terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Obrigado por me dar a honra de ser meu amigo e minha amiga!



O ANO FINDA, OUTRO COMEÇA, E COMO BOM MINEIRO DIREI AO ENTRAR EM 2014 - “A NÓS AQUI TRAVEIS”!

Obrigado por me dar a honra de ser meu amigo e minha amiga!

Hoje não vou escrever uma história. O dia foi para analisar o ano que passou. Um ano proveitoso para muitos e principalmente para mim que adquiri centenas de amigos. Os amigos chegaram e os recebi de braços abertos. Na minha página do Facebook, no Grupo Escotismo e suas Histórias, em meus sete blogs sem contar um Clube de leitura via e-mail onde os comentários do que escrevo são vários. Nem todos concordaram com tudo que escrevi, mas não dizem que toda unanimidade é burra? Bem vindos os que deram sugestões, os que fizeram críticas simpáticas, os que por falta de tempo nada disseram. Todos a sua maneira enriqueceram as minhas publicações.
Nunca em minha vida me senti tão feliz ou quem sabe, mais feliz do que se estivesse na ativa com os jovens. Publiquei milhares de fotos quase todas de jovens enaltecendo o escotismo, respondi centenas de e-mails de membros do escotismo todos com suas dúvidas. Em quase todas as minhas escritas fiz questão de falar em um escotismo autêntico, de uma Lei de uma Promessa, comentei sobre a honra, a palavra, a lealdade, a ética e tudo que nossos jovens precisavam conhecer e saber. Se não ajudei mais foi porque minha saúde não ajudou.
Não agradei a todos. Sabia que não. Usei da minha liberdade de pensamento para discordar com nossos dirigentes com os destinos do escotismo no Brasil. Não bati palmas como alguns queriam. Poucos formadores entraram em contato e por isto não dei um sorriso e um abraço, mas aos demais chefes eu fiz tudo para motivá-los. Sai duas vezes da minha caverna para visitar atividades escoteiras a convite. Senti-me honrado onde fui. Por falta de outros convites não houve mais visitas.
Não sei o que me reserva em 2014. Espero que repita 2013 um ano muito frutífero para mim. Entretanto o que vier aceitarei sem reclamar. Seguirei sempre nesta trilha de falar o que penso, de passar o que aprendi, de ajudar quando posso e estar sempre com um sorriso, claro quando não for chorar. Obrigado amigos e amigas por me aceitarem como sou. Estou orgulho de ser amigo de todos vocês.

Gostaria de estar presente e apertar a mão individualmente de todos. Não sendo possível o faço mentalmente com orgulho de ter você como meu amigo. Que 2014 seja o ano do escotismo. Não importa qual nação. Que a felicidade more no coração de todos vocês para sempre!

FELIZ ANO NOVO!

Chefe Osvaldo Ferraz.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Palavra de Escoteiro ou palavra de honra? “Os dez artigos da Lei Escoteira”



Quem me rouba a honra priva-me daquilo que não o enriquece e faz-me verdadeiramente pobre.

Palavra de Escoteiro ou palavra de honra?
“Os dez artigos da Lei Escoteira”

          Estava acampado como sempre fazia bimensalmente com os monitores e subs da tropa. Nos acampamentos de fins de semana eu sempre ia para o Sitio do meu amigo Tornelo. – Chefe, fique a vontade, nem precisa pedir autorização. Boa aguada muitos bambus um local excelente. Eram quatro subs e quatro monitores. Eles adoravam tais acampamentos. Eu também, pois tínhamos mais tempo para conversar, aprender fazendo e trocar ideias. Ouvir adolescentes e suas necessidades eram para mim uma alegria sem par. Com esta nova rotina a tropa deu um salto em motivação e crescimento. O dia já estava no fim e a noite chegava mansa. Jantamos um belo bife com arroz que estava soltinho. Um dos subs era um cozinheiro de mão cheia. Lá pelas nove eles chegaram de mansinho na porta da minha barraca. Eu tinha feito nos outros acampamentos dois bancos de troncos grossos que encontrei cortado perto da lagoa do Jacaré. Cada um foi se assentando e um deles já colocava as batatas no fogo já aceso. Eu terminara o café e no bule esmaltado já tinha colocado junto à fogueira pequena com pedras em volta para não espalhar as brasas.

