domingo, 24 de março de 2013

Pigmor, o castor manco do lago Grande Urso.


Só existe uma coisa importante em nossas vidas: viver a nossa lenda pessoal,
a missão que nos foi destinada. Mas sempre terminamos nos sobrecarregando
de ocupações inúteis, que acabam por destruir nossos sonhos (Maktub).

Pigmor, o castor manco do lago Grande Urso.

“Terra do belo Olmeiro, lar do castor,
Lá onde o alce airoso, é Senhor,
Em um lago azul rochoso, eu voltarei de novo”!

                Era uma linda tarde de outono, mas Lisabel estava cansada. Afinal não era para menos. Quinze lobinhos ali soltos naquele sitio e só ela como responsável daria dor de cabeça em qualquer um. Lorraine e Javier na última hora disseram que só poderiam chegar no sábado à noite. Desmarcar o Acantonamento era impossível. Tudo tinha sido preparado. E lá foi Lisabel a enfrentar o desafio. Chegaram e logo arrancharam no Sitio Mimoso. Quinze lobos? Meu Deus, agora pareciam cem! Lisabel gritava chamando e logo eles corriam para todo lado. Conseguiu uma árvore próxima a casa e lá arvorou a Bandeira Nacional. Tinha no programa um estoque de jogos, brincadeiras, canções tudo que uma boa atividade deste porte requer. Mas não estava sendo fácil. Não mesmo. Ainda bem que dona Mercês mãe do Gustavo foi para a cozinha. Ela dava mais trabalho que seu filho. Queria ficar junto dele para protegê-lo, enfim uma mãe super-protetora.

              Após o almoço Lisabel reuniu os lobos e foram até próximo a um pequeno lago, e ao pé de um lindo Cajueiro, sentaram. Os lobinhos inquietos. Alguma coisa fazia ondas sobre as águas do lago. Lisabel não acreditou. Era um castor que logo mergulhou. Isto mesmo. Só se o proprietário do sitio o tivesse levado. Não havia no Brasil. Ela começou a cantar com eles uma canção. “A promessa de Mowgly”. Fizeram um jogo de faz de conta. Viu que a tarde se aproximava. Ainda bem. Logo seus assistentes chegariam e ela poderia descansar. Uma forte dor de cabeça. Os lobos sentaram em sua volta. Ia começar a contar uma história. Não lembrava. Assustou-se ao olhar novamente para o lago, parecia emergir de dentro das águas um velho com um chapéu e uma indumentária típica dos grandes caçadores de peles do passado. Um verdadeiro Mountain Men, ou melhor, um homem da montanha! Sorria, deu um olá simpático, chamou a atenção dos lobos. Eram seis meninas e nove meninos.

               - Sabem! Disse ele. Faz tempo que não vejo um Cub Scout. Quantas saudades! – O que é um CubScout logo perguntou uma lobinha. – Meninos lobinhos como vocês. – Lisabel ficou impressionada e assustada com ele. Uma figura imponente. Um cajado lindo. – Posso? Ele perguntou a Lisabel se poderia sentar com eles ali. – Claro que sim ela respondeu. – Por acaso viram um castorzinho deslizando há poucos instantes sobre o lago? Não? Vocês já ouviram falar de Pigmor, o castor manco do lago Grande Urso? – Também não? - Não Senhor responderam todos. - Querem conhecer sua história? Palmas e gritos. A lobada gostava de uma boa historia. – Bem vou contar, mas é uma historia triste, muito triste. Faz tempo, muito tempo quando conheci o John, ou melhor, o John Colter. Um pioneiro e um dos primeiros caçadores de pele a ser chamado de “homem da montanha”. Ficamos amigos em St. Louis uma cidade americana, lá pelos idos de 1807. Com ele fizemos uma serie de expedições até o rio Missouri para caçar castores e tirar suas peles.

               Os lobinhos assustaram-se. – Calma, foi em um passado muito distante. Nós vivíamos disto. Chegamos até a montar uma empresa de nome Rocky Mountan Fur só para vender as peles que conseguíamos caçar. - Mas vamos ao que interessa. Eu e o velho John rodamos meio mundo. Das Montanhas Rochosas até os grandes lagos de Michigan, Huron, Erie e Ontário. Diziam que eu e o John só caçávamos peles dos castores, mas não era verdade. Amávamos explorar o Velho Oeste americano. Nunca esqueci quando conheci Pigmor, o castor manco. Para ser sincero eu e o meu amigo chegamos às margens do Lago Grande Urso numa tarde de novembro. Eu nunca tinha ido ali e nem ele. O frio intenso, pois nevava a mais de seis dias. Montamos uma pequena cabana e quando ascendi o fogo vi um castozinho chegando e mancando. Assustei, pois sabia que eram ariscos e não se aproximavam. Sabia que ele e seus companheiros formavam uma colônia deviam ter um dique no fundo do lago. Nunca andavam sozinhos. Nós sabíamos que enquanto não passasse a nevasca nunca poderíamos caçá-los.

