avistou uma pequena saída à esquerda e avisou Monte Alto o Monitor. A saída foi à salvação, mas só para passar a noite, pois a trilha era o único meio deles atingiram a Ravina do Bem Ti Vi. Em pouco tempo limparam uma área de quatro metros quadrados. O suficiente para passarem a noite. Justino ofereceu para fazer uma sopa e todos sabiam que ele era capaz, Monte Alto achou melhor esperar o amanhecer. Como bons Escoteiros acampadores eles dormiram. A chuva prosseguiu até às três da manhã. Foi Molano que olhando para o céu viu quando a chuva passou e as estrelas surgiram no céu. As nuvens de chumbo despareceram.

                      Monte Alto acordou a todos antes do amanhecer. Queria colocar o pé na trilha nos primeiros raios do sol. Estavam todos molhados, mas ninguém reclamava. Afinal eram valentes mateiros e não ia ser uma “chuvinha” que poderia assustá-los. Monte Alto fez um Conselho de Patrulha. – Podemos fazer um lanche quente e estamos precisados ou podemos ir em frente, pois acredito que mais dois quilômetros atingiremos a Estrada do Negro Monte. De lá menos de duas horas chegaremos a Ravina do Bem Ti Vi. Gostaria de saber a opinião de cada um. – Todos deram sua opinião, queriam chegar logo, montar um bom campo, comer uma bela refeição feita por Justino o Cozinheiro da Patrulha. Todos sabiam que as Patrulhas Corvo, Andorinha e Águia Dourada se encontrariam lá. Eles não queriam atrasar já que o Chefe Bill tinha preparado um belo jogo à tarde daquele dia. Já tinham percorrido uns mil e duzentos metros. A trilha molhada ainda oferecia perigo e continuavam a andar em passadas lentas.

                       Foi Molano quem viu a onça. Estava à direita da trilha, e por um milagre não tinha caído no penhasco. Preza em galhadas e cipós não podia se mexer. Era como se uma enorme tarrafa a tivesse segurado. Todos pararam para observar. Ela era enorme, seus olhos vermelhos encaravam aqueles valentes Escoteiros que se arriscavam na Trilha da Morte como era conhecida. Por uns instantes ninguém disse nada. Molano tomou a frente, abriu a corda e fez na ponta um balso pelo seio, na outra ponta em um pequeno arvoredo fez um volta de fiel duplo. Todos entenderam sua ideia. Eles sabiam que não podia deixar a Onça Pintada morrer ali. Seria uma morte terrível. Não seria fácil laçar a Onça com o Balso Pelo Seio. Rolemberg se ofereceu a descer proximo a ela e com seu bastão tentar enlaçar a Onça. Vários cabos foram entrelaçados para se fazer uma corda e todos seguraram Rolemberg por ela. Se a onça caísse ele não cairia. Não foi fácil, uma hora depois conseguiram. A onça tentou se desvencilhar da corda, mas não conseguiu.

                       Monte Alto estava preocupado. Se a Onça ao ser salva resolvesse atacá-los eles não teriam como se defender. Nenhum patrulheiro do Javali pensou nisto. Só pensavam em salvar a Onça Pintada. Não foi difícil logo ela atingira a trilha onde estavam. Monte Alto, Javier, Donato e Justino fizeram uma barreira com seus bastões. O Balso Pelo Seio não se soltou. A Onça Pintada estava em pé olhando para eles. Não se sabe se foi por medo ou se foi uma coragem não esperada que Molano se aproximou da onça, com seu bastão desfez o Balso Pelo Seio em seu corpo. A Onça estava parada e parada ficou. O nó desfeito a corda puxada e enrolada já se encontrava nas costas de Javier. Parece mentira, vão dizer que não é verdade, mas a onça se abaixou com as pernas da frente, fez uma mesura, deu um passo atrás se virou e partiu. Ninguém disse nada. Um suspiro de alívio? Não. Para eles valentes Escoteiros acampadores aquilo era rotina. Eles se consideravam profissionais no campo nas jornadas e nada amedrontava aquela Patrulha.

                      Partiram com sol alto para seu destino. Se alguém contou alguma coisa foi porque leu no Livro de Ata da Patrulha tão bem anotado por Lorenzo o Escriba. Falar sobre a chegada, sobre o que aconteceu com eles nos quatro dias que confraternizaram com as outras patrulhas quem sabe não era uma história tão digna na jornada que fizeram para chegar lá. Sei que todos eles mesmo tendo um enorme orgulho da Patrulha Javali, nunca em suas vidas esqueceram aquela Onça Pintada na Trilha da morte. Afinal são histórias, são coisas de Escoteiros!


- “Você pode viver com dignidade, mas não morrer com ela”.

sábado, 19 de julho de 2014

A incrível lenda do Guardião da Floresta da Bocaina.


No mundo de fantasia entre bruxas, fadas, Duendes e Gnomos. O que eu sei que as Bruxas nos fazem apaixonar e cessar no tempo. As fadas nos ensinam a ser criança. Os duendes esconde de nós, o tesouro mais íntimo, assim como os Gnomos ficam rindo da nossa cara.

Lendas escoteiras.
A incrível lenda do Guardião da Floresta da Bocaina.

“Conta uma lenda que toda vez que alguém desaparecia na Floresta da Bocaina as margens do Rio Vermelho, a sudoeste de Palo Verde e ao norte da capital do Pará, uma densa neblina tomava conta para evitar que as buscas tivessem sucesso. Dizem que era uma floresta tão densa que a luz do sol raramente passava entre as copas das árvores e isto criava um cenário ideal para a existência de lobisomens, bruxas e gnomos”.

Prologo:

          Quando me contaram esta história sorri de leve para não deixar Diógenes sem graça. Ele mesmo se jactava que em uma das suas reencarnações tinha o mesmo nome, e que era aquele que andava com um lampião aceso dizendo estar em busca de um homem honesto. Eu conhecia a lenda, ela aconteceu lá pelos idos do ano de 323 antes de cristo. Diógenes era chamado de Cínico e foi um filósofo da Grécia antiga. Se fora anedota ou não ele foi exilado de sua cidade, mudou para Atenas e depois virou um mendigo que perambulava pela rua carregando um lampião, durante o dia dizendo estar procurando um homem honesto. Ele acreditava que a virtude seria mais bem revelada se na ação e não na teoria. Mas o Diógenes de hoje não sei não. Ele não trabalhava e vivia também perambulando pela cidade, sem seu famoso lampião e diferente de muitos mendigos ele tinha uma casinha boa e vestia sempre roupas caras. Bem eu não era amigo dele e para dizer a verdade nem sabia quem eram seus amigos. Naquela tarde estava me preparando para uma difícil prova que iria realizar para ver se conseguia uma vaga de Auditor Fiscal da Secretaria da Fazenda quando ele sentou ao meu lado.