          Era uma rotina que todos gostavam de participar. Ali ficamos conversando até que um Monitor me perguntou – E a história de hoje Chefe? Sorri de leve. Sempre tinha uma historia para contar. – Vamos lá eu disse. Hoje iremos falar da Lei Escoteira. Uma patrulha que sempre achou que a palavra do Escoteiro vale pela sua honra. Mas o que é honra? Melhor contar a história. Eles se serviram de um biscoito de polvilho e alguns do café que estava quentinho. Um silencio se fez em volta. Mal dava para ouvir os grilos e ao longe na lagoa uma sinfonia de sapos cururus se divertiam todas as noites. – Tudo começou quando a Patrulha Onça Parda estava reunida na casa do Escoteiro Santos Dumont. Estavam lá o Monitor Rui Barbosa, e mais os Escoteiros e escoteiras Olavo Bilac, Caio Martins, Anita Garibaldi, Barbara Heliodora e Joana Angélica. Era uma rotina, pois todas as quartas feiras se reuniam em casa de algum membro da patrulha.  – Chefe! Interrompeu um Monitor, mas estes nomes são verdadeiros? Olhe que todos eles fizeram parte da história do Brasil. Bem pensado Antonio. Mas faz parte da história.  

          - Bem continuando, depois de discutido as sugestões que dariam para o programa do segundo semestre, eis que Anita Garibaldi levantou um assunto – Olhem meus amigos, lembram-se da última reunião que o Chefe fez um Jogo Escoteiro usando a Lei Escoteira? – Sim, disseram todos. Mas foi um jogo meio parado disse Olavo Bilac. – Concordo disse Anita Garibaldi, mas acho que valeu para nós. Afinal somos Escoteiros e o que significa a Lei Escoteira para um escoteiro? – Uma discussão simpática começou. Falou Caio Martins, Santos Dumont, Barbara Heliodora e Joana Angélica. Rui Barbosa o Monitor só observava. Ele sempre se questionou sobre a lei. Cumprir ou não cumprir? Dizia para si. Fazer o melhor possível? Quem sabe assim era mais fácil. Foi Santos Dumont que abriu o jogo – Para dizer a verdade eu não sou muito de cumprir esta lei. Ela existe para nos dar um caminho a seguir. Cumprir todos seus artigos é impossível, finalizou. – Não sei se concordo disse Olavo Bilac. Anita Garibaldi não falava nada. Só ouvia. O mesmo fazia Joana Angélica. Barbara Heliodora não concordou. – Não acho que devemos seguir pela metade. Se ela existe e nós prometemos um dia fazer o melhor possível não podemos continuar assim por toda a vida.

          Joana Angélica que pouco falava lançou um desafio – Porque nós que achamos que a Lei é tudo para os Escoteiros, que falamos em honra em palavra escoteira e em ética escoteira não tentamos por dez dias cumprir a risca todos os artigos? Quem sabe, prosseguiu, poderíamos fazer uma espécie de aposta e os que perdessem pagaria para todos uma rodada de sorvetes na Sorveteria do Paulão? Todos deram opiniões. Foi Rui Barbosa quem finalizou – Se todos aprovam eu estou de acordo. Lembrem-se que faltar com um artigo da lei é questão de consciência do próprio membro da patrulha. Para isto se ele não está preparado para cumprir os dois artigos da Lei que vão reger este desafio, não vale a pena continuar. Caio Martins entrou na conversa – Seria o primeiro artigo? O Escoteiro tem uma só palavra e sua honra vale mais que sua própria vida? – Barbara Heliodora emendou – Este mesmo e eu acrescento o segundo. O Escoteiro é leal. Sem lealdade não existe amor, amizade, fraternidade e consciência de mostrar que acredita no que faz e sabe que os outros reconhecem seu Espírito Escoteiro.

