sábado, 9 de fevereiro de 2013

Em cada coração uma sentença. A história de um Monitor de Patrulha.


Em cada coração uma sentença.
A história de um Monitor de Patrulha.

Perdoa-me, folha seca, 
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo, 
e até do amor me perdi.

Tu és a folha de outono 
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.




          Eu tive a honra de conhecer muitos Monitores em minha vida. Monitores amigos, gentís, mandões, morcegos, irmãos mais velho, indiferentes, falastrões, humildes. Uma gama deles. Existem por aí de todos os tipos. Mas me lembro de um especialmente. Nonôvat. Nome estranho? Nada disto. Ele se chamava Antonio Medeiros Nonato Vantuil Paredes da Silva Braga. Grande não? Mas depois de ler a história verão que grande era o coração de Nonôvat. Nonôvat era o Monitor da Jaguatirica. Era uma Patrulha nova, menos de dez anos de fundação. Estava no cargo há dois anos. A tropa ainda não elegia seus Monitores. O Chefe Ricardo escolhia. Ninguém reclamava, mas sempre a escolha recaia no mais velho da Patrulha. A escolha de Nonovat foi bem recebida. Na Curimbatá e na Gavião, Josivaldo e Moreno eram Monitores mais velhos. Eram três patrulhas. Havia mais duas femininas, mas uma espécie de convivência pacifica houve uma separação amigável.

          Em um Conselho das duas Tropas e decidido em Corte de Honra, resolveram que cada tropa deveria ter sua própria vida. Acampariam, fariam excursões e atividades aventureiras em conjunto, mas cada tropa respeitando a individualidade da outra. Francamente falando as duas eram mais que irmãs. Um respeito enorme. Claro o Chefe Ricardo e a Chefe Neide sabiam como agir. Para eles nada poderia dar certo se não tivessem bons Monitores. Eles sempre diziam aos graduados – Para ser um líder, você tem que fazer as pessoas quererem te seguir, e ninguém quer seguir alguém que não sabe onde está indo. Eles faziam muitas reuniões em separado, atividades extra-sede também.  Eles conheciam aquela frase de Mario Quintana que dizia – O segredo é não correr atrás das borboletas... É cuidar do jardim para que elas venham até você.

          Na Patrulha Jaguatirica quase todos os seis patrulheiros tinham mais de um ano de tropa. O Chefe Ricardo já pensava em iniciar a quarta Patrulha. Oito jovens estavam na fila de espera. Chefe Ricardo nunca foi daqueles de ter tropa grande, ter muitos. Ele era um especialista em compreender as pessoas como elas são. Sempre dizia aos Monitores que se vocês querem ser bem sucedidos, precisam ter dedicação total, buscar seu último limite e dar o melhor de sí. Completava com a metáfora de Steve Jobs – A qualidade é mais importante do que a quantidade. Um gol de placa é melhor que um gol feito. Ou seja, a qualidade significa fazer o certo quando ninguém está olhando.

             Foram bem treinados e adestrados os Monitores. Os sub Monitores também. Eles deviam estar preparados para substituir numa eventual falta. Na Patrulha todos tinham uma responsabilidade e Nonôvat sabia como cobrar sem gritar, sem exigir só mostrando o que fazer e claro ajudando. Não era e nunca foi um mandão. Aos treze anos aprendeu o máximo que deveria saber para liderar a Patrulha. Aprendeu que para liderar é preciso também saber ser liderado. Dizia aos seus patrulheiros sorrindo – Olhem! Se ficarem mal humorado tome café! Se não gostarem sigam a luz, se no final dela tiver um buraco negro, se joguem. E dava boas risadas. Os escoteiros adoravam sua maneira de liderar. 

