quarta-feira, 17 de outubro de 2012

O lobisomem de Onda Verde e o valente Escoteiro Pedrito.



A história é a verdade que se deforma, a lenda é a falsidade que se encarna.

O lobisomem de Onda Verde e o valente Escoteiro Pedrito.

            Debora Bottcher uma poetiza sintetizou de uma maneira estupenda como seria as lendas que correm pelo mundo. Ela tem um poema lindo, que parte dele diz: - “Sou lenda, porque a lendas correm livres junto ao vento, buscando as vozes da memória para que alcancem as histórias perdidas no tempo”. Não que Pedrito o cozinheiro da Patrulha Coruja fosse o “faloreiro”, ou melhor, um garganta na cidade de Onda Verde. Afinal Onda Verde no interior de São Paulo era considerada uma cidade com o melhor ar do mundo. Onde se podia sentir o aroma das flores, onde se podia ver a relva verde como se fosse uma onda espalhada sem mar. Calma, pacífica, menos de vinte mil habitantes era um paraíso para os que nasceram lá. Mas o Escoteiro Pedrito nascido e criado lá não era fácil. Contava “patacas”, valentias e até criava histórias impossíveis, e que ele sempre era o herói. Seu Chefe de tropa sempre disse a ele do primeiro artigo da lei. Uma só palavra. – Pedrito deixa de ser garganta! Dizia sempre. Ainda bem que todos sabiam que sua imaginação era fértil, e compreendiam.
   
            Mas eis que um fato aconteceu e tudo mudou de repente. Um boato surgiu do nada e serviu de motivo para que todos habitantes não saíssem à noite. Contava-se a boca pequena que alguns moradores juraram ter visto um lobisomem rondando a cidade na ultima semana. Até os escoteiros que tinham o costume de ir às sede a noite na Rua Garça ficaram com medo e só saiam em patrulhas e nunca sozinhos. Sempre tinha os mais entendidos que diziam que o perigo era só nas noites de lua cheia e em uma encruzilhada. “Aí então era um Deus nos acuda” O monstro passava a atacar animais e se não tivesse atacava os homens ou as mulheres. Diziam que ele adorava sangue humano. Só volta ao normal quando vem o raiar do sol.

            Naquela quinta a lua era quarto crescente. Na sede da Rua Garça todas as patrulhas estavam reunidas com o Chefe Naldinho e o Assistente Renato. Lá estavam os águias, os corujas, os touros e os elefantes. Ninguém faltou. Sabiam do grande jogo e ninguém queria perder. Seria uma “Busca ao Tesouro Perdido” na cidade. Achavam que seria um jogo estupendo. Seis pistas espalhadas pelos quatro cantos de Onda Verde. A primeira seria uma espécie de carta prego. Cada Patrulha deveria abrir em determinada hora em um ponto da cidade. O que não estava agradando a todos era o horário do jogo. O Chefe tinha determinado que fosse de seis da tarde às dez da noite. Assim ele disse o jogo seria mais difícil e para encontrá-lo seria preciso olhos de coruja. Claro os Corujas também não ficaram muito animados. A conversa de esquina do lobisomem amedrontava a todos. Menos Pedrito.

           Para mostrar coragem ele dizia que ia achar o tesouro e “caçar” o lobisomem. Mostrava os braços estendidos fazendo pose de como ia derrubar o Lobisomem com um soco somente. No meio da testa. A Patrulha se reuniu para discutir sobre o jogo. Mas Lavério um Escoteiro antigo entrou com o assunto do lobisomem. Disse que fizera uma pesquisa sobre Lobisomens e que ele se originou de uma lenda antiga. Segunda a lenda, o lobisomem seria o sétimo filho após uma sequência de filhas mulheres. Ele seria um homem normal, que se transforma em meio lobo meio homem durante as noites de lua cheia. A lenda dizia que as Quartas feiras de cinzas e a Sexta feira santa seriam os dias mais propícios para o aparecimento do lobisomem. Quando ele aparece para se saciar de sangue humano, dizia Lavério.

