quinta-feira, 28 de junho de 2012

Só o vento sabe a resposta



"Creio que Deus nos colocou neste mundo para sermos felizes e apreciarmos a vida. Mas a melhor maneira de fazer isso é fazer os outros felizes."
Baden Powell

Só o vento sabe a resposta

                  Esta é uma historia simples e este nome foi dado porque as respostas que procuramos nem sempre a encontramos. Dizem os poetas que tudo tem uma razão de ser e muito embora procuramos estas respostas, elas são dadas conforme nosso merecimento. Esta é uma historia triste. Dentre todas que escrevi e senti na pele a tristeza, acho que esta me marcou mais. Foi na década de sessenta. Era o Diretor Técnico de um Grupo Escoteiro por estes interiores do Brasil. Uma menina de uns doze anos adentrou-se no pátio de reuniões (era um sábado à tarde) e ficou sentada observando a movimentação das tropas escoteiras. Ainda não havia a coeducação. Esta só foi iniciada na metade da década de oitenta.

                 Durante algumas reuniões notei que ela vibrava com cada atividade feita pelos escoteiros. Achei interessante, pois nesta época ainda não era permitido coeducação e as meninas tinham de se contentar em ser bandeirantes. Não me preocupei. Ela não atrapalhava e além de seu sorriso contagiante apesar de não ser bonita, poderia dizer que até dava um certo brilho nas reuniões dos sábados à tarde.

              Um dia, em dado momento me procurou. Chefe como faço para entrar nos escoteiros? Um olhar profundo, uma vontade de ser e não poder ser. Expliquei a ela pausadamente. Disse que só como bandeirante. - Mas aqui não tem? Só balancei a cabeça negativamente. Não, respondi. Seus olhos se encheram de lágrimas. Tentei consolar, mas ela me olhou e saiu correndo. Deveria ter dito a ela que só como chefes de Alcatéia era permitida a entrada de moças. Mas não disse, afinal não devia ter mais de doze ou treze anos. Muitas vezes a gente devia dizer e explicar para não se arrepender depois.  Nunca mais voltou a sede. Passaram-se alguns anos, acho que uns cinco anos se não me falha a memória. Eu mesmo nem mesmo lembrava mais do fato.

                Uma tarde, conversava com um pai de um Escoteiro e um Chefe sênior e vi uma mocinha adentrando a sede. Pediu para falar comigo e prontamente a atendi. Chefe agora eu tenho dezessete anos. Vou fazer dezoito daqui a três meses. Agora posso entrar? Não me lembrava dela. Parece que um dia queria ser Escoteira e não foi aceita. Educadamente perguntei a ela quando conversamos sobre o tema. - Não lembras quando estive aqui há cinco anos? O senhor me disse que só poderia ser bandeirante. Em nossa cidade não tem. Esperei com calma e sonhando a cada dia em ser Escoteira. Contava os dias, as noites, os meses e os anos. Esperando sempre este dia que vai ser o mais lindo de minha vida, um sonho realizado. Agora sou quase de maior, posso ou não ser escoteira?

                Claro, eu disse que sim. Nossa Alcatéia tinha 26 lobinhos. Dois chefes masculinos e duas femininas. Tinha que arrumar um lugar para ela. Uma perseverança em querer, em poder ser e depois de anos e anos nunca esqueceu seus sonhos. Claro que nunca poderia ser recusada. Eu jurei a mim mesmo que seus sonhos seriam realizados.

                Não foi bem recebida. Uma das chefes me procurou em particular e disse que não poderia aceitá-la na alcatéia. - Por quê? Disse eu. Porque ela mora no “Ferreirinho” e o senhor sabe, lá é um bairro de má fama. Sua mãe só pode ser uma prostituta. Não sei por que falou aquilo. Era uma jovem ótima. Nunca deixou de ajudar ninguém. Infelizmente era uma época onde as mulheres que por um motivo ou outro foram parar ali naquele bairro não eram perdoadas facilmente.

                Não esperava aquela atitude. Pensei que não éramos assim. Aquela Chefe sempre foi um orgulho para nós. Não faltava, os lobinhos adoravam seu jeito de ser. Tínhamos um orgulho em dizer em nosso grupo escoteiro éramos uma fraternidade, uma família cheia de compreensão para com o próximo. Ela me surpreendeu muito mais no final da reunião. Procurou-me e pediu um Conselho de Chefes. Claro que concordei. Considerava que éramos um grupo democrático e todos tinham o mesmo direito. Naquele dia estávamos em doze chefes presentes. Na reunião explicou o motivo. Ela expos suas razões. Pelo menos sete chefes concordaram com ela.  Explicaram-se. Um deles foi veemente na defesa da Chefe de alcatéia. Olhem chefes – disse – Eu mesmo tenho o coração partido em tomar tal decisão. Mas tenho que considerar os demais pais do grupo. Infelizmente quando souberem tenho certeza que irão retirar seus filhos do grupo.