              A parte mais difícil na Patrulha era ter um bom intendente/almoxarife. Era o patrulheiro responsável pela tralha da Patrulha. O material deveria ser bem cuidado. Ficavam também acondicionados na Caixa da Patrulha. Eles tinham um pequeno saco com quatro alças que servia para jornadas a pé com dois bastões quatro transportavam sem problemas. Ele sabia que o grupo não tinha condições financeiras para substituir sempre que estragava ou sumia um item e este iria fazer enorme falta. José Sanho era o intendente. Pediu ajuda e obteve de Marlon, o escriba. Ficaram ambos como intendente e almoxarife. Tinham tudo catalogado. Eles aprenderam toda a técnica de fiação de ferramentas, cuidados e como guardar. Os dois facões, a machadinha, a enxada, o aríete, a pá de escota, a pequena picareta, além de uma pequena caixa de pequenas ferramentas tais como um alicate, um córtex, uma chave de fenda e outros eram a cada quinze dias motivo de uma arrumação, verificação e limpeza geral. Todos prontos para uso. Sempre afiados e oleados. Dificilmente iriam enferrujar. No campo tinham um porta ferramentas. E a noite eram guardadas em uma pequena cabana que faziam e chamavam de intendência. Nunca voltavam do acampamento sem que uma boa limpeza fosse feita. O Chefe Ricardo dizia que temos que aprender a levar as tralhas limpas e não limpar na sede. Claro sempre havia exceções como sair embaixo de chuva. Não era fácil.

              Tinham um amor enorme com as duas barracas. Aprenderam a arte da impermeabilização assim com os dois toldos que faziam parte do telhado na cozinha e na sala de refeições nos acampamentos. Tudo era muito bem empacotado. Desde a caneta preta, a régua e o transferidor para mapas e afins. Sem contar as duas bússolas que foram sua últimas aquisições. Uma Silva e uma Prismática. Era só falar em acampar que tudo estava pronto. Nada para depois. O jogo de panelas doados pelas mãos eram quase perfeitos no encaixe. Orgulhavam-se disto. Não eram só eles que se mostravam cuidadosos. Também o Marcondes o socorrista da Patrulha. Conseguiu em varias farmácias um ótimo estoque de remédios tudo conforme uma lista que Dona Zenaide enfermeira do Hospital Santa Terezinha e mãe de uma lobinha fez para eles. Eles sabiam que podiam contar com Muriel o cozinheiro. Sua mãe ria quando ele encostava-se à cozinha de sua casa e dizia que queria aprender. E aprendeu muito bem. Daniel o Construtor de Pioneirias não ficava só nisso. Ajudava em tudo assim como o Zezé Ruaça, que se dizia o faz tudo.

            Além de aprender tudo que o Chefe Ricardo dizia, ele aprendia aqui e ali nas esquinas da vida. Na escola era um bom aluno. Não o melhor, mas não o pior. Seus pais eram boa gente e sempre confiaram nele. Não deram tudo que ele precisava para ser Escoteiro, mas o ajudaram em muitas coisas. Para suprir suas necessidades ele trabalhava. Fazia trabalhos aqui e ali com os vizinhos sem prejudicar seus deveres escolares. Com sua sanha de querer sem pedir ajuda, comprou para si em dois anos uma Bussola Silva, uma faca Escoteira, uma machadinha e o chapéu que muito se orgulhava. Nonôvat e Leozinho seu sub eram unha e carne.  Cada um sabia que podia contar com o outro.

               Nonôvat sempre nas reuniões de Corte de Honra levantava suas dúvidas e tinha uma que todos sabiam de cor. A competição entre eles ou entre outros grupos.  – Chefe somos irmãos? Se somos porque teremos que ser melhor que os outros? Porque não jogar, aprender, ajudar e ser Escoteiro com o coração sem pensar em ser o melhor? Chefe Ricardo sempre pensou sobre isto. Até decorou o que leu sobre o tema escrito por Bertrand Russell – A raiz do mal reside no fato de se insistir demasiadamente que no êxito da competição está a principal fonte de felicidade. Ele concordava com Nonôvat. Já tinha notado que alguns grupos eram motivados e até levados pela mão pelos seus chefes para poderem dizer que eram os melhores. Muitos gritos de Patrulha assim o diziam. Havia até uma motivação que anualmente era aplicada pela direção nacional. Conseguir tal e tal padrão. Ele achava justo, mas não o que os chefes faziam. Não tinha nada de Escoteiro nisto. Ficavam semanas e semanas, meses e meses eles mesmos fazendo tudo ou com seus Monitores para serem os melhores. Se alcançassem o padrão ouro então era um Deus nos acuda. Falavam para “Deus e o povo”.

               Nonôvat gostava do modo do Chefe Ricardo. Nas inspeções em sede e nos acampamentos ele respeitava a todos. Uma vez em uma atividade com outros grupos viu um Chefe jogando palito e pequenos papeis de um lado ou outro só para dizer – Não fizeram o suficiente! Uma desonestidade. Isto partindo de chefes seria um mau exemplo e o pior, quando convidavam Monitores alguns deles também faziam o mesmo. Aprenderam com seus chefes assim. O Chefe Ricardo era um perfeito cavalheiro. Nunca fez isto. Fazia questão de respeitar e ser respeitado. Em todos os acampamentos ele fazia questão que os Monitores fizessem inspeção no campo de Chefia. Lá estava ele a Chefe Neide e alguns assistentes formados e em posição de sentido enquanto os Monitores olhavam o campo. Ele nunca soube de um Chefe que fez isto.