          Todos deveriam tomar cuidado, continuou Lavério, quando os cães ficassem agitados, não parassem de latir, pois eles poderiam ter avistado o Cachorro grande que nada mais nada menos seria o lobisomem. A Patrulha ficou muda. Ninguém dizia nada. Pedrito logo se levantou. Se ele aparecer me chame, dou um jeito nele! Todos riram. Naquela noite foram para casa juntos. O ultimo a chegar seria Pedrito. Quando Nando ficou na casa dele ele sozinho, começou a ficar com medo. Agora sem ninguém na esquina da Peçanha ele pensava se topasse com o Lobisomem. Nem pensar! Que Deus me ajude! Saiu correndo virou a próxima esquina e entrou em sua casa espavorido.

           Os dias foram passando. A Patrulha se encontrando e se preparando para o grande jogo. Na sexta feira seria entregue aos Monitores uma carta prego dando a primeira pista. Sabiam que no envelope só estaria escrito o local e o horário aonde eles os Corujas deveriam abrir. As instruções só quando abrissem. Conheciam as cartas prego. Não era segredo, mas ninguém sabia como era a primeira pista. Naquele dia era noite de lua cheia. Não ficaram na sede até tarde como era costume. Só comentaram sobre a carta que tinham recebido e “diabos” o local para abrir seria na Rua Balalaica, em frente ao portão do cemitério! Caramba! Pedrito não gostava dali. Claro seria às seis da tarde, mas mesmo assim ele não gostava do cemitério. Jurava ter visto um dia uma alma do outro mundo voando baixo em cima das catacumbas.

               Pedrito naquela noite não pensava em assombração, capetas, ou mesmo o tal lobisomem que por sinal estava sendo esquecido por toda a cidade. Assoviava baixinho uma linda canção Escoteira que aprendera no último acampamento e pensava como seriam lindo as montanhas e lagos existentes na canção. Disseram que assim cantavam os caçadores de peles daquele país, no passado, quando não conseguiam caçar nada e voltavam em seus caiaques cantando tristonhos e saudosos de suas famílias que há tempos não viam. Ao virar a esquina da Rua do Papagaio, viu um vulto correndo em direção ao Matadouro do seu Luizão. Para dizer a verdade em outras épocas Pedrito teria corrido sim em direção a sua casa, mas, como estava sem histórias para contar, resolveu correr atrás do vulto. Nem olhou para trás e quando olhou era tarde de mais.

                 Viu o vulto passar pelo matadouro e entrar no cemitério. Nove da noite ele começou a tremer e deu meia volta. Deu de cara com o Lobisomem. Enorme, parte de cima peluda, dentes enormes, olhos vermelhos chamejantes, unhas dos pés e das mãos enormes. O bicho o pegou pelo lenço Escoteiro e o levantou no ar. – Quem é você magrelo papudo? Perguntou. – Pedrito tremendo e já molhando sua calça curta respondeu chorando – Sou o Pedrito Senhor Lobisomem! – Pare de borrar de medo e seja homem! Falou o Lobisomem. – Mas sou um menino Senhor Lobisomem, bom Escoteiro da Patrulha Coruja, bom filho, bom aluno. Solte-me pelo amor de Deus! – O lobisomem chegou sua boca fedida no seu rosto e disse – Vou lhe dar uma mordida na orelha, se gostar vou tirar todo seu sangue, se não gostar quebro seu pescoço e o deixo ir embora! – Pedrito estava quase desmaiando de medo. Sem perceber quando o Lobisomem ia morder a sua orelha ele foi mais rápido. Deu uma dentada na orelha dele. O bicho berrou! Maldito disse. E o soltou levando a mão na orelha.

                Ninguém soube explicar, mas a Patrulha toda apareceu para ajudar Pedrito, estavam com seus bastões e o Lobisomem tentou correr e caiu na calçada bem em frente ao portão do cemitério. Ao cair a mascara de lobisomem se soltou e todos viram que era “Seu” Chulápio, o coveiro do cemitério. – Então é o Senhor o Lobisomem não “Seu” Chulápio, fingindo e assustando todo mundo. “Seu” Chulápio choramingando pediu pelo amor de Deus que não contassem para ninguém. Ele não tinha diversão nenhuma no cemitério. Nem mesmo uma alma do outro mundo ou um fantasma apareciam mais. Deixaram-no sozinho, pois tinha mais de seis meses que não morria ninguém na cidade.

