domingo, 27 de outubro de 2013

A FELICIDADE NÃO SE COMPRA - GINO, UM ESCOTEIRO EM BUSCA DOS SEUS SONHOS



A felicidade não se compra
Gino, um escoteiro em busca de seus sonhos

Quantas vezes a gente, em busca da ventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura
Tendo-os na ponta do nariz!
Mario Quintana

      Existem certos contos que me fazem lembrar de situações ou fatos do passado. Esse é um deles. Quando imaginei a historia e como seria me lembrei do filme A Felicidade não se Compra, de Frank Capra. Para muitos uns dos maiores diretores de todos os tempos. Conta a historia de George, quando um dia sua vida virou de cabeça para baixo e na ocasião do natal, um anjo que lutava para ter suas asas de volta, desce a terra para salvá-lo de um suicídio. George sempre fez o bem, mas seus sonhos desabaram. James Stewart e Donna Reed mostram porque o filme concorreu a quase todas as indicações ao Oscar da época. Estão soberbos.

      Não que a historia de Gino seja a mesma. Nada disso. Gino não tinha nada de extraordinário e nunca pensou em tirar sua vida. Com o que tinha se sentia feliz. Gino era escoteiro da patrulha Corvo. Assim como o anjo que foi fazer a boa ação com George no filme, Gino também adorava fazer boas ações. Na sua patrulha era amado por todos e bem considerado. Gino adorava ser escoteiro. Não era fácil. Sua família muito pobre. O Grupo Escoteiro não cobrava dele a mensalidade e o ajudava muito nas taxas extras das atividades ao ar livre.
 
       O pai de Gino era carpinteiro. Ganhava o suficiente para a família. Infelizmente bebia muito. Chegava em casa e ia para o quarto. Isso entristecia muito a Gino. Nos fogos de conselhos que participava, não gostava de fazer personagem de bêbado. Lembrava de seu pai. Não contou para ninguém, mas um dia ele apareceu durante a ortoga de um Liz de Ouro a um monitor da patrulha Cão. Achou que era Gino quem iria receber. Estava bêbado, quase caindo e Gino não sabia onde se esconder. Seu pai não deu vexame. Mas o Chefe da Tropa notou e olhou de maneira embaraçosa para Gino.

     Naquele dia Gino se sentia feliz. Haveria um Acampamento Regional de Patrulhas (ARP). O Chefe da Tropa estava vendo quem iria. A taxa era alta. Gino sabia que nunca poderia ir. Não podia pagar. Gino, no entanto ria da alegria dos amigos. Boa parte da patrulha iria participar. Ele se sentia feliz em ver a felicidade deles. Isso era próprio de Gino. Sempre pensava nos outros e pouco em si próprio. Só ficava triste porque quando do evento não havia reuniões de tropa. Uma das paixões dele.

     Na semana seguinte, lá estavam eles de volta, contando as novidades, rindo, mostrando fotos e Gino sentia dentro de si, uma alegria por ver tantos amigos alegres. Claro, seus olhos brilhavam. Bem não tanto, aqui e ali uma pequena lagrima por não ter ido. Os membros da patrulha contavam maravilhas. Jogos, canções, fogo de conselho. Centenas até milhares de participantes. Gino ouvia calado. Ah! Pensava. Meu dia chegará. Sim claro. Gino pensava que ele também poderia um dia participar de uma atividade como essa.

      Naquele sábado estavam fazendo uma atividade de base. Eram cinco. Em uma delas treinavam como fazer um tripé com os olhos vendados. Claro, Gino se destacava nessas atividades. Não levou mais que dois minutos para dar uma amarra para tripé. Sabia como ninguém. Claudio era o monitor da patrulha. Desde que Gino entrou para ela, se encarregou de prepará-lo nas suas provas de etapas de classe. Ele dizia que Gino poderia ser Liz de Ouro. Tinha todas as qualidades para isso. Claro, era seu sonho. No entanto ele tinha outro. Um sonho lindo. Participar de uma grande atividade escoteira nacional.

    Ele sabia que uma estava sendo programada. Seria em janeiro, daí a dois anos. Um Jamboree Nacional. Incrível! Uma apoteose! O Máximo que ele podia pensar. Milhares de escoteiros e escoteiras. Ele jurou a si próprio que não iria perder essa. Tinha tempo. Iria realizar seu sonho. Afinal ele era um escoteiro e tinha esse direito. Falou com seu pai, sua mãe e eles balançaram a cabeça. Não disseram nada, sabiam de suas condições financeiras. Gino tinha um plano. Ele ia conseguir. Começou a economizar. Tinha já em seu pequeno cofre mais de trinta reais. Precisaria pelos seus cálculos de uns mil reais. Ele não achava impossível conseguir.

