sexta-feira, 28 de março de 2014

Histórias da vida real. Pedrão Boca de Ouro.


"Brincar com crianças não é perder tempo, é ganhá-lo; se é triste ver meninos sem escola, mais triste ainda é vê-los sentados enfileirados em salas sem ar, com exercícios estéreis, sem valor para a formação do homem."

Histórias da vida real.
Pedrão Boca de Ouro.

           Ah! Tempos encantadores. São histórias quase verídicas que hoje poucos poderão absorver situações reais de um passado gostoso de reviver. Na minha caminhada matinal me lembrei de Pedrão Boca de Ouro. Logo ele. Deixou saudades com sua boca cheia de dentes de ouro. Boca de Ouro? Bem voltemos um pouco no tempo. Uns quarenta ou mais anos. Década de 60. Quieto no meu grupo na capital o Akelá insistiu para ir ao um ARP. Acampamento Regional de Patrulhas. – Chefe, vou ser o responsável por um sub-campo sênior. Faço questão da sua presença. Na ultima hora ele não foi. A contra gosto o Distrital me perguntou se podia assumir. Não sabia, mas o Escoteiro Chefe estava lá. Eu não conhecia o figurão. Época boa. Época de inocência escoteira. Época de sorrisos de sinceridade e de grandes amigos. Final do encontro e uma ovação de todos os participantes. Cerca de 650 por aí. Os seniores participavam com 25 patrulhas de vários estados brasileiros. Como fiz amizade com eles, Deus do céu! Gente indo embora e os seniores me carregando pelo campo. Caramba! O marmanjão começou a chorar e não parava. Os dirigentes do ARP não acreditavam no que viam. 

          Dois meses depois um telegrama. Era do Escoteiro Chefe. Dizia -
Chego sábado pela manhã. Quer almoçar comigo? Porque não? O que assustou foi o convite. Precisamos de você para Comissário do Estado. Logo eu? Bocó, matuto do interior? Aceitei mesmo sabendo que tinha muitos outros melhores que eu. As histórias se multiplicaram. Não vou contar todas daria um livro. Mas a do Pedrão nunca esqueci. – Chefe, dizia o Escoteiro Chefe, precisamos melhorar a apresentação dos chefes, eles precisam ver que são o espelho da garotada e da comunidade onde fazem escotismo. Interessante, hoje quando vejo fotos de alguns chefes que existem por aí lembro que prefiro os do passado. Mas continuemos – Você terá uma missão difícil. Mudar a aparência e escolher pessoas que os outros possam acreditar que o escotismo pode ajudar. – Que aparência chefão? – fácil, Chefe, é só ver se você gosta do quer está vendo. Se concentre nos banguelos, caolhos, os que não tomam banhos, que vestem mal e aí por diante – Perguntei: - Tem gente assim? Ele respondeu: - Claro.

          Confesso que aquela conversa não foi do meu agrado. Mas no fundo ele tinha razão. O Chefe quando não se apresenta adequadamente deixa uma má impressão que pode levar a uma interpretação malévola do movimento Escoteiro. Encontrei dezenas de chefes que conversando como amigo pude sentir mudanças. Mas era uma tarefa árdua. Não vou dizer a cidade, mas fui convidado a visitar um Grupo Escoteiro antigo. Muito antigo. Na rodoviária uma multidão de jovens. Olhe que estavam nos “trinques”, mas contei por baixo uns trezentos. Que estrutura eles tinham para ter tantos? Desci do ônibus e um homenzarrão de uns 120 quilos me abraçou e praticamente me elevou pelos ares. Abriu a enorme bocarra e quando vi aquilo tremi! Se for mordido já era pensei. Desceu-me suavemente até o chão e juntou os cascos no melhor estilo militar – Sempre Alerta Chefe! Sou o Pedrão, o Boca de ouro! E o danado depois ajoelhou e beijou minhas mãos. Patativa! Fui pego de surpresa. Logo veio o prefeito e outras autoridades. Falar o que?

