quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

A FELICIDADE É FEITA DE DOCES MOMENTO


A FELICIDADE É FEITA DE DOCES MOMENTOS

Se você pode ajudar, em auxilio de alguém, faça isso agora.
Enriqueça o seu vocabulário com boas palavras.
Aprendendo a escutar, você saberá compreender.
Francisco Candido Xavier

Moro em uma casinha diminuta. Apenas dois cômodos. Ali convivo com meu pai, minha mãe e um irmão mais novo. Fica próximo a uma pequena cidade, distante umas cinco léguas. Meu pai lavra a terra, plantando feijão, um pouco de arroz em uma várzea próxima. Também plantava mandioca e nas barrancas do Rio das Flores, colhiam muita abobora que dava para o sustento da família.

Nossa casa não tinha eletricidade e televisão só conhecíamos na fazenda do Seu Malaquias. Meu pai não tinha salário e trabalhava de sol a sol. Tinhamos um burrinho já velho e algumas galinhas e porcos no chiqueiro atraz da nossa casa. Um radinho a pilha servia para ouvirmos quando jantávamos. Gostava de ouvir a tal Hora do Brasil.

Pela manhã, corria quatro quilômetros com meu irmão até uma pequena escola na Fazenda do Seu Malaquias. Minha professora dona Niquinha era muito brava e todos os alunos tinham medo dela. Mas no fundo sabia que ela se preocupava em que todos nós aprendêssemos para no futuro termos outro tipo de vida que não aquela da roça “braba”.

Quando retornava, comia uma pequena refeição composta de um pouco de feijão com abobora e de vez em quando um peixe ou uma seriema que meu pai caçava. Não reclamava. Satisfazia-me com um prato e não pedia mais. Nasci nesta vida e não conhecia outra. Sempre estava às tardes na capina com meus pais.

Meu nome éTãozinho e tenho 13 anos. Sou alto, bem magro, ainda tenho todos os dentes, pois escovava sempre com uma escova que havia ganhado na escola. Não tinha pasta de dente e usava uma pequena planta que minha mãe fervia e deixava de molho até virar uma pasta. Era boa. Deixava sempre um frescor na boca.

 Aos domingos minha família ia sempre à fazenda do seu Malaquias para assistir a jogos de futebol, pois sempre tinham times visitantes para jogar com os empregados da fazenda. Ali tinha oportunidade de brincar com vários meninos onde jogavamos peão, finquinho e bolinhas de gude.

Era uma vida simples. Não conhecia outra e gostava de tudo que fazia. Nunca reclamei e sempre tinha um sorriso nos lábios. Meu irmão mais novo, com nove anos era diferente. Ficava sempre raivoso, quase não ria, mas ele era meu grande amigo de todas as horas.

Meu brinquedo preferido era um caminhão que fiz com uma lata vazia de goiabada e com quatro carretéis que achei na fazenda do seu Malaquias. Gostava de puxar o carrinho quando estava sem fazer nada. Tinha também uma flauta que fiz de bambu, e tocava sons inteligíveis que ninguém gostava.

Quando meus pais matavam um porco, e não era sempre, minha mãe limpava a bexiga e depois de cheia de ar deixava secar. Eram excelentes bolas de futebol. Eu e o meu irmão brincávamos muito a noitinha.

No ano passado meu pai me levou até a cidade de São Quirino. Tinha ido outras vezes, mas era bem pequeno e não me lembrava de nada. Fiquei abismado com as ruas, as casas e perplexo com a igreja, uma torre alta, sinos e dentro um silencio de fazer medo. Vi a estátua de Jesus em um canto, e assustei-me com tanto sangue. Meu pai e minha mãe sempre contavam a vida de Jesus.

À tarde fomos a um cinema. Não conhecia. Assustei com os tiros, era um filme de faroeste. Não entendia bem, pois falavam em uma língua estranha. Mas adorei o filme e dos pirulitos que meu pai comprou. Depois não voltamos mais a cidade.

Numa sexta feira quando retornava da escola com meu irmão, vi dois ônibus se aproximando da fazenda do seu Malaquias. Dois homens vestindo uma roupa caqui com chapéus esquisitos desceram e conversaram longamente com seu Malaquias. Fiquei refletindo quem eram, porque suas calças eram curtas e porque aqueles meiões. Quem sabe eram jogadores de futebol.

Fiquei ali parado com meu irmão olhando e imaginando quem estaria nos ônibus. Havia muita algazarra e muita cantoria que eu não entendia. Após alguns minutos os ônibus tomaram rumo de nossa casa. Cortamos caminho pelo córrego das Antas e chegamos antes dos ônibus.  

