sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

A FANTÁSTICA EPOPÉIA DA ALCATEIA ENCANTADA



A FANTÁSTICA EPOPÉIA DA ALCATEIA ENCANTADA

O abutre Chill conduz a noite incerta
  E que o morcego Mang ora liberta -
    É esta a hora em que adormece o gado,
      Pelo aprisco fechado.
        É esta a hora do orgulho e da força
          Unha ferina, aguda garra.
            Ouve-se o grito: Boa caça aquele
              Que a Lei d Jângal se agarra”.

Canto noturno da Jângal.

Conheci a chefe Tininha na metade da década de oitenta. Na época dirigia e atuava na equipe de adestramento regional e contribuía na direção e participação de cursos diversos. Foi um período raro, pois passava muitos fins de semana no Campo Escola, onde habitei fartamente por anos e anos.

Sempre que ali abrolhava, eu me transformava. Meu espírito vagava a procura de um éden perfeito, feito de jardins e flores e ali eu me encontrava. O aroma da mata, a brisa leve e solta, o silencio reinante, era como se fosse transportado para quem sonha com uma morada depois da vida. A mata tomava conta de toda área e o progresso com suas edificações eram totalmente camuflados.

Não só nós, dirigentes ou membros de uma equipe, mas os alunos inclusive se sentiam numa doce elevação do espírito, como se fosse um momento mágico. O desenrolar de um curso nutria conotação máxima e o aproveitamento era total.

Pelas minhas lembranças tive a oportunidade de conhecer pelo menos 1.000 escotistas cujo tempo curto, nos uniu em palestras, jogos e troca de idéias para um aprendizado sadio e virtuoso dos ensinamentos de Baden Powell.

Tininha quando a vi pela primeira vez, devia ter aproximadamente 28 anos. “Bem pesada”, e proporcionalmente tinha uma aparecia harmônica. Conseguia manter uma agilidade que atraía um entusiasmo nos demais. Altura razoável, sempre com um sorriso, cabelo preto curtos, vestia sobriamente o traje escoteiro, sempre bem arrumada sem afetação.

No primeiro curso conversamos pouco. Fiquei sabendo que era Akelá de um Grupo de outro bairro, e estava no movimento há mais de 10 anos. Não teve oportunidade de chegar a Insígnia, mas este era seu sonho.

Alguns anos depois, participava de um CIM, na época Curso da Insígnia da Madeira ramo lobinhos, e lá reencontrei Tininha. Vi que seu objetivo estava sendo alcançado. Como tinha obrigação de poucas palestras, nas horas livres conversávamos banalidades.

Narrou de forma sucinta a historia do seu grupo e alcatéia. Estavam em um bairro de classe media alta, e vários fatores implicavam no desenvolvimento pleno da alcatéia. Os pais nunca pediam e sim exigiam como se os filhos estivessem em um colégio de elite, pago e que eles pudessem decidir o programa e o método. Era, portanto uma situação peculiar e emblemática. Talvez única para meus conhecimentos.

Não falamos mais. Não havia tempo. Era um curso corrido sem vagares e isto era bom. Pouco tempo e precisava ser aproveitado. Quando mais vigília melhor o aproveitamento. Ao final não vi Tininha e mais dois anos se passaram.

Num sábado comum, sem nada importante, durante as reuniões das sessões, estava eu cachimbando em um canto do pátio (naquela época tinha este horrível vício) e para surpresa adentrou Tininha, uniformizada, sorrindo e me cumprimentando. Notei que portava o lenço da Insígnia.

Após um dialogo interessante, Tininha me contou as agruras e benesses que passou no grupo de origem. Um episódio em particular mudou sua maneira de pensar e de como enfrentar uma dificuldade real. No inicio acreditou que conseguiria depois a circunstância a levou a refletir que suas forças seria desiguais. Palavras da Tininha:

- Olhe chefe, em nosso programa anual, conforme uma idéia lançada pelo senhor no último curso, planejamos fazer um acantonamento com a alcatéia de 3 dias, em local aprazível, próximo a Mata Atlântica, um lindo sítio, muito agradável, gentilmente cedido por um dos pais. Na primeira reunião com os progenitores, algumas mães se opuseram ao programa dizendo ser ele perigoso e arriscado e se não mudássemos de local, seus filhos não iriam.

