terça-feira, 6 de dezembro de 2011

A VINGANÇA DO GRILO FALANTE



A vingança do grilo falante

* Batatinha quando nasce se esparrama pelo chão: Ai meu Deus! Vou ter que catar tudo de novo!

Não sei se realmente era uma família aristocrática e nobre. Disseram-me que sim. Quando os vi pela primeira vez senti que tinham uma maneira delicada, distinta e um pouco requintada. Soube depois que eram netos de um Duque nascido na Itália. Sendo de família nobre o pai insistia no tratamento coloquial. Insistiam em ser chamados de Duque e Duquesa.

Entendia que o filho único deveria ter o mesmo tratamento por parte dos amigos. Na escola os professores sabiam das “manias” dos pais e as respeitavam. Os colegas tentavam. No entanto às escondidas davam seus risinhos jocosos e lançavam piadas muitas vezes censuradas. 

Queira ou não, conservavam na vida particular detalhes que não escondia tal nobreza e aristocracia. Quem os visitasse era recebido por um mordomo alemão e se davam ao luxo de ter um cozinheiro Francês. Isto mostrava que eram pessoas de posses. Moravam em uma boa casa, mas sem considerarmos uma mansão. Se própria ou alugada também não se sabia. Suas posses e trabalhos profissionais eram desconhecidos.

Mas o filho, único por sinal, Era a preocupação dos pais. Para isto uma atenção toda especial era dirigida. Com 8 anos, não parecia nada com o pai e com a mãe. Era alegre, fazia amigos com facilidade, tinha sempre um sorriso para qualquer situação e... Bem, não parava de falar. Falava e falava. Um palrador de primeira e isto não agradavam em nada os pais, bastantes circunspectos.

Faziam questão em aparentar ser uma família discreta, mas nada disto aparecia. Seus estilos e posturas suntuosas, cheias de manias, tanto na rotina diária como na maneira de conversar, ostentando aquele gênero de realeza. Diziam que durante as refeições, em uma mesa enorme, a mãe ficava de um lado, o pai do outro e o filho no meio. Era difícil até uma comunicação íntima.

O filho era totalmente diferente como já dissemos. Não gostava nada da maneira dos pais. Talvez por este motivo o levassem a um Psicólogo e que aconselhou atividades em grupo de jovens, que pudesse produzir nele disciplina e autenticidade, diferente da maneira como agia agora.

Um amigo sugeriu o escotismo. Tinham ouvido falar, mas desconheciam por completo o que seria. Sendo um estudioso e responsável, não matriculou o filho antes de pesquisar tudo que encontrou na internet. Perguntou, e até contratou um detetive particular para investigar como funcionava e a vida pregressa dos dirigentes do Grupo Escoteiro próximo a sua residência. 

Enfim, em um sábado foram até a sede, para fazer a matricula. Ficaram indignados com as exigências. A esposa, no entanto foi mais cordata e aceitaram com alguns senões. Deixar o filho ir acantonar passear em locais estranhos, não era para ser aceito. O responsável afirmou ser condição final. Tentou inclusive mostrar aos pais as vantagens do programa escoteiro. Concordaram com reservas.

Luis Alfredo de Albuquerque e Orsinni finalmente foi apresentado à alcatéia, em um sábado de sol, em pleno verão brasileiro. Seus pais quiseram ficar ali algum tempo para ver a reação do filho e a aceitação. Foi desaconselhado pelo Chefe do Grupo. Disse ser preciso que ele tivesse livre-arbítrio de mostrar sua posição de liberdade, companheirismo e afirmação por parte da matilha e da alcatéia. Seria o melhor.

Assim começou a saga de Luis Alfredo de Albuquerque e Orsinni que de família nobre, tirou toda a inocência da disciplina rígida da alcatéia nos dois primeiros meses.  Não parava de falar, conversava ininterruptamente todo o tempo. Não ficava parado. Na matilha Cinza não sabiam onde estava. Poderia estar entre os lobinhos e lobinhas da Vermelha, azul ou preta.

Não demorou e o apelidaram de Grilo Falante. Era comum ali o apelido. Todos tinham. Mas sem desmerecer ou mesmo denegrir a imagem de qualquer um. Ele aceitou naturalmente. Achou bonito até. Disse para a Akelá e a Bagheera que iria estudar bem o inseto e um dia iria fazer uma surpresa a todos.

