sábado, 31 de maio de 2014

As duas vidas do Escoteiro Gegê.


Lendas escoteiras.
As duas vidas do Escoteiro Gegê.

             - Chefe! Eu quero ser um Escoteiro! – Olhei para trás e me deparei com um menino de onze ou doze anos, magérrimo tanto que duvidava como ele pudesse permanecer em pé.  – Por quê? Perguntei – Não sei Chefe, vi vocês aqui e pensei que poderia ser da turma. – Sabe, eu não tenho turma. Parece que todos correm de mim. – Por acaso você sabe o que ser um escoteiro? Ele coçou sua cabeça, pensou e me disse – Francamente não sei. – Olhei para ele de novo – Um menino que parecia não comer a vários dias, mas que estava de cabelos limpos, penteados e roupa apesar de velha limpa. Seus cabelos eram loiros e seus olhos não deu para saber. Eram profundos e quase não apareciam. Disse para ele em poucas palavras o que seria um Escoteiro, falei dos acampamentos, das jornadas, das atividades noturnas, da patrulha e terminei com a lei e promessa. Ele ali em pé me ouvindo como se eu fosse um novo Deus para ele. Sorriu. – Gostei Chefe! Posso começar agora?

                Sempre procurei dar atenção aos meninos e meninas. Nunca deixei ninguém sem uma resposta ou um conselho desde que me pedissem. – Claro que pode. Como se chama? Gegê. - Só Gegê? Bem minha mãe disse que vai fazer meu registro assim não sei o resto. – Pensei comigo, seria filho de alguém inculto que nem registrar o filho o fez? - Gegê meu novo amigo, poderia pedir sua mãe ou seu pai para vir conversar comigo? Vi seus olhos se encherem de lágrimas, nem disse adeus e partiu. Fiquei surpreso não esperava isto. O tempo passou, acho que uns dois meses. Estávamos em marcha de estrada e aproveitando para aprender o passo duplo. Vi que já tínhamos percorridos mais de seis quilômetros – Vamos parar! Eu disse. Vinte minutos. Não esqueçam, pés acima do coração para a circulação voltar! Foi então que vi Gegê, era ele sem dúvida. Estava a uns oitenta metros e parou também. Estava nos seguindo.

               Não o chamei, fui até ele. Ele não correu. – Olá Gegê, como vai? Ele não falou nada. Está nos seguindo? – Não Chefe, eu moro logo ali na Porteira do Aleijado. Eu sabia onde, era um pequeno povoado de gente humilde e pobre. – Porque Gegê não levou sua mãe? Ele abaixou a cabeça. – Chefe, não tenho mãe e nem pai, mas Mamãe Tiana me criou e me ama! E porque ela não foi com você ao grupo? Ela não anda Chefe, ela vive na cadeira de rodas, ela ganha um salario mínimo e me criou desde que mamãe morreu e papai sumiu. – ah! Vida. Sempre a nos dar uma lição. – Me mostre sua casa quando passarmos lá Gegê, na semana tiro um dia e venho visitar você e conversar com Mamãe Tiana. Ele me olhou de soslaio. - Porque Chefe? Ora porque, vou inscrever você na Tropa Escoteira, será meu convidado e todos irão ajudar no seu uniforme! Falei orgulhoso. – Chefe, desculpe não me leve a mal, não quero esmolas! – Quase cai de costas. – Gegê, não é esmolas, nós Escoteiros sempre ajudamos uns aos outros, um dia você vai ajudar a alguém e vai saber o quer é isto.

             Gegê virou as costas e se foi. – Menino difícil pensei. Poderia entender, pois onde foi criado não era fácil sobreviver. Um mês depois empurrando uma cadeira de rodas e uma senhora idosa nela, eis que entra Gegê na sede. – Boa tarde senhor. Vim trazer o Gegê para ser Escoteiro. Ele fala o tempo todo nisto. Disse para ele vir e dizer ao Chefe que não podia vir. Ele disse que não o Chefe foi categórico. Trazer a mãe ou o pai ou um responsável. Olhei para Gegê. Melhor não dizer nada. Os levei para a sala do Grupo Escoteiro. Servi um café e coloquei na mesa alguns biscoitos. Ela só tomou o café. Gegê nem tocou nos biscoitos. Dona Tiana, posso ajudar a registrar o Gegê? Ele me olhou com olhos piedosos. – Não posso pagar. – dona Tiana agora não se cobra mais para quem ganha até um salário. Vou a sua casa e viremos todos ao cartório. Sem delongas. Um mês depois Gegê tinha seu registro e sua identidade. Notei sua alegria em saber que agora era um brasileiro.