O fato mais preocupante para elas (as mães) foi de que ficaríamos acampados em barracas, próximo a casa sede, bem próximo a mata. Mas o que vimos quando lá chegamos que era um bosque gramado e cheio de apetitosos locais para uma mística perfeita, inclusive com uma Pedra de Conselho e pequena gruta próxima. Acreditei que ali os lobinhos poderiam plenamente viver as peripécias de Mowgli.

Não eram os que elas pensavam. Entendi que o assunto não deveria ter continuidade. “Era malhar em ferro frio”. A metade concordou em permitir à ida dos seus filhos a outra não. No final, quatro foram irredutíveis, mas aceitaram a participação dos rebentos, exceto a maioral que iniciou a discussão.

 O Chefe do Grupo não disse sim e nem não. Fiquei com minhas três assistentes plenamente sós. Disse a elas que se aceitássemos a mudança, não teríamos mais liberdade no futuro para programar conforme preceitos aprendidos. Nossa responsabilidade já era sobejamente conhecida, pois não era o primeiro acantonamento feito. Todas nós possuíamos filhos e nunca iríamos arriscar nossos lobinhos em uma atividade perigosa.

Possuíamos uma alcatéia mista, com 11 lobinhos e 16 lobinhas. Acima dos 24 regidos pelo POR. Achava que era uma ótima alcatéia. Vários lobinhos e lobinhas chegando a Cruzeiro do Sul e pelo menos 5 fazendo a Trilha Escoteira. Nossa lista de espera passava de 28 pedidos de inscrição. Não sei o porquê o grupo deixava de instituir a segunda alcatéia.

Bem, era férias de julho, o tempo nem quente nem frio em uma manhã linda de sol, lá estávamos com a “lobada” se extasiando em armar barracas, gentilmente cedidas pela tropa escoteira. Parecia que a amálgama seria desordenada. Não era. Tudo tinha uma razão de ser. Cada matilha aprendeu a fazer fazendo a colocar em pé, uma barraca para 6 lobinhos. Não ensinávamos. Entregamos a barraca e eles faziam.

Era do método escoteiro, mas porque não ali? Pelo que estávamos vendo era uma alegria só e os resultados surpreendentes. Quase todos conseguiram, algumas matilhas levou mais tempo, mas faltava apenas um aperto ali e aqui que nós chefes o faríamos antes da noite.

A Chefia era formada por mim, três assistentes e dois casais de pais que se prontificaram a se responsabilizar pela intendência e refeições. O primeiro dia foi cheio de energia e quando imitamos uma sessão da Alcatéia de Mowgli a discutir na Pedra do Conselho a assistente informou que Shere Khan, o turuna tinha mudado seu campo de caça e foi “prear” por outros montes.

A caçada a Chere Khan, o turuna foi liderada pelo Lobo Gris. Uma aventura sem igual. Mais tarde com a dança de Kaá, a festa foi geral. À noite brincamos e jogamos. Dois jogos um calmo e um cheio de mistério fez com que todos ficassem preocupados com o aparecimento de Shere Khan a qualquer momento.

 Sentados ou deitados na grama em círculo, após diversas canções atiladas, estava a contar parte da história da jângal e dizia – Olhem quando Mowgli não estava aprendendo, sentava-se ao sol para dormir. – Os bocejos continuaram aqui e ali. A “lobada” estava extenuada. – Mesmo assim continuei: Urra, Urra, rosnou Bagheera entre dentes. Urra que tempo virá em que esta coisinha nua te fará urrar noutro tom...”   