      Sempre ao sair da escola, procurava um meio de aumentar suas economias. Passava de casa em casa, se oferecendo para limpar o quintal, um serviço extra, qualquer coisa. Ele já tinha conseguido quase cem reais nos dois últimos meses. Ainda tinha um ano pela frente. Sua luta não parava. A cada dia mais aumentava suas economias. Sonhava acordado pensando estar chegando na maior atividade escoteira de sua vida. Comentava com seus amigos de patrulha, que desta vez eles teriam companhia. Sabia que quase todos iriam. Seus pais tinham condições financeiras e as taxas seriam pagas na data certa.

    Faltava pouco mais de seis meses para o inicio do Jamboree. Gino já economizara mais de setecentos reais. Já dava para pagar a taxa, só precisava do saldo para a viagem e alimentação. Nas reuniões ele alardeava sua alegria com todos. Desta vez ele estaria presente. Nada de fotos, nada de historias, ele iria viver todo o programa do Jamboree ao vivo e cores. E dava belas gargalhadas. Soube pelo chefe da tropa que vários escoteiros de muitos países estariam presentes. Já pensou? Conhecer outros, uniformes diferentes, quem sabe trocariam distintivos e lenço com ele? Pediu a sua mãe que fizesse cinco. Tirou de suas economias para comprar o tecido.

      Gino olhava seu uniforme. Antigo. Não estava novo. Muitas lavadas algumas partes desbotando. Não dava para fazer outro. Ia com ele mesmo. Tinha tudo. Economizara desde que entrou para a tropa. Seu chapelão tinha as abas retas. Velho mas bem cuidado. Sua faca mateira sempre limpa e ao colocar na capa, usava talco para conservar. O mesmo com sua machadinha. Seu cantil sempre era lavado e a capa perfeita. Ganhou do seu padrinho uma bussola Silva. Tinha um carinho enorme por ela. Ele iria se apresentar garboso, orgulhoso de ser um Corvo, não o melhor, mas procurava ser tanto como os demais. É Gino era um escoteiro de corpo e alma.

     Na semana seguinte, o chefe iria recolher a taxa de cada um para fazer a inscrição de todos. Só ficariam sem ir quatro escoteiros, pois eram férias escolares e eles iriam com seus pais para outras plagas. Quando acabou a reunião, Gino foi com alguns amigos ate a quadra onde dois times de basquete estavam disputando um campeonato. Era o esporte preferido dele. Quase não jogava. Quando podia entrar na quadra ele demonstrava ser um perfeito conhecedor das regras e de tudo que se fazia ali.

      Viu seu pai chegando. Assustou. Outra vez pensou? Já havia meses que ele não bebia. Tinha prometido parar. Mas não era o que pensava, não estava bêbado. Seu pai o procurava. Sua mãe estava muito mal no pronto socorro. O medico tinha dado uma receita enorme. Na farmácia do posto de saúde não tinha nada. Sabia do sacrifício que ele tinha feito para conseguir a quantia da viagem. Ele não sabia o que fazer, falou com Gino que não tinha onde conseguir. Ele era sua única esperança. Tinha de comprar os remédios. O mundo de Gino caiu sobre ele. Ele amava sua mãe. Não iria negar nunca. Foi com o pai e deu toda sua economia. Oitocentos reais. Seu sonho acabou. Jamboree, adeus! Gino não chorou. Sua mãe valia muito mais que um sonho.

     Durante cinco dias sua mãe ficou entre a vida e a morte. Seu pai vendeu uma pequena serra elétrica de madeira, tinha duas, precisava dela, no entanto o dinheiro acabou. Ele precisava de mais. Vendeu por nada. Um preço muitas vezes inferior ao valor real. O médico do bairro veio duas vezes. Uma pequena fortuna ele cobrava. Gino não saiu da cabeceira de sua mãe. Na quinta feira, ela sorriu. Gino e seu pai sorriram. Ela estava melhorando, até levantou para fazer o almoço. O sorriso de sua mãe foi um balsamo para a tristeza dele. Tentava esquecer o Jamboree. Tinha de esquecer. Agora era esperar eles voltarem e contarem como foi. Fotos, programas, e Gino ia sorrir como sempre fazia e chorar depois.