          Eu gostava da Praça do Povo, um lugar simples sem movimento e que me deixava tranquilo para aclarar as ideias. – Eu já te contei esta? Ele falou. Não sabia que ele estava ao meu lado. Qual Diógenes? – A do Guardião da Floresta da Bocaina! Ele disse. Nunca tinha ouvido falar, mas dei corda a ele. Eu sei quanto vale uma história bem contada e quem sabe minha cabeça a mil ouvindo uma boa história até me ajudaria a entender melhor aquela matemática infernal que tentava entender para a prova do dia seguinte. – Olhe – Ele continuou – Não sei o seu nome, mas sei que você é um Escoteiro. Já vi você de calças curtas muitas vezes. Sei que vocês gostam de acampar, explorar novas florestas e montanhas enormes e sei também que adoram um curso de água doce à procura de sua nascente. Antes de morar aqui eu morava em Palo Verde, uma cidade a sudoeste do Rio Vermelho bem longe da Capital do Pará. Lá eu era bem conhecido e tinha até um Cinema que aos sábados e domingos uma fila enorme se fazia para assistir a um bom filme.

Uma história, apenas uma história.

                 Foi lá em Palo Verde que vi vocês a correrem pela cidade, a desfilar, a colocar uma mochila e ir para os campos a procura de aventuras. Eu até um dia pensei em ser um de vocês, mas depois desisti. Porque desisti? Tudo por causa do Jobson dos Santos. Um menino pequeno, magro, raquítico que só vendo. Quase não falava e quando dizia alguma coisa era de uma sabedoria tremenda. Ele era daqueles que nunca deixava nada sem fazer. Não levava desaforos para casa apesar de que bastava um empurrão e ele se esparramava pelo chão. Jobson resolveu ser Escoteiro. Foi aceito porque sua mãe era amiga de uma Chefe de lobinhos e isto porque não existiam vagas. O Grupo Escoteiro estava cheio. Na Patrulha Lagarto ninguém ligava para ele. No primeiro acampamento ele sumiu por horas. Apareceu depois sorrindo e mesmo com a “lavada” do Monitor e do Chefe ele continuou rindo e não disse nada.

                Jobson era inteligente. Menos de cinco meses sabia tudo para fazer as provas de segunda e primeira classe. Só não fez porque o Monitor Maguilson lhe disse que precisava ter um tempo. Precisava também de algumas especialidades. Jobson não disse nada, ele não encrencava e nem retrucava. Aceitava tudo de bom grado. Um dia em um acampamento de fim de semana um fazendeiro amigo da tropa fez uma visita e a noitinha em uma Conversa ao Pé do Fogo contou uma história interessante. Claro que ninguém acreditou. – “Escoteiros” - ele disse – Se um dia vocês forem para os lados do Rio Vermelho, bem a sudoeste de Palo Verde nunca entrem na floresta Negra da Bocaina. É uma floresta tão densa que é difícil andar. Mesmo com um bom facão fazer uma trilha é difícil. À tardinha uma bruma cinzenta percorre toda a mata e quase nunca o sol consegue penetrar entre as árvores.

                - Todo mundo prestava a máxima atenção ao senhor Zeferino o fazendeiro. Olhos arregalados, pois se tinham uma coisa que gostavam eram histórias incríveis e quem sabe um dia viver uma delas? – Continuou o Senhor Zeferino – Nesta floresta negra dizem que habitam “lobisomens, bruxas e gnomos”. Contaram-me que tem um enorme leopardo rajado de amarelo e negro que toma conta de tudo. Ninguém ousa entrar lá e o tal Leopardo com suas enormes garras mata quem se arrisca. Um empregado meu, de nome Zózimo riu quando soube da história. Pegou uma espingarda e um facão e alardeou a todos que ia entrar. Sumiu por dois meses. Encontraram-no quase morto as margens do Rio Vermelho e ficou internado na UTI de um hospital por dois anos. Quando saiu pegou o primeiro ônibus e sumiu da cidade. Os que ouviram sua história tremem até hoje em contar.

                    Lourenço muito amigo dele disse que ele encontrou o Leopardo. Horrível, não deu tempo de fugir. Mas o Leopardo o encurralou em uma gruta e ele deu vários tiros e só a fumaça saia pela arma. O Leopardo sumiu e a noite escura e sem luar, apareceu uma linda moça, com um vestido longo e branco e o chamou. Ele sorriu e pensou quem mais alguém habitava aquela floresta. Foi até ela e os dentes enormes e as unhas enormes logo o envolveram. A moça se transformou em um Leopardo e só não o matou porque ele conseguiu correr pulando nas águas escuras do Rio Vermelho. Ele disse que enquanto nadava para a outra margem avistou um enorme lobisomem e várias bruxas que voavam por cima da sua cabeça. Bem eu nunca acreditei na história completou o Senhor Severino, mas querem saber? Nunca fui para aqueles lados. Mais tarde, na barraca Jobson deitado pensava na história. Não saia de sua cabeça. – Vou ver onde fica, se ninguém quiser ir eu vou!

                    Dito e feito. Jobson convidou a todos da patrulha – Vocês não acreditam nesta história acreditam? Acreditando ou não ninguém quis ir. Ele tentou tudo e até o Chefe o proibiu de comentar mais com a tropa. – Jobson ele disse – Ninguém nunca foi lá e voltou vivo, porque esta insistência? Acredite ou não eu o proíbo de comentar novamente com sua patrulha. Jobson olhou o Chefe e não disse nada. Uma tarde Jobson sumiu. Seus pais preocupados o procuraram no grupo e com todos seus amigos. Nada. O delegado chamou diversos homens e correram por toda a vizinhança da cidade. Dona Matilde disse que o viu pela manhã de uniforme Escoteiro e chapéu, Uma mochila e um bornal rumo a nascente do Rio Vermelho. Os Escoteiros quando souberam pensaram logo que ele tinha ido para a Floresta Negra da Bocaina. Danado! Pensaram. No fundo todos o invejavam.

                     Jobson sumiu. Por anos ninguém mais ouviu falar dele. Nonato Castanheira era Sênior e tinha também o sangue aventureiro a correr em suas veias. Quando Jobson sumiu ele era lobinho. Agora como sênior vivia sonhando em ir também conhecer o mistério da Floresta Negra. Tinha um medo enorme e sabia que ninguém iria se arriscar a ir com ele. Sem mais nem menos Nonato Castanheira um sênior da Patrulha Pico da Neblina sumiu. Outro? Parecia uma epidemia, mas até então eram dois. Cinco meses depois Nonato Castanheira apareceu. Tinha um olhar diferente, não falava e nem sorria. Escreveu um bilhete aos seus pais pedindo desculpa por não ter dado notícias. Onde fora era difícil. Ele ia voltar e nunca mais iriam vê-lo novamente. No bilhete ele disse que apaixonou pela Fada Violeta, a mais linda mulher que o mundo conheceu. Ela a noite se transformava em fada e durante o dia era o temido Leopardo Guardião da Floresta.