                  A patrulha ficou com pena do “Seu” Chulápio. Prometeram não contar nada. Mas o Pedrito, ora, ora. O Pedrito contava para todo mundo da mordida que deu na orelha do Lobisomem. Todos riam e olhe, Pedrito fazia questão de passar em frente ao cemitério todas as noites de lua cheia. A cidade passou a admirar sua coragem. O Lobisomem apareceu outras vezes e não deixou de fazer alguns habitantes correrem feito loucos. Alguns juraram de pé junto que viram muitas vezes em noite de lua cheia, o Lobisomem abraçando Pedrito. Quem não gostou foi à mãe de Pedrito. Teve que dar muitas lavadas na calça de Pedrito. O jovem Escoteiro valente tinha “borrado” ela de tal maneira que quase teria sido melhor comprar uma nova.

                  Bem, deixa o Lobisomem para lá. O jogo da Caça ao Tesouro Perdido foi um sucesso. Melhor para Pedrito que junto a sua Patrulha acharam a sexta pista fácil. Claro, com a ajuda do “Seu” Chulápio que viu o Chefe colocando o tesouro no Mausoléu da família Crispim. Ninguém soube da ajuda e nem Pedrito contou para ninguém. O Tesouro? Oito canivetes suíços. Lindos. Valeu. Certo ou errado, Pedrito era um bom escoteiro. E como caçador de Lobisomens e Vampiros sua fama correu mundo. Mundo? Claro, mundo de Onda Verde, a cidade que ele viveu e morreu amando para sempre.

E quem quiser que conte outra...
       
Sou Lenda, 
porque as lendas são envoltas em Mistérios e Magias.
São uma criação dos caminhos da mente, da vaga imaginação da liberação dos silêncios da alma...





terça-feira, 9 de outubro de 2012

O Selvagem das Terras Altas. A história do Cacique Capotira. O Selvagem da Cabeça Branca.


Evitar o perigo não é, a longo prazo, tão seguro quanto expor-se ao perigo. A vida é uma aventura ousada ou, então, não é nada.

O Selvagem das Terras Altas.
A história do Cacique Capotira. O Selvagem da Cabeça Branca.

                Se havia algum que me deixava deprimido era não poder fazer alguma atividade que por um motivo ou outro pensei em fazer. Nunca em minha vida tive medo de enfrentar a estrada, as matas, campinas, os rios estreitos e largos, as cachoeiras, as corredeiras infernais e até as mais altas montanhas. Deliciava-me quando conseguia conquistar cumes imensos, atravessar rios caudalosos seja de que maneira for descendo corredeiras ou mesmo encontrar com o imponderável pela frente era motivo de orgulho. Não sei quantas vezes passei por isto. Medo? Um pouco. Muitas vezes “molhei as calças” e não me envergonho de dizer. O que me deixava agora chateado era não encontrar alguém da Patrulha para ir comigo. Estava enfezado. Israel disse que não podia – Bitelô, como vou ficar vinte dias fora? – Tãozinho então – Nem posso pensar nisto Bitelô, meu pai não vai deixar nunca. E assim um por um não encontrei ninguém que topasse enfrentar um desafio novo.

               Tudo começou quando fui cortar o cabelo na Barbearia do seu Praxedes. Era o barbeiro do meu pai há muitos anos. Eu cortava cabelo com ele desde os cinco. Ele sempre soube o que fazer e como era o corte. Estava lá entretido quando entrou um sujeito com um bigode que nunca tinha visto um igual. Enorme. Diria que os lados quase alcançavam ao queixo. Passou um tempo e ele começou a conversar com o seu Praxedes e conversa vai conversa vem disse que morava na Morada do Morto Vivo. Nunca ouvi falar. Seu Praxedes balançou a cabeça. Contou então a história mais incrível que tinha ouvido. Disse que bem longe de sua casa, bem ao norte subindo o Rio Turvo, quem sabe duas semanas a pé, existia uma serra alta, toda tomada por uma imensa floresta. Ninguém ainda tinha entrado nela. Era completamente desconhecida. Um dia um homem todo marcado e sangrando como se tivesse sido esfolado vivo chegou a sua porta pedindo ajuda e socorro. Trataram dele dentro do que conheciam e no quinto dia ele partiu. Quando ia virando a curva da Trilha da Goiabeira gritou – Nunca tentei entrar na Floresta do Diabo! Lá ainda mora o Selvagem da Cabeça Branca. Ele não conversa com ninguém. Ele esfola e mata. E sumiu junto as plantação de figo que tínhamos acabado de plantar.