              - Olhei para o John e disse rindo: Não parece o Pigmor aquele velho caçador de ouro que morreu em Blue River Valley? Coitado. Achou que a riqueza fácil seria dele ali na região das Montanhas Rochosas. Morreu abraçado a um grande urso que encontrou na caverna do Mandor. Belas lembranças da famosa corrida do ouro em Breckenridge. Mas voltemos a historia. Vi que vocês querem saber tudo! Pigmor chegou até próximo ao fogo. Achamos ele diferente. Logo batizamos com o nome do meu amigo já falecido. Eu e o John ficamos calados. Não valia a pena dar um tiro ou mesmo matá-lo com um facão. Era raquítico, pequeno e descarnado. Seus olhos pareciam vermelhos e sentia que chorava por dentro. Ficou ali horas aproveitando o calor do fogo. Foi quando levamos o maior susto. Pigmor de cabeça baixa, deitado bem próximo à fogueira soluçou várias vezes. Começou a contar uma historia estranha. Isto mesmo, Pigmor estava falando. Como não sei. Castor falante? Nunca ouvi falar.


              Lisabel não estava acreditando no que via. Um velho curtido, uma capa estranha, botas de pele de urso, um lenço azul amarrado ao pescoço e um boné de peles de castores, de cócoras no meio do circulo, contava aquela história de uma maneira tão linda que até ela mesmo estava sendo encantada pelas palavras daquele velho caçador de peles. Notou que em nenhum momento os lobinhos tiravam os olhos dele. Sua dor de cabeça e seu cansaço havia desaparecido. – O Velho caçador continuou – Isto mesmo. Pigmor contava uma história muito triste, que aconteceu uma semana antes. Ainda não estava nevando e ele e seus irmãos da Colônia tinham terminado o dique onde iriam passar o inverno e aconteceu uma matança. Dois homens chegaram atirando. Pigmor correu para uns arbustos, mas levou um tiro na perna direita. Seu pai e sua mãe morreram na hora. Viu que somente Nakim, Molevo, Pariá e Jasmiel tinham se salvado pulando nas águas geladas do lago. Os dois homens jogaram uma banana de dinamite e quase destruíram o dique. Os quatro castores escondidos lá ficaram presos.

                  - Pigmor levantou a cabeça e me olhou dentro dos meus olhos. Depois olhou para John e continuou – Mergulhei até lá, estavam presos em uma toca sem poder sair. Tentei tudo. Jasmiel a Castora que seria minha esposa estava quase morta. Não sabia o que fazer. Melhor morrer com eles. Subi a tona e vi vocês. Acreditei que iam atirar em mim. Podem atirar. Eles irão morrer e eu quero morrer com eles. Iremos nos encontrar nas Grandes Tocas do Navarra onde se encontram os nossos ancestrais. – Pigmor se calou. Só ouvia soluços. Olhem não sei o que deu em meu amigo John. Não sabia que ele um dia poderia gostar de bichos, animais, ou seja, lá o que for. Mas mesmo naquela nevasca, escuro feito breu, o frio de rachar ele tirou a roupa e mergulhou nas águas profundas do lago. Passaram-se segundos e minutos. Nada do John vir à tona. “Diabos” pensei, será que ele morreu? A água estava um gelo! – Eis que os primeiros castores apareceram e logo em seguida o John com um castor no colo que julguei ser Jasmiel, a namorada de Pigmor.

                       Todos eles correram para a beira do fogo. Olhe eu juro pelas barbas do Coyote mais arisco de Yellowstone, pelas corcundas de um Bufallo das pradarias próximas a Little Bighorn em Montana que é verdade. Ficaram dois dias conosco. Pigmor e os seus irmãos mergulhavam de vez em quando para consertar sua toca no dique do lago. Uma semana depois Pigmor deu adeus. Hora de partir. Mergulharam na água do lago Grande Urso e sumiram. Nunca mais voltei lá. Disse ao John que minha vida de caçador peles e de castores tinha se encerrado ali. Ele nada disse. Juntamos nossas tralhas e partimos. Sabíamos que no então Território do Dakota seria feita uma grande corrida do ouro. Em Montana, Arizona, Nevada e Colorado só se falava nisso. Milhares de garimpeiros acorreram. Acampamentos e cidades mineiras surgiam da noite para o dia. Fomos para Black HIlls e ficamos ricos. Um dia John se desentendeu com um fora da lei. Morreu em um duelo em Virginia City. Eu resolvi fazer uma cabana nas montanhas e passar lá o resto de minha vida. Tropecei em um lago ao sul de Sonora. Vi um castor manco. Seria Pigmor? O levei comigo. Estamos juntos até hoje.