                      Completou dizendo que a Princesa Violeta tinha muitos homens em sua volta. Formavam um enorme batalhão que a defendia contra tudo e contra todos. Sobre as bruxas e Lobisomens e Gnomos ele não escreveu nada. Parece que os homens que amavam a Princesa se transformavam a noite enquanto ela virava uma linda moça em monstros. A Floresta Negra maldita para uns cheia de amores por outros, cheia de fantasmas por muitos e muitos anos ficou intacta de visita de seres humanos. Eu soube que uma unidade da Marinha com mais de duzentos soldados entraram na floresta. Nunca mais voltaram. Ninguém mais se arrisca a entrar lá. Olhei para Diogenes e sua história mirabolante. Toda história eu sei que tem um fundo de verdade, mas aquela era demais. Quando voltei para casa procurei na internet todo que poderia contar no Google sobre a tal Floresta. Nada encontrei.

                      Pelo sim e pelo não um dia vou a Palo Verde, nem sei onde fica se é longe da Capital do Pará. Mas sou um Escoteiro aventureiro e não deixo nada sem investigar. Eu adoro histórias assim e breve muito em breve vou descobrir a verdadeira história da Floresta Negra da Bocaina. Vou tirar a limpo a história dos guardiões e da Princesa Violeta. Sei que eu não vou me enamorar. Adoro minha esposa e meus filhos e até já disse a eles o que vou fazer. Na próxima primavera irei de avião até Belém. De lá embarco em um navio em busca do Rio Vermelho. Se Palo Verde e a Floresta Negra existem, eu um Escoteiro vou encontrar sem sombra de dúvida. E quando voltar, se voltar vocês saberão toda a verdade! 

Era tudo tão perfeito
um tanto quanto surreal
bruxas e belas princesas
unicórnios no quintal

onde andavam de mão dadas
chapeuzinho e lobo mau
e então agente acorda

tudo volta ao seu normal
bruxas queimam na fogueira
princesas só no carnaval.



Samuel Escoteiro e as Sete Pragas de Rio Mimoso.


“Que as pulgas de mil camelos infestem o meio das pernas da pessoa que arruinar seu dia, e que os braços dessa pessoa sejam curtos demais pra se coçar”...

Samuel Escoteiro e as Sete Pragas de Rio Mimoso.

                   Foi em uma tarde gostosa do mês de abril que encontrei o Chefe Lépido (Marco Emilio Lépido) próximo a praia de Pocitos em Montevidéu. Gente fina. O conheci ha muitos anos em um Seminário Internacional Escoteiro em San José, na Costa Rica. Ficamos amigos. Amicíssimos. Fazia mais de dois anos que não o via. Sentamos em um Café de frente para o mar e conversamos até altas horas da madrugada. Eu iria retornar ao Brasil no dia seguinte e ele iria partir para a Cidade do Cabo na África do Sul. Ele era um contador de histórias nato. Eu gostava do jeito dele. Narrava e vivia com as mãos e o corpo o desenrolar da história. No Café alguns clientes deram risadas.

                  Realmente era uma história inverossímil para os dias de hoje. Como ele era Escoteiro dos bons, fiz de conta que acreditei. Mas vamos aos entretantos e deixemos os finalmentes para depois. – Meu amigo, estive lá uma semana depois do acontecido. Rio Mimoso não tinha mais que vinte mil habitantes. Gostei muito do Grupo Escoteiro de lá. Turma excelente. Foi um Escoteiro de nome Samuel, mais ou menos treze anos que me contou toda a história de Rabequita. Folclore da cidade, ninguém lembrava quem eram seus pais e só sabiam que ela morava no Morro da Tristeza. Morar lá era o fim do mundo. Rabequita andava o dia inteiro pela cidade apoquentando todo mundo. Não falava palavrões, mas dizia cada coisa que todos corriam dela como o diabo corre da cruz.

                  Só podia ser maluca diziam. Porque não a internam num hospício por ai?  Mas quem tinha esta coragem? O Prefeito Bafodonça tinha medo dela. O Dr. Pasquelino Gonzaga Juiz de Direito dizia que nem perto dela ia chegar nunca. O Delegado Praxedes lavou as mãos. Por mim ela vai morrer em Rio Mimoso e olhe, pretendo ir ao seu enterro. E dava boas risadas. Quem não gostava nada disto era as Damas dos Bons Costumes da cidade. Faziam tudo para sumir com ela de lá. – Uma praga para nós diziam. Nunca seremos bons anfitriões com ela mexendo com nossos poucos turistas. Ainda bem que ela tinha um fã. Samuel da Patrulha Corvo. Ninguém na Patrulha e na tropa entendiam nada.

                 Todo sábado pela manhã, antes da reunião ele a levava a sua casa e dizia para ela tomar banho. Só tomava banho aos sábados. Sua mãe bem velhinha fazia de conta que não via nada. Samuel sempre conseguia roupas limpas para ela junto às famílias escoteiras. Ninguém entendia nada. Bem cedinho lá estava Samuel na avenida principal e a levava segurando em sua mão e os dois sem dizer uma única palavra em direção a sua casa. Rabequita gostava ou pelo menos fingia que gostava. Depois do banho Samuel Escoteiro oferecia um lauto almoço. Ela saia antes dele ir para a reunião Escoteira sorrindo e cantando.

                  O Chefe Joventino achava que Samuel era um bom Escoteiro fazendo aquele tipo de boa ação. Conversava sempre com ele e perguntava por que ela o obedecia e mais ninguém. Samuel não respondia. O mês de janeiro prometia. Um sol escaldante, nada de chuva. A represa que abastecia a cidade estava secando. Na igreja um movimento enorme para a procissão que as Damas dos Bons Costumes realizava diariamente. Pediam a São Tomás de Aquino e não a São Pedro e rezavam para ele trazer chuva. Uma vez, duas vezes os escoteiros foram, mas pediram o Chefe para não ir mais. Sempre quando as Damas marcavam uma procissão eles inventavam um acampamento ou uma excursão.

                   Rabequita só olhava de longe e dava gargalhadas enormes. – Alcoviteiras, viúvas de São Pedro, vagabundas da cidade ela gritava em cima de um caminhão estacionado enquanto a procissão passava. As Damas estavam “por aqui” com Rabequista. Chamaram o Bispo, pois o padre não resolvia nada. O bispo telefonou ao prefeito que telefonou ao juiz que telefonou ao Delegado e nada. Rabequita não parava de praguejar. Agora ela fazia questão de deitar no chiqueiro do Seu Gastão só para que o seu cheiro se tornasse horrível para quem fosse à procissão. O Padre Norberto não queria se envolver. Toda vez que procurou Rabequita ela o mandava para aquele lugar.