     No sábado, a reunião foi interrompida para que o Diretor Técnico explicasse como ia ser a viagem e receber dos que ainda não tinham pago a taxa. Gino ficou calado quando o chamaram. O chefe insistiu. Pela primeira vez ele mentiu. Não mentia nunca. Para ele o escoteiro tem uma só palavra. Ele não tinha duas, sempre fora leal. Agora não. Chorou por dentro quando mentiu. Disse que tinha uma infecção intestinal, não podia viajar. O medico proibiu. Não falou mais nada. Sua garganta estava engasgada. Não saía voz.

      Gino foi para casa pensando como a vida era ingrata. Claro, aceitava. Afinal entre a vida de sua mãe e o Jamboree ele ficava com sua mãe. Mas estava amargurado. Não ia chorar. Não podia. Não ia resolver nada. Sonhou tanto com esse Jamboree e o sonho morreu. Pensou consigo mesmo, afinal ainda tenho uma vida pela frente, haverá outras oportunidades. Chegou em casa e tentou sorrir para sua mãe e seu pai. Um sorriso amargo. Tentou fingir, não deu. Foi para seu quarto e chorou. Chorou muito. As lágrimas não paravam de sair. Sua mãe desconfiou e foi até lá. O abraçou e chorou com ele.

        O dia amanheceu. Um lindo sol no horizonte. Os pássaros cantavam nas árvores próximas. Uma brisa gostosa refrescava aquela manhã. Era sábado. Dia em que todos iriam partir para o Jamboree. Gino ficou na janela. Tentando ver em sua mente, a alegria de todos na partida. As canções, o ônibus, sorrisos em profusão. Estava taciturno, calado, mudo. Não chorava mais. Não adiantava. Bola para frente dizia consigo mesmo. Mas era tapear seu coração que doía de uma maneira terrível. Deus dizia daí-me força. Vai ser difícil sair dessa fossa.

      Gino foi para o quintal. Tinha uma mangueira frondosa que ele gostava de sentar na sombra e imaginar tudo que um dia poderia fazer. Ali era onde sonhava. Pensou que logo passaria para os seniores. Lá tinha certeza que iria fazer tudo de novo. Ele seria maior, conseguiria um emprego e não ia perder mais nenhuma atividade nacional. Sonhou que poderia ir em um Jamboree mundial em outro país. Sonhar... Como é bom sonhar. È barato, de graça, não custa nada e muitas vezes conseguimos nesses sonhos tudo que gostaríamos de realizar.

      Gino dormiu encostado ao tronco da mangueira. Agora ele sonhava. Viu anjos, viu nuvens brancas, viu um velhinho de barbas brancas sorrindo para ele e dizendo: - Você vai conseguir. Voce vai conseguir! Não desanime meu filho. A vida é bela. Sabe meu filho, o fantástico da vida é saber fazer de um pequeno momento, um instante de um grande momento. Aprenda que o importante na vida não é o que você tem e sim o que você pode conseguir. Se a felicidade não entrar pela porta não tem problema. Fica um pouco com a tristeza e depois mande ela embora. O velhinho sorriu e desapareceu.

     Era um belo sonho, mas Gino acordou assustado com uma buzina de um ônibus. Levantou esfregou os olhos e viu seu pai sua mãe e o chefe da tropa com eles. Eles sorriam e diziam, vá se preparar meu filho, você vai para o Jamboree! Incrível! Espantoso! Ele não estava acreditando. O chefe da tropa contou que todos se cotizaram.  Souberam do seu ato de grandeza. Um escoteiro assim não ia ficar para trás. Gino deu um salto. Gritou alto. Viva! Ainda tenho sonhos e eles estão sendo realizados.

     Gino correu. Foi ao seu quarto. Vestiu o uniforme. Olhou-se no espelho. Gostou do que viu. Sorriu para se próprio e gritou – Jamboree me aguarde, aqui vou eu! E dava belas gargalhadas. É a vida é assim mesmo. Voltas daqui, voltas dali e as surpresas acontecendo. Algumas muitas vezes não agradáveis, mas outras estupendas.

      Descrever a alegria de Gino na chegada, ver tantas delegações chegando também. Gritos alegres, canções nunca ouvidas. A inscrição, os abraços, os comprimentos. Eu? Sou de Mira Flores e você? E assim ia. Canadá, Estados Unidos, México, Inglaterra, muitos países. Gino nunca soube quantos. Quando do último dia, os olhos de Gino encheram-se de lagrimas. Desta vez de alegria. Uma grande cadeia da fraternidade. Cantada em vários idiomas.