                           Ninguém falava nada. Lisabel viu que o velho caçador se levantou, deu um leve sorriso e disse adeus. Foi em direção ao lago. Andando sobre as águas todos notaram cinco castores nadando ao seu lado. Em segundos despareceram no fundo daquele pequeno lago do Sitio Mimoso. Um barulho de carro. Deviam ser Lorraine e Javier chegando. Eles adoravam os lobos. Um grito: - Lobo, lobo, lobo? E os lobinhos como a acreditar que outra linda história estava programada para eles, correram em direção ao Balu e a Bagheera. Lisabel ficou ali. Olhando para as águas do lago, que agora já noitinha uma bruma cinza se espalhava por sobre as águas. – Eu sonhei? Pensou Lisabel. Se sonhei os lobos também sonharam. Mas não é bom sonhar? Com terras altas, montanhas geladas, picos altos e longínquos, grandes lagos, é bom sonhar sonhos como este. Gostaria de ter conhecido Pigmor o castor manco do lago Grande Urso. mas...



“Tenho saudades daqui, destas campinas...
Ao norte eu voltarei, para as colinas,
Em um lago azul rochoso eu voltarei de novo”!

Como na lenda da Águia, que arranca suas penas e bico pra renascer como uma Fênix das cinzas, eu gostaria de perder a memória, me desfazer dos paradigmas, das inseguranças e medos, me perder em mim mesmo e começar do zero! Já que não é possível voltar no tempo, que Deus me de a dádiva do esquecimento.


domingo, 17 de março de 2013

Gloria feita de sangue. A última Luta de Manuelito.


Atenção! Se você tem coração fraco, não leia esta história. Pode se emocionar demais.

As mais lindas histórias escoteiras.
Gloria feita de sangue. A última Luta de Manuelito.

                      Não dá para esquecer, foi no último verão de sessenta e um. As chuvas de Santo Inácio que todos esperavam não aconteceram como o previsto e ali, a beira da Lagoa do Lagarto, o fogo de conselho já havia terminado. A escoteirada já se recolhera. Aqui e ali a fogueira ainda se esforçava para mandar aos céus uma ou outra fagulha brilhante. Todos já haviam se recolhido e eu resolvi ficar. Panchito me fazia companhia. Bom amigo. Conhecemos-nos em Aguascalientes no sul do México em cinquenta e oito. Ele já morava no Brasil há vinte anos, mas seus pais residiam nesta cidade e ele a cada cinco anos voltava para fazer uma visita. O motivo porque estava em Aguascalientes fica para outra história. Deitamos a beira da lagoa sobre uma lona leve e admirávamos o vai e vem dos cometas e satélites que giravam em torno da terra a grandes velocidades. Já sentia o orvalho da madrugada se aproximando quando vi que Panchito chorava baixinho. – O que foi? Perguntei. Olhe Chefe, sempre quando me lembro de Manuelito meu coração bate forte.

                      Deixei que ele se acalmasse e foi assim que ele me contou toda a história de Manuelito. – Era um jovem de seus doze anos. Magro, raquítico, tamanho normal para sua idade. Cabelos loiros, olhos negros fundos, nariz afilado estava na tropa havia oito meses. Falava pouco e ficamos amigos. Assim como ele eu também era da Corvo. O Gentil era o Monitor. Ótima pessoa. Tudo começou quando Gentil comentou que na Corte de Honra foi discutido a data do próximo Grande Desafio. Nos últimos três anos sempre foram realizados. Nunca fiquei sabendo como tudo começou. Toda a tropa só comentava a vinda de mais três tropas de cidades vizinhas. Ia ser um espetáculo a parte as disputas naquele ano. Seriam realizadas no Estádio do Azulão Futebol clube, pois no ano anterior houve grande aglomeração de pessoas no campinho de pelada em frente à sede prejudicando em parte a visão de todos. – Não estava entendendo, mas deixei que Panchito continuasse sua narrativa. – Chefe, precisava ver o olhar de Manuelito quando disse que o primeiro lugar ganharia uma Faca Suíça e um Cantil do Exército. Nunca o vi sorrir daquele jeito. – Fiquei com pena. Manuelito não tinha a mínima condição de chegar as finais.