                    O jeito foi trocar o delegado, pois o Senhor Praxedes tinha um medo dela enorme. Prometeu chegou à cidade de Rio Mimoso sabendo da fama de Rabequita. – Deixa comigo dizia. Coloco-a no xadrez por dois dias e ela vai aprender com quantos paus se faz uma canoa. Nem bem tomou posse e foi dar uma volta no centro da cidade. Não tinha como fugir. Lá estava Rabequita parando o trânsito, chingando e jogando pedra nas vitrines das lojas. Não deu outra. Pegou-a pelo braço e arrastando jogou-a no fundo do xadrez da delegacia. Rabequita gritava e praguejava dizendo que o delegado Prometeu ia prometer nas “prefundas dos infernos”. Samuel Escoteiro quando soube correu até a delegacia e pediu ao Delegado Prometeu que a soltasse. Ele riu. Vai para sua Patrulha menino. Não me enches a paciência se não coloco você junto com ela.

                   Não se sabe como, mas uma colmeia de abelhas africanas invadiu a delegacia. Milhares e milhares delas. O escrivão e dois soldados se mandaram com a cara inchada de mordidas. O Delegado Prometeu não podia fazer nada. Durante cinco dias só entrava o Senhor Periquito do restaurante Bom Menino e mesmo assim usando um protetor que pediu emprestado ao Senhor Baunilha, um apicultor que criava abelhas lá para o lado de Rochas do Prego Solto. Ele sempre encontrava Rabequita rindo, dando gargalhadas e interessante, nenhuma abelha a mordia, passeavam no seu corpo e pareciam estar em festa. Samuel pediu ao delegado Prometeu para falar com ela. Sabia que só ela tiraria as abelhas da Delegacia.

                 Dito e feito. O delegado soltou Rabequita e as abelhas sumiram. – Querem chuva? Gritava para o povo na procissão. Vou lhes dar chuva! E ria. E gargalhava. Trovões ribombaram nos céus. Uma chuva torrencial. O povo dançava e cantava. Um dia, dois dias, três quatro uma semana. A chuva não parava. A ponte sobre o rio mimoso ameaçava desabar. O rio já passava sobre ela. As ruas da cidade foram tomadas pela enchente. Rabequita dançava na chuva. Quem tivesse assistido ao filme Cantando na Chuva ia se deliciar. Rabequita arrumou um guarda chuva furado e corria pelas ruas, segurando no poste e cantando.

                 A Tropa Escoteira estava em reunião. Decidiam se iam cancelar o acampamento de quatro dias que iam fazer nos Morros Uivantes das Pedras Nuas. Era o acampamento mais esperado do ano. – Chefe disse Samuel posso tentar parar a chuva? – Todos riram. – virou milagroso? Disse o Monitor da Falcão. – Posso tentar? Faça o que quiser Samuel, disse o Chefe Joventino e não disse mais nada. Combinou-se de dar dois dias para a chuva parar. Lá foi Samuel procurar Rabequita. Quando ela o viu abaixou a cabeça e deu-lhe a mão. Achou que era dia do banho mesmo que estivesse tomando banho há dias naquela chuvarada. Samuel falou baixinho no seu ouvido – Rabequita, se a chuva não parar não poderemos acampar!

                  Uma hora depois o sol apareceu no céu. A chuva acabou. O acampamento foi um dos mais bonitos que a tropa fez. O Delegado Prometeu não se deu por vencido. Se esta feiticeira acha que vai rir de mim está redondamente enganada. Telefonou para Mar das Vertentes e falou com o delegado de lá. Pediu um rabecão para levar uma doida e internar no Hospício Esperança Feliz. Dito e feito. Levaram Rabequita a noite. Ninguém viu. No dia seguinte não amanhecia. Sempre noite. O que ouve? Outra praga de Rabequita? Um dia, dois três e o dia não aparecia. Procuraram a mulher em todo lugar e não acharam. O Delegado Prometeu ficou cismado. Cacilda! A mulher tinha parte com o Demônio? O Coisa Ruim? Mandou trazê-la de volta. Ela o olhou e disse: - A próxima vez você vai virar um macaco prego. Irá morrer de tanto comer banana.

                O Prefeito Bafodonça e o Dr. Pasquelino Gonzaga o Juiz de Direito, reuniram a fina flor da sociedade local. O que fazer? Chamaram também o Escoteiro Samuel. Afinal ele era íntimo dela. Ninguém sabia explicar isto, mas ele seria a melhor pessoa para aconselhar. Querem resolver? Perguntou Samuel. Dê a ela uma casinha boa perto do Cemitério do Paletó Preto. Que a cada dez dias o Senhor Marombático do Supermercado Preço Alto entregue na casa dela uma cesta de mantimentos. Todo mês mandem levar para ela duas caixas de charutos Cohiba, aquele que o ex-presidente Lula fuma. – Mas este charuto é caríssimo disse o Delegado Prometeu. O prefeito interferiu. - Tudo bem. Assim foi feito. Durante cinco meses a calma voltou a reinar na cidade de Rio Mimoso. Tudo piorou quando o seu Marombático do Supermercado Preço Alto não estava mais fazendo as entregas no prazo e o pior, colocava produtos de terceira.

                Um inferno. Milhares de pássaros no céu gritando, voando e bicando as cabeças dos transeuntes e o pior, fazendo necessidades nas cabeças das pessoas. Ninguém tinha sossego. Saia de terno e voltava-se borrado! Outra reunião, seu Marombático pediu desculpas. Mesmo em sua casa nova, com chuveiros e até colocaram lá uma Banheira Branca linda de morrer ela não tomava banho. – Manuel meu Escoteiro, se eu tomar banho todo dia quem vai “feder” é a cidade. Enquanto eu ficar fedendo a cidade fica cheirosa. Manuel não acreditou. Exigiu que ela tomasse banho todos os dias. Disse que faria dela uma dama e quem sabe ela encontraria um marido para cuidar dela?

               No domingo um mau cheiro soprava dos lados da sede do Perneta Footboll Club e só aumentando. Foram lá e não encontraram nada. A cidade em peso de mascaras. Janelas fechadas, mesmo assim estava difícil viver. Ninguém sabia o porquê. Só Manuel. Não teve jeito, pediu a ela para parar de tomar banho. O cheiro desapareceu. Rabequita pediu um carro. Novo. Zero quilômetro. Manuel foi ao seu encontro. – Porque não posso? Afinal a cidade me deve muito! O Prefeito Bafodonça explodiu! Nunca andou nem de bicicleta e agora quer um carro? Arrependeu do que fez. Parece que os fantasmas do outro mundo estavam à solta. Nem bem escurecia e lá estavam eles vindo do Cemitério Paletó Preto. Zumbis, Mula sem Cabeça, Lobisomens, Esqueletos andantes, uma verdadeira procissão fazia a festa na praça da cidade.