     O ônibus, a chegada, a mãe e o pai esperando. Gino gritando – Mãe! Consegui! Fui no Jamboree! Mãe, oh mãe, me abrace, sou o menino mais feliz do mundo! Seus pais choravam de alegria. É. Gino conseguiu. Ficou marcado para sempre em sua vida. Não importava agora se podia ir ou não em outros. Seu sonho foi realizado. Ele pensava e dizia em voz alta – Eu não fiquei olhando a montanha. Eu a escalei. Vi o outro lado. Gino sabia. A chave da felicidade é sonhar. A chave do sucesso é fazer dos sonhos a realidade. O mais importante na vida não é o triunfo, mas a luta para alcançar.

      Este é o nosso movimento escoteiro. Algumas histórias com final feliz. Todos gostam mais dessas. Mas as tristes existem. E pode estar ao seu lado. Quem sabe existe um Gino em sua tropa? Faça dele também uma pessoa feliz.  Não pense só em si, no seu sucesso, na sua alegria. Todos gostam de contar o que sentiram, mas tem aqueles que nunca poderão sentir o que não viram. Antes de programar uma aventura, pare, veja e olhe. Será que não tem nenhum Gino por aqui?

E quem quiser que conte outra.

"Afogue a tristeza nas ondas da alegria;
Enxugue as lágrimas no manto do sol e faça brilhar um sorriso nos lábios.
 A boca que vive a chorar desaprende a sorrir."




Obs. Uma leitora me alertou que uma frase aqui colocada, pertence a
 um poeta que não foi citado. A citação Afogue as tristeza nas ondas
da alegria seria de Inácio Dantas do blog http:/inaciodantas.blogspot
.com. Minhas desculpas. 



domingo, 20 de outubro de 2013

Libachy, o lobo Vermelho do Vale da Coruja.



Lobo, o primeiro cão selvagem.

Uivando alto no topo de uma montanha,
Provocando arrepios na espinha,
Uma sentinela Solitária
Chamando a outros de sua espécie.

O último de uma raça em extinção.
Seu crime - a necessidade de comer.
Seu companheiro tem uma esperança,
Para o pai que vai levar um pouco de carne para casa

Os pecuaristas dizem que ele é uma ameaça
Para os mais pequenos de seu rebanho
Mas, para caça-lo à extinção
É sem sentido e absurdo.

A forma tem de ser encontrada
Para Criaturas de Deus coexistir
Para trazer harmonia e justiça
Para Lobos, nas florestas e nas montanhas

Portanto, antes de condená-lo
Ou matá-lo - ainda pior
Lembre-se do lobo, como índios
Que habitavam esta terra em primeiro lugar.
Charles W. Russell

Lendas escoteiras.
Libachy, o lobo Vermelho do Vale da Coruja.

                      Ele sentou sob suas duas patas, pois estava cansado demais. Suas orelhas levantaram. A respiração ofegante terminara e agora seu sentido de observação estava em ação. Libachy o Lobo Vermelho não sabia o que fazer. Passou todo o dia correndo no vale da Coruja para encontrar alguma caça. Quase se afogou na Vertente do Rio Pucumé. Com muito custo conseguiu pegar sua presa. Um quati raquítico e magro e ele quase desistiu. Mas sabia que seu pai Inûnpiac precisava comer. Dois dias sem nada no estomago Libachy sabia que dia menos dia ele iria partir para a Região Dos ventos Amigos, onde diziam os lobos viveriam felizes para sempre. Agora precisava tomar uma decisão. Nascera há muitos anos ali na Caverna do Morcego e toda a sua vida ele viveu no Vale da Coruja. Sua história poderia já ter terminado. Ele era o último da estirpe dos Lobos Vermelhos. Antes eram centenas deles. Lembrava ainda quando nasceu e sua Alcateia era forte, respeitada entre os demais lobos do Vale da Coruja.

                 Libachy olhava espantado para sua trilha que estava toda tomada por jovenzinhos humanos, com chapéus esquisitos e montando barracas bem onde devia passar. Ele lembrava que a muitas luas uma turma deles havia tentado atravessar o vale e desistiu. Pensou que nunca mais voltariam e ali estavam de volta. Nunca fez mal a eles. Libachy era um lobo amigo e não desejava mal a ninguém. Diferente de Sangue nos Olhos, A Onça Negra de mais de três metros e que também era a única a afugentar todos os bichos do Vale do Morcego. Ele sabia que ela era a única culpada por todos os seus infortúnios. A muitas luas todos viviam felizes e até mesmo Sangue nos Olhos não fazia mal a ninguém. Mas um dia resolveu ir para outras paragens e matou um bezerro recém-nascido. Foi à conta. Os fazendeiros em grupo foram à caça. Mataram quase todos os animais que acharam ser ferozes e sobrou somente ele e Sangue nos Olhos. Seu pai não conta, pois desde a lua nova que ficou entrevado não podendo mais andar. O Vale da Coruja não era mais o mesmo. Todos tinham medo de todos. O espirito sempre alerta para não ser morto por um tiro ou um animal mais forte esfomeado.