                  - Sabe Chefe quando conto esta história para alguém, dão risadas. – Uma simples briga de galo? – Mas isto se faz em todas as tropas a século! Mas Chefe, conosco era diferente. Havia uma técnica própria. Cheguei a ver em um ano dois contendores ficarem uma hora e meia lutando. Vi tantas lutas que eu mesmo desisti, pois nunca cheguei além do nono lugar. Manuelito não. Perguntou-me a data, como ia ser a seleção e se todos podiam se inscrever. – Disse a ele tudo que perguntou e mais alem, disse também que ele nunca tinha lutado. Pediu-me que mostrasse como se luta. Ficamos uma hora lutando. Ele mal se matinha em pé. Caia sempre. Desistir? Jamais. Manuelito sonhava com a Faca Suíça. Só falava nela. Queria ter uma e sabia que nunca poderia comprar. Uma semana antes da seleção, que seria feita com todas as patrulhas por duplas Manuelito disse que estava preparado.

                     - Chefe, Manuelito estudou tudo. Desenhou. Treinou horas e horas em sua casa a ficar parado ou pulando em um só pé. Suas mãos as costas pareciam aço. Não se soltavam. Sabia fazer com perfeição uma Asa Direita ou esquerda (cotovelos em forma de V). O Joelho do Papagaio aprendeu rápido. Mas era magro, respirava com dificuldade e mesmo assim se mostrou um valente. O primeiro, segundo e terceiro lugar já tinham dono. Neco, Lastimer e Juventino eram os melhores. O quarto lugar foi disputado com galhardia. Manuelito a muito custo conseguiu o quarto lugar. O Chefe Wantuil não acreditava no que via. Ele ficou preocupado. O corpo de Manuelito não foi feito para aquele tipo de luta. Tentou falar com seus pais que sempre arredios não iam à sede. Desistiu e deixou que Manuelito participasse. Arrependeu-se muito depois. O grande dia chegou. Centenas de pessoas já estavam alojadas nas arquibancadas. Poderia jurar que ali no inicio do Grande Desafio tinha mais de três mil pessoas. Os parentes e vizinhos das outras três cidades compareceram em peso.

                       Chico Nonato o comissário distrital abriu a competição. Chamou um a um os dezesseis finalistas gritando alto seus nomes e conquistas escoteiras. Quatro por tropa. Formaram em linha. Todos parrudos, fortões e Manuelito se destacava pela sua magreza. Nas arquibancadas gritavam – Tira o magrelo! Tira o minhoca! Ele de cabeça baixa não se incomodava. Sonhava com a Faca Suíça. Ele sabia que não poderia ficar lutando por muito tempo. Sabia o que tinha internamente e se ele brotasse em seu estomago iria ser levado à boca e aí não ia ser fácil. Seria desqualificado na hora. Isto não poderia acontecer! – Não foi difícil para Manuelito chegar as quartas de finais. Aprendeu e treinou dias e dias a rodopiar com seu Joelho do Papagaio e deixava que os outros pulassem sobre ele. A Joelhada era fatal. Ninguém acreditava no que via. Ficaram quatro competidores finais. Ele ia lutar com um dos campeões do passado. Matusalém era famoso. Quando ele olhou para Manuelito sorriu. – Este está no papo. - Não quer desistir? Perguntou. Uma hora de luta. Sempre Manuelito se esquivando. Manuelito o sentiu no estomago. Deus! Deus meu! Não deixe que suba! Ajude-me. Eu preciso desta Faca Suíça! E meu sonho meu Deus!

                       Ganhou para espanto de todos. Sentiu que suas pernas e suas entranhas não aguentariam a final. Botelho Papa Léguas era o finalista da Tropa de Jaguatiruna. As apostas perdiam a graça. Ninguém apostava em Manuelito. Eram trinta por um e à medida que ele vencia caia. Agora estava em dez por um. Um silêncio enorme e a luta de morte começou. Ambos se estudando. Botelho Papas Léguas não subestimou Manuelito. Se ele chegou até ali é porque era bom. Viu uma brecha, viu os olhos de Manuelito piscando e se fechando. Deu oito saldo longos e pegou Manuelito de jeito com a asa direita. Manuelito conseguiu se esquivar, mas a esquerda roçou com força seu olho direito. Uma dor incrível! Manuelito quase perdeu o equilíbrio. Não iria aguentar outra. O sangue agora estava enchendo sua boca. A hemorragia que seu pai sempre falava estava chegando. Sabia que uma ou duas veias tinham partido. Se não parasse iria morrer.