                 O Carro foi entregue. Um Honda Civic vermelho lindo de morrer. As Damas dos Bons Costumes cuspiam de ódio. Muitas delas não tinham aonde cair sentada. Resolveram botar fogo na casa de Rabequita. Tentaram mas não conseguiram. Voltaram para suas casas frustradas. O pior todas estavam pegando fogo! Meu Deus! É um demônio não é uma mulher!  Bem a história termina aqui. Samuel me disse que Rabequita cansou da cidade de Rio Mimoso. Mudou-se para a cidade de Boina Verde. Quando ela se foi, um foguetório enorme se fez rebombar na cidade. Uma festa enorme. Que se danem o pessoal de Boina Verde.

                  Dei belas risadas e fiquei olhando para o meu amigo Lépido. Ele me olhava com expressão galhofeira. Verdade isto meu amigo? Palavra de Escoteiro disse. Tomamos mais umas duas cervejas Westmalle, pois o garçom disse que era uma das melhores do mundo. Despedimo-nos e cada um foi para o seu lado. Uma quarteirão antes do hotel que estava hospedado vi uma mulher desgrenhada, suja, um mau cheiro horrível e chegou perto de mim e disse – Me paga uma cachaça filho da mãe! Paguei. Sei lá se era a Rabequita. Montevidéu não tem disto, mas não se pode acender uma alma a Deus e ao Diabo ao mesmo tempo!


- Ganhar não é tudo, o importante é competir! (Péssimo, destrói essa, essa não ajuda em nada, nada mesmo!).

sexta-feira, 18 de julho de 2014

A felicidade não se compra Gino, um escoteiro em busca de seus sonhos



A felicidade não se compra
Gino, um escoteiro em busca de seus sonhos

Quantas vezes a gente, em busca da ventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura
Tendo-os na ponta do nariz!

Mario Quintana

      Existem certos contos que me fazem lembrar de situações ou fatos do passado. Esse é um deles. Quando imaginei a historia e como seria me lembrei do filme A Felicidade não se Compra, de Frank Capra. Para muitos uns dos maiores diretores de todos os tempos. Conta a historia de George, quando um dia sua vida virou de cabeça para baixo e na ocasião do natal, um anjo que lutava para ter suas asas de volta, desce a terra para salvá-lo de um suicídio. George sempre fez o bem, mas seus sonhos desabaram. James Stewart e Donna Reed mostram porque o filme concorreu a quase todas as indicações ao Oscar da época. Estão soberbos.

      Não que a historia de Gino seja a mesma. Nada disso. Gino não tinha nada de extraordinário e nunca pensou em tirar sua vida. Com o que tinha se sentia feliz. Gino era escoteiro da patrulha Corvo. Assim como o anjo que foi fazer a boa ação com George no filme, Gino também adorava fazer boas ações. Na sua patrulha era amado por todos e bem considerado. Gino adorava ser escoteiro. Não era fácil. Sua família muito pobre. O Grupo Escoteiro não cobrava dele a mensalidade e o ajudava muito nas taxas extras das atividades ao ar livre.

       O pai de Gino era carpinteiro. Ganhava o suficiente para a família. Infelizmente bebia muito. Chegava em casa e ia para o quarto. Isso entristecia muito a Gino. Nos fogos de conselhos que participava, não gostava de fazer personagem de bêbado. Lembrava de seu pai. Não contou para ninguém, mas um dia ele apareceu durante a ortoga de um Liz de Ouro a um monitor da patrulha Cão. Achou que era Gino quem iria receber. Estava bêbado, quase caindo e Gino não sabia onde se esconder. Seu pai não deu vexame. Mas o Chefe da Tropa notou e olhou de maneira embaraçosa para Gino.

     Naquele dia Gino se sentia feliz. Haveria um Acampamento Regional de Patrulhas (ARP). O Chefe da Tropa estava vendo quem iria. A taxa era alta. Gino sabia que nunca poderia ir. Não podia pagar. Gino, no entanto ria da alegria dos amigos. Boa parte da patrulha iria participar. Ele se sentia feliz em ver a felicidade deles. Isso era próprio de Gino. Sempre pensava nos outros e pouco em si próprio. Só ficava triste porque quando do evento não havia reuniões de tropa. Uma das paixões dele.

     Na semana seguinte, lá estavam eles de volta, contando as novidades, rindo, mostrando fotos e Gino sentia dentro de si, uma alegria por ver tantos amigos alegres. Claro, seus olhos brilhavam. Bem não tanto, aqui e ali uma pequena lagrima por não ter ido. Os membros da patrulha contavam maravilhas. Jogos, canções, fogo de conselho. Centenas até milhares de participantes. Gino ouvia calado. Ah! Pensava. Meu dia chegará. Sim claro. Gino pensava que ele também poderia um dia participar de uma atividade como essa.

      Naquele sábado estavam fazendo uma atividade de base. Eram cinco. Em uma delas treinavam como fazer um tripé com os olhos vendados. Claro, Gino se destacava nessas atividades. Não levou mais que dois minutos para dar uma amarra para tripé. Sabia como ninguém. Claudio era o monitor da patrulha. Desde que Gino entrou para ela, se encarregou de prepará-lo nas suas provas de etapas de classe. Ele dizia que Gino poderia ser Liz de Ouro. Tinha todas as qualidades para isso. Claro, era seu sonho. No entanto ele tinha outro. Um sonho lindo. Participar de uma grande atividade escoteira nacional.

    Ele sabia que uma estava sendo programada. Seria em janeiro, daí a dois anos. Um Jamboree Nacional. Incrível! Uma apoteose! O Máximo que ele podia pensar. Milhares de escoteiros e escoteiras. Ele jurou a si próprio que não iria perder essa. Tinha tempo. Iria realizar seu sonho. Afinal ele era um escoteiro e tinha esse direito. Falou com seu pai, sua mãe e eles balançaram a cabeça. Não disseram nada, sabiam de suas condições financeiras. Gino tinha um plano. Ele ia conseguir. Começou a economizar. Tinha já em seu pequeno cofre mais de trinta reais. Precisaria pelos seus cálculos de uns mil reais. Ele não achava impossível conseguir.

      Sempre ao sair da escola, procurava um meio de aumentar suas economias. Passava de casa em casa, se oferecendo para limpar o quintal, um serviço extra, qualquer coisa. Ele já tinha conseguido quase cem reais nos dois últimos meses. Ainda tinha um ano pela frente. Sua luta não parava. A cada dia mais aumentava suas economias. Sonhava acordado pensando estar chegando na maior atividade escoteira de sua vida. Comentava com seus amigos de patrulha, que desta vez eles teriam companhia. Sabia que quase todos iriam. Seus pais tinham condições financeiras e as taxas seriam pagas na data certa.