              Depois não falou mais. Cortou o cabelo aparou o bigode e quando ia saindo o segurei pelo braço. Ele me olhou e vi nos seus olhos faiscarem. Conhecia este tipo de valentia de outras eras quando das minhas brigas eternas e quase desisti de perguntar. – Moço, como faço para chegar na Floresta do Diabo? Ele riu. Pegue o trem. Desça em Baixo Guandu. Suba o Rio Turvo por oitenta quilômetros. Quando avistar uma garganta entre duas montanhas, vá por baixo mais dez quilômetros. Quando ela terminar irá ver uma imensa floresta subindo aos céus e densa por causa do nevoeiro. É lá. Mas menino, nunca vá lá. O Selvagem da Cabeça Branca dizem nunca deixou ninguém vivo e os que conseguiram fugir ficaram com sequelas no corpo morrendo em poucos meses. Virou-me as costas e sumiu na Rua do Sumidouro e nunca mais o vi. À noite minha patrulha tinha marcado uma reunião na sede. Pretendíamos acampar nas férias de julho e poderíamos escolher um bom local e quem sabe fazer as grandes pioneirias que sempre planejamos e não fizemos. Poderíamos ficar oito dias acampados.
  
               Enquanto todos discutiam lembrei da conversa do Homem do Bigode Rastapé que me contou a história fantástica. Contei para a Patrulha. Riram e não deram atenção. Tentei de todo modo motivar a irmos lá. Foi Israel que colocou a questão crucial – Olhe Bitelô, Oitenta quilômetros rio acima, depois mais vinte. Você sabe. Sem trilhas, matas dos dois lados e com corredeiras tem de ser a pé. Pelos meus cálculos não conseguiremos andar mais que vinte quilômetros por dia, e olhe lá. Só aí seriam cinco dias para ir e mais cinco para voltar. Nem sabemos o que vamos encontrar. Claro que na volta uma jangada pode nos trazer mais rápido, mas e então? Subir uma montanha que ninguém nunca subiu? E se for verdade esta historia do tal Selvagem esfolador? Não somos heróis. Nem sabemos o que vamos encontrar.

               Tentei de todo modo motivar a turma. Não estava conseguindo convencer aqueles seniores destemidos. Deram todo tipo de desculpa. Parece que não era a minha Patrulha que não recusava nenhum desafio. Voltei para casa frustrado. No dia seguinte Pedrinho me procurou em casa cedo ainda – Olhe Bitelô, não dormi a noite. Só pensando nesta história do esfolador. Encontrei com o Israel e ele me disse a mesma coisa. Acho que devemos nos reunir hoje na sede e conversar de novo sobre isto. Dito e feito. A Patrulha conversou por horas. No final tudo planejado. Achávamos que quinze dias seriam suficientes. Os seis valentes seniores da patrulha Cascavel iriam entrar em ação novamente. Que nos esperasse a Floresta do Diabo. E que se danasse o Selvagem da Cabeça Branca. Ele ia conhecer uma turma da pesada! A aventura ia começar e que aventura foi meu Deus!