                        Não podia, não podia parar! Meu Deus me ajude! Dê-me mais uns minutos, daria minha vida para ter esta Faca Escoteira!  Botelho Papa Léguas não sentiu piedade. Ele também queria ser o campeão do torneio. Nunca tinha ganhado. Entrara para o escotismo pelo premio e claro pela fama. Afinal perder para aquele escoteirinho de nada? Raquítico, pequeno, e agora chorando? Sim Manuelito tinha os olhos cheios d’água. A asa esquerda o pegou de jeito entre os olhos. O sangue quente na boca. Firmou os lábios. Tentou engolir. Não deu. Não iria soltar o sangue na grama verde. Seria desqualificado! Pulou uma duas vezes. Fez um sinal para Botelho Papa Léguas como a dizer – Venha moleza! Botelho Papa Léguas não se fez de rogado. Pulando com uma rapidez incrível preparo sua asa direita para liquidar logo esta contenda. Infelizmente ele sabia que Manuelito ia se estatelar no chão. Mas não podia ter pena nem dó e nem piedade. Como dizia sua Avó, jogo é jogado e lambari é pescado.

                        Manuelito viu num relance o que Botelho Papa Léguas ia fazer. Sabia que não podia desviar muito. Se pulasse o sangue ia jorrar de sua boca. Ele sentia mais e mais a pressão do sangue subindo goela acima. Uma dor incrível no cérebro, o corpo tremendo. Esperou. Faca Suíça! Não vou perder você. Deus vai me dar forças! Manuelito esperou até que Botelho Papa Léguas se virasse e novamente usasse a lateral esquerda para lhe bater a toda no seu ombro com a Asa Direita. Quando sentiu o hálito quente da respiração de Botelho Papa Léguas, Manuelito abaixou e levantou de uma vez. Pegou Botelho Papa Léguas desprevenido. Ninguém esperava que ele usasse este truque. Velho conhecido de todos. O vai e vem do corpo subindo e descendo. Botelho Papa Léguas perdeu o equilíbrio. Nas arquibancadas um murmúrio alto. Todos ficaram em pé. Não acreditavam no que viam. Todos só viram Botelho Papa Léguas se esparramar pelo chão. Os apostadores não acreditavam na cena estática que se apresentava. Eram dez por um. Impossível diziam.

                  Manuelito se equilibrou ainda na perna direita por alguns segundos. Suas mãos se soltaram e foram forçadas no ventre como a querer interromper o sangue que agora saia aos borbotões dos seus lábios. Não dava para segurar mais. Rodopiou em si mesmo e caiu esparramado no chão gemendo alto e querendo sorrir. Afinal ele ganhou a luta. A Faca Suíça era sua! O sangue vermelho se misturou ao verde da grama. Um colorido sem graça. Vários chefes acorreram. Viram Manuelito com enorme hemorragia interna. Desmaiado. A morte parecia que ia chegar. Um carro apareceu no campo. Ele foi transportado para o hospital da cidade. Uma semana depois souberam que ainda estava na UTI. Perdera muito sangue. Precisava ir para a Capital. Seus pais choravam, mas não condenaram o filho. Se ele morrer foi porque sabia que seu sonho seria maior que a morte!

                   Seis meses depois em uma tarde de agosto bolorenta, um sol preguiçoso no céu Manuelito apareceu na sede em uma cadeira de rodas uniformizado. A tropa parou espantada. Ele sorria, um sorriso tênue como se o sol ali como ele estivesse esperando para levá-lo. Seu pai estava junto. Disse que ele insistiu em vir. Queria receber a Faca Suíça dos seus sonhos. O Chefe Wantuil foi até sua casa e voltou com ela. Todo o grupo se formou. Honra ao mérito ao escoteirinho herói. Como bons escoteiros todos prestaram continência em posição de sentido a Manuelito. Pediu que eu entregasse a ele a faca e colocasse no seu cinto do lado direito. Uma honra para mim Chefe! Um Anrê foi dado. Uma explosão de alegria em todos os presentes. Um exemplo para ser lembrado por toda a vida.