    Faltava pouco mais de seis meses para o inicio do Jamboree. Gino já economizara mais de setecentos reais. Já dava para pagar a taxa, só precisava do saldo para a viagem e alimentação. Nas reuniões ele alardeava sua alegria com todos. Desta vez ele estaria presente. Nada de fotos, nada de historias, ele iria viver todo o programa do Jamboree ao vivo e cores. E dava belas gargalhadas. Soube pelo chefe da tropa que vários escoteiros de muitos países estariam presentes. Já pensou? Conhecer outros, uniformes diferentes, quem sabe trocariam distintivos e lenço com ele? Pediu a sua mãe que fizesse cinco. Tirou de suas economias para comprar o tecido.

      Gino olhava seu uniforme. Antigo. Não estava novo. Muitas lavadas algumas partes desbotando. Não dava para fazer outro. Ia com ele mesmo. Tinha tudo. Economizara desde que entrou para a tropa. Seu chapelão tinha as abas retas. Velho mas bem cuidado. Sua faca mateira sempre limpa e ao colocar na capa, usava talco para conservar. O mesmo com sua machadinha. Seu cantil sempre era lavado e a capa perfeita. Ganhou do seu padrinho uma bussola Silva. Tinha um carinho enorme por ela. Ele iria se apresentar garboso, orgulhoso de ser um Corvo, não o melhor, mas procurava ser tanto como os demais. É Gino era um escoteiro de corpo e alma.

     Na semana seguinte, o chefe iria recolher a taxa de cada um para fazer a inscrição de todos. Só ficariam sem ir quatro escoteiros, pois eram férias escolares e eles iriam com seus pais para outras plagas. Quando acabou a reunião, Gino foi com alguns amigos ate a quadra onde dois times de basquete estavam disputando um campeonato. Era o esporte preferido dele. Quase não jogava. Quando podia entrar na quadra ele demonstrava ser um perfeito conhecedor das regras e de tudo que se fazia ali.

      Viu seu pai chegando. Assustou. Outra vez pensou? Já havia meses que ele não bebia. Tinha prometido parar. Mas não era o que pensava, não estava bêbado. Seu pai o procurava. Sua mãe estava muito mal no pronto socorro. O medico tinha dado uma receita enorme. Na farmácia do posto de saúde não tinha nada. Sabia do sacrifício que ele tinha feito para conseguir a quantia da viagem. Ele não sabia o que fazer, falou com Gino que não tinha onde conseguir. Ele era sua única esperança. Tinha de comprar os remédios. O mundo de Gino caiu sobre ele. Ele amava sua mãe. Não iria negar nunca. Foi com o pai e deu toda sua economia. Oitocentos reais. Seu sonho acabou. Jamboree, adeus! Gino não chorou. Sua mãe valia muito mais que um sonho.

     Durante cinco dias sua mãe ficou entre a vida e a morte. Seu pai vendeu uma pequena serra elétrica de madeira, tinha duas, precisava dela, no entanto o dinheiro acabou. Ele precisava de mais. Vendeu por nada. Um preço muitas vezes inferior ao valor real. O médico do bairro veio duas vezes. Uma pequena fortuna ele cobrava. Gino não saiu da cabeceira de sua mãe. Na quinta feira, ela sorriu. Gino e seu pai sorriram. Ela estava melhorando, até levantou para fazer o almoço. O sorriso de sua mãe foi um balsamo para a tristeza dele. Tentava esquecer o Jamboree. Tinha de esquecer. Agora era esperar eles voltarem e contarem como foi. Fotos, programas, e Gino ia sorrir como sempre fazia e chorar depois.

     No sábado, a reunião foi interrompida para que o Diretor Técnico explicasse como ia ser a viagem e receber dos que ainda não tinham pago a taxa. Gino ficou calado quando o chamaram. O chefe insistiu. Pela primeira vez ele mentiu. Não mentia nunca. Para ele o escoteiro tem uma só palavra. Ele não tinha duas, sempre fora leal. Agora não. Chorou por dentro quando mentiu. Disse que tinha uma infecção intestinal, não podia viajar. O medico proibiu. Não falou mais nada. Sua garganta estava engasgada. Não saía voz.

      Gino foi para casa pensando como a vida era ingrata. Claro, aceitava. Afinal entre a vida de sua mãe e o Jamboree ele ficava com sua mãe. Mas estava amargurado. Não ia chorar. Não podia. Não ia resolver nada. Sonhou tanto com esse Jamboree e o sonho morreu. Pensou consigo mesmo, afinal ainda tenho uma vida pela frente, haverá outras oportunidades. Chegou em casa e tentou sorrir para sua mãe e seu pai. Um sorriso amargo. Tentou fingir, não deu. Foi para seu quarto e chorou. Chorou muito. As lágrimas não paravam de sair. Sua mãe desconfiou e foi até lá. O abraçou e chorou com ele.

        O dia amanheceu. Um lindo sol no horizonte. Os pássaros cantavam nas árvores próximas. Uma brisa gostosa refrescava aquela manhã. Era sábado. Dia em que todos iriam partir para o Jamboree. Gino ficou na janela. Tentando ver em sua mente, a alegria de todos na partida. As canções, o ônibus, sorrisos em profusão. Estava taciturno, calado, mudo. Não chorava mais. Não adiantava. Bola para frente dizia consigo mesmo. Mas era tapear seu coração que doía de uma maneira terrível. Deus dizia daí-me força. Vai ser difícil sair dessa fossa.

      Gino foi para o quintal. Tinha uma mangueira frondosa que ele gostava de sentar na sombra e imaginar tudo que um dia poderia fazer. Ali era onde sonhava. Pensou que logo passaria para os seniores. Lá tinha certeza que iria fazer tudo de novo. Ele seria maior, conseguiria um emprego e não ia perder mais nenhuma atividade nacional. Sonhou que poderia ir em um Jamboree mundial em outro país. Sonhar... Como é bom sonhar. È barato, de graça, não custa nada e muitas vezes conseguimos nesses sonhos tudo que gostaríamos de realizar.

      Gino dormiu encostado ao tronco da mangueira. Agora ele sonhava. Viu anjos, viu nuvens brancas, viu um velhinho de barbas brancas sorrindo para ele e dizendo: - Você vai conseguir. Voce vai conseguir! Não desanime meu filho. A vida é bela. Sabe meu filho, o fantástico da vida é saber fazer de um pequeno momento, um instante de um grande momento. Aprenda que o importante na vida não é o que você tem e sim o que você pode conseguir. Se a felicidade não entrar pela porta não tem problema. Fica um pouco com a tristeza e depois mande ela embora. O velhinho sorriu e desapareceu.