                Libachy olhou de novo para a menininha que vinha em sua direção. Ele sabia que não ia lhe fazer nenhum mal, mas e ela? Iria gritar e ele tinha de fugir deixando sua caça para trás. – Viu “quando ela riu e disse – Olá lobinho, eu também já fui uma lobinha” – Libachy assustou. Ele entendia tudo que ela falava. Como? Nenhum humano jamais conversou com eles. Pensou em sair correndo, mas viu a paz nos olhos da menininha. – Eu preciso passar ele disse. Ela sorriu e replicou – Pode passar sim, ninguém vai proibir você. Como? Libachy criou coragem, pegou sua presa e correu como nunca. Chegou esbaforido na Caverna do Morcego onde estava seu pai. Pensou em não dizer nada para não assustar, mas Libachy sempre dizia a verdade – Seu pai o ouviu calado e no final disse – Um dia tudo vai terminar Libachy, enquanto os humanos não matarem Sangue nos Olhos e você, eles não ficaram felizes. Você está pagando um crime que não cometeu.

                 Libachy não dormiu bem à noite. Um medo enorme dos caçadores. A menininha pode ter comentado com outros e eles não ficariam satisfeitos enquanto não exterminassem o último lobo vermelho e a última Onça Negra do Vale da Coruja. Mas ninguém veio. Pela manhã foi ver se já tinham ido embora. Eram muitos e divididos em turma. Em uma delas havia três menininhas e cinco menininhos. Educados, não gritavam, sorriam muito e cantavam canções que maravilhou Libachy. Seu medo agora era se Sangue nos Olhos não iria fazer mal a eles. Resolveu ficar ali e esperar. Se Sangue nos Olhos aparecesse ele os defenderia. Sabia que não podia enfrentar a Onça Negra, mas não iria deixar que ela fizesse mal aos meninos e meninas.

                   Sentiu que alguém acariciava sua pelagem ainda espessa.  Olhou e viu a menina de ontem. Olá meu amigo, ela disse. Sou Olhos Brilhantes, monitora da Patrulha Águia, e você tem nome? – Libachy falou de uma só vez. Vocês não devem ficar aqui. – Por quê? Ela disse. Se Sangue nos Olhos ficar com fome será um perigo para todos. Ela ficou pensativa. – Olhe porque não vem à noite? Teremos fogo de Conselho e vou apresentar você à tropa. Assim poderá contar porque corremos perigo. Libachy aceitou o convite. Seu pai disse para ele tomar cuidado. Nunca confiou muito nos humanos. Ao descer a trilha avistou dois automóveis. Um perigo. Sempre eram caçadores. Pensou em voltar, mas seguiu em frente. Encontrou todos em volta de uma grande fogueira. Olhos Brilhantes a escoteirinha correu para ele dizendo - Bem vindo meu amigo! Fique ao meu lado, vou apresentar você a todos. Foi bem recebido por uma palma escoteira.

                 Lá pelas tantas convidaram a ele para falar. Falou pouco. Que era um dos últimos dos lobos vermelhos. Todos seus irmãos foram mortos por caçadores. Agora era difícil viver ali. Ele não podia ir muito longe à procura da caça, poderia levar um tiro. Contou sobre Sangue nos Olhos a Onça Negra da Caverna do Urso. Que ela era como ele, não tinha mais amigos, só vivia fugindo. Nisto ouviram um barulho – era Sangue nos Olhos, uma enorme onça negra. Entrou no circulo dos Escoteiros sem medo. Pediu a palavra – Os fazendeiros me condenaram. Um dia um bezerrinho fugiu da sua mãe e entrou na grota do quati, se perdeu e acabou morrendo lá no alto da cascata do Véu da Noiva. Eu estava com fome. Os abutres iriam comer o bezerro e porque não eu? Porque não podia aproveitar também? Mas me condenaram. Disseram que fui eu. Minha linhagem desapareceu. Todos que moravam junto comigo foram mortos por caçadores. É certo isto?