Fiquei dois dias lá. Pedrão Boca de Ouro era querido, muito querido. A cidade em peso quando passava gritava: - Valeu Chefe Pedrão, só você para trazer a nata do escotismo em nossa cidade. Eu calado, não sabia o que dizer. O cara parecia àqueles lutadores de Boxe peso pesados. Mas quer saber? Nunca vi em minha vida alguém como Pedrão Boca de Ouro. Uma alma linda, cheia de amor, fazia um trabalho estupendo no Grupo Escoteiro. Na cidade era o Juiz de Menores, ainda ajudava em uma casa de menores infratores e todos lá o adoravam. Assustei com os trezentos, mas ele tinha mais de quarenta chefes, todos amigos e tinham por Pedrão uma amizade impar. As reuniões eram perfeitas e olhe ninguém tinha curso. A técnica de campo era perfeita. A meninada o adorava e também aos chefes de sessões. Quatro alcateias com mais de cinco chefes em cada uma. Assisti a abertura de uma reunião e fiquei pasmado. Nunca vi uma ferradura tripla. Questão de segundos para se formarem. A disciplina era linda sem ser gritada ou imposta.

        Voltei àquela cidade diversas vezes. Quando fizeram o primeiro registro, pois antes não era exigida, a foto do Pedrão sorrindo era chamativa. (naquela época a região pedia fotos 3/4) e quando o Escoteiro Chefe viu, riu e perguntou: - Quem é ele? Pedrão Boca de Ouro respondi. – Mas isto é bom? – Mais que bom, se tivéssemos cem Pedrões como ele no escotismo brasileiro, seriamos outro movimento. – Bem você quem sabe, mas se fosse eu não o registraria e nem o deixava participar – Sorri para mim mesmo e disse – Porque não vai lá comigo? O Escoteiro Chefe não disse nada. No primeiro Conselho Regional que organizei (hoje se chama Assembleia) fiz questão de que o Pedrão viesse. Sabia que o Escoteiro Chefe estaria presente com sua turma. – O apresentei e ele – Doutor Escoteiro Chefe, honrado em conhecê-lo. Quero apresentar o Doutor Marciano, Presidente do Grupo e Juiz de Direito, a Doutora Marli Akelá e Promotora de Justiça, o meu compadre Anastácio, Chefe da tropa sênior e prefeito da cidade e assim ele foi apresentando um por um. O escoteiro Chefe ficou boquiaberto.

           Pedrão Boca de Ouro. Onde deve andar? Éramos mais ou menos da mesma idade. Será que está vivo ainda? Valeu Pedrão, hoje você estaria fora do meio. Eu sei. Nunca aceitaria estes chapéus esquisitos, estes uniformes que não uniformizam esta baladeira de sapatos coloridos, e sinto saudades daquele Escoteiro Chefe, que sabia que nosso movimento precisa de gente séria, bem apresentável, que possam dizer o que Pedrão dizia sempre: - Escotismo sem o apoio das autoridades e da comunidade não tem como crescer. Não sei quantos dentes de ouro ele tinha, mas sei que o coração conquistava multidões. Eu mesmo fui conquistado. Se estiver me lendo Pedrão, saiba que guardo de você eternas saudades. E aceite meu Sempre Alerta, pois sei que você como eu nunca diria SAPS. Afinal você nunca pensou que isto um dia existiria não? Risos. É Pedrão, agora é tudo novo. O modernismo está aí. Abraços Pedrão Boca de Ouro. Sei que se ainda estiver vivo estará sorrindo nestas plagas montanhosas das Minas Gerais. “Liberta quae sera tamen”!

É menor pecado elogiar um mau livro sem o ler, do que depois de o ter lido. Por isso, agradeço imediatamente depois de receber o volume. Não há vida literária plenamente virtuosa.



domingo, 23 de março de 2014

Sou ateu e não acredito em Deus.


Conversa ao pé do fogo.
Sou ateu e não acredito em Deus.

Eu sou ateu. Não acredito em deuses, força maior, ''espiritualidade'', consciência cósmica e nenhum outro conceito da espécie. 
Porém estou para (talvez) renovar minha promessa, e como não estou na Inglaterra (que fez uma promessa específica para ateus), não sei se poderei fazer minha promessa de qualquer forma alternativa.
Não aceito prometer por ninguém que não seja por mim mesmo. 
E se houver qualquer impossibilidade ou dificuldade a mais para renovar minha promessa, isso é descriminação, algo bem inadequado para um movimento que se propõe como inclusivo.
Enfim, gostaria de pedir a opinião, e talvez ajuda de vocês a respeito disso.
Muito obrigado!