     Era um belo sonho, mas Gino acordou assustado com uma buzina de um ônibus. Levantou esfregou os olhos e viu seu pai sua mãe e o chefe da tropa com eles. Eles sorriam e diziam, vá se preparar meu filho, você vai para o Jamboree! Incrível! Espantoso! Ele não estava acreditando. O chefe da tropa contou que todos se cotizaram.  Souberam do seu ato de grandeza. Um escoteiro assim não ia ficar para trás. Gino deu um salto. Gritou alto. Viva! Ainda tenho sonhos e eles estão sendo realizados.

     Gino correu. Foi ao seu quarto. Vestiu o uniforme. Olhou-se no espelho. Gostou do que viu. Sorriu para se próprio e gritou – Jamboree me aguarde, aqui vou eu! E dava belas gargalhadas. É a vida é assim mesmo. Voltas daqui, voltas dali e as surpresas acontecendo. Algumas muitas vezes não agradáveis, mas outras estupendas.

      Descrever a alegria de Gino na chegada, ver tantas delegações chegando também. Gritos alegres, canções nunca ouvidas. A inscrição, os abraços, os comprimentos. Eu? Sou de Mira Flores e você? E assim ia. Canadá, Estados Unidos, México, Inglaterra, muitos países. Gino nunca soube quantos. Quando do último dia, os olhos de Gino encheram-se de lagrimas. Desta vez de alegria. Uma grande cadeia da fraternidade. Cantada em vários idiomas.

     O ônibus, a chegada, a mãe e o pai esperando. Gino gritando – Mãe! Consegui! Fui no Jamboree! Mãe, oh mãe, me abrace, sou o menino mais feliz do mundo! Seus pais choravam de alegria. É. Gino conseguiu. Ficou marcado para sempre em sua vida. Não importava agora se podia ir ou não em outros. Seu sonho foi realizado. Ele pensava e dizia em voz alta – Eu não fiquei olhando a montanha. Eu a escalei. Vi o outro lado. Gino sabia. A chave da felicidade é sonhar. A chave do sucesso é fazer dos sonhos a realidade. O mais importante na vida não é o triunfo, mas a luta para alcançar.

      Este é o nosso movimento escoteiro. Algumas histórias com final feliz. Todos gostam mais dessas. Mas as tristes existem. E pode estar ao seu lado. Quem sabe existe um Gino em sua tropa? Faça dele também uma pessoa feliz.  Não pense só em si, no seu sucesso, na sua alegria. Todos gostam de contar o que sentiram, mas tem aqueles que nunca poderão sentir o que não viram. Antes de programar uma aventura, pare, veja e olhe. Será que não tem nenhum Gino por aqui?

E quem quiser que conte outra...

"Afogue a tristeza nas ondas da alegria;
Enxugue as lágrimas no manto do sol e faça brilhar um sorriso nos lábios.

 A boca que vive a chorar desaprende a sorrir."


sábado, 5 de julho de 2014

O lobinho, o Chefe Escoteiro e o Cavalo Dourado.



O lobinho, o Chefe Escoteiro e o Cavalo Dourado.

"O maravilhoso da fantasia é nossa capacidade de torná-la
 realidade”.


Lito tinha nove anos. Ia fazer 10 no mês seguinte. Tinha um aspecto alegre, bonachão, contador de piadas, e apesar do seu aspecto nissei, seu pai nascera neste país assim como sua mãe. Na Alcatéia ninguém prestava atenção nisto. Eram como se fossem irmãos. Ali acho que pela idade e pela fraternidade, não havia discriminação de raça, cor ou credo. Estava no grupo a mais de um ano. Bom lobinho participava de tudo e seus pais davam o maior apoio. Sua matilha era muito unida. Ainda não era primo e nem segundo. Não tenho certeza, mas acho que sua família seguia a religião Budista. Não andava sem motorista e guarda costa. Quando seu pai ou sua mãe aparecia, era sempre acompanhada de dois ou mais seguranças. Eu não estava acostumado com estes acontecimentos, pois novo no grupo, ia conhecendo aqui e ali seus pormenores. Nada contra. A vida de cada um tem sua razão de ser e deve ser respeitada.

Um dia, eu e alguns outros escotistas quando num final de reunião, fomos tomar um chopinho, o que nada nos desmerecia claro, desde que não ultrapassemos a cota do bom senso, e nem estivemos com crianças presentes. Conversa vai, conversa vem, entramos no assunto de alguns pais, sem a intenção de censuras, mas somente ver as vantagens do escotismo para todas as famílias do Grupo, sem distinção. Um dos chefes foi bastante franco quando se referiu ao pai de Lito. – Olhem, não tenho a menor dúvida. Acho que ele pertence à máfia chinesa. Uma vez o vi em uma praia, todo tatuado como são os membros da yakuza. Ficamos amatutados com tal observação. Víamos algumas vezes comentários na imprensa, mas sem definir quem, quando e onde.

Num acantonamento, já no fim da tarde, duas assistentes dos lobinhos saíram do sítio, a procura de um bosque para montar um jogo. Quando andaram menos de 150 metros, avistaram um carro preto, encostado na estrada, cuja vista escondia toda a entrada. Sentados embaixo de uma árvore, dois indivíduos trajando terno preto e ambos de óculos escuros percorriam com os olhos toda a jornada feita por elas. Bem abaixo, perto de uma pequena elevação, outros dois.  Claro, não havia a menor dúvida. Eram seguranças do Lito a mando do seu pai. Todo o cuidado era pouco. O medo do sequestro era grande. Quando soube vi com certeza que ou ele era um mafioso ou um grande industrial, mas sua maneira arrogante no trato com os seguranças, sua autoridade quando falava ou olhava para alguém dizia que não era qualquer um. No grupo conversava pouco, mas era presente nas reuniões de pais e Conselho de Grupo.

Lito pouco ligava. Para ele a vida era para brincar, estudar e ser lobinho. Não sabia como era em casa, mas acredito que cercado de cuidados devia não gostar muito. Como lobinho tinha muita liberdade, muitos amigos, muitas brincadeiras e a conquista de estrelas era para ele um objetivo de que não abria mão. Em um sábado de agosto, ele não apareceu. Para todos na Alcatéia foi surpresa. Desde que foi admitido nunca faltou à reunião. Não era norma perguntar aos pais ou telefonar. Claro sabiam que um impedimento qualquer devia ter acontecido. Mas no sábado seguinte também não veio. Nenhum contato dos pais. No terceiro sábado começamos a ficar preocupados. Se os pais quisessem sua saída da Alcatéia não teriam agido deste modo. Calados, sem comunicação e sem contato. Não era estilo deles. Nunca foram ausentes e tenho certeza tinham investigado a vida de cada assistente, de cada Escotista. Por suas maneiras de agir sem sombras de dúvida que confiavam e muito no Grupo Escoteiro.