Não adiantava continuar. Agora alguns já cochilavam sentados. O sono chegara. Junto com as assistentes colocamos todos eles para dormir nas barracas. Com uma participação pequena, fizemos com eles uma oração para agradecer o dia e nossas atividades. Não houve algazarra e em minutos o silencio era total. A noite prometia e um céu estrelado dizia para dormirmos tranqüilas.  Eu e as assistentes fomos para a nossa barraca, e os pais ficaram na Casa Sede.

Acreditei não precisar montar uma atalaia noturna. O proprietário nos confirmou da impossibilidade de estranhos ao local. Era todo murado e com um grande portão de aço com chaves e cadeados. Acreditamos. Dormimos como anjos.

Pela manhã, acordamos a “lobada”. 4 deles não estavam na barraca. Seus materiais de dormir e mochilas também não estavam. “Deus do Céu!” pensei. Chamamos os pais na casa sede. Telefonamos ao chefe do Grupo. Eu sempre fui uma pessoa calma, mas estava com os nervos a flor da pele. Tremia e pensava no pior. Fiz uma oração e pedi a Deus para nos ajudar.

Uma das assistentes continuou a programação com os demais lobinhos. Eu estava totalmente “perdida”. Nunca pensei que fosse acontecer comigo. Como? O que aconteceu? Ora, estávamos bem próximo a mata Atlântica. Poucos se arriscavam a entrar nela. Agora nem eu. Pensei na negativa das mães da realização da atividade. Seria uma bomba! Iria sofrer conseqüência inevitáveis.

O Chefe do Grupo chegou. Era calmo e ponderado. Em momento algum fez recriminações. Tudo tinha o seu tempo. Ficou ciente de tudo. Antes de chamar os Bombeiros e o salvamento ligou para uma das mães para solicitar que avisasse as outras e virem para o sítio o mais tardar. Narrou o acontecido. Pediu para manter a calma e dizer a todas que tudo seria resolvido a contendo.

Ela riu e disse para não se preocupar. A mãe que foi contra a realização do Acantonamento, convenceu a todas nós a darem um susto na chefia da alcatéia principalmente a mim. Foram na calada da noite e sem ninguém perceber entraram no sítio (possuíam o chave do portão, e como conseguiram não sei) levando os filhos em completo silencio.

Espantoso! Pensou o Chefe do Grupo. Que falta de responsabilidade. Disse a ela que avisasse as demais que se não trouxessem seus filhos imediatamente, ele daria parte a policia que os lobinhos tinham sido seqüestrados. Não importava se eram as mães, pois tinha em poder as autorizações assinadas e a responsabilidade era dele.

 Uma hora depois elas chegaram. Não houve maiores explicações e nem as pedimos. Foram-se. Os filhos lobinhos ficaram. Faz parte de um grande jogo disse ele aos lobinhos. Os quatro lobos foram à cidade dos homens e voltaram. Aplausos, jogos, histórias, mística até mesmo um pequeno passeio dentro da mata com um guia contratado.

Olhe chefe disse, passei por poucas e boas. A palavra arrogância não a conhecia em toda sua plenitude. Aprendi muito depois disto. Mas continuo acreditando que o movimento é maravilhoso e muitos pais sabem de sua importância. Vi e senti na própria pele a participação de vários deles se solidarizando e prestativos se colocaram a disposição para outros acantonamentos ou excursões.

Insisti com as revoltosas a deixarem seus filhos continuarem. Uma não aceitou. Fiquei penalizada devido ser seu filho um jovem com potenciais tremendos para continuar no movimento devido a sua enorme motivação.

Fiquei lá mais um ano. Minha família mudou para este bairro, e agora estou aqui. Pedindo uma vaga e comigo trago uma transferência. O senhor me aceita?

E quem quiser que conte outra...

“As estrelas desmaiam, concluiu o Lobo Gris, de olhos erguidos para o céu, onde me aninharei amanhã? Porque Dora em diante os caminhos são novos...”
Kipling

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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