Mesmo irrequieto e arteiro, se saiu bem no seu adestramento progressivo. Motivou muitos outros na busca de liberdade individual. Claro que os dirigentes da Alcatéia tinham certo trabalho. Notaram, porém que houve uma maior aceitação de todas as atividades e um retorno bem maior que antes.  

Os pais ainda não sabiam do apelido. Fumacinha, uma lobinha da mesma idade, se tornou muito amiga de Grilo Falante. Um dia, ligou para a casa dele e pediu para chamarem o Grilo Falante. Desligaram. Insistiu. Desligaram. Como morava perto foi até sua casa e pediu para o mordomo chamar Grilo Falante. Levou uma “carraspatana” o que a deixou triste e foi para sua casa chorando.

A mãe quis saber o que aconteceu e Fumacinha contou. Ela pegou a filha pela mão e foi até a casa do Grilo Falante, mostrando uma grosseria que não era natural com o tal mordomo. Nunca em sua vida agiu daquela maneira. Sempre foi educada, mas agora não. Sua filha tinha 8 anos e não poderia ter sido atendida daquela maneira.

Os pais de Grilo Falante não estavam em casa. Quando chegaram ficaram ciente do acontecido. A mãe foi também a casa da vizinha e lá pediu desculpas, pois de maneira nenhuma queriam ofender a quem quer seja. Dissera desconhecer quem era Grilo Falante e quando soube sabia que o marido não ia gostar.

Naquele sábado a alcatéia fora fazer uma excursão até o Jardim Botânico. Grilo Falante foi junto. Seus pais disseram que seria a última atividade. Falaram ao Chefe do Grupo que o filho não participaria mais. O Chefe argumentou, explicou, tentou ver uma saída e nada foi aceito pelos pais de Luis Alfredo de Albuquerque e Orsinni.

Grilo Falante só ficou sabendo quando chegou a sua casa. Em principio não entendeu o porquê. Seus pais quando o matricularam não perguntaram se ele gostaria de participar. Nada conhecia do escotismo. Mesmo assim aceitou. Sua mente aguçou conhecer, e quando assim aconteceu amou o escotismo como nunca.

Adorava a Akelá, o Balu, a Bagheera e Kaá. Eram para ele tudo aquilo que sonhava em conviver com adultos. Sua Matilha era sua paixão particular. Em casa escrevia, anotava, lia e aprendia tudo que o Livro do Lobinho continha. Fez muitos amigos, gostava de todos eles, mas a sua melhor amiga era a Fumacinha. Não se lembrava do nome dela.

Quando havia excursões ou acantonamentos passava noites e noites sonhando com o dia que demorava em chegar. No retorno, contava tudo aos seus pais que não demonstravam curiosidade e só o ouvia sem comentar. Ele já conhecia seus pais. Sabia como eram, mas não se preocupava.

Agora vieram dizer que não iria participar mais. Não aceitava aquilo. Argumentou, chorou, implorou, mas tudo inútil. Foram irredutíveis. Pela primeira vez disse ao seu pai que não se conformava com tal atitude. Se não voltasse ao Grupo ele seria outro menino. O pai disse a ele que era a autoridade e enquanto fosse criança teria que aceitar.

No sábado seguinte chegou à janela e viu na rua vários lobinhos e lobinhas com faixas e cartazes dizendo: - Volta! Volta! Nós queremos você! Viva o Grilo Falante! Viva o Luis Alfredo de Albuquerque e Orsinni! Seus pais não gostaram. Mandaram o mordomo dizer que se continuassem ali, chamaria a policia.

A escola telefonou aos pais dizendo que ele estava irrequieto, indisciplinado e não participava em trabalho em grupo, ficou respondão, enfim bem diferente do aluno de antes. Não adiantou a reprimenda dos pais. Ele ficava calado nestas horas, saia correndo dizendo que se não o respeitassem ele não respeitaria ninguém.

Apesar de severos os pais não aceitavam castigos cruéis. Usavam os aconselhados pelos psicólogos, tais como castigo de não sair de casa, de não ver TV, não ir ao cinema e não poder ligar o computador. E tudo isso por um simples apelido. O tempo foi passando e a situação insustentável. Já não sabiam o que fazer com Luis Alfredo de Albuquerque e Orsinni.