O Chefe do Grupo resolveu ir à casa de Lito na manhã de um domingo. Foi barrado na porta por um segurança. Identificou-se e mesmo assim não foi recebido. Ficou magoado com o tratamento. Não acreditava que os pais agissem daquela forma. Quando ia saindo, viu dois carros da policia adentrando na mansão. Como um mais um são dois, é claro que houve alguma coisa para ter aquele aparado policial. Ele sabia da posição do pai, junto à sociedade local. Era benquisto, mas a “boca pequena” corria o boato de sua atuação mafiosa e onde a fogo todo mundo sabe o que acontece. Era melhor não perguntar e se possível nada dizer aos escotistas do Grupo. Calar agora seria o melhor remédio. Seu silencio, no entanto não foi estendido muito tempo. A pressão da Akelá para uma resposta ou mesmo uma explicação era sempre presente.

Ele pediu cautela e prudência nos seus relatos, pois caso contrário poderiam sofrer represálias e comparativamente não tinham nenhuma defesa ou mesmo autoridade para adentrar na vida de alguém tão influente. Mas o tempo não dá trégua. A voz também não. Corria o boato que Lito tinha sido sequestrado. Por não ter os meios de comunicação anunciado ou mesmo comentado, poderia ser verdade. Sempre nestes casos se pede silencio. Um mês, nenhuma notícia de Lito. Após 45 dias, nossa preocupação estava agora sobre controle e no inicio da reunião apareceu sorrindo e brincando nada mais nada menos do que o Lobinho Lito. Acompanhado de seus pais e em cada ponto do pátio um segurança.

Não havia o que dizer, pois a alegria substituiu todo o medo e o receio do que pudesse acontecer daí para frente. O pai pediu desculpas, não entrou nos detalhes e explicou que em todas as reuniões pelo menos até o final do ano ele tinha que manter os seguranças dentro e fora do pátio. Que não nos preocupássemos. Nada de mal aconteceria a ninguém. Ali era dizer não e Lito não voltar ao Grupo ou concordar e manter Lito no Grupo. A segunda opção foi aceita. Aos pais foi dado uma explicação simples de como era a família de Lito e que isto poderia proteger também os seus filhos. Alguns não concordaram e retiraram seus filhos. Antes do desfecho final da reunião, vi Lito em pé e em volta vários lobinhos, escoteiros, escoteiras seniores e guias, enfim um bom número de jovens ouvindo as histórias de Lito, comentando seu sequestro. Seu pai tinha pedido para nada dizer, mas ele sempre aberto franco, contou o que aconteceu.

Na saída da escola muitos bandidos renderam os dois seguranças e o levaram. Colocaram uma venda e ele não viu nada. Só tiraram quando ficou em um pequeno quartinho, sem TV sem nada. Chorou muito, mas não adiantou. Aos poucos foi se acostumando com a penumbra e suas refeições era um marmitex cujo cardápio além de ruim ele nunca tinha comido. Tinha muita fome e aprendeu a comer de tudo. Em poucos dias parou de chorar. Lembrava-se de Mowgly, que não tinha medo de Shere Khan e ele como lobinho também podia enfrentar. Lembrou-se da lei do lobinho e viu que tinha de manter os olhos e os ouvidos abertos. Assim adormeceu e sempre adormecia quando a tristeza invadia e lembrava-se de seus pais e seus amigos lobinhos.

Não tinha mais noção do tempo. Não sabia se era noite ou dia. Quando dava sono dormia se não ficava sentado em um colchonete e quando dava cantava algumas canções que a Alcatéia tão bem cantava. Era assim que vivia aquele momento tão incerto. Foi em um dia que acordou sorrindo. Seu sonho tinha sido maravilhoso. Um chefe Escoteiro já velho, uniformizado e com barbas brancas, sorrindo como se fosse seu avô, lhe deu o Melhor Possível e ele prontamente respondeu. Disse o Chefe que ele não se preocupasse, pois o Cavalo Dourado iria no dia seguinte libertá-lo, e ele iria ao encontro dos Chefes que vivem no Grande Acampamento das Nuvens Brancas. Ele não sabia o que era aquilo. Mas acreditou no Chefe. Logo que acordou viu junto a ele um grande e belo cavalo. Todo dourado, brilhante com faíscas em diversas partes, como se fossem milhões de vagalumes em suas volta.

Sorriu e montou no cavalo. Logo se viu correndo pelas campinas, voou para o céu e em poucos minutos se encontrava em um local lindo, cheio de escoteiros, lobinhos, chefes, um jardim, muitas barracas, jovens correndo daqui para ali, e não paravam de sorrir e cantar canções escoteiras. Viu então próximo a uma pedra branca como leite, sentado a moda índia, o chefe que havia o visitado no seu sonho. Sorridente, levantou e cumprimentou Lito, dizendo para ele que era muito bem vindo, mas não podia demorar, pois seus pais estavam muito preocupados. Iria levá-lo até um local na terra, onde ele poderia telefonar e seus pais iriam buscá-lo com presteza. Sentiu os olhos chamejantes e quando esfregou e os abriu, estava em um posto de gasolina. Correndo pediu a um homem que telefonasse para seus pais. Deu o numero e em pouco tempo o posto de gasolina estava cheio de carros da policia e seus pais também chegaram.

Muitos abraços, à volta para casa, à lembrança do Cavalo Dourado, do Chefe Escoteiro do Acampamento das Nuvens Brancas. Seus pais sorriam, fingiam acreditar, mas sabiam que aquilo era um sonho de Lito. A realidade devia ser outra. Eu também não acreditava. A maioria dos jovens ficaram fascinados com a história de Lito. Ali mesmo ele foi aclamado como herói e todos queriam saber como encontrar o Cavalo Dourado e o Grande Acampamento. Ele não soube explicar. Meses se passaram. Ficamos sabendo que dois membros da quadrilha de sequestradores foram presos. Outros seis não tiveram a mesma sorte. Morreram de maneira cruel, como se fosse uma vingança e melhor não especificar como. Um dos presos contou que Lito sumiu em um dia mesmo com a porta trancada. Ela não fora aberta. Continuava trancada. Não sabiam como ele tinha escapado, pois onde estava não tinha janelas, só a porta.

Eu também fiquei encafifado, mas acreditar na tal historia do Cavalo Dourado seria impraticável. O que aconteceu realmente não sei. Ninguém soube explicar. Mas Lito continuou por muitos e muitos anos ainda no Grupo Escoteiro. Mesmo na tropa, contava a mesma história e soube por amigos que agora como sênior mantêm sem mudar uma vírgula, a história do Cavalo Dourado...

Não permita que a dificuldade lhe abra porta ao desânimo porque a dificuldade é o meio de que a vida se vale para melhorar-nos em habilitação e resistência.


Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

Bem vindo ao Blog As mais lindas historias escoteiras. Centenas delas, histórias, contos lendas que você ainda não conhecia....