             Aprovado o desafio, a reunião de patrulha terminou com um juramento de todos com as mãos entrelaçadas – Prometo ser leal e dou minha palavra escoteira que se errar direi a todos. – Era uma quinta, dia 12 de agosto. O desafio iria durar até o dia 22 de agosto. Rui Barbosa pensativo não sabia se conseguiria cumprir. Olavo Bilac ria baixinho – Este desafio eu tiro de letra - Caio Martins dizia para si mesmo que se quisesse vencer teria que caminhar com suas próprias pernas. Santos Dumont tinha dúvidas se também iria até o final. Anita Garibaldi não tinha dúvidas. Barbara Heliodora sempre se considerou leal e achava que sempre cumpriu os artigos da lei. Joana Angélica tinha medo de suas amigas de classe. Falavam muito palavrão e sempre contavam piadas que iam contra a ética e a honra. Os dez dias se passaram. Estavam todos reunidos na casa de Joana Angélica. Era a hora do acerto de contas. Hora que cada um devia dizer se cumpriu ou não a lei escoteira.

            Rui Barbosa deu o exemplo como Monitor – Não consegui no Sétimo artigo me perdi. Tudo por causa do meu pai. Encheu-me as paciências de tal maneira que fui indelicado com ele. Pedi desculpas depois, mas já havia infligido à lei. Joana Angélica riu baixinho e emendou – Eu também não consegui. O quarto artigo é danado. Amigo de todos? Isto inclui aqueles que não são Escoteiros. Tive que dar um empurrão na Rebecca minha prima. Entrou no meu quarto e fez uma bagunça que só vendo. Depois me arrependi. Afinal ela só tem cinco anos! Caio Martins só falou que cumpriu todos. Barbara Heliodora pediu desculpas, mas não cumpriu o quinto e o oitavo artigo. Não fui cortês com minha mãe e quando ela me repreendeu na frente de todos, eu chorei por dois dias. Nem me lembrei de sorrir. Olavo Bilac disse que cumpriu sem pestanejar e se precisasse ele ficaria para sempre cumprindo a lei escoteira. Anita Garibaldi também não conseguiu. Discuti com minha professora, pois ele me deu oito em história. Merecia um dez. Por último Santos Dumont disse que cumpriu todos.

            Os monitores e subs estavam de olhos arregalados. Chefe é história verdadeira? Quer saber? Eu não sei se iria cumprir como muitos fizeram. Não disse sim e não e encerrei a história com todos tomando sorvete na Sorveteria do Paulão. Empanturraram-se de tanto tomar sorvete. Um silêncio profundo em volta do fogo. Ninguém disse nada. Uma coruja piou ao longe. Os sapos pararam de coaxar. O céu ficou escuro e um relâmpago riscou o ar. – Boa noite meus caros monitores, chequem suas barracas a intendência, o lenheiro. Vem uma tempestade por ai!     

Nenhum homem tem o dever de ser rico ou grande ou sábio: mas todos têm o dever de serem honrados.



quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Ele era meu amigo o Cacique Itagiba, o que tem o braço forte como pedra.



“Ensina-nos a atravessar para o outro lado do oceano”
Nosso Pai ensina como chegar à sua Morada.
Nosso Pai ensina a atravessar para o outro lado do oceano...

Ele era meu amigo o Cacique Itagiba, o que tem o braço forte como pedra.

             Tinha levantado cedo. Afinal seria um dos primeiros para acordar os demais. Era um Cabo Corneteiro na 4ª Brigada de Infantaria, ou melhor, na Brigada 31 de Março em Juiz de Fora MG. Um soldado que não conhecia me avisou que o Capitão Barbosinha queria falar comigo urgente. Ordens superiores não se discutem se cumprem. Apresentei-me a ele em sua sala as sete da manhã. – Ferraz, eu recebi este telegrama. Chegou aberto desculpe. O telegrama dizia – “Meu irmão em breve irei passar para o outro lado do oceano. Não quero ir antes de me despedir de você”. – Ferraz o que significa passar para o outro lado do oceano? Disse o Capitão Barbosinha. – Capitão, significa que meu amigo o Cacique Itagiba está morrendo e não quer ir antes de me abraçar. – Os índios Botocudos quando estão para passar para o outro lado se preocupam com suas três almas na hora da morte. Segundo seus ancestrais, eles têm três almas: a nhe’enguê ou nhe’em, a alma boa espiritual, que vai para o Além quando a pessoa morre, não afetando os vivos; a anguêry, a alma animal, responsável pelas más inclinações e que fica na terra por um tempo depois da morte, assombrando os vivos; a avyu-kuê, a sombra, uma cópia imperfeita da pessoa, permanecendo nos ares e não incomodando ninguém. A doença é a ausência temporária da nhe’em, da alma boa. A morte é a saída definitiva dessa alma. O sonho é a saída nhe’em para esse outro mundo.