                Seu Josué era o Chefe da Estação da Estrada de ferro. Já nos conhecia. Aproximou-se e perguntou – Para onde vão desta vez? Até Baixo Guandu Seu Josué. E de lá? - Bem vamos tentar chegar até a Floresta do Diabo. Isto é vamos subir o Rio Turvo. – O rio eu conheço, mas esta floresta não. Cuidado com o Rio. Quando menos se espera ele sobe até dois ou três metros do seu nível.  Gente boa seu Josué. O trem parou na plataforma. Subimos na Segunda Classe e logo ele partiu. Seriam por volta de três horas de viagem. Se tudo corresse bem chegaríamos em Baixo Guandu lá pela uma da tarde. Foram preparativos imensos. Nossa ração que estávamos acostumados era de no máximo dez dias. Ração para quinze ou vinte não sei não. Mas achamos que encontraríamos pelo caminho muita verdura, peixes e quem sabe algum animal ou ave para matar a fome e economizar nosso farnel.

                   Éramos seis. Eu, Romildo, Fumanchú, Taozinho, Israel e Pedrinho. A Patrulha estava completa. Todos foram segunda e Primeira Classe quando escoteiros e agora muitos portavam a eficiência II. Não havia pata tenras. Passamos juntos por poucas e boas. Na viagem o espírito era nota dez. Cantamos, contamos “causos”, até umas piadinhas que não podiam ser contadas para os lobinhos. Meio dia e meio avistamos Baixo Guandu. Uma cidade de mais ou menos quinze mil almas naquela época. Hoje não sei. Antes de o trem entrar na estação avistamos o pontilhão do Rio Turvo. Descemos e como sempre atraiamos atenção. Não dava tempo para conversar. Partimos. Um trecho de estrada estadual e logo uma carroçável margeava o rio. Sabíamos que ela iria desaparecer em breve. Dito e feito. Uma mata rala, e logo uma mata fechada. Que dificuldade para dar cada passo. O rio naquele trecho era manso. A tarde veio chegando. Precisávamos de um lugar para arranchar. Sabíamos que não podíamos ficar próximo à margem. Pelos menos uns trezentos metros. As muriçocas nos comeriam vivos. Experiência de outras épocas.

                   A primeira noite foi calma e assim a segunda. Mas cada dia mais difícil ficava a caminhada. Na tarde do terceiro dia avistamos uma cachoeira enorme. Época da piracema. Um espetáculo a parte. Quem já viu sabe como é. Lindo! A luta dos peixes para subir rio acima é algum de espetacular. Escolhemos um belo piau de dois quilos e o Fumanchú nos fez uma gostoso assado de peixe na brasa. No dia seguinte demoramos mais de três horas para escalar a cachoeira. Não foi fácil. No quinto dia achávamos que estávamos atravessando o inferno. Que dificuldade meu Deus! Cada metro mais e mais um emaranhado da floresta. Naquele dia acho que não andamos cinco quilômetros. Se continuasse assim não chegaríamos a tal Garganta. No sexto dia a mata ficou rarefeita. Tiramos o atraso. Na manhã do sétimo dia avistamos a Garganta. Fácil de percorrer. Um gostoso riacho pedregoso e raso com águas límpidas. Na tarde daquele dia avistamos a famosa Floresta do Diabo. Imponente. Grandiosa. Misteriosa. Uma nevoa encobria o seu topo. Resolvemos dormir e prosseguir no outro dia.

                Levantamos cedo. Graças a Deus que durante os sete dias não choveu. Não foi preciso usar as lonas. Dormimos sob as estrelas. Pela manhã após um cafezinho partimos. Não havia como escolher uma local para a subida. Por toda parte arvores gigantescas e vegetação encobrindo tudo. Fomos em frente. Fumanchú nos disse que nossa ração daria para mais quatro dias. Se pudéssemos encontrar alguma caça ou pescar seria bom. Pescar ali não dava. A subida ficou íngreme. Três passos a frente um atrás. Quem sabe encontraríamos algumas frutas silvestres pensava enquanto andávamos. A mata fechada. Muito fechada. Começou a escurecer. Abrimos uma pequena clareira e dormimos, não antes de uma gostosa sopa de batata. Um bule de café nas brasas umas batatas doce e a noite chegou firme. Pegávamos no sono com facilidade.