             Ele alega ser ateu. Novo ainda e não acredita em Deus. Diz que quer fazer a promessa, mas prometer a Deus e Minha Pátria? Ele não promete nada a ninguém só para ele próprio. Tão novo e é ateu. Mas como ele irá conseguir ser Escoteiro? Será que vai acreditar que as estrelas surgiram do nada? Quando o vento soprar em seu rosto ele vai dizer que é a terra quem produz? Se ele é ateu não acreditará que a natureza é divina. Que os pássaros surgiram das nuvens, que os primeiros peixes foram gerados na cachoeira do sonho. Ele tão novo e já é ateu. Não acredita mesmo, não acredita em um ser divino em Deuses que criaram no Olimpo, em forças da natureza. Isto mesmo tão novo e já é ateu, e quer fazer a promessa, ser Escoteiro, mas não vai prometer a um Deus que não acredita. A uma pátria que desconhece.

             Ele quer fazer a promessa e não vai jurar nada a ninguém, que de lá prometer. Para ele só haverá nove artigos da lei. O décimo que diz ser limpo de corpo e alma ele não vai obedecer. Que triste vai ser. Não vai cantar a Canção da Despedida. Ela fala no Senhor supremo. Nunca irá cantar a canção da promessa, ela é toda dedicada a Deus. Quando a tropa for fazer a oração como vai ser? Ele dá dois passos atrás e vira de costas? Ele afirma que é ateu. Como explicar a ele que as belas coisas do mundo não surgiram do nada? Ele nunca irá ouvir a voz do vento, o nascer vermelho do sol. Quando levantar da barraca não vai agradecer a ninguém. Afinal ele é ateu e quer fazer a promessa... Sem prometer nada a ninguém só a ele mesmo. Ele conhece o mundo. Sabe que em países que dizem mais civilizados já não prometem a Deus. Cada um faz a promessa que quer. Moderno então é ser ateu?

                 Como será prometer se não acredita em Deus e a Pátria? Prometo que vou ser bom para comigo, prometo pela minha honra... Mas o ateu sabe o que é honra? Claro que sim. Ele tão novo com o coração embrutecido e não acredita em Deus. Quando estiver no alto da montanha e ver as nuvens tão perto, os picos distantes, as águias e gaviões esvoaçantes, será que ele vai sorrir? Quando a sede chegar, e um filete de água cristalina jorrando numa mina será que ele vai agradecer a Deus? Não, não vai, ele é ateu. Como vai ser difícil para ele conviver com todos. Nas horas das refeições, alguns ajoelham outros que fazem o sinal da cruz, outros que diz obrigado Senhor por esta hora sagrada! Deve ser um martírio ouvir isto para quem é ateu. E quando estiver em perigo? Nunca poderá dizer – Ajude-me meu Deus! O que ele dirá? Quando alguém de sua família estiver nas portas da morte será que ele vai rezar? Acho que não ele é ateu!

                 O tempo vai passar, ele não vai sorrir para Deus. Ele continua não acreditando, claro ele é ateu. Já deixou recado nos cosmos insistindo que é ateu e quer fazer a promessa. Que promessa? Não vai fazer o melhor possivel para cumprir o dever para com Deus e a pátria, nunca vai dizer que vai fazer o melhor possivel para cumprir a lei escoteira. Ele não pode prometer. E se o grito da patrulha for: Unidos venceremos, a Deus agradecemos. Como ele dirá? Ficará calado? Em cada artigo tem um pouco do nosso pai que está no céu. Mas ele espera. Espera que um dia possa ser atendido. Espera que ele mereça que se mude a lei e a promessa. Não importa se outros milhares amam a Deus e a sua pátria. Ele não. Não quer prometer. Ele só promete a si mesmo.