Não foi preciso ir muito longe. Logo vimos os ônibus parados próximo ao córrego e distante uns 300 metros do rio das Flores. Era um descampado e sempre pensei que meu pai poderia fazer um campo de futebol. Bem perto havia um grande bambuzal e mais atrás a mata da fazenda.

Uma meninada sem tamanho desceu do ônibus e fizeram fila igual na escola. Só que estavam durinhos e na frente um com um pau e uma bandeira amarrado. Todos de chapéu e também de roupa caqui com um lenço no pescoço. “Diacho” o que seria aquilo pensei.

Logo todos se abraçaram e começaram a gritar. Gritaram e voltaram para as filas. Depois o homem mais velho mexeu com os braços e todos fizeram uma corrida até ficaram em uma espécie de roda. Outro homem já havia fincado um pau maior e amarraram uma bandeira que sabia ser de nosso pais.

Achei bonito tudo aquilo. Ficaram com os dedos na testa e cantaram o nosso hino. Estava perplexo com tudo aquilo. Zezé o meu irmão me cutucou e disse que era hora do almoço e a mamãe iria brigar. Não queria sair dalí, mas fui correndo com ele, almocei e expliquei ao papai o que tinha visto e se ele me deixava ficar lá olhando.

Meu pai era muito compreensivo. Concordou e saí correndo com o Zezé até onde estava a meninada. Quando cheguei lá eles tinham feito um cercadinho, e dentro tinha barracas de lonas e vários bambus. Vários deles estavam cortando no bambuzal e montavam mesas, cadeiras e outras armações que não entendi.

Chegamos mais perto deles e vi um com o pau e a bandeira na mão que se aproximou de nós. Cumprimento-nos e disse que eram escoteiros da capital. Se já conhecíamos. Disse que não e tentou explicar o que era. Não entendi bem, mas achei bacana tudo o que ele me dizia.

Cada turminha se chamava patrulha tinha seu cercadinho que ele dizia ser a casa deles enquanto estivem acampados. Os homens eram chamados de chefes e tinham também o cercadinho deles. Eles fizeram um fogão de barro (muito mal feito) e expliquei a melhor maneira de usar o barro com pequenos pedaços de madeira para fortalecer.

Fiquei ali a tarde toda. Convidaram-me para jantar e agradeci. Fui até em casa, era hora do meu banho e quando estava no rio me lavando ouvi vários gritos. Olhei para ver o que era e vi um deles quase no meio do rio (não era largo) gritando e mexendo com os braços. Vi que estava afogando.

Eu era um bom nadador e sabia como agir. Nadei até ele, peguei por traz e puxei-o até a margem. Logo os chefes e vários escoteiros apareceram. Deitaram-no de costa e apertaram sua barriga. Um deles deu um beijo varias vezes e o menino voltou a respirar (respiração artificial boca a boca).

Abraçaram-me, disseram que era herói e coisa e tal. Não entendi nada. Tirar um afogado do rio era obrigação de cada um. Conversaram com meu pai e pediram para eu participar com eles até o domingo. Nunca imaginei que isto pudesse acontecer. Zezé não quis. Estava com medo.

Mamãe me colocou a melhor roupa e fui com eles. Ensinaram-me como ficar na patrulha, os apitos, como correr em fila, os sinais que o chefe fazia. Não entendia muito bem, mas olhava para os da frente e não era difícil participar. O chefe apitou e corremos até o chefe que mandou ficarmos em circulo. (chamavam ferradura e da ferradura nosso burrinho não tinha nada)

À noite, após a janta que jantei com eles (o cozinheiro deles cozinhava mal prá burro!) fizeram uma brincadeira muito gostosa. Rezaram o Pai Nosso e foram dormir. Eu fui para minha casa prometendo estar lá bem cedo. Foi uma noite linda, não conseguia dormir e só pensava no sábado com eles, os meus novos amigos.

Cheguei com o dia clareando. Estavam todos dormindo. Fiquei ali sentado na grama, olhando suas armações (alguma bem feitas outra não) até que quando o sol já estava no alto eles levantaram correndo, cada um foi fazer uma coisa e o cozinheiro foi fazer o café. Ajudei a ele com o fogo e de uniforme tomamos café juntos com um pão dormido. Mas tinha manteiga biscoitos e adorei tudo.

Logo um apito longo e todos ficaram de frente ao seu cercadinho. O Monitor me disse que era a inspeção. Os chefes chegaram, gritaram e cumprimentaram os chefes. Cada chefe ficou olhando dentro e fora do cercadinho. Naquele momento nada estava entendendo, mas achava bonito e gostava de estar na fila durinho como eles.