                O Capitão Barbosinha não discutiu. Ele me conhecia. Sabia da minha lealdade e das minhas aventuras escoteiras. – Tem uma semana para ir e voltar. Disse. Às nove da manhã eu estava na Br040. Ela me levaria até o entroncamento da Br116. Uma longa viagem e sem dinheiro só como caroneiro. Tive sorte. Um caminhoneiro levando uma carga de arroz para Teófilo Otoni se prontificou a me levar. Ainda estava com o uniforme de campanha do exército. Só em Valadares iria colocar o meu tradicional uniforme escoteiro. Às onze da noite eu estava em casa. Disse aos meus pais o que aconteceu e ficaria pouco tempo. Um banho, o uniforme e parti para a estação ferroviária. Eram duas da manhã e o Nonô o Chefe da Estação me disse – Vado, as três ou quatro da manhã passa um trem de carga para Aimorés. Você pode pegar uma carona. Não deu outra. Tanta sorte que até o Dedé Peito de Pato era o maquinista. Fora Escoteiro sênior e pioneiro. Cheguei a Crenaque as cinco da matina. O dia clareava. Agora era conseguir um barco para atravessar o Rio Doce.

               Nenhum barco, os que existiam de pescadores já tinham levantado vela. Fazer uma jangada demoraria demais. O rio estava calmo e com as águas bem baixas. Escolhi um local onde havia uma grande pedra no meio do rio. Cada braça uns 80 metros. Tirei o uniforme fiz com ele e várias folhas esfoladas de bananeira uma espécie de mochila amarrada nas costas. Iria atravessar a nado. Às oito da manhã eu avistei no alto do morro do Grilo a Aldeia dos Pataxós, remanescentes dos Botocudos e Aimorés. Nada mudou. A mesma aldeia miserável do passado. Os índios ali não tinham vez. A FUNAI nunca se interessou. Parei para descansar, não queria chegar com ar de cansado. Precisava motivar meu amigo o Cacique Itagiba. Eu sempre disse que o sorriso é um remédio dos deuses. Meus pensamentos voltaram ao passado, cinco anos antes. Era Escoteiro passando para Sênior. Os Pintassilgos uma patrulha sênior me recebeu com carinho. A maioria já fora Escoteiro e muitos eu conhecia muito bem. Ainda na fase da Rota Sênior.

               Em uma reunião de patrulha se discutiu muito sobre a história indígena em nosso Vale do Rio Doce. Matheus era nosso escriba e disse que pesquisou muito na biblioteca. Dizia que de uma população de mais de trinta mil índios, todos eles escorraçados de suas terras na Bahia hoje não eram mais que uns três mil. Havia quatro aldeias proximo ao Rio Doce. Em Crenaque, em Conselheiro Pena, em Aimorés e a última em Colatina. – Porque não vamos visitar a de Crenaque? Falei, é perto e poderemos conhecer mais a história deles. Falei. Todos deram sua opinião. Decidimos ir na quinzena seguinte. Uma época que os chefes aprovavam tudo que fazíamos. Em uma sexta a tarde lá estávamos na estação ferroviária a esperar o Trem Rápido para Vitória. Não pagávamos passagem. Tinhamos passe livre na ferrovia Vale do Rio Doce. As seis em ponto nós chegamos a Crenaque. Chegar à Aldeia a noite? Não era uma boa ideia, mas poderíamos atravessar o rio. Um menino de uns doze anos se ofereceu para nos atravessar. Seu pai tinha viajado. Juntamos uns tostões e demos a ele quase dez reais em dinheiro de hoje.