                  Manuelito ainda viveu mais um ano. Morreu com treze anos. Só então ficamos sabendo que ele era tuberculoso. Sua família também. Uma época em que a medicina não tinha cura nestes casos.  Seu pai sabia, mas como tantos outros escondiam, pois ele tinha exemplos de pessoas portadoras de tuberculose que foram defenestrados pela sociedade. Eram párias abandonados à própria sorte.  Uma semana antes de morrer, Manuelito me pediu que quando fosse para o Campo Santo, que a Faca Suíça estivesse no cinto, pois queria estar uniformizado. Chefe, meu Deus! Quanta tristeza. Milhares de gente ali em volta da sua ultima morada chorando. Eu Chefe, era o que mais chorava. Não sabia como enfrentar tudo daí para frente. Ate hoje ainda vou lá visitá-lo. Falo com ele sempre. Sei que ele não está ali, mas isto alivia minha dor e me conforta.

                 Panchito se levantou. Chorava copiosamente. Desculpe Chefe. Desculpe. Melhor é ir para minha barraca. E lá foi ele me deixando ali a beira daquela lagoa cinzenta, ao lado de uma fogueira apagada, só cinzas e um orvalho caindo e molhando minhas faces. Vi que as minhas lágrimas também se misturavam ao doce orvalho do amanhecer. Uma bruma cinzenta pairava sobre a lagoa. Pensei em ir dormir e ir para minha barraca. Não fui. Sentei a moda índia e fiquei ali até o amanhecer de olhar fixo no horizonte, acima da Lagoa do Lagarto. Não houve sol aquele dia. Uma chuva leve e intermitente começou a cair. Um peixinho pulou sobre as águas cinzentas da lagoa. Minha mente voltava ao passado. Manuelito, um sonho realizado. Uma morte honrosa. Um menino que foi homem para aceitar o seu maior desafio. Uma luta sem gloria. Ou melhor, Gloria feita de Sangue! 


sábado, 9 de março de 2013

As aventuras do Escoteiro Juquinha e o malvado Topyath, o Gorila Imortal.


As aventuras do Escoteiro Juquinha e o malvado Topyath, o Gorila Imortal.

                Juquinha está de volta. Depois de suas estripulias no Vale dos Sonhos e quando resolveu fazer uma festa de natal para uma família pobre, ele volta agora a toda. O mesmo Juquinha. Ainda gordinho. Ainda sonhador. Mas aquele Escoteiro que não desiste nunca. A patrulha já não levava tão a sério seus sonhos impossíveis. Respeitar sim. Juquinha todos sabiam tinha um coração de ouro. Sempre a dividir o que tinha com alguém. Lino agora era o monitor da Patrulha. Romildo passou para os seniores. Todos conheciam suas qualidades na cozinha. Diziam a boca pequena que era o maior cozinheiro escoteiro de todos os tempos. O único que fazia belos fornos nos acampamentos e claro, deliciosos bolos de chocolate, baunilha e tantas gostosuras quem sabe melhor que em suas casas.

                 A Patrulha estava em reunião. O Chefe da Tropa deu vinte minutos para que eles dessem continuidade nas etapas de progressão. Muitos estavam atrasados. Um ensinava o outro e Lino o Monitor ensinava a todos. Juquinha pediu a palavra. Sempre fora muito educado. Nunca gritou ou foi indelicado com ninguém. – Monitor: - Eu fiquei sabendo que lá na Colina dos Pastores tem uma gruta enorme. Sei de fontes fidedignas que nesta gruta está enterrado um "Velho" baú cheio de tesouros incríveis. Têm taças, colares, cruzes de ouro, tudo o que se podem pensar, fora as pedras preciosas. Queria propor a Patrulha ir lá acamparmos no próximo feriado. Tiramos uma tarde e vamos explorar a gruta e quem sabe voltaremos ricos? – Todos deram boas gargalhadas. Neneco um Escoteiro novato deu um tapinha em suas costas e disse – Só vou se você fizer um gostoso bolo de chocolate! E todos caíram na risada.

              O Chefe Carlos ficou sabendo da conversa de Juquinha. Ele estava de olho nele. Juquinha na última vez que sumiu em busca do tal Vale dos Sonhos, ou melhor, Vale Encantado como ele disse deixou a tropa em polvorosa. Ficaram uma tarde e uma noite a procurar por ele. Todos ficaram com medo que algum acidente grave pudesse acontecer a ele. – Juquinha, estou sabendo do seu novo sonho – Não Chefe, não é sonho. Zorrito me contou. E quem é Zorrito? – Meu amigo Chefe. Ele me procura sempre quando estou dormindo. – Juquinha, não vou estragar sua amizade com Zorrito, mas se você me aprontar mais uma sou obrigado a levar você a Corte de Honra e depois vou falar com seus pais. Garanto-lhe uma suspensão por meses. Juquinha assustou. – O que diria para Zorrito? Que não iria à Gruta do Gorila?