               Acordei com o dia raiando. Vi o Romildo e o Fumanchú de pé, sem se mexer e olhando firme para frente. Tremi na base. Um índio enorme. Olhe mais de dois metros. Grande e sem ser gordo era descomunal. Cabeleira longa e totalmente branca. Sem barba. Olhos negros fitando-nos. Não disse nada. E agora, seria o tal Selvagem da Cabeça Branca? Vai nos esfolar e matar? Israel e Tãozinho se levantaram. Pedrinho sentou e se assustou. Era o menor de todos. Todos se aproximaram e ficamos juntos. Romildo o Monitor pegou seu bastão. Arma? Que nada, era leve e nem como porrete quebraria o galho. Calças começaram a ficar molhadas. Ele fez um sinal como dissesse – Venham comigo. Fazer o que? Juntamos nossas tralhas e fomos com ele.

                  Gente, o caminho era uma surpresa. Ele nos levou por uma encosta, onde uma trilha mínima e tendo como esteio um cipó enorme, atravessamos. Do outro lado uma pequena ponte pênsil que ele puxou não sei de onde, passamos e chegamos próximo a um platô, enorme. Avistamos algumas Ocas e uns vinte índios nos cercaram. A maioria mulheres e crianças. Ninguém falava nada, ninguém sorria. O tal da cabeça branca nos mandou entrar em uma oca. Enorme. Grande mesmo. Cabia lá toda a tribo isto é pensei que poderia ser uma. Um pequeno fogo no meio e que cheiro ruim. Ruim mesmo. De que seria? Romildo disse que mataram um porco do mato e ele estava em um canto da oca. Só podia ser ele. O tal da Cabeça Branca nos mandou sentar. Todos sentaram. Ele humildemente, o que estranhei começou a falar:

                 - Eu e os demais da tribo estamos pensando o que fazer com vocês. Não gostamos de estranhos. Eles nos fazem mal. Todos que aqui vem nós o matamos ou esfolamos. Um aviso para ninguém vir. Há muitas e muitas luas seus irmãos brancos mataram quase todos da minha tribo. Morávamos próximo a Aimorés, quase junto a Lagoa da Traíra. Éramos de paz. A sua FUNAI nos deu terras e fazendeiros nos tomaram. Uma noite entraram em nossa aldeia. Mataram quase todos. Eu, filho do cacique Lobo Branco, Pontiac filho do bravo Amanaki, Iraci minha namorada na tribo e filha de Caíare estávamos caçando. Quando chegamos vimos todos mortos e os brancos saqueando tudo. Nos escondemos. Levaram os corpos e os enterraram na entrada da Aldeia, mais de cinco quilômetros onde morávamos. Choramos muito. Mais cinco crianças correram até nós. Estavam vivos. Eu tinha dezesseis anos e era o mais velho. Resolvemos fugir.

                - Descobrimos esta floresta depois de dias de viagem pelo Rio Turvo. Achamos que quase ninguém viria aqui. Na Garganta Cajuru montamos um ponto para observar todos que se aproximam. Voces passaram por ela. Vimos todos os seus passos. São meninos como eu era. Sei que vieram por aventura. Eu também fui assim. Hoje somos menos de trinta. Iraci me deu oito filhos. Paramos. Não podemos crescer mais. Um livro sagrado foi escrito. Todos sabem o que diz lá. Aqui temos muita água e fizemos uma represa para criarmos peixes. Temos uma horta com muitas verduras. Conseguimos mudas de cana, de mandioca e de abóbora. É nosso sustento. Não queremos riquezas e aqui sabemos do ouro tão ambicionados por voces. Amanhã vamos decidir seus destinos. Ficarão na Oca de Pontiac. Não saiam de lá.

                 Saiu e fomos levado por Pontiac até sua morada. Custamos para dormir. Pela manhã eu já estava de pé quando uma indiazinha de uns doze anos entrou e disse que o Cacique Capotira (o tal da cabeça branca) nos chamava. Em uma roda de índios nos entregou nossas mochilas e algumas frutas. Disse que podíamos ir embora. Não pediu para ficarmos calados só disse que se contássemos a história da tribo e onde estávamos ele sabia que não iam durar muito. Deu a cada um uma pepita de ouro. – Façam o que quiserem. Pegamos nossas mochilas e partimos com ele a frente. Levou-nos até a Garganta Cajuru. Mostrou-nos muitas piteiras secas. Disse que com oito poderíamos descer o rio facilmente. Quando a corredeira aumentar saiam da água. A cachoeira esta próxima. Partimos.

