sábado, 3 de dezembro de 2011

AS GUIAS DE HAMELIM E A DOCE ANNE


As guias de Hamelim e a doce Anne

"Veja as qualidades e elogie; os defeitos logo desaparecerão.”
Anônimo

Espero que não confundam. Nada a ver com o conto do Flautista de Hamelim. Claro, precisavam de mais guias. Não estava sendo fácil a Tropa de Guias Olavo Bilac tocarem sua programação. Muitos motivos existiam. Mas antes de entrar nesta parte, vamos voltar no tempo e saber do porque e como foi o início da história.

Lembro de Anne quando lobinha. Muito ativa, tinha alguma dificuldade para aprender as etapas. Estava indo bem e as outras meninas fizeram dela uma líder, apesar das dificuldades que ela enfrentava para fazer uma ou outra prova. Pena que entrou com 9 e em poucos meses já fizera os 10 anos. Ficou pouco tempo na alcatéia.

Anne era assim. Direta mas não muito inteligente. Andava com pequena dificuldade. Quando nasceu viram que sua perna direita estava atrofiada. Precisou de várias cirurgias para ela voltar ao normal. Levou tempo para aprender a andar. Agora, tinha dificuldade e mancava um pouco. Anne não reclamava. Nasceu assim e se acostumou.

Suas amigas do bairro a respeitavam e adoravam seu jeito de ser. Meiga, prestativa, caritativa isto é, não poderia ser considerada uma grande samaritana, mas faltava pouco.

No colégio as professoras eram só elogios. Não sei por que Anne era tão admirada e adorada. Tinha dificuldades para acompanhar as demais colegas nas matérias aplicadas. Quem sabe por ser tão amada estas dificuldades eram completadas com o grande interesse das professoras em ajudá-la. Era comum para Anne tais tipo de ajuda. Mas independente disto, ela se esforçava e mostrava a todos que tinha iniciativa e poderia chegar lá.

Seus pais a amavam. A dedicação ia às raias do impossível. Nada os demovia dos desejos de Anne e dos seus sentimentos. Desde quando nasceu, eram assim. Freqüentes em sua vida. Dedicação extrema. Chegavam ao ponto de atrapalhar o desenvolvimento de Anne. Isto mudou um pouco quando ela manifestou interesse em participar do escotismo.

Anne não possuía um belo sorriso. Bonita? Não sei. Talvez uma simpatia que substituía todos os atributos necessários. Anne era admirada por todos que a conheciam. Cabelos loiros, magrinha, altura media para a idade. Seus olhos azuis eram profundos. Era difícil explicar como Anne atraia a todos e a amizade que demonstravam era inteiramente genuína.

Aos dez anos e meio, passaram Anne para a tropa escoteira feminina. Ela chorou muito na passagem. Claro, houve uma preparação desde sua trilha. Ela sabia e compreendia. As saudades não seriam tantas, pois todos os dias lá estavam a Tropa e a Alcatéia.

Anne sentiu muitas dificuldades no inicio. Nas excursões era sempre a última. Nos jogos de força ou corrida se a patrulha dependesse dela, não marcariam pontos. Mas Anne se sobressaia em outros jogos, onde nem sempre a força e agilidade imperava.

Nos acampamentos ia bem. Aprendeu a cozinhar com sua mãe e era uma excelente cozinheira na patrulha. Só isto era motivos de receber os elogios da monitora. As demais patrulhas sempre esperavam um convite para almoçar ou jantar lá (era comum os convites).

Anne mal mal “tirou” a segunda classe. Um dia, estava em uma atividade de domingo fora da cidade, quando o Chefe do Grupo chegou apressado. Anne quando soube da notícia ficou petrificada. Não acreditava. Seu pai tinha sofrido um ataque cardíaco e faleceu em seguida. Não deu tempo nem de levá-lo ao hospital.

Quase todo o grupo participou do funeral. Anne não chorava. Seu semblante triste tentava compreender e imaginar como seria sua vida de agora em diante. A mãe de Anne há abraçava o tempo todo. Foram para casa. Ela jurou a Anne (sua mãe) que nada iria lhe faltar. Seu pai não deixou muita coisa, mas com a pensão e seu trabalho (era costureira) não precisariam da caridade de ninguém.

Anne continuou no Grupo Escoteiro. Já fazia quatro anos que estava na tropa escoteira. Fez quinze anos e ela foi convidada a fazer a rota sênior. Não gostava muito da idéia, mas elas, as guias precisavam dela. Eram somente três e com Anne seriam quatro.

A chefe não tinha nenhum conhecimento de como chefiá-las e orientá-las tecnicamente. Fez um CAB e teve algumas idéias. Mas todas esbarravam no número. Eram poucas. Nada podiam fazer com quatro. Fizeram boas excursões e dois acampamentos. Mas tudo meio parado. Mesmo criando programas a tropa de guias não entusiasmava.

Em uma atividade nacional sênior, viram com surpresa que varias patrulhas eram mistas. Isto aumentava em numero e as patrulhas eram bem divididas. Conheceram uma tropa com 4 patrulhas. Mas viram que somente oito eram de sexo masculino. Os demais eram jovens femininas.

Discutiram muito o assunto. A tropa sênior do grupo ia bem. Tinha duas patrulhas com seis e mais 4 escoteiros fazendo a rota. Em pouco tempo seriam três patrulhas. A idéia de juntar as duas tropas não agravam as guias exceto uma que tinha olhares melosos a um sênior. Souberam depois que eles também não aderiram à idéia.