               No alto do morro do Grilo avistamos a aldeia. Quase nenhuma iluminação. Algumas lamparinas e mais nada. Casas de alvenaria. – Mas eles não tinham Ocas? Eu pensei. Bem isto iriamos averiguar. – Armamos duas barracas e dormimos como sempre. Sem medo, sem receios vivendo somente nossos sonhos de jovens meninos. Acordamos com o sol nascendo e na frente da barraca uma dezena de índios na maioria jovens como nós. Eles sorriam. Nenhum fazendo gestos de maldade. Levantamos acampamento e pensávamos que eles não falavam nosso idioma. – quem sabe Tupi Guarani? Perguntei. Eles riram a valer. Foi então que um jovem forte e atlético, vestindo um calção azul e sem camisa nos convidou para visitar a aldeia e conhecer seu pai o Cacique Upiara e sua mãe a índia Poranga. Não falou mais nada e o seguimos na descida do morro do Grilo. Entramos na aldeia e todos saíram de suas casas. O Cacique Upiara nos recebeu educadamente. Também só com um calção azul, mas com um pequeno cocar. Duas penas que ele se orgulhava, uma de um Azulão Vermelho e outra do Uirapuru. Só os valentes da tribo conseguiam tais penas.

        Ficamos lá até domingo e retornamos, pois a semana sem escola seria um prato cheio para os pais. Conversamos muito com eles e apesar de não entender sobre FUNAI, indigenistas e piratas de bebidas alcoólicas aprendemos muito. Um povo sofrido. As terras que o governo lhes deu foram invadidas diversas vezes. A caça desapareceu. Eles plantavam mandioca e muitas vezes era seu único alimento. Os homens da FUNAI não eram honestos com eles. Uma vez se sublevaram. Prenderam o Chefe da FUNAI. Nada adiantou. Uma barca no outro dia despejou centenas de soldados. Eles viviam como podiam, mas ainda tinham o orgulho dos seus antepassados. Entre os indígenas não há classes sociais e todos tem o mesmo direito e o mesmo tratamento. O pequeno pedaço de terra que ainda tinham pertencia a todos. Quando se conseguia alguma caça e ou uma boa pesca tudo era dividido com todos. Vimos com orgulho que ali todos se respeitavam, as índias sempre tomando conta das crianças e fazendo a comida. Cada casa morava oito ou doze famílias. Até mesmo o Cacique Upiara e sua esposa a índia Poranga moravam com mais oito famílias. Tudo dividido até o radinho de pilha era passado de mão em mão.

             Voltei lá muitas vezes. E até sem patrulha somente a “escoteira”. Fiquei muito amigo do jovem Itagiba. Juntos nos fizemos belas aventuras na redondeza. Caçamos uma Jaguatirica só com armadilhas. Depois fiquei com tanta dó dela que a soltei e Itagiba rolou no chão de tanto rir. Ficávamos horas na pedra do Açu junto ao rio Doce tentando pescar uns dourados. E quando conto que peguei um “moleque” de mais de vinte quilos dizem que inventei. Fizemos uma jornada até a Lagoa dos Macacos muito longe da aldeia. Uma lagoa enorme e nunca tinha visto tantos peixes. Aprendi a gostar do Cacique Upiara e a Índia Poranga. Fiz amizade com o Pajé Jurecê. Meio cheio de trejeitos como se estivesse recebendo espíritos. Todos recorriam a ele nas doenças e dificuldades. Tinha um médico da FUNAI que ia lá duas vezes por ano. Duas vezes! Ficar doente e depender dele era morrer. Uma noite de lua cheia estava eu e Itagiba em um pesqueiro no Rio Piracema quando me deu uma ideia. Expliquei a Itagiba como os Escoteiros faziam juramentos de sangue. Ele me convidou para ser seu amigo para sempre. Tirei minha Mundial da cintura, e cortamos no antebraço. Não saiu muito sangue, mas cruzamos os dois no local de corte e cada um disse que agora seriamos irmãos de sangue por toda vida.