                  Para dizer a verdade eu chorei. Gostei demais da tribo. Apesar de pouco tempo ficamos orgulhosos em conhecer todos. Cinco dias depois chegamos em Baixo Guandu. Eu, Romildo, Fumanchú, Taozinho, Israel e Pedrinho fizemos um juramento de não contar para ninguém. Foi uma das nossas maiores aventuras. Sempre quando acampávamos a noite em fogo de conselho ou em uma simples conversa ao pé do fogo, rememorávamos com saudades daquela aventura que ficou gravada em nossa mente para sempre. Os anos passaram e eu passei com eles. Há vinte anos atrás encontrei com Romildo. Sei que já foi para o grande acampamento. Disse-me que um dia soube pelos jornais a história da tribo dos Cabeças Brancas. O governo deu a eles as terras e nunca mais foram importunados por brancos.

                   Acampamentos, excursões, grandes aventuras. Elas ficam gravadas para sempre em nossa mente. Assim são os escoteiros. Não sabem se esconder em sede. Partem em buscas de suas aventuras. Seja ela simples, seja ela com grande perigo. Não importa. Eles sabem até podem ir. Saudades de Capotira, de Pontiac, de Iraci e daqueles amigos sinceros que fizemos. Espero que até hoje estejam felizes, pois lá em sua tribo sentiam-se libertos, e só o sol e a lua sabiam como a felicidade fazia parte de todos aqueles Cabeças Brancas. Quem sejam muito felizes. E as pepitas de ouro? Risos. Com ela papai terminou nossa casinha na Pastoril!

O amor vive de repetição. Cada um de nós tem, na existência, no mínimo uma grande aventura. O segredo da vida é reeditar essa aventura sempre que seja possível.


quarta-feira, 3 de outubro de 2012

A maldição do Lobo Vermelho.


A história é a verdade que se deforma, a lenda é a falsidade que se encarna.

Lendas escoteiras
A maldição do Lobo Vermelho.

                        Juraram-me de pé junto que era uma lenda. O povo gostava de contar histórias e inventavam muito. Eu pensava de maneira diferente. Lembrei quando nas eternas competições do passado quando no Quebra Coco nos fogos de conselho, tinha uma quadrinha que gostava de dizer: Minha mãe chamava Caca, e meu pai Caco Maria. Juntando Caco com Caco eu sou filho da Cacaria! Portanto, se o Cacique Boitiguara me contou eu não podia duvidar. Tinha passado para os pioneiros e acampava sempre nas planícies do Vale do Rio Doce lá para os lados de São Mateus e Nanuque. Já conhecia a tribo dos Machacalis, ou melhor, Pataxós como dizem hoje, e me tornei amigo do Cacique e de muitos outros índios da tribo.

                       Eram uma tribo sofrida, lutavam para sobreviver, mas com uma fraternidade que superava algumas vezes a tão falada fraternidade escoteira. Quando você fazia amigos na tribo podia-se saber que eram amigos de verdade. Eirapuã, Piatã e Potira três jovens da tribo, sempre me acompanhavam quando ia ali acampar principalmente na Garganta Montanhosa do Vale do Castanheiro.  Boitiguara o Cacique na última vez que lá estive ficou horas e horas na beira do fogo junto com outros “bravos” me contando a maldição do Lobo Vermelho, uma narrativa que ele com seus gestos contava como se estivesse vivendo a personagem do "Velho" Pajé Porã (aquele que possui beleza) que ouviu de seus ancestrais esta lenda que nunca será esquecida pela tribo enquanto ela existir.

                      Minha vida de Escoteiro nunca me deixava duvidar de um índio, pois não havia motivo para mentiras entre eles. Acampei ali muitas vezes, atravessamos o Rio Doce na curva do Cavalo Doido, mergulhamos na cachoeira do Macaco e quantas e quantas vezes eu Eirapuã, Piatã e Potira subimos a montanha do Lobo Vermelho sempre à luz do sol. Eles eram proibidos de passar a noite lá. Desta vez, que o "Velho" cacique Boitiguara me desculpasse, mas pretendia aproveitar uma bela lua cheia para ir ao cume e ver toda a majestade do Rio Doce, desde Crenaque até próximo a Aimorés. Era uma visão dos Deuses e eu precisava ver.