                Seu Normando um fazendeiro amigo dos Escoteiros que foi convidado para a cerimonia pediu a palavra. – Escoteiros e animais, ele disse – Não sabia disto. Achei que eram muitos. Eu mesmo matei muitos lobos e onças negras. Confesso que estou arrependido. O Vale da Coruja são terras minhas. A partir de hoje nenhum caçador vai entrar aqui. Todos os animais poderão viver como sempre viveram. Em paz. Uma estrondosa palma ecoou por todo o vale. Olhos Brilhantes a escoteirinha veio abraçar Libachy, abraçou também Sangue nos Olhos. A partir daquele instante ficaram irmãos de sangue. Como na história da Jângal fizeram um juramento que iria valer por toda a vida. Escoteiros, lobos e onças seriam felizes e irmãos para sempre.

                   Contaram-me que quatro anos depois já se avistava matilhas de lobos vermelhos a correr pelo vale. Muitas vezes acompanhados por grande quantidade de onças negras que vagam pelo vale e nunca mais ninguém soube de mortes ou mesmo de brigas entre eles. Dizem ainda que Sangue nos Olhos e Libachy sempre andam juntos e que se alguém atacar um tem de atacar os dois. O pai de Libachy senhor Inûnpiac morreu alguns anos depois. Morreu sorrindo, pois seu vale agora era só de paz e felicidade.

As pessoas viajam para se maravilharem com a altura das montanhas, com as grandes ondas do mar, o longo curso dos rios, os vastos espaços do oceano, o movimento circular das estrelas; e passam por si próprias, sem ficarem curiosas.
Santo Agostinho


quarta-feira, 2 de outubro de 2013

As aventuras de Maneco Papa Léguas, um Monitor das Arábias.

"Se você que ser feliz por uma hora, tire uma soneca; por um dia, vá pescar; por um mês, case-se; por um ano, herde uma fortuna; pela vida inteira, ajude os outros." (Ditado chinês).

As aventuras de Maneco Papa Léguas, um Monitor das Arábias.
Nunca é tão fácil perder-se como quando se julga conhecer o caminho.

           Ninguém acreditava quando ele foi eleito Monitor. Impossível diziam uns,
incrível diziam outros. A patrulha Gavião do Mar não sabia o que dizer. Melhor pensar que pimenta nos olhos dos outros é refresco. Será? Pode ser, pois quem com ferro fere com ferro será ferido.  Alguns meses depois é que conversando com um e outro todos ficaram sabendo que tudo não passou de uma brincadeira. Brincadeira? Sim, isso mesmo, Zezito votou nele para zuar. Pensava que seria o único voto. Nonô pensou a mesma coisa. Malemali fez o mesmo e até o Joca o Monitor que saia do cargo também votou nele. Coitada da patrulha Gavião do Mar. Agora ela seria sempre a ultima. Mas águas passadas não movem moinho. Nos últimos tempos ela não ia bem. Não era sempre a última, mas nunca chegava ao primeiro lugar. Virou motivo de piadas na tropa a eleição de Maneco Papa Léguas.


           Dizem por aí que não há mal que sempre dure. Dito e feito como o velho proverbio que dizia não faltará rei que vos mande, nem papa que vos excomungue a Patrulha Gavião do Mar se sentiu humilhada. Reuniram-se na casa de Maneco Papa Léguas. Ele estava meio “vexado”. Claro quando viu que teve quase todos os votos riu de orelha a orelha. Nem notou o espanto da patrulha. Ele sempre dizia para si que não há capuz por mais santo em que o diabo não possa meter cabeça. Ia mostrar a todos da tropa Agulhas Negras que ele seria o melhor Monitor até então. Ele iria aprender, jurou que iria aprender tudo e ser o melhor Monitor que já existiu no Grupo Escoteiro Olavo Bilac. Iria com calma, pois quem corre cansa, e quem anda alcança. Precisava da colaboração dos outros, pois ele sabia que uma andorinha só não faz verão.

          Maneco Papa Léguas nasceu sorrindo. No inicio seus pais não notaram. É sempre assim quando somos bebês. Mas cesteiro que faz um cesto faz um cento. E eles um dia descobriram que ele era lerdo, ou melhor, vagaroso e mesmo sabendo que cachorro que muito anda, apanha pau ou rabugem eles não desanimaram. Fizeram tudo para que Maneco Papa Léguas acompanhasse seus amigos de classe. O apelido de retardado era comum nos colegas de classe. As professoras gostavam dele. Calado, nunca reclamava, mas seu aprendizado deixava a desejar. Elas sabiam que água mole em pedra dura, tanto bate até que fura e assim aos trancos e barrancos ele foi passando de série em série. Mas sempre foi motivo de piada no Grupo Escolar Padre Coimbra. Ele abaixava a cabeça e não dizia nada. Pimenta nos olhos dos outros é refresco dizia. Que aproveitem agora, pois ele um dia seria o prefeito da cidade. Mesmo com dificuldade ele se esforçava. Ele sabia que quem guarda o que convém um dia a te servir bem.