             Quatro anos depois fui servir a Pátria em Juiz de Fora. Sempre mantendo contato com Itagiba pelo correio. Ele mesmo me contou que se casou com a Índia Ibotira a quem chamavam de flor pequena. Seu pai havia morrido de uma doença que germinava por toda tribo. Uma tal de tuberculose. Ele agora era o Cacique. Sempre me convidando a voltar lá, pois sentia muitas saudades e queria que eu fizesse o batismo do seu filho que ia nascer. Era difícil minha ida. No exército as folgas eram pequenas e esperava umas férias para visitar meus pais e ele. Foi então que recebi este telegrama. Não dava mais. Tinha de ir. Desci a trilha do morro do Grilo que me levava à aldeia. Desta vez não tive a recepção do passado. Poucos sorrisos para mim e até os meninos se escondiam da minha passagem. Itagiba ainda morava na mesma casa. Agora quase vazia. Havia um medo generalizado da mesma doença que matou seu pai e quase dizimou a aldeia. A tuberculose fazia às vezes da peste negra. Se a FUNAI quisesse ela poderia dar cabo de tudo. Mas eu sabia que daquele mato não ia sair coelho.

               Itagiba estava deitado em um catre de folhas de bananeira. Ele já sabia que eu estava chegando, pois me avistaram fazendo a travessia a nado e esperava com ansiedade minha presença. Levantou com dificuldade e ficou em pé com a ajuda de sua mulher a índia Ibotira. Abraçou-me fortemente com os olhos cheios de lágrimas. Não me contive e chorei também. Ficamos ali a falar do passado, lembrando tudo que fizemos e ele me contou como estava a aldeia. Já tinha feito um conselho da tribo para a escolha de um novo cacique, pois seu filho não chegou a nascer. Com cinco meses Ibotira abortou. Ele sabia que não haveria mais uma continuação de sua família de bravos. Sorriu ao me dizer que pelo menos deixava um grande amigo e me olhou com aqueles olhos grandes que sabia reconhecer as aves e os animais da floresta como poucos. Itagiba morreu dois dias depois. Mesmo morto poucos foram reverenciá-lo. Um medo terrível da doença. Eu não saí do lado dele um só instante. Conhecia a tuberculose e desde que não usasse seus apetrechos de alimentação dificilmente pegaria. Expliquei isto para sua esposa Ibotira.

            Uma vez o Pajé Jurecê me contou que cada nação indígena possuía crenças e rituais religiosos diferenciados. – Sabe meu jovem nós acreditamos nas forças da natureza e nos nossos espíritos dos antepassados. Eles são para nós os Deuses e os espíritos para nossos rituais cerimônias e festas. No passado quando alguém da tribo morria nós enterrávamos os corpos na Oca onde ele morava. Junto com ele ficava seus objetos pessoais, vasos de cerâmicas que ele adquirira. Nós sempre acreditamos que havia uma vida após a morte. Agora com as casas de alvenaria isto não era mais possível. Itagiba foi enterrado em um pequeno cemitério ao lado da trilha que nos levava sempre em busca de aventuras, o morro do Grilo. Eram poucos os índios da tribo que se arriscaram a acompanhar a cerimônia fúnebre. Colocaram seus pés virado para o nascente para que ele encontrasse com maior facilidade o caminho da Terra sem Males, e que diziam ficava nessa direção depois do oceano. Foi acesa uma fogueira sobre seu tumulo que foi alimentada por três dias isto para que sua caminhada fosse iluminada.        

            Eu sabia que ele sempre acreditou que poderia reencarnar. Um dia ele me disse – Sabe Vado Escoteiro quando eu reencarnar novamente quero ser seu irmão. Quero estar sempre ao seu lado. Voltei no dia seguinte do seu sepultamento para o quartel. Naquele sábado do retorno, na hora do apagar das luzes, toquei em meu clarim o toque de Silêncio mais triste que um dia toquei em minha vida. Para dizer a verdade as notas do clarim se misturaram ao sabor das minhas lágrimas que caiam harmoniosamente. Até mesmo o Sargento da Guarda me olhou com carinho. Ele não conhecia a história, mas sua experiência com corneteiros sabia de antemão que uma bela história de amor e amizade tinha acontecido. Itagiba ficou na minha memória por todo o sempre. Não houve sonhos e nem revelações, pois assim como ele tive amigos que já foram para o outro lado da vida e só deixaram saudades. Eu sei que um dia vamos nos encontrar, pois nosso caminho na vida sempre vais nos levar a eternidade.