              Durante meses Gegê participou da Tropa Escoteira querendo aprender tudo que devia aprender em anos. Eram seis quilômetros para vir e outros tantos para voltar a sua casa, mas ele nunca desistiu. Um dia chegou para mim e me fez um pedido inusitado. – Chefe soube que vai haver no cinema Palácio uma apresentação. Um senhor famoso vai tocar piano e não sei como sempre sonhei com um piano e nunca vi um pessoalmente. – Gegê, você é meu convidado. Vou buscar você e se sua mãe Tiana quiser ela vai também. – Gegê riu. – Não Chefe, ela não pode sair de casa a noite. Ela é cega, não enxerga! – Putz! Cada um carrega sua sina. Quando entrei com Gegê no cinema ele parecia estar entrando no céu. Sorria, nos olhos lágrimas de alegria. Pediu-me para leva-lo até ao piano, ele queria conhecer um. Pedi licença e subi no palco. Ele acariciou o piano a moda dos grandes pianistas. – Posso? Perguntou para um senhor Velho que estava ao lado. – fique a vontade garoto.

            Não sei o que dizer e fiquei espantado, admirado e atônito. Gegê sentou e começou a tocar. Calmamente os sons saiam maravilhosamente. Eu conhecia um pouco de música clássica. Era uma Tocata e Fuga em Ré Menor de Johann Sebastian Bach. Incrível! Fiquei mesmo pasmado. Um menino criado por uma idosa agora cega, sem nenhuma condição financeira e nunca viu um piano e agora ali a tocar Bach? Inacreditável! Meus olhos encheram-se de lágrimas. O Pianista que estava na coxia veio correndo. Como eu ficou maravilhado. Muitos que chegavam ao cinema paravam para ouvir. Quando Gegê parou um silencio total depois uma estrondosa salva de palma. Não vou entrar em detalhes, como o pianista levou Gegê para Paris e claro sua mãe Tiana. Ele ao partir no aeroporto me deu um forte abraço – Chefe nunca vou esquecer o senhor e o tempo maravilhoso que passei aqui na Tropa Escoteira. Diga a todos que eles permanecer no meu coração para sempre.

             Gegê se foi. No céu seu avião azul desapareceu. Tempos depois as noticias começaram a pipocar. Um critico famoso de um jornal local escreveu – Imagine uma excelente pianista, do tipo de referência mundial, tocando com as maiores orquestras do planeta, com um grande humor, um gênio no piano, um talento sem igual e vem tocar em nossa cidade no cine palácio. Fiquei boquiaberto. À tarde recebi um telefonema. Chefe estou chegando. Faço questão de todo o Grupo Escoteiro presente. Eles não irão pagar e ninguém irá pagar. Soube que a cidade inteira quer ouvir. Pedi para que fizessem um palco na Praça Don Gaspar e olhe, gostaria de participar de uma reunião escoteira. Posso? – dizer o que? Só sei que foi o maior evento já acontecido em nossa cidade. Gegê foi até a Porteira do Aleijado onde morou. Deu a todos uma nova casa, exigiu uma escola e me pediu para dar uma força e organizar uma tropa lá.


                    Não sei quantos Gegês existem neste mundo. Howard Gardner Professor da Universidade Harvard nos Estados Unidos afiança que são muitos. Nem todos diz ele tem uma existência absoluta. Mas aquele que as possuem são dotados de inteligências que até hoje ninguém conseguiu explicar. Gegê se tornou um amigo que sempre voltava a me visitar e ao Grupo Escoteiro em nossa cidade. Em sua apresentações pelo mundo nunca deixava de tocar o Rataplã e a Arvore da Montanha. Escotismo é assim, surpresas aos montes, alegrias gostosas e amor no coração!

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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