           Entrou no Grupo Escoteiro com oito anos. Seus pais explicaram aos chefes como ele era. Eles sorriram e disseram que ele era bem vindo. Seu pai pensou que quem a boca do meu filho beija a minha boca adoça. Não colocaram apelido nele quando lobinho. Ao passar para a tropa dos escoteiros em uma excursão viram que ele andava bem devagar, alguém riu e disse que ele era um papa léguas. O apelido ficou. Não conseguia acompanhar os demais com as provas de classe. Só com treze anos e com muita dificuldade conseguiu a segunda classe. Ele sabia que quem não valoriza a candeia próxima, dificilmente entenderia o esplendor das estrelas. Nunca pensou em ser Monitor. Ele amava o escotismo ao seu modo. Sentia-se bem ali. Sabia que cada dia ensina algo ao dia seguinte.

              A reunião da Patrulha em sua casa o encheu de alegria. Ele sabia que amigos verdadeiros são como o sol, não precisam aparecer todos os dias para saber que eles existem. Combinaram de fazer da patrulha uma união perfeita. Um por todos e todos por um seria o lema agora. Maneco Papa Léguas chorou de alegria. Foi uma surpresa na reunião seguinte. Viram Maneco Papa Léguas na frente da patrulha sem olhar e ela bem formada. No primeiro jogo do Vira Latas ele levou a patrulha com maestria. O Chefe Ziraldo ficou boquiaberto. Nunca pensou que a patrulha Gavião do Mar se transformasse tanto. Disse para si mesmo que tudo o que somos é o resultado do que temos pensado. Se uma pessoa fala ou age com pensamento ruim, a dor a segue, tal como a roda segue a pata do boi que puxa a carroça... Se uma pessoa fala ou age com um pensamento puro, a felicidade a segue como uma sombra que nunca a abandona.

             Estava aproximando a data do acampamento de verão. Sempre a tropa vibrava naqueles dias principalmente se o local escolhido fosse bem arborizado, boa aguada, bambus e um remanso que não fosse fundo e com corredeiras. Maneco Papa Léguas o novo Monitor achou que podia e não sabia que poder é ter o que fazer. Na Corte de Honra tentou uma autorização para só a patrulha fazer um acampamento de fim de semana. Não aprovaram. Com muito custo os deixaram fazer uma atividade em um domingo no sítio do Prefeito Galo Preto que era Presidente do Grupo. Se você vai fazer alguma coisa errada, aproveite. Não é assim que falam? Todas as três patrulhas esperaram o pior nesta atividade. O próprio Chefe Ziraldo achava que se alguma coisa pode dar errado, dará. E mais, dará errado da pior maneira, no pior momento e de modo que cause o maior dano possível. Ele estava com medo.

              O Chefe Ziraldo se preparou para monitorar de longe a patrulha Gavião do Mar. Ele sabia que a condenação do silêncio é mais eficiente que as acusações ruidosas. Mas não se sabe como o Chefe Ziraldo dormiu até tarde. Acordou já era mais de meio dia. Pegou sua bicicleta e saiu a toda até o Sitio do Prefeito Galo Preto. Esqueceu-se de pensar como fazia sempre. Antes de começar o trabalho de mudar o mundo, dê três voltas dentro de sua casa. No sitio não encontrou ninguém. O caseiro disse que chegaram lá e partiram. Para onde ele não sabia. Pensou que nada é tão fácil quanto parece, nem tão difícil quanto à explicação do manual. Ele era um bom mateiro e iria encontrá-los. Viu suas pegadas na beirada do córrego do Caiapó. Eles passaram por ali a mais ou menos três horas. Esperava que tudo estivesse bem com Maneco Papa Léguas e seus patrulheiros. Ele sabia que a felicidade é uma pausa na inquietação da vida.

               Os Gaviões do Mar estavam se divertindo a beça. Já tinham tomado um banho num lindo remanso. Ele agradecia ao bom Deus que lhe deu este premio. Ele não era o que diziam. Ele sabia que aquele que não agradece pelas pequenas coisas não agradece o bastante. Sentados em uma pedra observando a queda de uma enorme cascata Maneco Papa Léguas ouviu um gemido. Pediu silêncio a patrulha. Ninguém ouviu nada. Continuaram em silêncio. De novo o gemido. Os patrulheiros achavam que Maneco Papa Léguas não estava bem com suas ideias. Sabiam que aquele que pergunta é um tolo por cinco minutos, mas aquele que não pergunta permanece um tolo para sempre.             