             Juquinha procurou Nilo na casa dele. Explicou de novo tudo. Ele precisava de pelo menos um para ir com ele. Isto porque alguém precisava distrair Topyath enquanto ele pegava algumas pedras preciosas. – E quem é Topyath? Perguntou Nilo. O Gorila. Mas dizem que é fácil enganá-lo. Está lá a mais de mil anos! – Juquinha, acho que você está procurando ser expulso da tropa. O Chefe Carlos já me preveniu. Ele como todos nós adoramos você. Mas um dia você vai colocar alguém em perigo e isto nós temos de evitar. E foi embora dizendo que ele estava proibido de continuar com aquelas tolices.

               Juquinha quando colocava alguma coisa na cabeça não desistia. Continuou frequentando as reuniões, tomando belos tombos nos jogos pelo seu corpanzil que tinha mais gordura que tudo. Mas ele enfrentava qualquer um. Mesmo sabendo que iria perder ele não desistia. Ia bem na progressão. Todos achavam que ele ia conseguir fácil o Lis de Ouro. No final da reunião o Chefe Carlos disse que no feriado não iria ter reunião e a jornada da tropa não ia acontecer. Aconteceu um imprevisto e ele pretendia fazer um curso Escoteiro na capital. A tropa ficou triste, mas sabiam que era para uma boa causa. Juquinha vibrou. Agora posso programar minha ida a Colina dos Pastores sem que ninguém desconfiasse. Não queria ir sozinho, mas não podia confiar em ninguém da Patrulha.

               Juquinha fez algum muito feio. Mentiu para seus pais. Esqueceu que o Escoteiro tem uma só palavra, e não contou que o acampamento do feriado fora cancelado. Procedeu como se fosse com a tropa. A sede ficava a dois quarteirões e seus pais não tinham o costume de levá-lo até lá. Saiu no sábado cedo. Levou a ração B para dois dias. Pretendia voltar no domingo. Foi sozinho. Puzt! Sozinho mesmo. Nunca tinha feito isto. Ele tinha muito medo do escuro. Pensou muito em não ir. Sabia que ia dar galho na volta. Mas a sede de aventura foi maior e o Zorrito vivia azucrinando seu ouvido para ir. Ele nunca conversou com Zorrito. Ele apareceu assim em um sonho como a empurrá-lo para uma aventura tremendamente perigosa. Ele sabia que Zorrito era produto de sua mente, mas então como podiam conversar?

               Pegou a Rua que levava ao Curtume do Zezuel para evitar passar no centro da cidade. Foi beirando o Ribeirão da Chapada até a estrada do Capitão. Ele sabia que tinha de andar mais uns oito quilômetros até a subida da Colina dos Pastores. Às duas horas da tarde ele começou a subida. Era gordo. Mole para andar. Subia duzentos metros e parava. Às seis da tarde resolveu parar. Não sabia onde estava. Levou só uma lona. Custou a achar uns gravetos e acendeu um fogo. Fez uma sopinha só para ele. Rápido. Era mestre nisto. Começou a ouvir os ruídos da noite. Seus olhos ficaram arregalados. Um medo terrível. Claro que ele dizia para todos os escoteiros que não tinha medo. Em seus sonhos ele enfrentava com coragem. Mentira. Agora o medo estava à flor da pele. Para onde olhava via uma figura. Achou que estava cercado de demônios de todos os tipos.

                   Abriu o saco de dormir. Enfiou dentro dele e se enrolou todo. Precisava dormir. Tinha de dormir. Sentiu que alguém puxava seus pés. Começou a gritar, alto, gemia, pedia pelo amor de Deus! Chamou sua mãe, seu Chefe. Não parava de gritar. Abriu os olhos e viu que era Zorrito. Maldito pensou. Porque não apareceu antes? Vamos Juquinha. Agora é a hora. Vamos aproveitar que o Topyath está dormindo. Juquinha tomou coragem e foi com Zorrito. Quem de longe observasse veria Juquinha conversando sozinho. Logo ele avistou a entrada da gruta. Pequena. Mal cabia ele passar deitado na entrada. Quando saiu do outro lado era enorme. Enorme mesmo. Um grande lago no meio. Caia uma pequena cascata do lado norte. Juquinha sorriu. Lindo este lugar. Poderia dormir aqui todas as noites pensou.