               Talvez se um dia ele for atendido, ele vai sorrir e dizer “Graças a Deus que me atenderam”. Nossa! Ele não vai dizer isto nunca, ele é ateu. Mas ele quer ser Escoteiro. Para ele dogmas e crenças do passado não justificam que ele seja obrigado a dizer o que não quer. Ele quer ter o direito de prometer sem se comprometer. Nunca vai fazer a oração junto aos companheiros. Nunca vai dizer amém, nunca vai entender que Deus é onipotente e está presente na natureza, coisa que ele não vai acreditar. Isso mesmo. Ele é ateu. Não acredita em Deus. Tão novo e já firme com sua ideologia. Se aceito vai enfrentar uma difícil jornada. São anos e anos que existem caminhos a seguir e agora ele quer colocar um caminho a evitar. Claro, ele não acredita em Deus. Ele nunca vai ler Voltaire, que dizia – A falsa ciência cria os ateus, a verdadeira, faz o homem prostrar-se diante da divindade. E nem vai sorrir com Jô Soares que dizia - No Brasil, quando o feriado é religioso, até ateu comemora. Melhor voltar a Voltaire - Um pouco de filosofia inclina o homem ao ateísmo.
Profunda filosofia faz retornar o homem à religião. No entanto não esqueçamos do livro arbítrio. Cada um escolhe seu caminho. E ele assim como todos tem este direito.


quarta-feira, 12 de março de 2014

As memorias do Capitão Pedro Muriel.


Comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível, e de repente você estará fazendo o impossível.

Lendas escoteiras.
As memorias do Capitão Pedro Muriel.

“Esta é uma história de ficção, qualquer semelhança com fatos, pessoas vivas ou mortas não passam de uma coincidência”.

           Estive em Diamantina Minas Gerais duas vezes. Antigo Arraial do Tejuco foi crescendo quando da descoberta de diamantes em 1729. Existem mil histórias da cidade terra natal do nosso inesquecível Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira e das lembranças dos exploradores de diamantes, que deram bons filmes e enredos de uma centena de livros. Hoje somente vou contar uma. Afinal é uma história escoteira e nada melhor que entreter meus amigos com contos que trazem saudades e que fortalecem o presente. Tudo que lá existe me prendeu na primeira e na segunda vez. Lá pelos idos do final da década de sessenta lá estive a pedido de Diretores do Lyons Clube da cidade que se interessavam em iniciar um Grupo Escoteiro. Na pensão de Dona Adelina me sentia em casa. Gostava da sua cozinha e o restaurante era nos fundos, com uma linda vista de montanhas e um lindo lago de águas azuis, claro durante o dia. Foi ali que conheci um senhor grisalho, já com seus oitenta ou mais anos que sentado na mesma mesa pouco trocávamos palavras. Ele não me olhou uma única vez.

             Fiquei três dias em diamantina. Era para ser dois. Esta história é o motivo do terceiro. No segundo dia no almoço lá estava à figura de cabeça baixa sem prestar atenção a ninguém. Quando me sentei ele me olhou e disse – Escoteiro? – Sim senhor, respondi. - Humm! Tenho boas lembranças. O almoço foi servido e não falamos mais nada. À tarde sentei na varanda que fazia vista com a cidade esperando chegar a hora do retorno. Meu ônibus partiria às oito da noite. Vi quando ele sentou ao meu lado. No inicio calado e olhando o horizonte como se fosse voar e sair do seu habitat e ir viver em plagas distantes. Sem me olhar perguntou – O escotismo hoje como está? – Em breve resumo expliquei para ele como estávamos naquele final de 1967. Ele não me olhava e mantinha os olhos firmes no horizonte. Não me interrompeu uma única vez para perguntar. Dona Adelina com sua eterna gentileza nos serviu café biscoitos e bolos. O silêncio reinou por alguns minutos quando ele começou a falar.