                  Maneco Papa Léguas chamou a patrulha e pediu para segui-lo. Eles acharam mesmo que seu Monitor não era o que pensavam. Tentaram demovê-lo, mas uma mente fechada é como um livro fechado; somente um bloco de madeira. – Vocês me desculpem, mas não vou arredar o pé de dar uma busca naquela pequena mata. Se vocês forem patrulheiros disciplinados me sigam ou então fiquem aqui. Ele sabia e tinha certeza que iria descobrir o motivo do gemido. Nada que se compare aquelas seis fases de um projeto: Entusiasmo; Desilusão; Pânico; Busca de culpados; Punição dos inocentes e gloria aos não participantes. Que seja. Subiu morro acima e não demorou em encontrar um automóvel todo destruído. Ainda saía fumaça dos motores.

                 Viu que toda a patrulha estava com ele. La dentro viu um motorista ensanguentado e ao seu lado uma mulher também. Atrás um bebê sorrindo em uma cadeirinha preza ao banco trazeiro. Ele sabia que o tempo não apaga o tempo. A probabilidade de o pão cair com o lado da manteiga virado para baixo é proporcional
ao valor do carpete. Não podiam pensar. Tinham de socorrer. Com muito custo tiraram a mulher e o homem. Sangue para todo o lado. Foi nesta hora que chegou o Chefe Ziraldo. Tomou conhecimento da situação. Onde está o Maneco Papa Léguas? – Tentando socorrer um bebê preso no banco trazeiro. Chefe Ziraldo foi correndo até lá. Viu que começava a sair chamas pelo capô do motor. Sabia que o carro iria explodir logo que as chamas atingissem o tanque de gasolina. Gritou chamando Maneco Papa Léguas. – Vai explodir Maneco! Saia daí urgente! A confiança é aquele sentimento que você tem antes de compreender a situação. Era assim que o Chefe Ziraldo pensava e não sabendo o que fazer.

               Nada é tão ruim que não possa piorar. Ele sabia que o material é danificado segundo a proporção direta do seu valor. A morte de Maneco Papa Léguas seria sua derrocada. Ele nunca deveria ter aceitado a eleição na patrulha. Um clarão se elevou aos céus e um enorme estrondo aconteceu. O carro havia explodido. Toda a patrulha e o Chefe Ziraldo estavam prostrados a olhar de longe aquela fumaça da explosão que praticamente dizimou a vida de Maneco Papa Léguas. Qualquer esforço para se agarrar um objeto em queda provocará mais destruição do que se deixássemos o objeto cair naturalmente. Era assim que todos pensavam. O impossível aconteceu. Maneco Papa Léguas bem queimado trazia no colo o bebê que chorava. Como ele conseguiu ele mesmo nem sabia. Os assuntos mais simples são aqueles dos quais você não entende nada.

               Em menos de quatro horas o socorro chegou. Os bombeiros agiram rápidos. Dizem que depois da tempestade vem a bonança. Era hora de ver se errar é humano, se persistir no erro é americano e acertar no alvo é mulçumano. A ação de Maneco Papa Léguas chegou rápido a cidade. A patrulha salvou um dos mais altos dignitários da nação, nada mais nada menos que Excelentíssimo Doutor Pocahontas Nonato. Homem que todos admiravam pelo seu trabalho na Suprema Corte Brasileira. A patrulha teve uma homenagem especial em Brasília. Cada um recebeu um certificado parabenizando o que fizeram. Maneco Papa Léguas recebeu a Medalha de Mérito Nacional.

               Onde Maneco Papa Léguas passava era saudado como herói. A imagem que faziam dele de retardado desapareceu. Ele sabia que quem é sábio procura aprender, mas os tolos estão satisfeito com sua própria ignorância. Ele não se enfeitou com todas as bajulações, mas confiava em sua patrulha em sua tropa. Maneco Papa Léguas cresceu. Formou-se em técnico agrícola. Aos vinte e cinco anos foi eleito prefeito da cidade. É o tal negócio quem procura ter sabedoria ama a vida, e quem age com inteligência encontra a felicidade. No escotismo encontramos todo tipo de pessoas. Mas sabendo que água mole em pedra dura tanto bate até que fura sabemos que o crescimento individual e coletivo é infalível. Enfim como disse Salomão, o sábio esconde sabedoria, o tolo anuncia a sua ignorância.

Nota – Diversos provérbios foram colocados no desenrolar da história.

A leitura é uma fonte inesgotável de prazer, mas por incrível que pareça, a quase totalidade, não sente esta sede.



Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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