                Assim a vida seguia e a tropa Escoteira do grupo de Nonôvat seguia seu caminho. Sempre todos com um sorriso, com um aperto de mão do Chefe, com um tapinha nas costas quando alcançavam um distintivo, um abraço forte e um "anrê" por um cordão. Já tiveram cinco Lis de Ouro em épocas passadas, mas há mais de dois anos que a tropa não revelava ninguém. Não por falta de motivação. Chefe Ricardo incentivava ao máximo, mas cabia a cada um dar o primeiro passo. Ele sabia que não podia carregar ninguém. Deveria ser como dizia Caio Vianna Martins. O Escoteiro caminha com suas próprias pernas. Na última Corte de Honra foram comunicados de uma atividade de um dia a convite do distrito. – Chefe! Mas não estava programado! – Eu sei ele disse, reclamei, mas vai ficar mal se não formos. Deixei bem claro que seria a última vez. Eles não gostaram, mas aceitaram.

              Seria uma atividade de um domingo. Próximo ao Vale Cinzento. Disseram que seria filmado por uma emissora. Uma grande publicidade para o escotismo. Não podíamos ficar de fora. A vida continuou na tropa. Claro muitos esperando ansiosos o dia em que iriam confraternizar com outras patrulhas. Diziam que estariam presente vinte ou trinta patrulhas. Talvez um pouco mais com as patrulhas femininas. Às oito da manhã partiram para a Matriz onde seria o ponto de encontro. Muitos lá estavam e como sempre a tropa do Chefe Jurema foi à última a chegar. Ele um rapagão de uns vinte e cinco anos, óculos escuros, chapéu a lá exploradores canadenses e uma vareta embaixo do braço. Chegou sem cumprimentar ninguém e deram o grito de tropa. Como sempre diziam que eram os melhores, iam arrasar. Nem o demônio podia com eles enfim um monte de asneira mais próprio de times “fuleiros” que não respeitam o próximo.

              O distrital tomou a palavra e explicou o jogo. A conquista do Ouro Misterioso. Deu como ponto de partida uma parte do Vale Cinzento que ia da nascente até a estrada do Astro Rei que cortava boa parte do Vale. Ali estavam escondidos quinze lenços escoteiros. Todos numerados. As Patrulhas não precisavam seguir a ordem, mas para achar a pista final precisavam de pelo menos cinco lenços. Menos que isto não seria fácil chegar ao ouro perdido. A ordem era clara. Todos deveriam estar sempre juntos. Em cada ponto haveria um Chefe Escoteiro. Se a Patrulha dispersasse seria desclassificada. Às treze horas poderiam parar para o lanche. Obrigatório. Deu outras instruções e depois o debandar. Paulo Cobra Monitor da Caveira do Diabo (Como deixaram dar esse nome a uma Patrulha Escoteira ninguém sabia) se aproximou sorrindo e disse para Nonôvat – Não me esperava eim? Não tem para ninguém. Você sabe que somos os bons, os melhores da cidade. Melhor reconhecer agora e desistir! E começou a rir se dirigindo para sua Patrulha.

              O jogo começou guerra! Gritou o Comissário Distrital. Eram dez da manhã. Vai aqui, vai ali e a Patrulha Jaguatirica conseguiu achar três lenços. Faltavam ainda dois. Ao meio dia e vinte Nonôvat viu Paulo Cobra sozinho correndo sem a Patrulha. Não podia. Era contra as normas. Chamar um Chefe e dizer? Nonôvat preferiu ir atrás dele e ser sincero – Se continuar vou informar ao dirigente distrital. E ele sabia que faria isto. Correu atrás de Paulo Cobra que tinha subido em um penhasco proibido pela direção do jogo por oferecer grande perigo. Avisou sua Patrulha, deixou Leozinho no comando. Ao subir uns oitenta metros ouviu um grito de socorro. Avistou lá em bairro Paulo Cobra estirado em cima de um galho enorme de uma árvore. Desceu com cuidado.