Foi em uma atividade filantrópica, mais especificamente a boa ação mensal da patrulha que conheceram diversas jovens com idades semelhantes à delas. Era uma instituição de menores abandonados, dirigida por padres e irmãs católicas.

Várias delas se acercaram e tocavam seus uniformes, seus distintivos, seus lenços enfim, estavam a admirar tudo o que viam. Contaram 12 mocinhas órfãs de quinze a 17 anos. Haviam outras com idades inferiores.  Como tinham feito um programa de palestras e alguns jogos logo sentiram que não seria aquilo que as meninas queriam.

Anne foi para casa pensativa. Contou para sua mãe o acontecido. Tinha uma idéia na mente, mas não sabia o que era e nem como desenvolvê-la. Sua mãe a incentivou a fomentar com as demais guias o que poderiam fazer por aquelas meninas.

Varias discussões, várias idéias, mas nenhuma como Anne tinha em mente e não sabia o que era. Durante vários meses, Anne e as demais fizeram todo tipo de conceitos, meditações, concepções, mas nunca chegaram a um meio termo. Continuaram a freqüentar a instituição. Anne se tornou muito amiga de todas as doze que ficavam juntas e estas tinham uma verdadeira veneração por Anne.

Puff! Heureca! Um punhado de estrelas brilharam na mente de Anne. Ali estava a tropa de guias completa. Doze e mais quatro seriam dezesseis. Três patrulhas de cinco e podiam crescer. Outras meninas do orfanato queriam se aproximar.

Apareceram os senões. Das outras guias, da chefe, do Chefe do Grupo. Impossível diziam. Fazer as reuniões lá aos sábados não era frutífero. Levá-las ao grupo sem condições. Como uniformizar todas elas? Como seria a reação das irmãs e dos padres? O que a instituição pensaria a respeito?

Anne não desanimou. Sabia que o possível era fácil de resolver. O impossível é que seriam elas. Mas Anne sempre aprendeu e até leu em um livro do fundador que o impossível não existe. Havia uma caricatura de alguém chutando a palavra impossível do caminho. Anne era assim. Quando colocava algum em sua mente nada iria demovê-la.

Anne numa terça foi até a sede da prefeitura local. Uniformizada é claro. Não conseguiu falar com o prefeito e foi recebida por um assessor. Disse o que esperava da prefeitura. Um ônibus ou um van escolar para transportar todos os sábados às meninas até ao grupo. Ida e volta. Este transporte estava subordinado às atividades especiais do Grupo nas suas programações anuais que seriam fornecidas a prefeitura.

Resolvido. Não aceitou só a palavra pediu um documento para poder ter aberturas nas outras “impossíveis” soluções que foram apresentadas. Procurou uma empresa próxima e pediu para falar com o diretor. Foi recebida de imediato. Nada como uma escoteira bem uniformizada.

Pediu para eles adotarem as doze do orfanato em suas participações no Grupo Escoteiro. Sem querer ensinar, tinha lido que as despesas eram dedutíveis no imposto de renda. Isto incluiria o uniforme e gastos com acampamentos ou viagens. Se houvesse maior procura de outras jovens do orfanato, até um número limite a empresa também assumiria. Concordaram.

Ficaram titubeantes no inicio, mas viram que ali tinha um manancial de marketing para os funcionários e clientes. Exigiu deles uma documentação para comprovação e mostrar ao orfanato que existiam várias instituições e empresas dispostas a colaborar.

Agora o principal. Convencer as irmãs e os padres da idéia e mostrar os benefícios que isto poderia trazer para o orfanato e as meninas na pré-adolecencia. Era o mais difícil. Conversou com o Chefe do Grupo e com sua chefe da tropa. Sugeriu a eles que fossem com as guias e lá tentariam fazer um pré informativo, de poucas horas com a participação dos diretores e assistentes da instituição.

Não foi fácil. O diretor, um Padre antigo e radicado lá há muitos anos não estava concordando. Os demais padres e irmãs convenceram a ele deixar que os chefes dessem o informativo. Assim foi feito. No dia, todo o Grupo Escoteiro realizou suas atividades no orfanato. Era só órfãs e não havia nenhum menino ali.

A reunião e o informativo foi um sucesso. Quando no final Anne pediu a palavra e com documentos mostrou o que tinha conseguido e qual era sua idéia, muitos na platéia bateram palmas. O diretor concordou. Era uma experiência inédita. De descendência francesa, conheceu quando menino o movimento escoteiro apesar de não ter participado.

Passaram-se dois anos. A tropa de guias cresceu. O flautista de Hamelim trouxe as jovens que faltavam. Anne sorria. As guias sorriam. Os seniores ficaram admirados. A região soube e parabenizou.

Está fazendo mais de três anos que não visito o grupo escoteiro de Anne. Mas mesmo que a idéia tenha prevalecido por muitos anos, tenho certeza que valeu. Não era bonita, não era inteligente, andava com dificuldade, mas tenho certeza que milhares de guias espalhadas nesta nação gostariam de ser a doce Anne!

E quem quiser que conte outra...

"Há corações que param no passado; e para que isto não
 aconteça com você deixo-lhe este pequeno lembrete, para que o
 seu coração, ao mover-se no futuro, encontre sempre algo no
 presente.”
Anônimo

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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