              E assim após ele vários outros se posicionaram do mesmo jeito. Depois de mais de uma hora apesar de que alguns chefes concordaram em que a jovem fosse admitida não chegaram a um consenso. Eu estava perplexo. Nunca em minha vida participei de uma discussão daquele naipe. Era muito para mim. Um deles sugeriu colocar em votação. Não precisa. Estou entregando meu cargo. Estou envergonhado. Aqui não vi a lei Escoteira em todo seu esplendor. Sei que decidiram pensando no Grupo Escoteiro. Tenho que aceitar a maioria. E vi que colocar em votação seria mais proforma. Melhor que a decisão seja tomada por vocês e me desculpem é muito para mim. Prefiro me retirar. Acho que está na hora de entregar o bastão e olhem, não entendam como uma forma de pressão a meu favor. Nada disto. Se estiverem de acordo no final do mês iremos discutir a escolha de um novo Diretor Técnico.

                   Todos se assustaram. Pediram um tempo para pensar. – Melhor não eu disse. Mudar as opiniões só porque resolvi sair? Não é correto. Sei que um dia vocês me disseram que o escoteiro é amigos de todos e irmão dos demais. Sei também que estão imbuídos nas melhores intenções. Saber ganhar é uma arte, mas saber perder é se sentir vitorioso. Não se conformaram. Muitos tentaram me convencer a mudar de ideia. Eu não estava sendo democrático. Afinal queria impor minhas razões sobre todos. Isto não era praticável. Não quis discutir mais minhas razões. Alí no Grupo Escoteiro onde estava a mais de oito anos passei tudo para eles sobre amor ao próximo, perdão, honradez e humildade. Achava que tinha fracassado. Não atinha sabido transmitir.

                   Procuraram-me no meio da semana em minha casa, inclusive a chefe em questão. Alí estavam todos eles. - Desculpe chefe. Agi mal. Muito. Peço perdão. Coloquei a mão em seu ombro. Nada de desculpas minha jovem chefe. Estou orgulhoso de você e dos outros. Afinal souberam tomar uma decisão sozinhos. Já andam com suas próprias pernas. Convenceram-me a continuar. Não tinha como dizer não. Parece que ficaram de acordo em receber a jovem. Mas seria para ela um bom caminho? Sentir-se-ia em casa? Seria mais uma da grande família do Grupo Escoteiro? Receava que não. Mesmo que as ideias foram mudadas o coração não muda fácil.

                 Tinha de pensar a respeito. Pela primeira vez não sabia o que fazer. Melhor esperar a jovem chegar e conversar com ela. Seria honesto. Diria o que discutiram. Se ela gostasse mesmo do escotismo como dizia teria que lutar por um lugar ao sol. Diria a ela que eu acreditava que conseguiria. Mas ela é que devia decidir. Meu apoio ela teria sempre.

                 No sábado seguinte fiquei de plantão o tempo todo na sede. A mocinha que pediu para entrar não apareceu. No outro também não. Fiquei preocupado. Será que ele ficou sabendo do que aconteceu e desistiu? Não tinha seu endereço. Não tinha feito por escrito sua inscrição. Não sabia como achá-la. Sentia-me culpado. Ela até poderia ter desistido, mas queria ter falado com ela. O tempo passou. Eu não esquecia. Os chefes me olhavam agora de outro modo. Sorria para eles como a dizer - Está tudo bem! Sou amigo de voces. Alegre em estar junto a todos.

                 Dois meses depois ao sair de um supermercado, avistei uma mocinha que achei parecidíssima com ela. Não deixaria para depois. Chamei-a. Ela parou e ficou com os olhos fixos em mim esperando que me explicasse. Perguntei a ela porque não foi na reunião no sábado seguinte. Esperei e tinha tantas explicações a dar. Disse que tinha um nó na garganta desde aquele dia. Expliquei tudo. Ela com lágrimas nos olhos disse que era ela e sim sua irmã mais nova. Ela se chamava Larissa. Desde que nasceu sonhava em ser Escoteira. A cada dia que crescia dizia para todo mundo – Vou ser Escoteira! Já sei as leis e farei uma linda promessa!

                Naquele dia quando retornou do grupo nos contou que falou com o senhor. Mas olhe Chefe, ela não desistiu. Não desanimou e esperou pacientemente ter a idade para entrar. Contava os dias e as noites. Naquele dia quando voltou da sede sua alegria era imensa. Todos nós, sua família sentíamos as vibração que ela transmitia. Pela manhã mesmo antes de abraçá-la para parabenizar pelo dia ela sorria e dizia em alto e bom som – Agora vou ser uma escoteira. Era seu sonho. Não dizem que se acreditamos em nossos sonhos eles se realizam?

                 Os dias que ela esperou por mais de seis anos terminaram. No sábado pela manhã o senhor não imagina sua alegria. Levantou cedo. Como sempre fazia agradeceu a Deus por tudo que ele havia dado a ela. Sei disso porque dormíamos no mesmo quarto. Almoçou correndo. Mesmo todos nos rindo dela e dizendo – Calma Larissa, calma. Você ainda vai ter muitos e muitos anos como este dia, onde irá ter com seus amigos escoteiros. Na porta sorriu e disse, até mais mamãe, até mais papai e me mandou beijos. Saiu correndo, não olhou para os lados. Foi atropelada por um ônibus. Levada ao hospital faleceu horas depois.

Fiquei pensando em tudo. Nosso destino, nossos sonhos. Perdidos em minutos. Em segundos. Por quê? Sem retorno. Acho que só o vento sabe a resposta!

 

E quem quiser que conte outra! 

  

§  "O teste da educação bem-sucedida não é o que uma criança sabe, com base após exames escolares, mas o que ela estará fazendo
§  “Dez anos depois”
§  Baden Powell


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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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