              Paulo Cobra chorava. Gritava de dor. Dizia ter fraturado uma costela e o braço. Nonôvat achou que deveria ir buscar ajuda. Mas ventava forte e ele sabia que uma tempestade se aproximava. Deixar Paulo Cobra sozinho seria pior. Subiu na árvore. Galho por galho foi descendo Paulo Cobra. Ele gemia. Chorava e pedia sua mãe. Com muito custo chegou ao pé da árvore. A chuva caiu. Forte. Raios cortando pedras e árvores no fundo da garganta. Viu uma grande pedra que fazia uma espécie de caverna a uns quarenta metros. Pegou Paulo Cobra a moda Escoteira e o carregou ombro acima até a pedra. Não foi fácil. Ele era pequeno. Paulo Cobra forte, meio gordo. Nonôvat não desistiu. Chegou à pedra e protegeu o Paulo com sua blusa Escoteira ficando sem nada sobre a pele. Disse que ia buscar ajuda. Paulo gritou que não iria ficar só tinha medo. Muito medo.

             A chuva passou. Nonôvat pegou novamente Paulo Cobra e o colocou no ombro. Poderia ter ido buscar ajuda, mas Paulo Cobra choramingava, pedia para não ficar sozinho. Andava tropeçando. A cada cem ou duzentos metros parava para descansar. Viu que ia escurecer. Resolveu fazer um SOS. Acendeu um fogo com muitas folhas verdes. Com sua blusa presa em duas varetas tentava fazer no código Morse as letras S. O. S. difícil. Se conseguiu ou não noite chegou. Mas menos de uma depois ouviu vozes.  Vários chefes chegando. Paulo Cobra foi levado por uma carroça de um sitiante. Nonôvat soube depois que quebrou duas costelas, uma fratura na coxa direita e no braço direito. Mas ia ficar bom. Levou sua Patrulha para visitá-lo em sua casa. Foi muito bem recebido. Paulo Cobra chorou varias vezes e pediu perdão por tudo que fez. Nonôvat o abraçou. Ficaram amigos para sempre.

                       Dois meses depois um “monte” de chefes adentrou a sede. Nonovat sabia que eram figurões da região e do distrito. A ferradura foi formada. O Chefe Ricardo usou da palavra para apresentar a todos. O Presidente Regional chamou Nonovat a frente. Ele se assustou. Que seria? Então ficou sabendo que iam lhe entregar a medalhar de valor. Ouro. Não era bronze e nem prata. Seria ouro mesmo. Acharam que ele mereceu. Nonovat segurou as lágrimas. Ele não era de chorar fácil. As patrulhas deram o grito. Nonôvat estava tremendo. Emocionado. Viu que seus pais também estavam lá. Todo o grupo se fechou em circulo fechado e deram o grito do grupo. Uma festa. Ele Nonôvat não sabia. No salão de festas muitos comes e bebes. Primeiro entraram os grandões, depois chamaram Nonovat. Ele educadamente disse que sua Patrulha fazia parte dele. Assim como as demais. Entraram todos. Até tarde da noite cantaram e brincaram. Nonôvat em hora nenhuma se sentiu superior. Ele sabia o que tinha feito. Ajudar um amigo Escoteiro. Não importa quem ele seja.

                       Nonôvat teve muitas outras histórias. Histórias que não serão contadas. Histórias de escoteiro de valor. História de Escoteiro amigo e fraterno. Aquele que pensa primeiro nos outros e que tem amor no coração. Dizem que cada coração tem uma sentença. Tem sim, Nonôvat tem a sentença de fazer o bem. Espírito Escoteiro antes de tudo. Soube que ele e seus patrulheiros sempre ficaram juntos mesmo quando passaram para Sênior. José Sanho, Marlon, Leozinho, Marcondes, Daniel um cozinheiro adorado e Zezé Ruaça. Uma vez eu disse para mim mesmo, tem gente que nasce para ser Escoteiro, tem gente que nasce para ser um grande Escoteiro e tem aqueles que nascem para dar o exemplo de humildade e amor com todos ao seu redor. Nonôvat, um Escoteiro que nunca será esquecido!   

Não vim a este mundo competir com ninguém. Quem quer competir comigo perde seu tempo. Estou neste mundo para competir somente comigo: Ultrapassar meus limites. Vencer meus medos, lutar contra meus defeitos. Superar dificuldades e correr em busca dos meus objetivos, já me ocupam muito tempo!





Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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