                       Foi Porã, o pajé meu amigo que me contou a lenda nos seus detalhes. Há muitas e muitas luas que passaram, havia um amor enorme entre dois jovens da tribo, cujos pais eram inimigos de morte. Ninguém na tribo sabia explicar direito o ódio entre eles, mas quem visse a esposa de Nakian, a bela Poranga (beleza) iria entender o ódio dos dois. Nakian era pai de Kalin (bela jovem), uma jovem de deslumbrante beleza e Quaraçã (luz do sol) um jovem esbelto, forte, cuja coragem todos da tribo reconheciam desde que participou da caçada da onça parda nas selvas do Olho Negro, era filho de Mauá, e nunca eles pensaram que seus filhos pudessem se apaixonar. Fugiram um dia e só deram falta dois dias depois. A procura foi grande. Nunca o encontraram. Um ano depois qualquer bravo que se arriscasse na Montanha Cinzenta voltava correndo, pois um lobo enorme, vermelho, com uma loba de olhos de fogo matavam que se aproximasse principalmente em noite de lua cheia. A montanha mudou de nome. Passou-se a chamar a Montanha do Lobo Vermelho.

                      Do Clã só Israel topou ir comigo. Contei para ele a lenda e ele riu. Bitelô (meu apelido) você não quer que acredite não? Afinal quantas passamos juntos? Com minha mochila as costas e meu chapéu de três bicos lá fomos nós no trem rápido da Vitória Minas as oito da manhã. Descemos em Crenaque e partimos rumo a Montanha do lobo Vermelho. Nem passamos pela tribo. Não dava tempo. Era tarde e mais duas horas a noite ia chegar. Subimos já à noitinha. A lua ainda não havia despontado. Quase no topo vimos uma nascente e achamos boa para acampar. Montávamos a barraca de duas lonas e ouvi um uivo que me gelou as veias. Israel parou e ficou ao meu lado. Próximo à curva da Arvore Seca avistamos os dois lobos. Meu Deus! Enormes! Um deles saiam chispas de fogo nos olhos. Não nos atacaram.

                        Ficamos lá dois dias. O que aconteceu não vou contar aqui. Só sei que descemos no terceiro dia e fomos direto até a tribo. Boitiguara se assustou. Estavam na Montanha do Lobo Vermelho? Rimos. Claro Chefe. A tribo inteira veio saber como foi. Pedi licença e usei meu apito. No meio das árvores surgiu os dois lobos, agora não tanto ameaçadores, mas foram até Boitiguara e lamberam suas mãos e desapareceram nas matas próximas ao vale do Rio Doce. Nunca mais, e isto fiquei sabendo de Piatã e Potira, ninguém nunca mais teve medo de ir a Montanha do Lobo Vermelho. Uma lenda que correu o vale, nas fazendas e nas cidades próximas por muitos e muitos anos. Mas soube que todos riam quando souberam da história contada por dois escoteiros. Verdade ou não, até hoje dizem que os lobos da montanha ainda correm pelos picos, pelas encostas, sobem em árvores e seu uivo percorre centenas de quilômetros.  Verdade ou mentira prefiro não dizer. Quem quiser vá a Nanuque. Atravesse o Rio Doce e siga no rumo das Pedras Negras. Lá na aldeia dos índios pergunte ao novo cacique, pois Boitiguara não deve estar mais lá. Talvez quem sabe seu espirito está a correr junto aos lobos vermelhos na Montanha onde vivem. E Chefe, como foi à história? Quem sabe um dia volto aqui para contar.

E quem quiser que conte outra.

Sou lenda, 
porque as lendas são envoltas em Mistérios e Magias.
São uma criação dos caminhos da mente, da vaga imaginação da liberação dos silêncios da alma...



Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

Bem vindo ao Blog As mais lindas historias escoteiras. Centenas delas, histórias, contos lendas que você ainda não conhecia....