Uma noite, seus pais fizeram uma recepção de gala em sua residência, devido à presença de uns nobres italianos na cidade. Várias autoridades e pessoas da sociedade local foram convidados. A rua que moravam fora interditada. Um grande policiamento. Pessoas chegando de limusines e até helicópteros pousaram próximo a casa.

A recepção estava no auge. Uma orquestra tocava sem parar. Casais dançavam. Todos se divertiam e a champanhe da melhor qualidade assim como o whisky rolava a solta. Lá pela meia noite, a luz piscou algumas vezes e os presentes sobressaltados viram cair do teto centenas de grilos que voavam em torno, saltitantes e não deixava ninguém em paz.

Assustados, as pessoas e os grilos não sabiam o que fazer. Houve um clarão e apareceu no alto da escadaria de mármore nada mais nada menos que Luis Alfredo de Albuquerque e Orsinni fantasiado de Grito Falante, com uma Guguzela na boca, tocando alto e dizendo: Sou o Grilo Falante! Meus pais não querem meu apelido, mas eu gosto. Eu sou o Grilo Falante!

 Abestalhados com aquilo, os presentes começaram a se retirar da recepção. Outros se entusiasmaram e bateram palmas gritando: Grilo Falante! Grilo Falante! Nada mais havia a dizer. Os pais o levaram para o quarto. Preocupados e furiosos com o acontecido.

Logo todos se foram. A casa ficou vazia. Naquela noite nada disseram. No outro dia, a imprensa achou o fato um “prato feito” para as manchetes. Não saíram de casa por alguns dias.  Luis Alfredo de Albuquerque e Orsinni ficou preso em seu quarto. Nem na escola foi.

O tema tomou conta da cidade. Todos os Grupos Escoteiros ficaram sabendo da saída e o porque foi o motivo. Milhares de telegramas não paravam de chegar. Na internet era o fato do dia. Mas tudo acaba com o tempo. Nada dura para sempre. Os pais pensaram em mudar de cidade. Era difícil. Seu ganha pão ali estava. Não podia tomar medidas que prejudicassem suas vidas.

Passado dois meses. Em um sábado frio, sem sol, lá estava Luis Alfredo de Albuquerque e Orsinni chegando à sede do Grupo Escoteiro. Os pais pediram desculpas ao Chefe do Grupo. Todos os amigos mostraram a eles que estavam errados. Quanto mais nos preocupamos com apelido mais ele se enraíza. No futuro seria esquecido. Só uma boa lembrança do que foi.

Luis Alfredo de Albuquerque e Orsinni voltou à vida de Lobinho. Agora era o Grilo Falante com muito orgulho. Mudou muito sua maneira de ser. Mais responsável e sem abandonar aquela característica que lhe era tão peculiar. Falar, falar e até algumas pequenas traquinagens.

Seus pais receberam uma carta da Direção Regional. Agradecia pela atenção dada ao escotismo de maneira responsável. Parabenizava suas atitudes e se colocaram ao dispor para quaisquer contatos agora ou no futuro.

Grilo Falante ficou por muitos anos na saga escoteira. Escreveu sua história praticando uma atividade de jovens voltada para eles mesmos. Aprendeu a fazer fazendo e no seu pensamento ficou marcado a palavra caráter. Quando cresceu era um homem de bem. Formou-se, dirigiu e dirige a empresa do pai que ninguém conhecia, se casou e hoje tem dois filhos.

Ambos no Grupo Escoteiro que passou sua vida. Um se chama Murilo Vinicius de Albuquerque e Orsinni e a outra Lívia Valquíria de Albuquerque e Orsinni. Na alcatéia são mais conhecidos como Risadinha e Cigarra Altaneira. A vida é assim, uns gostam outros não. O respeito é tudo na vida, mas cada um deve escolher seu próprio destino. Disto não tenho nenhuma dúvida!

E quem quiser que conte outra...
     
* Não tomo café, porque penso em você. Não almoço, porque penso em você. Não janto, porque penso em você. Não durmo... Porque estou morto de fome!!!

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