          - Há muitos e muitos anos nós tivemos um Grupo Escoteiro aqui em Diamantina. Foram mais de doze anos a garotada se divertia a beça correndo aqui e ali em busca de suas aventuras. Nunca tivemos nada igual. Se não fosse o Capitão Pedro Muriel que foi quem organizou e depois de tudo que aconteceu, quem sabe o grupo existiria até hoje. – Me interessei pelo assunto, mas não falei nada. Deixei-o narrar. Nunca me olhou nos olhos a não ser quando terminou a história. – Ele narrava pausadamente, com dificuldades, pois sua respiração não era boa. – O Capitão Pedro Muriel apareceu um dia na cidade e ninguém sabia de onde veio e para onde ia. Aqui assentou praça e nunca mais saiu da cidade. Comprou uma casinha lá no fim da Rua Santa Cecília, e ele mesmo pintou de azul claro, janelas e portas brancas, fez uma cerca de metro de altura em volta casa e pintou também de azul. Ele não fazia nada durante o dia a não ser cuidar de sua casa. Plantou flores, árvores frutíferas e o novo dono hoje se deleita com as mangas, goiabas, laranjas e mexericas que dizem são as melhores da redondeza.

           - Ele continuou devagar, mas sem ficar matutando o que ia dizer ou mesmo a tentar recordar todo o passado do Capitão Muriel. Quando deram as primeiras laranjas e goiabas a meninada ficava em volta de “butuca” pensando em como tirar algumas delas já que o Capitão não saia nunca de casa. Um dia ele abriu o portão e deixou a turma se refastelar das frutas maduras. Exigiu somente que as verdes deixassem no pé. Assim começou uma bela amizade entre eles. Tonico, Mateus, Nonato, GG, ou melhor, Geraldo e Acácio eram frequentes. Passaram a frequentar sua casa e tanto insistiram que ele foi almoçar na residência de cada um. Os pais ficaram encantados, pois ele sempre ia com seu uniforme de Capitão apesar de que ninguém nunca perguntou de qual exército ele pertencia. Uma amizade das famílias cresceu de tal forma que vizinhos parentes e outros queriam conhecer o Capitão Pedro Muriel. Interessante que ninguém nunca perguntou a ele de onde tinha vindo, se tinha família, se tinha casado, nada.

           Não demorou muito tempo para ele sugerir fundar um Grupo Escoteiro na cidade. A ideia fervilhou de canto a canto. Centenas de meninos queriam ser os primeiros Escoteiros e foi preciso à intervenção do Doutor Euclides, Juiz de Direto da cidade, que mandou chamar o Capitão Pedro Muriel. Quem pediu que houvesse investigação foi o Prefeito Maciel, pois entregar a um desconhecido centenas de meninos poderia ser um perigo para os bons costumes da cidade. Ninguém soube o que o Doutor Euclides conversou com ele, mas a partir daquele dia eles ficaram grandes amigos. Não me pergunte o que houve, pois eu sei, mas não vou contar. O grupo começou a todo vapor. Não foi tão rápido, pois ele ficou com oito rapazes por dois meses e só então admitiu mais jovens e olhe que a fila era imensa. Os que não puderam entrar reclamaram com o Padre Odorico, mas nada adiantou. O Capitão Pedro Muriel foi irredutível. Havia sim uma chance, mas ele queria primeiro ver se tudo daria certo. Se assim fosse ele iria convidar rapazes aventureiros da cidade para serem treinados como chefes Escoteiros. Mocinha de Jesus uma linda jovem dos seus dezenove anos foi escolhida para os lobinhos.  

          De vento em popa o Grupo Escoteiro tomou um rumo que na cidade não se falava de outra coisa. Precisando chamem os Escoteiros, era o lema. Nas paradas eles brilhavam e próprio Capitão dava sua colaboração nos dois Colégios e os Grupos Escolares como Professor de educação física. A cidade sorria com a escoteirada uniformizada e muitos compareciam nas escolas vestidos como Escoteiros. Fazendeiros disputavam seus terrenos e locais para que eles fossem acampar. Era sempre uma festa a chegada deles e a saída. Um dia Mocinha de Jesus chegou chorando em casa. Não quis contar o que aconteceu e nunca mais voltou para seus lobinhos. Ela tinha duas assistentes que sorriram embevecidas com tal honra de chefiar as alcateias que já eram duas. Ninguém perguntou ao Capitão Pedro Muriel o que aconteceu e até hoje acho que só ele sabe, pois Mocinha de Jesus foi embora da cidade e nunca mais voltou.