Dentro de mim existem dois lobos.
O lobo do ódio e o lobo do amor.
Ambos disputam o poder sobre mim.
-Qual vence?
Aquele que eu alimento!

Velho índio


quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

O ultimo Grande Uivo – É difícil dizer adeus...



As pessoas tomam caminhos diferentes em busca da felicidade e da satisfação. O fato de que o caminho de alguém não coincida com o seu não quer dizer que vocês se perderam. (H. Jackson Browne)

O ultimo Grande Uivo – É difícil dizer adeus...

           Em nossa vida estamos sempre dizendo adeus. Não é um adeus para sempre. Mas para crescer temos que deixar para trás aqueles que amamos e nunca deixaremos de amar. Todos nós um dia deixaremos o nosso lar, sem perceber dizemos adeus aos nossos pais, nossos irmãos, mas continuamos junto a todos eles sempre na mente e no coração. Um dia vamos partir para mais longe, mas o longe é tão perto que nos manteremos unidos em qualquer tempo. Muitas vezes sentimos saudades do passado, buscamos lá no fundo da memória cada ato, cada ação e isto nos trás um bem tremendo. Dizem que recordar é viver. Acredito sim. Lembrando Drummond ele dizia que fácil é dizer “oi” ou “como vai?” Difícil é dizer “adeus”... Fácil é abraçar, apertar a mão. Difícil é sentir a energia que é transmitida... Fácil é querer ser amado. Difícil é amar completamente só...

           Realmente é difícil dizer adeus. Uma palavra que não gostamos de usar. No escotismo estamos sempre dizendo adeus. Um adeus diferente, pois estamos a poucos passos daqueles que despedimos. Mas aquela saudade gritante ainda machuca quando partimos para a Cidade dos Homens. Se um dia fomos lobos o nosso amor a nossa Alcateia, a nossa Akelá, nosso Balu, Kaa, Baguera ou Raksha ficará para sempre em nosso coração. Se ali vivemos uma vida cheia de amor, nada poderemos fazer para que um dia cada um de nós fique para trás. Vai chegar a hora de dizermos adeus. Faz parte do nosso crescimento? Sim faz parte. Iremos deixar para trás um pedaço de nós. Não foi assim que disseram? O homem ao homem! É o desafio da Jângal! Já parte aquele que foi nosso irmão. Ouvi, então, julgai, ó vós, gente da Jângal, respondei: - Quem irá detê-lo então?

          Tantos anos, um tempo simples cheio de amigos e sem querer sabemos que o homem vai ao homem, mesmo que saibamos que na Jângal está a nossa trilha, ninguém mais vai poder nos seguir. Nem mesmo Shere Khan. Permanece aquela dúvida cruel de menino lobo, a lembrar de que Mowgly queria ter morrido nas garras dos Dholes, quando sua força esvaiu-se e ele sabia que não foi veneno. Dia e noite ouvia um passo duplo no seu caminho. Quando voltava à cabeça sentia que alguém se esconde atrás. Procurava por toda parte atrás dos troncos, atrás das pedras, e não encontrava ninguém. Chamou e não tinha resposta, mas sentia que alguém o ouvia e se guarda de responder. Ele se lembra de tudo. Sabia que tinha de partir. Se Baloo, Akelá disse que ele iria um dia partir para a Alcateia dos homens não tinha como fugir. Não era a lei? Não foi Kaa quem disse que homem vai para os homens? Mesmo que a Jângal não mais o expulse? É não adiantava mesmo que os irmãos Gris uivem furiosamente dizendo – Enquanto vivermos ninguém, ninguém mesmo ousará!