                  Tudo acabou para Juquinha. Viu do outro lado do lago Topyath. Era um Gorila enorme. Grande. Imenso! Estava em pé. Olhos vermelhos, cor azulada que lhe dava um aspecto tétrico. O Gorila não se mexia. Estava imóvel olhando para ele. Parecia uma estátua. Zorrito apareceu ao seu lado e disse que aquele era o Topyath. Contou-me que ele tinha mais de 1.000 anos. Topyath parecia ter um magnetismo em seu olhar. Juquinha começou a ficar tonto. Sem perceber caminhou na direção do gorila na trilha do lado do lago. Ficou de frente para ele. Juquinha desmaiou. Acordou sonolento em outra gruta. Quem sabe o prolongamento da primeira. Estava em um cercado de pedras. Seria fácil pular e fugir, mas ele Viu Topyath a menos de setenta metros. Viu também vários outros gorilas. Menores. Mas brincavam em volta dele.

                  Juquinha não sabe quantos dias ficou ali. Sempre vigiado. Zorrito tinha desaparecido. Maldito pensou Juquinha. Trouxe-me para esta enrascada e desaparece. Juquinha não sabia o que fazer. Um dia viu que um barulho parecendo um terremoto começou a acontecer na gruta. Viu que não havia gorilas brincando. Viu que Topyath sumira. Era sua hora. Pulou as pedras do seu cercado e procurou uma saída. Encontrou uma. Nem bem andou cem metros e parou embasbacado. A sua frente tesouros imensos. Um pequeno salão que brilhava com o ouro, diamantes, esmeraldas, turmalinas. Tinha de tudo. Juquinha não se fez de rogado. Pegou uma enorme taça de ouro e colocou na mochila. Pegou uma turmalina e uma esmeralda. Sentiu um enorme safanão em suas costas. Meu Deus! Era Topyath!

                  Saiu correndo. Nem olhou para trás. Caiu em um riacho enorme com grandes corredeiras. Ele sabia nadar. Boiou. O riacho o levou por vários quilômetros dentro daquela montanha. Uma enorme cachoeira a sua frente. Não tinha como evitar, caiu, caiu e acordou com o Lino seu Monitor gritando. Acorde Juquinha acorde. Pare de berrar! Atrás de Lino estava sua Patrulha e o Chefe Carlos. Olhavam para ele furiosos. – Os pais de Juquinha deram falta dele na segunda. Ele não apareceu. Era dia de aula. Correram a casa do Chefe Carlos. Ele sabia onde tinha ido parar o Juquinha. Chamou a Patrulha. Foram de carro até a subida. Não foi difícil encontra-lo dormindo. Sabiam que ele não aguentava andar muitos quilômetros. Juquinha olhou para o relógio. Meio dia. Dormira dois dias e meio. Não falou nada. Maldito Zorrito.

                     Chegou em casa e ouviu o que não queria. Ele merecia. Chefe Carlos só disse que sábado ele esperasse as providencias que seriam tomadas. Jogou o bornal em um canto do quarto. Chorou por uma semana. Amava o escotismo. Se o expulsassem ele preferia morrer. Se apenas dessem uma suspensão tudo bem. Juquinha era religioso. Rezou muito. Foi na missa das seis da tarde na terça, na quarta, na quinta e na sexta. O Chefe na quinta conversou com seus pais. Não contaram para ele o teor da conversa. Pela manhã de sábado foi fazer a limpeza na mochila e no bornal. Encontrou uma taça de ouro, uma enorme turmalina enorme e outra grande maior ainda, mas era uma esmeralda.

                     Juquinha foi suspenso por sessenta dias. Guardou nestes dois meses o seu segredo. Zorrito nunca mais apareceu. Um ano depois conversou com seu pai. Contou a história. Mostrou o tesouro que trouxe. Sei pai vendeu tudo. Ficaram ricos. Deram uma boa parte ao grupo que terminou a bela sede que construíram. Chefe Carlos ficou pensativo. Resolveu voltar lá com Juquinha. Foi com sua Patrulha e mais três chefes. Vasculharam tudo e não encontraram a tal gruta. Revisaram palmo por palmo. Nada. Não sabiam o que pensar. Voltaram à tardinha. Como sempre ele era o último da fila. Parou para descansar. Olhou para uma pedra enorme no alto das colinas. Lá estava. Zorrito e Topyath acenando para ele e abaixo deles a entrada da gruta! Sorriu. Assustou-se com o Chefe Carlos o chamando. Estava dormindo de novo!       

À riqueza trás a felicidade?
Prefiro viver na pobreza com felicidade e amor, do que viver na riqueza cheios de interesses, invejas, e sem amor e felicidade.


Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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