                Um dia o Juiz Doutor Euclides já amicíssimo do Capitão Pedro Muriel recebeu uma carta da Direção Escoteira da Região, perguntando se existia ali um grupo e porque não foi registrado conforme normas. Inquirido o Capitão não disse nada. Se ele achava que assim estava bem o Doutor Euclides não tocou mais no assunto. Foi então que aquela saga de um escotismo forte e rijo nas plagas diamantinenses começou a desmanchar. Em um acampamento no Vale da Neblina um Escoteiro de doze anos chamando Gilberto sumiu. – Como sumiu todos perguntaram ao Capitão Pedro Muriel. Ele deu de ombros e sumiu nas matas do Vale da Neblina por vinte dias. Ninguém sabia o que fazer e esperavam o capitão para saber o que realmente aconteceu. A patrulha só deu pela sua falta a tarde, pois participavam de um grande jogo e nem notaram. Os Pais de Gilberto, gente humilde estava desesperada. O Delegado Jota Man organizou um centena de moradores e foram todos procurar no Vale da Neblina.

                Dois dias depois, bem perto da nascente do Jequiri encontraram o menino encostado a um enorme Jequitibá florido, em volta dele centenas de pássaros e pequenos animais que lhe davam água e comida tirada das matas, em sua cabeça uma enorme coroa de flores e ele o menino estava vivo! Levado as pressas para o hospital os médicos disseram que ele estava forte e não sofreu nada com a falta de alimentação. O Capitão Pedro Muriel sumiu sem ninguém saber para onde tinha ido. Gilberto nunca contou o que houve. Parecia que uma nevoa se formou em sua mente. Lembrava-se de tudo da escola do grupo e sua tropa, mas como ele foi parar ali nunca soube. Sem uma liderança o grupo Escoteiro foi aos poucos encerrando suas atividades. A meninada voltou as suas lides de folguedos e em meses quase ninguém falava mais em escotismo. Por mais de oito anos ninguém deu noticia do Capitão Pedro Muriel. Ele devia saber o que houve para sumir assim.

               Dez anos depois ele surgiu maltrapilho, barbudo, sem dentes saindo de dentro das matas do Vale da Neblina. Parecia mudo cego e surdo. Em sua casinha morava os pais de Gilberto que homem feito foi para a capital fazer sua vida. Ninguém explicou porque o Tabelião Salatiel tinha em sua posse um documento que passava a casa do Capitão para o nome dos pais de Gilberto. Dona Adelina acolheu o capitão. Um quartinho nos fundos, alimentação e outras pequenas despesas. Ele lavava sua roupa e passava e ficava o tempo sentado aí onde o Senhor estava a olhar para as montanhas ou para o vale escondido nos fundos da pensão. – Ele parou de falar e notei uma pequena lágrima em seus olhos. – E ninguém soube o que houve com a Akelá por ela ter saído do grupo? – Ele não respondeu. – E o menino Gilberto? – Ele me olhou com os olhos marejados de lágrimas e me disse que Gilberto foi uma vitima do destino. Ele não ia morrer, pois sabia que o Capitão quando foi a sua procura o encontrou, mas não pode reconhecer. O capitão parece que tinha ficado cego surdo e mudo. Um Deus todo poderoso fez o seu milagre e os animais e pássaros a sua parte.

            Ele parou de falar, abaixou a cabeça e entrou na Pensão. Olhei no relógio e eram seis e meia. Tinha uma hora para acertar as contas com dona Adelina e chegar à Rodoviária. Ao pagar perguntei a Dona Adelina sobre a história que tinha ouvido – Ela me olhou e calmamente disse que sabia pouco. Chegou à cidade a menos de seis anos e só tinha ouvido falar de tudo. - Mas olhe completou, dizem que Mocinha de Jesus nunca se casou. Dizem que seu amor pelo Capitão foi maior que tudo e foi embora de tristeza por não ser correspondida. Ela voltou um dia. Quase ninguém a reconheceu. Tinha umas economias e montou uma pensão. – Olhei para Dona Adelina perplexo! A senhora? Ela riu e completou - A vida é assim meu jovem. Nada pode parar neste mundo e tudo tem uma razão de ser – E o Capitão ainda é vivo? – Claro que sim! Respondeu – Você não estava a conversar com ele na varanda?

“O impossível existe até quando alguém duvide dele e prove o contrário”.

Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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