Assim passou o dia. À tarde fizemos um jogo na mata. Cada monitor levava uma bússola. Disseram que o chefe escondeu um tesouro nela e com um papel desenhado quem achasse o tesouro ganhava. Achar um tesouro na mata era complicado. Eu conhecia bem ela e nunca vi nenhum tesouro lá.

Eles se assustaram com uma cobra pequena. Era uma suçuarana que não fazia mal a ninguém. Peguei-a com a mão e mostrei. Não quiseram pegar. Um dos monitores encontrou o tesouro. Era uma caixinha cheia de chocolates. Distribuíram entre todos. Adorei o chocolate. Não lembrava quando tinha comido um.

A noite foi a mais linda da minha vida. Acenderam um fogo e em volta dele cantaram, contaram piadas, juntos como teatrinho da escola brincavam e cantavam. Mostraram umas palmas esquisitas.

Depois fizeram um círculo e cantaram uma musica muito bonita. Muitos choraram. Diziam que não era mais que um até logo, não era mais que um breve adeus e que bem cedo junto ao fogo, nos tornaríamos a nos ver. Lembrei que no dia seguinte eles iriam embora. Chorei também. E Chorei muito.

No domingo logo após a inspeção começaram a desmontar as barracas e algumas construções que chamavam de pioneirias. Após subirem a bandeira foi feito outra brincadeira chamada de Escalpes. Enfiamos o lenço na cintura e tentavam tomar o lenço um dos outros. Como era um terreno grande não foi fácil, mas conseguí tirar 6 lenços.

À tarde, após o almoço (pedi o cozinheiro para fazer e adoraram minha comida) guardaram tudo no ônibus. Só ficou o mastro com a bandeira. Formaram e o chefe me chamou a frente com o monitor. Disse para ficar em posição de sentido e repetir com ele as palavras:

- Prometo, pela minha honra, fazer o melhor possível para – Cumprir o meu dever para com Deus e minha Pátria, ajudar o próximo em toda e qualquer ocasião e obedecer a Lei do Escoteiro. Ao final mandou baixar o braço e explicou as leis escoteiras.

Caramba! Como era bonito tudo aquilo. Não estava agüentando vi que o choro estava chegando e não seria bonito chorar ali. Ele se aproximou de mim e colocou um lenço deles no meu pescoço com um anel. Disse que dalí em diante eu era um Escoteiro Honorário, com todos os direitos de pertencer ao 825º Grupo Escoteiro Leão do Norte. Meus olhos agora estavam cheio de lágrimas.

Juntaram todos com os braços ao redor do pescoço de cada um e gritaram alto: - Só os valentes entre os valentes são escoteiros. Temos orgulho de nossa patrulha, de nossa tropa de nosso grupo! Um por todos, todos por um. Anrê, Anrê, Anrê. Para mim, um Escoteiro Honorário foi como um lindo sonho real que estava acabando.

Abraçaram-me, despediram entraram no ônibus e se foram acenando. Eu fiquei ali, parado por muito tempo. A noite chegou e eu continuava ali. Ainda em pé. Não queria sair. Não podia abandonar a mais incrível aventura de minha vida. Como fantasminhas eu os via correndo cantando e brincando. Tudo que aconteceu ficavam como lembranças vivas em minha mente.

Minha mãe e meu pai vieram me buscar. Não queria ir. Achava que podia esquecer quando saísse do calor que deixaram. Fui para a casa chorando. Dormi abraçado com meu lenço de Escoteiro Honorário. Nunca esqueci aqueles três dias que duraram para sempre em minha vida.

Nunca mais os vi. Hoje, morando em Sesmaria, uma cidade a beira do rio das Flores, tenho uma pequena loja de tecidos e lembro-me daqueles dias como se fossem agora. Olhos meus três filhos ainda pequenos e desejo para eles tudo aquilo que tive em três dias, uma vida, uma história para eles.

Li muito sobre os escoteiros. São valentes, são heróis, aprendem a ser grandes homens de bem. Li também que sabem o que é ter caráter, honra e tudo mais. Eu sei bem o que é isto. Foram três dias apenas, mas também aprendi tudo isto. O melhor, a irmandade. Foram meus irmãos mesmo sem ser um deles.

Quem sabe meus filhos um dia também terão esta oportunidade?

E quem quiser que conte outra...

Se tiveres de chorar por algum motivo que consideres justo, chora trabalhando para o bem, para que as lágrimas não se te façam inúteis. * Nos dias de provação, efetivamente, não seriam razoáveis quaisquer espetáculos de bom humor, entretanto, o bom ânimo e a esperança são luzes e bênçãos em qualquer lugar. *

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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