           Ele sente que já está com saudades. Estão todos prontos para o Ultimo Grande Uivo. Quantas vezes ele os fez? Quantas vezes ele gritou melhor, melhor, melhor e melhor? Quantas vezes a Akelá no centro do círculo de braços abertos olhou para ele e ele sabia o que responder? Tudo agora vai acabar para sempre? Mas ele se lembrava das palavras de Bagheera dizendo que ele deveria seguir novos caminhos – Senhor da Jângal, lembra-se que Bagheera te ama, vai em paz. O Grande Uivo terminou. Era a hora da passagem. Passagem? Ele iria partir? Dizer adeus? Olhou além da floresta e viu os homens meninos o esperando. Ele já os conhecia. Ficou varias luas com eles. Foi bem tratado, aprendeu a dizer o Grito da Patrulha, aprendeu o novo lema à saudação. Aprendeu muitas coisas...

              Ele não sabia se chorava ou se dizia adeus quando se despediu de cada um. Mão por mão. Aquela do coração firme como a dizer: - Estarei sempre aqui e vocês estarão sempre aqui no meu coração. Olhou para Kaa e lembrou que ela chorava e que era difícil arrancar a pele, mesmo que Baloo também chorasse e pedia que antes de partir ele o chamasse. Venha até a mim sábia rãnzinha e ele quase rompeu em soluços naquela despedida dolorida. Não se esqueça de mim. Ele lembrava quando estava partindo e Kaa repetia – “Somos todos, eu e você irmãos de sangue”. Seus olhos estavam molhados de lágrimas. Tinha de partir, sabia que está era sua sina seu destino. Ainda deu para ouvir os soluços e os gritos do Lobo Gris que de olhos erguidos para o céu dizia – Onde me aninharei doravante? Pois agora os caminhos são novos...

          Era seu último Grande Uivo. Mais uma vez olhou lobo por lobo. Nunca mais iria esquecer aquele dia. Hora de partir. Sempre é uma hora difícil de dizer adeus. Mais uma vez ele se lembrou das palavras do seu irmão o lobo Gris – “Filhote de homem, senhor da Jângal, filho de Raksha, meu irmão de caverna, O teu caminho é o meu caminho. A tua caça é a minha caça e a tua luta de morte é a minha luta de morte”. E ele completou gritando para a Alcateia quando partiu - “Boa caçada grande povo da Jângal”! Não tinha mais nada a dizer. Mais uma vez deu seu ultimo adeus e ouvindo a canção do lobinho ele partiu para seu novo mundo. Akelá o levou até a trilha que o levaria a cidade dos homens. Segurou sua mão esquerda e disse – Você sempre será bem vindo ao nosso meio. Quem foi um lobo sempre será um lobo. Vá com Deus e que na cidade dos homens você seja feliz como foi aqui!

        O Monitor e o Chefe o esperavam na trilha da cidade dos homens. Com sorriso saudoso e venturoso ele apertou a mão do Chefe e do seu Monitor. Agora teria uma patrulha, agora ele teria de agir como homem. Sabia que todos iriam ajudá-lo na nova vida. Pois ali disseram eles que seriam um por todos e todos por um. Olhou para trás, acenou para a Akelá e os lobinhos. Seu coração bateu forte. Que vontade de voltar de dizer que não queria ir. Mas agora não era um homem? Suas passadas deviam ser para frente e voltar seria um retrocesso. Pensou consigo como era difícil dizer adeus. Difícil mesmo, mas agora era um homem. Disseram para ele que o homem mais sábio e mais digno de confiança é o que aceita as coisas como são. Ele agora tinha uma nova vida. Sabia que não seria fácil, pois nada neste mundo é fácil. Mowgly não era mais o mesmo quando partiu. Seu coração doído iria se regenerar. Foi saudado por todos na Tropa Escoteira, na cidade dos homens. Fez questão de apertar a mão de todos. Havia aprendido que o Escoteiro é amigo de todos e irmãos dos demais escoteiros.

“O abutre Chill conduz a noite incerta, e que o morcego Mang ora liberta - É esta a hora em que adormece o gado, Pelo aprisco fechado. É esta a hora do orgulho e da força unha ferina aguda garra. Ouve-se o grito: Boa caça aquele Que a Lei da Jângal se agarra”.


Quem pergunta permanece ignorante durante somente cinco minutos, mas quem não pergunta será um ignorante para sempre. (provérbio chinês)


Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

Bem vindo ao Blog As mais lindas historias escoteiras. Centenas delas, histórias, contos lendas que você ainda não conhecia....